Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00041662 | ||
| Relator: | FERNANDO BAPTISTA | ||
| Descritores: | SEGURO LEGITIMIDADE CONTRATO DE ADESÃO DEVER DE COMUNICAÇÃO DEVER DE INFORMAR INTERPRETAÇÃO CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL | ||
| Nº do Documento: | RP200809110834361 | ||
| Data do Acordão: | 09/11/2008 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | CONFIRMADA. | ||
| Indicações Eventuais: | LIVRO 767 - FLS 190. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - No seguro de grupo, ramo vida, embora o beneficiário directo seja o tomador do seguro, o segurado não deixa de ser beneficiário, mesmo que indirecto, já que, não só é a ele que compete efectuar os prémios (“a prestação”) à seguradora (ut artº 761º, nº1 CC), como é ele quem com aquele pagamento fica liberto de uma dívida. II - Por isso, o segurado não apenas tem legitimidade processual (é interessado directo na demanda), como substantiva, podendo, por isso, não apenas peticionar a condenação da seguradora a pagar ao Banco mutuante o capital necessário à amortização do empréstimo -- sem ter de ficar à espera que a entidade bancária resolva accionar a seguradora para cumprir aquela obrigação --, como, também, a condenação da mesma seguradora a reembolsar o próprio segurado dos valores que haja pago ao Banco desde a dada da verificação do risco previsto na apólice. III - O Decreto-Lei n.° 446/85, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 220/95, atravessa, longitudinalmente, todo o ordenamento jurídico português e é aplicável a todo o tipo de negócios em cujos contratos singulares ou elaborados em forma de minuta, para o futuro, se incluam cláusulas contratuais gerais -- só cedendo perante as excepções que ele próprio a si mesmo se impôs e que constam do seu art.° 3.° --, incluindo-se dentro da aplicação do mesmo diploma legal os contratos de seguro de grupo, como contratos de adesão que são. IV - Embora, numa primeira análise, seja o tomador do seguro (o Banco mutuante) quem no seguro de grupo tem o dever de informação do teor das cláusulas, a falta de informação desse intermediário repercute-se na seguradora, não sendo essa falta oponível ao segurado, arcando, assim, a seguradora com as respectivas consequências, sem que possa invocar perante o segurado as cláusulas contratuais gerais a que essa falta respeita. Ou seja, responde perante o segurado, sem prejuízo de poder (eventualmente), depois, poder vir a accionar o intermediário (tomador do seguro de grupo) pelo prejuízo que tal falta de informação lhe tenha acarretado. V - Tendo o nosso legislador, para efeitos de interpretação das condições gerais dos contratos, optado pela “interpretação individual”, evitando-se uma interpretação que obedecesse a critérios rígidos, uniformes ou generalizados, as cláusulas contratuais de interpretação duvidosa ou ambígua devem ser interpretadas no sentido mais favorável à contraparte do utilizador, cabendo ao utilizador suportar o risco de uma possível ambiguidade. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. nº 4361/2008 Relator: Fernando Baptista (Rec. Nº 503) Adjuntos: Des. José Ferraz Des. Ataíde das Neves Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto I. RELATÓRIO: No .º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial de Gondomar, B………. e C………., residentes na ………., ………., Gondomar, intentaram acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra " Companhia de Seguros D………., SA", com sede na ………., n° ., ….-…, Lisboa. Alegam, em síntese: Que em 1998 solicitaram ao então "E………., SA", o financiamento de 5.000.000$00, que lhes foi concedido por aquela instituição bancária e que, como condição da aprovação e concessão de tal crédito, os autores contrataram com a aqui ré um seguro de capital equivalente ao mutuado, cobrindo o risco de morte e invalidez absoluta e definitiva dos autores, sendo beneficiário a instituição concedente do mútuo. Que na vigência do contrato de seguro foi diagnosticado à autora B………. um tumor na mama direita, o que determinou a que fosse sujeita a intervenções cirúrgicas e tratamentos, e acarretou-lhe incapacidade total e permanente para o trabalho. Entendem ter-se concretizado o risco coberto pela apólice, devendo o capital seguro ser pago à instituição bancária beneficiária. Pedem: A condenação da ré a pagar ao "E………., SA", ou à instituição que o represente, o capital de € 24.939,89, para amortização integral do empréstimo concedido aos autores. Citada, a ré apresentou contestação, na qual, em síntese, começa por invocar ter celebrado com o "E………., SA", contrato de seguro de grupo a que os autores aderiram em 1999, com um capital de 5.000.000$00, sendo beneficiário o "E………., SA". Afirma que tal contrato de seguro garante o risco de morte e incapacidade total e definitiva, mas afirma que, de acordo com as condições especiais da apólice em causa, relevante apenas será a incapacidade de praticar toda e qualquer profissão, com necessidade da assistência de uma terceira pessoa para a realização dos ordinários actos da vida. Entende não ocorrer a situação de incapacidade tal como contratualmente definida. Impugna, por desconhecimento, os restantes factos invocados na petição inicial. Conclui pedindo a improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido. Os autores apresentaram tréplica, na qual, em súmula, re-afirmam terem aderido em 1998 ao contrato de seguro de grupo que invocam; re-afirmam a situação de incapacidade absoluta da autora B………., e alegam necessitar a mesma do auxílio de terceira pessoa para a realização dos actos do seu dia-a-dia. Concluem como na petição inicial. Foi proferido despacho saneador e procedeu-se à elaboração do elenco dos factos assentes e da base instrutória (fls. 73 e segs.), não tendo as partes apresentado qualquer reclamação. Instruída a causa, realizou-se a audiência de julgamento, no decurso do qual pelos autores foi requerida ampliação do pedido inicialmente formulado, pretendendo ainda a condenação da ré no reembolso aos autores da totalidade dos valores por estes pagos, ao "E………., SA", ou à entidade que lhe tenha sucedido, com referência ao contrato de seguro em causa nestes autos, acrescidos de juros legais, valores a liquidar em decisão ulterior. Tal ampliação do pedido foi admitida por despacho de fls. 387. Após, foram dadas repostas às questões de facto enunciadas na base instrutória, não tendo as partes apresentado qualquer reclamação (fls. 380-384). Por fim, foi sentenciada a causa, julgando-se a acção improcedente, com a consequente absolvição da ré do pedido. Inconformados com o sentenciado, recorreram os autores (fls. 306), tendo apresentado alegações que rematam com as seguintes “CONCLUSÕES: A) Aderem à qualificação jurídica feita na douta decisão recorrida, relativamente ao tipo contratual subjacente aos presentes autos; B) Nesse sentido, também entendemos que os aqui AA assumem a dupla posição de pessoa segura e a de beneficiário, com referência a este contrato de seguro; C) Possuindo, por isso, a capacidade de exigir directamente da ré o pagamento do valor do capital seguro, verificado que fosse um dos factos justificativos, previstos na correspondente apólice de seguro; D) Todavia, também por essas razões se afigura pouco razoável a afirmação feita na douta sentença recorrida no sentido de que no plano negocial entre a ré e os autores nenhum contacto se estabeleceu; E) Ou que, não tendo ficado assente nos autos quem comunicou aos autores os contornos concretos da cobertura contratada, nunca seria sobre a ré que recairia o correspondente ónus ou obrigação - designadamente no que diz respeito à definição do risco coberto pelo seguro; F) A ser aceite tal interpretação, ficaria criado um enorme potencial de subversão da letra e do espírito subjacente ao regime legal constante do DL n° 446/85, de 25-10, criados precisamente para protecção dos destinatários dos chamados contratos de adesão; G) Do qual nos presentes autos temos um claro exemplo; H) A cláusula contratual invocada pela ré deve ter-se por excluída do contrato de seguro, nos termos do disposto no art. 8.°, als. a) e b) do citado DL n° 446/85, uma vez que a ré não cumpriu o ónus a quem aludem os arts. 5.°, n° 3 e 6.°, do mesmo diploma legal; 1) O que se conclui, designadamente, da resposta negativa ao quesito 12° da base instrutória; J) Normas violadas pela decisão recorrida, nesta parte: arts. 8.°, als. a) e b), 5.°, n° 3 e 6.°, todos do DL 446/85, de 25-10; Sem prescindir, K) Mesmo que assim se não entenda, sempre da matéria de facto considerada assente resultaria a verificação do risco previsto no contrato de seguro em presença; L) A autora, cujas habilitações e braçal, está não só impedida de exercer a sua profissão (cfr. ponto 22. da matéria de facto assente), como necessita de apoio de terceira pessoa para realizar as tarefas mais simples da lide doméstica (cfr. ponto 23. da matéria de facto assente); M) Outrossim, à autora foi reconhecida uma incapacidade permanente global para o trabalho de 80% -cfr. ponto 20. da matéria de facto assente; N) Não se afigura exigível, razoável ou JUSTO aferir a capacidade para o trabalho da autora em funções de outras profissões para a qual não tem, nem nunca teve, capacidade ou habilitações; O) Como parece decorrer do relatório pericial de fls. 264 a 269; P) O estado de invalidez absoluta e definitiva ou a incapacidade total e definitiva para a prática de profissão ocorre quando a pessoa fique, em consequência de doença ou de acidente, total e definitivamente incapacitada de exercer qualquer profissão compatível com os seus conhecimentos e as suas capacidades e desde que tal situação possa merecer constatação médica objectiva; Q) O que está devidamente assente e provado nos autos, sem qualquer margem para dúvidas, relativamente à autora; R) Tal interpretação é a única admissível, quer em face do disposto no art. 236.° do Código Civil, quer em face dos critérios constantes do art. 11.° do DL n° 446/85, de 25-10, normas estas que foram violadas pela decisão recorrida. TERMOS EM QUE, com o douto suprimento omitido, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e por via disso ser julgado procedente o pedido constante da ampliação do pedido formulada e já admitida nos autos, por despacho transitado em julgado.” A Ré contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso. Foram colhidos os vistos. II. FUNDAMENTAÇÃO II. 1. AS QUESTÕES: Tendo presente que: - O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil); - Nos recursos se apreciam questões e não razões; - Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questões suscitadas pelos apelantes são as seguintes: - Natureza do contrato de seguro e posição dos autores no mesmo -- maxime se podem exigir directamente da ré o capital seguro verificado um dos factos justificativos previstos na apólice; - Da eventual aplicação ao contrato de seguro sub judice do diploma das cláusulas contratuais gerais; - Da falta de comunicação dos “contornos concretos da cobertura contratada” e suas consequências; - Da verificação do risco previsto no contrato; - Do mérito da acção, nomeadamente no que tange ao peticionado na ampliação do pedido deduzido na audiência de julgamento (cfr. fls.378). II. 2. OS FACTOS: No Tribunal a quo deram-se como provados os seguintes factos: 1- Em 1998 os autores solicitaram ao "E………., SA" a concessão de um empréstimo de 5.000.000$00 (€ 24.939,89), no âmbito imobiliário, que foi aprovado e concedido pela referida instituição bancária. 2- Como condição de aprovação e concessão desse empréstimo, os autores tiveram de contratar um seguro de vida com um capital seguro igual ao empréstimo de 5.000.000$00 solicitado. 3- Esse seguro foi apresentado pelo próprio "E………., SA", e contratado com a "Companhia de Seguros F……….", actualmente "Companhia de Seguros D………., SA", e consistiu na adesão dos autores a uma apólice de seguro de vida de grupo, a que correspondia o n° de apólice .-.-..-……/.. . 4- A "Companhia de Seguros F………." emitiu, com data de Fevereiro de 1999, o certificado n° …., referente à apólice n° .-.-……../.., em que é segurado "E………., SA", com início de adesão a 01 de Fevereiro de 1999, e válido desde 02 de Fevereiro de 1999, pelo qual declara que o autor C………. se encontra abrangido como pessoa segura pela referida apólice, e que «os beneficiários constam na proposta de adesão e/ou nas condições particulares da apólice». 5- Do referido documento consta como capital da garantia base 5.000.000$00 e como garantias complementares invalidez absoluta e definitiva por acidente e invalidez absoluta e definitiva por doença. 6- Encontra-se junto a fls 10 dos autos o certificado individual de seguro emitido pela ré com data de 07 de Janeiro de 2003, referente ao ramo vida, apólice …….., certificado …….., sendo identificado como tomador de seguro "G……….", e como pessoas seguras o autor e a autora, com data de início a 01 de Fevereiro de 1999 e termo a 01 de Fevereiro de 2014, sendo o capital seguro de € 22.483,12, e sendo o âmbito da cobertura o seguinte: - cobertura principal :morte; - cobertura complementar: invalidez absoluta definitiva, tudo conforme documento junto a fls 10, que se dá aqui por reproduzido. 7- Encontra-se junto a fls 7 dos autos como documento n° 2, que aqui se dá por reproduzido, o certificado individual de seguro, acta adicional, emitido pela ré, referente ao ramo vida, apólice n° …….., certificado n° ……, sendo identificado como tomador de seguro "G……….", e como pessoas seguras o autor e a autora, com início a 01 de Fevereiro de 1999 e termo a 01 de Fevereiro de 2014, sendo € 22.483,12 o capital seguro, e o âmbito de cobertura o seguinte: - cobertura principal: morte; - cobertura complementar: invalidez absoluta definitiva. 8- Encontra-se junto a fls 9 dos autos o documento denominado certificado individual de seguro, 2a via, emitido pela ré, referente ao ramo vida, apólice n° …….., certificado n° …….., sendo identificado como tomador de seguro "G……….", como entidade pagadora o autor, como pessoas seguras o autor e a autora, com início a 01 de Fevereiro de 1999 e termo a 01 de Fevereiro de 2014, sendo € 22.483,12 o capital seguro, e o âmbito de cobertura o seguinte: - cobertura principal: morte; - cobertura complementar: invalidez absoluta definitiva. 9- Entre a ré, ao tempo denominada "Companhia de Seguros F………., SA", e o "E………., SA", ao tempo denominado "H………., SA", foi celebrado em 1995 o contrato de seguro de grupo titulado pela apólice n° ….-…../.., regido pelas condições constantes do documento de fls 20 a 25, que aqui se dá por reproduzidas. 10- Nos termos do referido documento, era segurado e beneficiário das garantias da apólice o referido "E………., SA", garantindo a apólice o pagamento do montante de crédito concedido pelo referido Banco à data da adesão da pessoa segura, em caso de morte da pessoa segura, em consequência de doença ou acidente, e em caso de invalidez absoluta e definitiva, que, em caso de doença ou acidente, afecte a pessoa segura. 11- Nos termos do artigo 2° do referido documento, são considerados candidatos a pessoas seguras todos os clientes do segurado com idade máxima de 69 anos à data do início da garantia e que tenham em empréstimo de crédito à habitação pelo regime geral. 12- Nos termos do artigo 1 ° do documento denominado cobertura complementar de invalidez absoluta e definitiva - condições especiais, junto aos autos a fls 24 e 25, pela referida cobertura complementar a seguradora garante o pagamento do capital indicado nas condições particulares, se a pessoa segura ficar com uma incapacidade total e definitiva de praticar toda e qualquer profissão, necessitando ainda da assistência de uma terceira para os actos ordinários da sua vida. 13- Através do adicional n° 2, referente à apólice n° ………/.., subscrito a 28 de Maio de 1998 pelo tomador e pela "Companhia de Seguros F………., SA", as partes acordaram que o artigo 2° das condições particulares da referida apólice passou a ter, desde o início (05 de Junho de 1995), a redacção que consta de fls. 27, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 14- Através do adicional n° 3, referente à apólice n° ……../.., subscrito a 13 de Agosto de 1999 pelo tomador do seguro e pela "Companhia de Seguros F………., SA", as partes acordaram que o artigo 2° das condições particulares da referida apólice passou a vigorar desde o início com a redacção que consta de fls 28, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 15-A apólice n° .-.-..-……/.., referida em 4-, corresponde presentemente à apólice n° …../.., referida em 6- a 14-. 16- O certificado n° …., referido em 4-, corresponde actualmente ao certificado n° …….., referido em 6-, 7-e8-. 17- Os autores aderiram ao contrato de seguro de vida de grupo, nos termos referidos em 3- e 4-, em Julho de 1998,_ através dos documentos cujas cópias constam dos autos a fls 35, 179 e 181. 18- Foi diagnosticado à autora B………. um carcinoma na mama direita ... 19- Em consequência do que a autora foi sujeita a intervenções cirúrgicas e tratamentos. 20- A autora B………. foi submetida a Junta Médica pela Autoridade Regional de Saúde do Norte, Sub-Região de Saúde do Porto, que, em Junho de 2002, atribuiu à autora incapacidade permanente global de 80%. 21- A autora trabalhava como empregada de limpeza, o que lhe exigia esforço físico. 22- A autora, de forma permanente, está incapaz de exercer a profissão referida em 21-. 23- A autora necessita da assistência de terceiras pessoas para realizar a lida da casa, e lavar e passar a roupa. III. O DIREITO Os apelantes não impugnam a matéria de facto, pois não questionam a bondade da relação dos factos dada como assente na primeira instância. Como tal, têm-se tais factos como pacíficos, já que também se não vê razão para a modificabilidade da decisão da matéria de facto ao abrigo do disposto no artº 712º do CPC (cfr. artº 713º, nº6, do CPC). Apreciemos, então, as questões que os apelantes suscitam nas conclusões das suas alegações de recurso. • Primeira questão: natureza do contrato de seguro e posição dos autores no mesmo contrato -- maxime se podem exigir directamente da ré o capital seguro verificado um dos factos justificativos previstos na apólice: O contrato de seguro em causa insere-se num (mais amplo) contrato de seguro de grupo, ramo vida, outorgado entre a ré o e E………., SA, segundo o qual a ré garantiu o pagamento do crédito concedido pelo banco às pessoas seguras, em caso de morte ou invalidez absoluta e definitiva desta, por doença ou acidente. Os autores limitaram-se a aderir a tal apólice de seguro de grupo, para o que a ré emitiu o respectivo certificado declarando “que o titular deste certificado, (…), se encontra abrangido, como Pessoa Segura”, mais declarando “que os Beneficiários constam da Proposta de adesão e/ou nas Condições Particulares da Apólice” (doc. fls. 6) -- condições particulares essas que são, precisamente, as que constam do documento de fl. 20-23 (contrato de Seguro de Grupo). Estamos, assim, portanto, perante um nítido seguro de grupo. - O contrato de seguro em geral é a convenção pela qual uma seguradora se obriga, mediante retribuição paga pelo segurado, a assumir determinado risco e, caso ele ocorra, a satisfazer ao segurado ou a um terceiro uma indemnização pelo prejuízo ou um montante previamente estipulado. Como é bom de ver, a estrutura básica do seu regime ainda se mantém do Código Comercial. Trata-se de um contrato formal, pois a sua validade depende de o respectivo conteúdo ser consubstanciado num documento escrito, denominado apólice, da qual devem constar, além do mais, o nome do segurador, do tomador e do beneficiário do seguro, o respectivo objecto e a natureza e o valor e os riscos cobertos (artigo 426º, § único, do Código Comercial). Efectivamente, a lei impõe para o contrato de seguro a forma escrita – deve inserir-se num documento, que constituirá a apólice (proémio do citado artigo 426º do Código Comercial). Na falta de apólice, o contrato de seguro é formalmente nulo, equivalendo, todavia, a apólice a minuta do contrato, desde que dela conste a assinatura do segurador, demonstrativa da sua aceitação (JOSÉ VASQUES in “Contrato de Seguro. Notas para uma Teoria Geral”, 1999, p. 106; Ac. do S.T.J. de 22/2/1979, in BMJ nº 284, p. 257; Rel. de Coimbra de 25/1/1978, in Col. Jur., 1978, tomo III, p. 260; ac. do S.T.J. de 16/12/1980, in BMJ nº 302, p. 273; Ac. desta Relação de 26/5/1987, in Col. Jur., 1987, tomo III, p. 92). De facto, «o assento do STJ de 22/1/1929, segundo o qual “a minuta do contrato de seguro equivale para todos os efeitos à apólice”, não significa que, antes da aceitação da seguradora, a apólice valha como contrato de seguro» (Ac. do S.T.J. de 15/7/1986 in BMJ nº 359, p. 731). «Para a perfeição do contrato de seguro é, pois, necessária a recepção e a aceitação da proposta do segurando por parte da seguradora» (Ac. do S.T.J. de 10/4/1986, apud ABÍLIO NETO in “Código Comercial. Código das Sociedades Comerciais. Legislação Complementar”, 15ª ed., Abril de 2002, p. 289). Refira-se, no entanto, que, apesar da nulidade do contrato de seguro, poderá a seguradora (bem como, se for o caso, a contraparte), ser responsabilizada com base na criação de uma expectativa, juridicamente relevante, de que o negócio havia sido concluído, em termos tais que a invocação da nulidade formal do negócio constituirá abuso de direito, nos termos previstos no art.º 334º do Código Civil (neste sentido, v.g., acórdão da Relação do Porto, de 24.5.1994, Col. de Jur., ano XIX, tomo III, pág. 219). Por outro lado, o contrato de seguro regula-se, desde logo, pelas condições gerais, especiais e particulares da apólice, não proibidas por lei, e, na sua falta ou insuficiência, pelo disposto nos art.s 425º e seg.s do C. Comercial, e 443º e seg.s do C.Civil. • Quanto ao contrato de seguro de grupo: Como diz PEDRO MARTINEZ[1], definir seguro de grupo não é tarefa fácil. Uma definição simples, mas que abarca a complexa realidade deste tipo de seguro, é esta: seguro de grupo é o contrato entre seguradora e tomador de seguro a que aderem, como pessoas seguras, os membros dum determinado grupo ligado ao tomador. Trata-se de um contrato sinalagmático, comercial, de seguro, formal, inominado, típico, oneroso, formado em dois momentos e trilateral. É, sem dúvida, um contrato complexo constituído por um plano de seguro e por tantos contratos de seguro quantas forem as adesões. São contratos em que a seguradora e o tomador de seguro celebram entre si um contrato de seguro de um determinado ramo -- embora podendo ter cobertura de vários ramos --, com vista à adesão dos membros de um determinado grupo. E o tomador de seguro promove as adesões tendo, inclusive, especiais deveres de informação e responsabilidades ao nível da gestão administrativa e de sinistros. O seguro é suportado pelos aderentes e não pelo tomador - beneficiário (no caso o banco). Com a adesão a tal contrato, os AS. adquiriram a qualidade de segurados, atenta a definição que consta do art. 1º do Dec. Lei nº 176/95, de 26-6 que regula a actividade seguradora. Por curiosidade, veja-se a noção que em França é dada ao seguro de grupo, definido no art. L 140-1 do "Code des Assurances": "É um contrato de seguro de grupo o contrato subscrito por uma pessoa colectiva ou um chefe de empresa com vista à adesão de um conjunto de pessoas que preencham as condições definidas no contrato, para cobertura de riscos dependentes da duração da vida humana, de riscos atinentes à integridade física da pessoa ou relacionados com a maternidade, de riscos de incapacidade para o trabalho ou de invalidez ou do risco de empréstimo. Os aderentes devem ter uma ligação da mesma natureza com o subscritor (tomador).". Sobre a proliferação deste tipo de produtos, pode ver-se os estudos de MÓNICA DIAS[2] e PAULA RIBEIRO ALVES[3]. • Sobre o regime jurídico aplicável ao seguro de grupo, seguimos os ensinamentos de PAULA RIBEIRO ALVES[4]. Assim, parece que sendo o seguro de grupo um contrato de seguro, embora com contornos diferentes do contrato de seguro individual, tendencialmente se dirá que a legislação de seguros, vocacionada para regular o seguro individual, é àquele aplicável. Assim, como ensina JOSÉ MARTINS[5], "Relativamente aos contratos de seguro colectivos ou de grupo (...) parece-nos que dever-se-á considerar em primeira análise o que estiver expressamente estabelecido nas condições gerais do contrato e, caso não esteja prevista esta situação, dever-se-á recorrer à lei geral, nomeadamente às regras constantes nos artigos 217.° e seguintes do Código Civil.". Com efeito, sendo evidente a existência de abundante legislação sobre seguros, parece que não se encontrando resposta para uma determinada situação no contrato, deverá ser nas regras de Direito dos Seguros que a mesma deve ser procurada, só depois se recorrendo às regras gerais sobre contratos. Na legislação portuguesa não há uma regulamentação autónoma do seguro de grupo, limitando-se o legislador a defini-lo[6] e a estabelecer o regime específico que encontra no art. 4.° do citado Decreto-Lei n.° 176/95, de 26 de Julho e em referências esparsas em algumas normas jurídicas. Esta pouca regulamentação específica aplica-se, em segunda linha, aos seguros de grupo. Depois, estando em causa um seguro, regulam o seguro de grupo as regras específicas do ramo que estiver em causa e as regras gerais de Direito dos Seguros. Estando em causa um contrato, aplicam-se-lhe as regras gerais dos contratos. Estando em causa cláusulas contratuais gerais, aplica-se o RCCG. Estando em causa um consumidor e preenchidos os requisitos de aplicação de cada diploma específico, podem aplicar-se regras de defesa do consumidor. O seguro de grupo como contrato a favor de terceiro? Por outro lado -- e sendo certo que a questão tem merecido particular atenção na doutrina, como bem se salienta e demonstra na sentença a quo--, adiantaremos, desde já, que no caso sub judice a prestação a realizar pela ré foi estabelecida (pelo menos, também) em benefício dos autores -- independentemente de, em caso de verificação do risco, se questionar se o dinheiro correspondente ao capital do mútuo em falta deve ser entregue directamente aos autores ou ao Banco mutuário --, pois são sempre eles -- ou também eles-- os beneficiários do seguro, na medida em que, com a entrega do dinheiro pela seguradora se vêm livres da obrigação de pagamento da dívida ao Banco. Pelo que, nessa medida, se pode dizer estar-se perante contrato a favor de terceiro (artº 443º, nº1 CC). Efectivamente, contrato a favor de terceiro é o contrato em que um dos contraentes (promitente) atribui, por conta e à ordem do outro (promissário), uma vantagem a um terceiro (beneficiário) estranho à relação contratual. A vantagem traduz-se em regra numa prestação assente sobre o respectivo direito de crédito; mas pode consistir outro sim na liberação de um débito, na constituição, modificação ou extinção de um direito real. Essencial ao contrato a favor de terceiro, como figura típica autónoma, é que os contraentes procedam com a intenção de atribuir, através dele, um direito (de crédito ou real) a terceiro ou que dele resulte, pelo menos, uma atribuição patrimonial imediata para o beneficiário. No sentido de que na presente situação se está perante este tipo de contrato foi o entendimento do Ac. R L de 18.09.2007 (Abrantes Geraldes), in www.dgsi.pt, em que estava, precisamente, em causa um seguro de grupo, ramo vida, feito na sequência de um mútuo:”Trata-se de um contrato a favor de terceiro nos termos do art. 443º do CC, pois que, mediante o pagamento do prémio pelo A., a R. (promitente e seguradora) acordou com o A. (promissário e tomador do seguro), garantir ao Banco beneficiário o pagamento do capital seguro associado ao contrato de mútuo, verificadas que fossem as condições previstas”. Igual entendimento teve o STJ no Ac. de 28.06.2007 (Salvador da Costa), in www. dgsi.pt.: “Configura-se como contrato a favor de terceiro contrato de seguro de vida por via do qual a seguradora assumiu perante o tomador do seguro a obrigação de prestar a uma instituição de crédito determinada quantia”. E o mesmo entendimento é sufragado por vários Professores de Direito, de que são exemplo os citados na sentença[7]. • Definido o contrato em causa, vejamos qual o posicionamento dos autores no mesmo. Procura a ré fazer crer que os autores, afinal, mais não são do que estanhos ao contrato de seguro, uma vez que o mesmo foi -- na sua óptica --outorgado entre o Banco e a Seguradora. Por isso, nada podem os autores reclamar da seguradora. Sem razão, salvo, obviamente, o devido respeito. É certo que, estando-se perante um seguro de grupo contributivo (cit. DL 176/95 de 26 de Julho), tal contrato tem como partes o Banco (tomador do seguro) e a Companhia de seguros (ora ré). Mas se é certo que, como dissemos, o Banco, para alem de tomador, tem, ainda, a qualidade de beneficiário directo, pois é a quem, nos termos do contrato, a seguradora terá de efectuar a sua prestação, o segurado também não deixa de ser beneficiário, mesmo que indirecto, já que, com aquele pagamento, fica liberto de uma dívida. Assim, portanto, tal seguro abrange um conjunto de pessoas que, mediante o preenchimento de um boletim de adesão, expressam a sua vontade de aderir ao contrato – seguro de vida grupo, obrigando-se a seguradora a efectuar ao beneficiário uma prestação que consiste no pagamento do capital em dívida “no momento da ocorrência”, ou seja, neste caso, da “invalidez absoluta e definitiva” do segurado. Portanto, partes, propriamente, no contrato de seguro em causa (de grupo) os segurados não são, nem, sequer, beneficiários directos: mas como aderentes ao contrato, tornaram-se beneficiários indirectos, nos sufragados termos. Ver, sobre esta questão, o ac. do STJ de 10-5-07, in www.dgsi.pt, GRAVATO MORAIS in Contratos de Crédito ao Consumo, 363 e ss., e CALVÃO DA SILVA in RLJ, 136º-158. Veja-se que, como refere GRAVATO MORAIS (cit., 367), “o negócio em apreço é efectuado por conta do segurado, ou seja, o consumidor”. Do ponto de vista dos interesses em jogo, saliente-se que a finalidade última do financiador -- ao realizar o seguro de grupo e ao impor a adesão do consumidor/mutuário -- é a de assegurar a restituição do dinheiro emprestado perante a verificação de um sinistro que prejudique o normal pagamento do empréstimo. É, pois, o dador de crédito que fica a coberto dos vários riscos incluídos no seguro. Obviamente que advêm para o próprio consumidor vantagens desta adesão, pois fica, de igual sorte, garantido perante a ocorrência de alguma vicissitude prevista no contrato”. Por outro lado, não se pode esquecer que, embora o contrato tenha sido celebrado entre o tomador (Banco) e a seguradora, porque o seguro foi realizado por conta do “consumidor” (os autores), os prémios de seguro foram pagos por este último-- como não podia deixar de ser, já que resulta do artº 767º, nº1 do CC que é a ele que compete efectuar a prestação[8]. E se são eles que pagam à seguradora, obviamente que também eles poderão dela reclamar o cumprimento das obrigações contratuais a que o pagamento dos prédios de seguro se dirige. Há, como é bom de ver, uma “intima e estreita conexão entre os dois contratos: o de crédito e o seguro”[9]. Com a outorga do seguro de grupo, a seguradora está a cobrir um mercado que corresponde à totalidade do grupo, que pode ter centenas ou milhares de membros. O seguro de grupo é formalizado através de uma única apólice, garantindo determinado esquema de coberturas estabelecido de acordo com um critério objectivo e uniforme não dependente exclusivamente da vontade da pessoa segura. A seguradora, com base nos boletins de adesão dos candidatos à participação no contrato, emite, por cada pessoa segura, um certificado individual ou outro documento comprovativo de inclusão no grupo seguro, de que constem os elementos de identificação de pessoa segura e a designação dos beneficiários[10]. Ora, se, atendendo a tal (excelente) benefício, se a seguradora, para não ter de “dar a cara” ao segurado, se pudesse escudar ou esconder no simples facto de não ter sido com ele que directamente celebrou o contrato, seria aceitar-se uma situação claramente injusta e penalizante para o segurado, na medida em que se via obrigado a pagar os prémios de seguro à seguradora, mas, quando se verificava o risco, já não podia demandá-la para cumprir as obrigações que emergiam do próprio contrato de seguro! Veja-se, por outro lado, que o aderente (in casu, os autores) cumpre, no seguro de grupo, os requisitos de pertença a esse mesmo grupo. E tal cumprimento pelo segurado/aderente é previamente aceite pela seguradora, ao outorgar o seguro de grupo. Sobre a recusa de adesões ao seguro de grupo associado ao crédito bancário, em que é tomador o banco que é parte no contrato de mútuo e aderente o mutuário, pode ver-se GERARD DEFRANCE, Obligations d`informations de la bancque souscriptrice, in L`Argus de L`Assurance, Dossier Juridiques, nº 6962, 27 Janvier 2006, pp. 1 e segs. (com inclusão de alguma jurisprudência). Estamos perante uma situação de intermediação indirecta: a seguradora, em vez de comercializar ela própria os seus produtos, coloca-os no mercado através de um terceiro-- in casu o banco. Trata-se, assim, de uma relação de intermediação. O intermediário, um terceiro em relação à seguradora -- mas não em relação ao contrato, dado que é parte no contrato de seguro, como tomador --, coloca os seguros no mercado, promovendo a adesão dos membros do grupo[11]. Obviamente, também, no interesse da seguradora. É o que ensina, v.g., JEAN BOGOT e DANIEL Langé, Traité de Droit des Assurances, tome 2, La Distribuition de l`Assurance, Partis, 1999, pág. 4: “On entend par intermédiaires tout ceux par l `intermédiaire desquels sont vendus au publique les contrats d `assurance”. Sobre a questão da legitimidade do segurado - mutuário no crédito bancário --para demandar a seguradora, pronunciou-se, designadamente, o cit. Ac. R L de 18.09.2007 (Abrantes Geraldes), in www.dgsi.pt, decidindo que “I- O mutuário dispõe de legitimidade activa para demandar a seguradora pedindo que esta seja condenada no pagamento à instituição de crédito do valor em dívida do mútuo por ele contraído junto dessa mesma instituição de crédito, considerando que foi contratado seguro de vida e de invalidez pelo prazo e montante do empréstimo contraído por forma a cobrir o risco de falecimento ou de invalidez permanente da qual é beneficiário o mutuante até ao limite do que, no momento de tal sinistro, estiver em dívida. II- O interesse do mutuário demandar a seguradora visando a sua condenação no pagamento a terceiro (instituição de crédito) evidencia-se na medida em que, saldadas as dívidas assumidas perante o Banco, fica o mutuário definitivamente exonerado do pagamento de prestações do mútuo, nada obstando, nos termos do artigo 767.º do Código Civil, que o pagamento do débito seja realizado por terceiro”. Estava ali em causa, é certo, uma questão de legitimidade processual ou adjectiva. Mas o raciocínio ali vertido vale inteiramente para o caso sub judice, em que está em causa uma questão de mérito-- a responsabilização da ré seguradora, com o efectivo pagamento do capital do seguro em dívida pelos autores ao banco financiador. Escreveu-se no aludido douto aresto: “Considerar-se que relativamente à relação material controvertida unicamente o Banco que concedeu os créditos e que foi constituído beneficiário do seguro era detentor de legitimidade para reclamar a liquidação do seguro de vida constitui um resultado insustentável, na medida em que a correspondente absolvição da instância, com fundamento na ilegitimidade dos AA., acabaria por se traduzir em benefício exclusivo da seguradora que integra o grupo económico do Banco.”. E diz-se mais: “Potenciar-se-ia, assim, uma situação paradoxal: mesmo que fosse incontroversa a verificação de todos os pressupostos da exigibilidade do capital seguro, continuaria a recair sobre os AA. a obrigação de pagamento das prestações acordadas, a qual apenas cessaria se e quando a entidade bancária resolvesse accionar a seguradora ... do seu próprio grupo.”. É claramente a situação que ocorre no presente caso: a não se aceitar a demanda da ré seguradora, e consequente condenação, os autores ver-se-iam obrigados a ter de continuar a pagar à mesma seguradora !!) os prémios em dívida até que… “a entidade bancária resolvesse accionar a seguradora”!! Claramente injusto e inadmissível para quem prontamente liquidou à seguradora os prémios de seguro e apenas o não continua a pagar por … o não poder fazer, devido a uma situação de incapacidade a que os autores são alheios. Em suma, portanto, não vemos que os autores estejam impedidos de demandar a ré seguradora para a obrigar ao cumprimento das obrigações que, da celebração do contrato de seguro, para ela advieram. Os autores são interessados directos na demanda da seguradora, não tendo apenas um interesse meramente reflexo. Aliás, veja-se que os autores até nem reclamam para si o pagamento do capital seguro. Pedem que a ré seja condenada a pagá-lo “ao E………., SA ou à Instituição que o represente”. E se na ampliação do pedido peticionam a condenação da ré a pagar-lhes determinada quantia, mais não pretendem do que a devolução do que indevidamente pagaram ao Banco-- isto é, o ressarcimento dos montantes que ao Banco entregaram “a partir da data” da verificação do risco que motivou a obrigação da seguradora de pagar ao banco o capital em falta. Como igualmente se escreveu no aludido Ac. RL de 18.89.2007, “considerando que os AA. peticionam a condenação da R. na entrega ao banco beneficiário (e não a si mesmos) do capital que estava seguro na ocasião em que, na sua tese, se preencheu o condicionalismo de que depende a liquidação das importâncias seguras, nem sequer há que recear sobre a efectiva aplicação que será dada ao valor segurado, deste modo se compatibilizando todos os interesses que se encontram presentes: o do banco que, uma vez apurada a alegada situação de invalidez permanente, vê liquidados os empréstimos; o dos AA. que, nas mesmas circunstâncias, se vêem definitivamente desonerados das obrigações decorrentes dos contratos de mútuo.”. Acrescente-se, apenas, que no contrato de seguro de grupo os dois momentos que o constituem-- celebração do contrato entre a seguradora e o tomador do seguro, por um lado, e a adesão dos membros do grupo ao contrato -- são complementares e indissociáveis: enquanto não se der a primeira adesão, o contrato celebrado entre a seguradora e tomador de seguro não produz qualquer efeitos enquanto seguro[12]. O que significa que a seguradora tem de celebrar o contrato com o(s) tomador(es) do seguro para que o contrato de seguro de grupo tenha eficácia ou produza efeitos quanto a direitos e obrigações entre ela e o segurado. Só no momento da primeira adesão é que o contrato de seguro começa a produzir efeitos como seguro-- ou em momento posterior se tal as partes acordarem. Daqui que seja marcante, fundamental, a relação (contratual) estabelecida entre a seguradora e… o segurado. Só com as adesões é que surgem as pessoas seguras, visto que o tomador de seguro não tem tal qualidade. Só com a adesão dos membros do grupo é que passa a existir uma pessoa segura, só nesse momento é que passa a existir risco. Sem pessoas seguras, obviamente, não há seguro! E cada adesão representa depois um novo momento na formação do contrato. Parece, aliás, que no seguro de grupo se estabelece uma relação tripartida em que como vértices do triângulo temos a seguradora, o tomador de seguro e o aderente. A seguradora celebra um contrato com o tomador de seguro. Os membros do grupo aderem a esse contrato. A seguradora garante aos aderentes[13] as coberturas resultantes desse contrato. Existe, antes e depois da celebração do contrato e da adesão, um feixe de direitos e obrigações entre os vários intervenientes no contrato. Na realidade, o contrato celebrado entre a seguradora e o tomador de seguro cria o quadro em que se desenrolaram as relações de seguro propriamente ditas e que se estabelecem entre a seguradora e os aderentes. Com ou sem a intervenção posterior do tomador de seguro. Existe, assim, a primeira relação entre o tomador e a seguradora e existem tantas relações de seguro entre a seguradora e o aderente e o tomador e o aderente, quantas as adesões que ocorrem. Este feixe de relações jurídicas, dependentes, de diferentes contornos, em que se cruzam vários sujeitos têm como consequência a de criarem, no seguro de grupo, uma série de questões e problemas que não se colocam na relativa simplicidade do seguro individual. Defendendo a existência da aludida relação tripartida, há vasta e avalisada doutrina. Assim, François Berdot, L'Assurance de Groupe après les réformes législatives du 31 décembre 1989, in RGAT, n.° 4, 1990, p. 777, a propósito da definição de seguro de grupo da lei francesa afirma «Cette définition est satisfaisante en ce qu'elle établit clairement les relations triangulaires qui caractérisent t'assurance de groupe, et lient entre eux l'assureur, le souscripteur et les assurés (...)»; Robert H. Jerry, II, Understanding Insurance Law, Legal Texts Series, Mathew Bender, USA, 1996, pp. 828 e ss. que considera que (tradução livre) "Ao contrário do contrato típico entre o segurado e a seguradora, uma apólice de um seguro de grupo envolve 3 partes - a seguradora, o representante do grupo e os detentores de certificados. O representante do grupo (normalmente o empregador) contrata a apólice para o benefício de um grupo de indivíduos de algum modo relacionados com o representante (normalmente empregados). Na realidade, o representante do grupo é um intermediário entre a seguradora e os actuais segurados - os indivíduos que recebem a cobertura e os benefícios do seguro.". De novo, portanto, se vinca a relação contratual que não deixa de existir entre a seguradora e os… segurados. Com os consequentes direitos e obrigações, maxime a obrigação da seguradora de, preenchido o risco segurado, ter de pagar o capital de seguro a que se comprometeu. E para tal, sendo necessário, pode ser demandada pelo segurado já que, como vimos, é também um beneficiário (indirecto, embora) do seguro e não pode ficar ad aeternum à espera que o tomador (no caso, o banco) tome a iniciativa de tal demanda. Procede esta primeira questão. • Segunda questão: da eventual aplicação ao contrato de seguro (de grupo) sub judice do diploma das cláusulas contratuais gerais: Adiantando solução, cremos que a questão procede. Vejamos. Contrato de adesão é o contrato em que uma das partes estabelece as cláusulas que a outra, em geral, se limita globalmente a aceitar ou recusar. Aquele cujas cláusulas foram pré-fixadas, total ou parcialmente, por uma das partes e se destina a ser utilizado, sem discussão ou sem discussão relevante, de forma abstracta e geral, na contratação futura. Se num contrato negociado o conteúdo deste beneficia da presunção de que corresponderá à vontade de ambas as partes, isso já não acontece nos contratos de adesão -- de que é exemplo típico, precisamente, o contrato de seguro --, cujo conteúdo resulta, de facto, apenas de uma vontade, dispondo esta, para o efeito, de todo um arsenal de técnicos e de meios para se impor à contraparte (ver Ac. do STJ, de 05.07.1994, BMJ, 439-521). A vontade do aderente, para além de não ser livre, também não estará, na maioria dos casos, plenamente esclarecida, mesmo que se leia o manancial de cláusulas extensas, impressas em letra miúda e postas perante o potencial aderente carecido de conhecimentos jurídicos (Correia dos Santos, Cláusulas Contratuais Gerais, págs. 35 e sgs.). Portanto, nos contratos de adesão estão em causa as cláusulas contratuais gerais, "a liberdade da contraparte fica praticamente limitada a aceitar ou a rejeitar, sem poder realmente interferir, ou interferir deforma significativa, na conformação do conteúdo negocia) que lhe é proposto, visto que o emitente das condições gerais não está disposto a alterá-las ou a negociá-las; se o cliente decidir contratar terá de se sujeitar às cláusulas previamente determinadas por outrem, no exercício de um law making power de que este, de facto, disfruta, limitando-se aquele, pois, a aderir a um modelo prefixado" (Cfr. António Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, Pág.748, Meneses Cordeiro, Direito das Obrigações, págs. 96 e sgs., Vaz Serra, Obrigações, ideias Preliminares, págs. 162 e sgs., Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almeida Costa, Direito das Obrigações, págs.196 e sgs., Mota Pinto, "Contratos de Adesão", Revista de Direito e de Estudos Sociais, págs. 119 e sgs.). Em suma: neste tipo de contratos, o cliente não tem a menor participação na preparação das respectivas cláusulas, limitando-se a aceitar o texto que o outro contraente lhe oferece, já que é vulgar o segurado aceitar a proposta do contrato e só vir a tomar conhecimento do seu conteúdo quando se verifica o risco cuja liberação se quis garantir. O Decreto-Lei n.° 446/85, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 220/95, é o diploma através do qual se instituiu, em Portugal, o regime a que estão sujeitas as cláusulas contratuais gerais. Este diploma legal atravessa, longitudinalmente, todo o ordenamento jurídico português e é aplicável a todo o tipo de negócios em cujos contratos singulares ou elaborados em forma de minuta, para o futuro, se incluam cláusulas contratuais gerais, só cedendo perante as excepções que ele próprio a si mesmo se impôs e que constam do seu art.° 3.°, cuja redacção foi alterada pelo Decreto-Lei n.° 220/85, de 31 de Agosto, (diploma que transpôs para o ordenamento jurídico português a Directiva n.° 93/13/CEE, do Conselho, de 5 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores). Os potenciais destinatários deste regime são, precisamente -- e desde logo --, as companhias de seguros, empresas de transpor, bancos, empresas de fornecimento de água, energia eléctrica ou gás, empresas que se dedicam transmissão de bens, de maquinaria, de automóveis, de electrodomésticos, etc. (ver António Pinto. Monteiro, Contratos de Adesão, pág. 740, e Antunes Varela, Direito das Obrigações, vol. I, pág. 262. Tem-se, de facto, colocado a questão da aplicação -- ou não -- do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais aos contratos de seguro. E a resposta tem, de facto, sido claramente positiva. Com efeito, no contrato de seguro, as cláusulas contratuais gerais são normalmente apresentadas pela seguradora, bem como todos os formulários necessários à contratação do seguro, inclusive a proposta contratual. Não é a seguradora a merecer a protecção do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, mas sim o tomador de seguro. Importa, portanto, considerar para efeitos da aplicação do Decreto-Lei n.° 446/85, de 25 de Outubro o destinatário das cláusulas e não o destinatário da proposta. O art. l.° deste diploma prevê, precisamente, que "As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou a aceitar, regem-se pelo presente diploma.". No caso do contrato de seguro, com as condições apresentadas pela seguradora, estamos na situação em que o proponente as subscreve, sem mais. Efectivamente, definindo-se, como vimos, o contrato de adesão como aquele cujas cláusulas contratuais gerais foram elaboradas sem prévia negociação individual e que proponentes ou destinatários se limitam a subscrever, o contrato de seguro integra-se, em regra, nessa qualificação. Sobre cláusulas contratuais gerais nos contratos de seguros, pode ver-se, ainda, Almeno de Sá - Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, 2ª Edição, Almedina, 2001, Arnaldo Filipe Oliveira, Cláusulas Abusivas e o Contrato de Seguro, Comunicação no Congresso Luso-Hispano de Direito dos Seguros, Lisboa, Novembro 2005, Contratos de Seguro Face ao Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, in BMJ 448, 1995, pp. 69 e ss. e Dois Exemplos Portuguesas da Resistência Material do Contrato de Seguro ao Direito das Cláusulas Contratuais Gerais, in BMJ 467, 1997, pp. 5 e ss, Francisco Javier Tirado Suarez, Cláusulas Abusivas e o Contrato de Seguro, Comunicação no Congresso Luso-Hispano de Direito dos Seguros, Lisboa, Novembro 2005, François Glansdorff e Roland Hardy - La Protection à l` Égard des Clauses Abusives, pp 491 e ss., João Calvão da Siva, Banca, Bolsa e Seguros, pp. 146 e ss.. Ainda mais em especifico sobre a consideração do contrato de seguro de grupo sub judice como um contrato de adesão, acrescente-se o seguinte: Como dito supra, nos seguros de grupo, o tomador de seguro contrata com a seguradora e, depois, promove a adesão aos membros do grupo. E, como igualmente se salientou, trata-se de dois momentos complementares e indissociáveis. Enquanto não se der a primeira adesão, o contrato celebrado entre seguradora e tomador de seguro não produz efeitos enquanto seguro. No Ac. da Rel. de Lisboa de 17.02.85 (Fátima Galante), in www.dgsi.pt, também se entendeu que “Os contratos de seguro, como contratos de adesão que são, devem ser submetidos a controlo judicial a nível da tutela da vontade do segurado e ao do conteúdo das Condições Gerais.”. Tratava-se de situação similar à dos presentes autos, tendo-se consignado ali -- e bem a nosso ver -- que “(…). No caso dos autos estamos perante um contrato de seguro de vida grupo, celebrado entre o Banco e a Ré, aberto à adesão dos clientes desta instituição bancária, nos termos da qual o tomador do seguro e beneficiário (pelo capital em divida à data do sinistro) do mesmo é o Banco, abrangendo a cobertura de tal seguro os riscos de morte ou invalidez total e permanente (…). Ora, o contrato de seguro em relação ao qual o segurado apenas tem a opção de aceitar ou rejeitar em bloco o conteúdo contratual que lhe é proposto, dentro do tipo contratual desejado pelas partes, exprime a estipulação de contrato de adesão.” E continua: “Ao contrário do que sucede com a generalidade dos contratos, concluídos, em regra, após negociações prévias, com propostas e contrapropostas, de tal sorte que cada uma das partes fique a saber dos seus quando os mesmos se formalizarem, nos contratos de adesão, de que o contrato de seguro é um exemplo típico, o cliente não tem a menor participação na preparação das respectivas cláusulas limitando-se a aceitar o texto que o outro contraente lhe oferece, quando oferece, já que é vulgar o segurado assinar a proposta do contrato e só vir a tomar conhecimento (ou mesmo a não tomar conhecimento no caso de contrato de seguro de vida) do seu conteúdo quando se verifica o risco cuja liberação se quis garantir. Daí que de há muito se vem defendendo a necessidade de controlo sobre os contratos de adesão, controlo a fazer-se sentir não só ao nível da tutela da vontade do aceitante, como também ao nível de uma fiscalização do conteúdo das condições gerais do contrato[14]. Assim, nos termos do art. 1º do DL. 446/85, de 25.10, com a actualização prevista no DL. 220/95, de 31.9, o regime das cláusulas contratuais gerais aplica-se às cláusulas que não resultaram de prévia negociação particular, individual. Neste tipo de contrato em que existe uma aceitação, não particularmente negociada pelo aderente, a lei visa a sua protecção como parte contratualmente mais fraca, assegurando de modo consistente um “dever de informação” por parte do proponente. Mesmo que o aderente se não inteire, cabalmente, do conteúdo contratual que aceita, a lei protege-o em relação ao proponente[15] .”. Efectivamente, não se vê -- os autos não o denunciam -- que no contrato de seguro sub judice os segurados tivessem outra opção que não fosse a de aceitar ou rejeitar em bloco o conteúdo contratual que lhe foi proposto, dentro do tipo contratual desejado pelas partes. O que inequivocamente exprime a estipulação de contrato de adesão. De resto, basta ver o teor dos Regulamentos do Crédito à Habitação juntos nos processos judiciais que constantemente entram nos tribunais, nos quais, expressamente, se estabelece que as cláusulas dos seguros ali previstos, depois de aprovadas pela instituição mutuante, não poderão ser alteradas sem a sua prévia autorização. Isto é, as cláusulas contratuais gerais do seguro, tal como o de grupo-vida, a que se referem os presentes autos são (sempre) elaboradas sem prévia negociação individual. Simplesmente, os proponentes ou destinatários indeterminados limitam-se, respectivamente, a subscrever ou aceitar. Como tal se regendo pelo DL 446/85, relativo às Cláusulas Contratuais Gerais – artº 1º do mesmo diploma legal. Reitera-se que (pelo menos) um dos contraentes (o cliente ou consumidor), não tendo a menor participação na preparação e redacção das respectivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente ( a seguradora Ré) oferece, em massa, ao público, deste modo impondo aos particulares, necessitados de celebrar o contrato, a aceitação ou rejeição do modelo, padrão ou norma que lhes é oferecida sem poderem discutir ou alterar o conteúdo da proposta oferecida[16] . Pelo que de forma alguma se pode dizer que o acordo assim encontrado se firmou no desenvolvimento de saudável discussão dos seus termos. Podendo falar-se numa limitação à liberdade contratual no domínio factual, esta circunstância não deixou de ser também tida em conta no regime legal para este circunstancialismo estabelecido, atendendo-se à precária situação da parte mais débil, ou seja, economicamente incapaz de poder discutir em iguais circunstâncias os termos do desejado - e às vezes até obrigatório - convénio. Precisamente neste contexto, com vista a obviar aos inconvenientes que para a parte dita mais fraca poderão advir do incontrolável respeito das cláusulas contratuais gerais apostas nestes contratos de adesão, é que foi publicado o citado Dec. Lei n.º 446/85, de 25/10 (inspirado no modelo da lei alemã de 09/12/1976) com o objectivo de proporcionar a necessária e pontual fiscalização contra as situações abusivas detectadas, sujeitando-as à oportuna e ponderada inspecção judicial - o exercício efectivo e, portanto, eficaz da autonomia privada reclama uma vontade bem formada e correctamente formulada dos aderentes, maxime um conhecimento exacto do clausulado[17]. Por isso, também, é que em termos gerais se pode defender que num contrato de seguro de grupo, toda a modificação introduzida ulteriormente, quanto à definição dos riscos ou ao uso do seguro, é inoponível ao segurado sempre que este não tenha dado a sua aceitação (cfr. Ac. do STJ de 13/4/1994) -- princípio que apenas não ocorrerá quando a modificação operada se baseou no clausulado do próprio contrato e pela vontade expressa do promitente e do promissário. A finalizar esta questão, observe-se que também GRAVATO MORAIS, Contratos de Crédito, cit., pág. 367, sustenta a posição aqui sufragada, ao referir que “como se sabe, o contrato de grupo é realizado entre o financiador e a entidade seguradora. Todavia, o contrato, por estes negociado e cujas cláusulas se encontram pré-redigidas, é susceptível de adesão por parte do consumidor/mutuário. Os riscos assegurados pelo contrato -- de morte, de invalidez, de incapacidade temporária, entre outros-- são os inerentes a um dado consumidor, que não teve a mínima participação na discussão do clausulado e ao qual fica vinculado. Esta faculdade permite, a nosso ver, considerá-lo, em relação à pessoa segura, de adesão. Entendemos, pois, ser aqui aplicável o DL 446/85”-- os sublinhados são nossos. Procede esta questão. • Terceira questão: da falta de comunicação dos “contornos concretos da cobertura contratada” e suas consequências: É patente que a factualidade apurada revela a falta de comunicação aos AA/segurados de tais “contornos” contratuais, ou seja, do conteúdo preciso do risco que o contrato de seguro cobria. Como resulta da questão anterior, é aqui aplicável o diploma atinente às cláusulas contratuais gerais. Ora, na réplica, os autores alegaram (fls. 33-- artºs 3º e 4º)-- que na data em que aderiram ao contrato de seguro de vida (grupo) “não assinaram nada nem que foi presente qualquer documento onde constasse aquilo a que se refere o artigo 7º da contestação”-- artigo este onde a ré refere que [“de acordo com as condições especiais da apólice, por incapacidade total e definitiva entende-se a incapacidade “de praticar toda e qualquer profissão, necessitando ainda da assistência de uma terceira pessoa para realizar os actos ordinários da sua vida”], ou seja, onde sustenta que se impunha o preenchimento do disposto nas “Condições Complementares de Invalidez Absoluta e Definitiva - Condições Especiais”, constantes do documento de fls. 24-25, junto com a contestação (e que os autores impugnam ter-lhes sido dado a conhecer). Em causa está, assim, a cláusula constante do artº 1º do documento de fls. 24, junto pela ré com a contestação. Trata-se, sem dúvida, de uma cláusula contratual geral, pelo que se impunha fossem os autores informados (esclarecidos) do seu teor antes da celebração do contrato de seguro (da adesão ao mesmo). E para tal era, desde logo, necessário que a respectiva factualidade fosse alegada, o que não aconteceu como se vê do teor da contestação (fls. 189 e verso). Para que dúvidas não subsistam de que a cláusula em questão consubstancia, de facto, uma cláusula contratual geral, veja-se -- precisamente no âmbito de um contrato de seguro -- Almeno de Sá, in Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, 2ª ed., Revista e Actualizada, Almedina, Coimbra, 2000, a pág. 212 : trata-se de uma daquelas cláusulas contratuais que “surgem como estipulações predispostas em vista de ema pluralidade de contratos ou de uma generalidade de pessoas, para serem aceites em bloco, sem negociação individualizada ou possibilidade de alterações singulares. Pré-formação, generalidade e imodificabilidade aparecem, assim, como características essenciais do conceito”[18]. Assim, portanto, sendo a cláusula sub judice de natureza contratual e não normativa, a sua interpretação tem necessariamente que ser feita ao abrigo das regras ou princípios gerais dos contratos, em especial—e no caso específico em apreciação—o Dec.-Lei nº 446/85, de 25.10 (que, como dito, rege sobre as cláusulas contratuais gerais), com as alterações decorrentes do Dec.-Lei nº 220/95, de 31.08 e Dec.-Lei nº 249/99, de 07.07. A questão em apreciação respeita fundamentalmente, como dissemos, à “comunicação” aos autores aderentes da cláusula constante do artº 1º do documento de fls. 24, junto pela ré com a contestação , com é imposto pelo artº 5º do citado Dec.-Lei nº 446/85. Comunicação que era imprescindível. Com é bom de ver, o exercício efectivo, eficaz, da autonomia privada impõe que a vontade de contratar por banda dos aderentes aos contratos se encontre bem formada, desde logo com completo conhecimento de todo o clausulado. É imperioso que os contraentes conheçam com rigor as cláusulas a que se vão vincular. Por isso, devem as mesmas, ainda antes da subscrição ou outorga do contrato, ser dadas a conhecer aos aderentes. É, no fundo, uma elementar imposição do princípio da boa fé contratual, a impor a comunicação, na íntegra, dos projectos negociais ( artº 227º, CC). A respeito, veja-se o que, a propósito, se escreveu em “Cláusulas Escondidas e Não Lidas”, Isabel Namora, decisão do Tribunal judicial de Santa Maria da Feira, Sub Judice, Justiça e Sociedade, n°18, p.35: "Todos estes requisitos visam, em última instância assegurar que o aderente possa ter um conhecimento efectivo das cláusulas antes de subscrever a proposta, pois apesar de estarem pré-formuladas são estipulações negociais, que por isso pressupõem um acordo das partes”. Ideia que também é reiterada por Ana Prata, in "Notas sobre responsabilidade pré-contratual", Almedina, pág. 51: “Os deveres de informação e de esclarecimento designadamente os relativo a ao conteúdo contratual, sua composição e seu significado, assumem particular relevância quando se esteja perante dois sujeitos cujo poder negocial se apresente desequilibrado, revestindo então essas obrigações maior amplitude para aquela das partes que detenha uma posição negocial susceptível de lhe permitir impor à contraparte cláusulas, que esta, em consequência da sua debilidade contratual, não aperceba no seu integral significado ou de que, mais simplesmente, nem sequer tome conhecimento”. É assim para o dever de informação, tal como o é, por maioria de razão, para a comunicação efectiva de tais cláusulas. Da mesma forma, escreveu Menezes Cordeiro in "Tratado de Direito Civil Português", vol. .I, pág. 370, que “o ponto de partida para as construções jurisprudenciais dos regimes das cláusulas contratuais gerais residiu na condenação de situações em que, ao aderente, nem sequer haviam sido comunicadas as cláusulas a que era suposto ter aderido. Foi também a partir daqui que a doutrina iniciou uma elaboração autónoma sobre as cláusulas contratuais gerais”. Temos, então, aqui em questão a análise dos deveres pré-contratuais de comunicação e de informação das cláusulas a inserir no negócio e de prestação dos esclarecimentos necessários a um exercício idóneo da autonomia privada—o que já resultava do citado artº 227º, nº1 do CC. O citado artº 5º descreve o dever do comunicação desta forma desta forma: “1. As clausulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las. 2. A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a sua extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência. 3. O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante determinado que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”. E o artº 6º do mesmo diploma dispõe, por sua vez, que: “1. O contratante determinado que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nela compreendidos cuja aclaração se justifique”, sendo ainda certo que “devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados”. Ora, é mais que evidente que é mais que justificável, não só a comunicação, como também a aclaração da dita cláusula. Trata-se de um dever que incumbe, portanto, a quem pretenda prevalecer-se dessa mesma cláusula geral. Daqui que, segundo o nº 3 do aludido artº 5º, a prova da “comunicação adequada e efectiva”—tal como da informação referida no artº 6º-- pertença a tal pessoa ou pessoas. No fundo, isto mais não é do que a extrapolação para o domínio das cláusulas contratuais gerais da regra geral já contida no artº 342º, do CC. Ora, se quem pretenda prevalecer-se dessa mesma cláusula geral tem o ónus da prova, obviamente que também tem o da alegação. Efectivamente, cada uma das partes, que quer ver vingar as suas pretensões, tem de cuidar de que os factos, de que resulta a exactidão das suas afirmações jurídicas segundo as disposições do direito material, sejam levadas ao tribunal, mediante a afirmações correspondentes (A. Anselmo de Castro, Dir. Processual Civil Declaratório, ed. 1981, 1º, 70). O mesmo é dizer que a embargada, se pretendia fazer valer a – ou as--dita cláusula contratual geral (14ª)), sabendo que a mesma só vingaria caso fizesse a respectiva comunicação à embargante, deveria ter alegado, atempadamente, que fez essa mesma comunicação à contraparte contratual. “Cada uma das partes suporta, portanto, um ónus da alegação e um ónus da prova” (Anselmo de Castro, ob. e loc. cits.). Sobre a relação entre a actividade das partes e a do juiz, ver artº 664, CPC. Como escrevem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., a págs. 448, “à parte interessada é que incumbe, não só a iniciativa de afirmar os factos essenciais ao direito ou à excepção que invoca (ónus da afirmação), mas também o encargo de desenvolver toda a actividade instrutória capaz de provar a verificação desses factos, sob pena de [..............] o direito ou a excepção alegada não proceder”. Tal alegação, como vimos, não foi feita pela ré. Também não se diga que ao alegar-se a celebração do contrato de seguro, tal foi feito com o pressuposto de que o mesmo é perfeito e de que a relação contratual, tal como é pela ré configurada, não vai ser posta em crise. É que a “relação contratual” --o “contrato”--, para ser perfeita pressupõe precisamente a prévia “comunicação” imposta pelo citado artº 5º-- tal como o “dever de informação” prescrito no artº 6º do mesmo Dec.-lei nº 446/85--, com a consequente alegação e prova nos sobreditos termos. A exigência de comunicação contida no artigo 5° do Diploma em apreço pressupõe, deste modo, a comunicação na íntegra e, para além disso, que tal comunicação seja adequada e atempada. Portanto, tal comunicação não se basta com o seu cumprimento formal -- a mera junção do documento com a contestação --, exigindo o mencionado art. 5°, como acima referido, a sua realização por forma adequada e com a antecedência necessária ao conhecimento completo e efectivo do aderente. Como escreve Almeno de Sá, p.234, "...não basta, neste contexto, a pura notícia da existência de cláusulas contratuais gerais, nem a sua indiferenciada transmissão". Mais acrescentando aquele autor que "os pressupostos exigidos pela lei para a inclusão das condições gerais devem estar preenchidos na conclusão do contrato". Não se pode deixar de ter sempre presente que a boa fé impõe, durante a fase pré-contratual, não só a comunicação das cláusulas a inserir no negócio, mas também que sejam prestados os esclarecimentos necessários a um exercício idóneo da autonomia privada. Estamos num domínio em que não valem as simples suposições, designadamente da validade do contrato. Tudo tem de ser claro, esclarecido, como é imposto pelo exercício efectivo e, portanto, eficaz da autonomia privada, a reclamar uma vontade bem formada e correctamente formulada dos aderentes, maxime um conhecimento exacto do clausulado. Ou seja, não se pode olvidar que estamos no domínio (específico) dos apelidados contratos de adesão, precisamente em vista dos quais surgiu o aludido diploma respeitante às cláusulas contratuais gerais, fenómeno específico para o mundo da elaboração, com graus de minúcia variáveis, de modelos negociais a que pessoas indeterminadas se limitam a aderir, sem possibilidade de discussão ou de introdução de modificações, onde, portanto, a liberdade contratual se cinge, de facto, “ao dilema da aceitação ou rejeição desses esquemas predispostos unilateralmente por entidades sem autoridade pública, mas que desempenham na vida dos particulares um papel do maior relevo” (ut preâmbulo do Dec.-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro). Por isso—para estas específicas situações— fez o legislador aparecer, entre outras, as imposições decorrentes dos artºs 5º e 6º deste diploma legal. A propósito do aludido dever de comunicação/informação, veja-se o que escreveu Joaquim de Sousa Ribeiro: “Uma conclusão é segura: mesmo que o aderente não use "de comum diligência" para conhecer as cláusulas contratuais gerais adequadamente comunicadas pela contraparte, não fica inibido de invocar a sua nulidade substancial, decorrente das normas de proibição. Inversamente, ao utilizador não aproveita a prova da cognoscibilidade para salvar as suas cláusulas contratuais gerais desse destino, quando elas, dentro embora dos limites gerais de validade, contrariam as proibições específicas dos arts. 15.° e segs. do mesmo diploma, pois que só a “prévia negociação individual” (art. 1.°) é de molde a produzir esse efeito” (…) assim, “ao proponente cabe propiciar à contraparte a possibilidade de conhecimento das cláusulas contratuais gerais, em termos tais que esta não tenha, para o efeito, que desenvolver mais do que a comum diligência.”- in “O Problema do Contrato - As Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade Contratual”, Colecção Teses, Almedina, pág.372. Face ao disposto no artigo 8º, al. a) do DL. 446/85, de 25.10, a sanção para as cláusulas que não tenham sido objecto de comunicação, nos termos do n.º5 antes referido, é a sua exclusão dos contratos singulares. E a al. b) do mesmo diploma legal fulmina com a mesma sanção “as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo”. • Tinha a Ré/seguradora o dever de informação? Questiona a ré a (sua) obrigação de informação, alegando que… nenhum contrato celebrou com os autores. Sobre a questão já nos pronunciámos nas questões 1ª e 2ª, procurando demonstrar que, não apenas a seguradora, por via da adesão dos autores, ficou vinculada também para com estes ao cumprimento daquilo a que pelo contrato se obrigou, como vimos, até, que os autores podem demandar a própria seguradora para dela exigir a satisfação das mesmas obrigações contratuais, sem terem de ficar dependentes da vontade do banco (tomador) para a tal obrigar a ré. Outra solução não parece razoável, sendo imposta, até, pelo princípio da boa fé: os segurados (autores) aderiram ao contrato de seguro vida de grupo, nos termos referidos em 3 e 4 dos factos provados (em Julho de 1998), através dos documentos cujas cópias constam a fls. 35, 179 e 181, constando de tais documentos, para além do E………., SA, a Ré Seguradora F………. . Pelo que tratando-se de informações atinentes a um seguro -- não, já, a um simples empréstimo bancário --, é claro que confiaram que, qualquer deles se vinculava a esclarecê-los de todas as dúvidas que o seguro acarretasse, maxime sobre o teor concreto, preciso e integral do risco coberto. Numa primeira análise, que parece que quem tinha o dever de informar do teor das cláusulas seria o tomador do seguro (Banco), que foi quem negociou o seguro de grupo com a seguradora, quem concedeu o crédito aos autores e que serviu de intermediário do seguro relativamente aos segurados. E, então, logo surge uma das questões que em muito tem preocupado a doutrina: saber se a falta de informação do intermediário se repercute na seguradora. É que, como vimos, o Banco, de certo modo, actuou perante os autores como intermediário da seguradora. E a questão assume particular relevância, precisamente, no âmbito das cláusulas contratuais gerais, de que o contrato de seguro é normalmente fértil. Ora, a consequência imediata dessa falta de informação do intermediário é que “a seguradora não poderá invocar uma exclusão a uma cobertura, contida numa cláusula que não foi devidamente comunicada ou informada pelo intermediário[19], porque essa exclusão se vai ter por excluída do contrato. Logo vigora a cobertura” (sem tal exclusão)[20]. Assim sendo, parece que a conclusão a tirar não pode deixar de ser esta: faltando a devida informação, a seguradora arcará com as respectivas consequências, não podendo invocar perante o segurado as cláusulas contratuais gerais a que essa falta respeita. Responde perante o segurado, sem prejuízo de poder, eventualmente, depois, vir accionar o intermediário pelo prejuízo que tal falta de informação lhe tenha acarretado. A responsabilização directa da seguradora para com o segurado resulta, quer do princípio da boa fé, quer da consideração de que, estando-se no domínio do direito do consumo, se deve proteger, em primeira mão, a parte mais débil na relação contratual -- o consumidor/segurado. Sobre este aspecto, permitimo-nos citar o recente Ac. da Rel. de Guimarães, de 27.03. 2008, in www.dgsi.pt. Em causa estava, também, um contrato de seguro idêntico ao dos presentes autos. E depois de considerar tratar-se de um contrato de adesão e que foi violado o dever de comunicação ao segurado, escreveu-se: “(…). Aqui chegados, há que tomar em atenção que, (…) o ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo e que, nos termos do nº2 do artº 5º, o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais. Ora, a ré seguradora não cumpriu nenhuma destas obrigações a que estava legalmente obrigada, sendo certo que tal ónus sobre si impendia. Não se desconhece a norma inserta no artº 4º, nº1, do DL 176/95, segundo a qual nos seguros de grupo, cabe ao tomador do seguro prestar aos segurados as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro. Porém, cremos que a falta de cumprimento dessa obrigação por parte do Banco Réu (se existiu, não ficou aqui provada) não é oponível ao autor que para ela não contribuiu nem foi consultado na celebração do dito contrato de seguro de grupo. Trata-se, assim, a nosso ver, de questão a resolver em sede próprio, no domínio das relações entre as duas RR. Perante o autor, não tendo a ré seguradora cumprido o aludido dever, acarreta que se considerem excluídas do contrato as referidas cláusulas gerais (artº 8º). De resto, quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé – artº 227º do Código Civil – sendo ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites por ela impostos, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito – artº 334º do mesmo diploma.”. Após citação de Joaquim de Sousa Ribeiro (“O Problema do Contrato”, pag.550 e seguintes), acerca da aplicabilidade deste princípio da boa-fé em matéria de cláusulas contratuais gerais, o acórdão continua a citar este autor, que, pertinentemente, observa o seguinte: “«Nesta linha, se o que está em causa é avaliar a eficácia de conformações que, respeitando embora os limites gerais da liberdade contratual, se apresentam tipicamente como desvantajosas, em excesso, para uma das partes, surge como natural utilizar como parâmetro de valoração o modelo de uma justa composição de interesses, inderível das normas legais dispositivas, ou construído, na sua falta, “dentro do espírito do sistema” (v., entre nós, o artº 10º, nº3, do Código Civil), pela entidade judicante. Dispondo desse seguro padrão de referência, ao intérprete caberia ajuizar, com a conveniente margem de liberdade apreciativa, se o afastamento, formalmente pactuado, mas unilateralmente predisposto, desse modelo, desfruta de uma justificação razoável, do ponto de vista dos interesses do beneficiado, não prejudicando, para além disso, de forma desproporcionada, os interesses da contraparte»”. A reforçar o exposto, o mesmo Professor cita uma decisão de 04.11.64 do Bundesgerichtshof: “Quem põe em vigor condições gerais dos contratos reivindica para si em exclusivo, no que respeita à conformação do conteúdo, a liberdade contratual. Está por isso obrigado, segundo a boa-fé, já na redacção das condições, a considerar devidamente os interesses dos seus futuros parceiros contratuais. Se fizer valer apenas os seus próprios interesses, abusa da liberdade contratual”. E continua: “O pensamento material que liga, desta forma, a boa fé às ccg repousa no atendimento das peculiaridades deste modo de contratar. Com ele institui-se uma relação de poder, em que o utilizador de ccg se coloca numa posição de supremacia em face de cada um dos seus parceiros contratuais, privando-os da capacidade de comparticipação na modelação do conteúdo” (pag.554). “Este princípio da boa-fé, há-de, assim, orientar o julgador na apreciação da validade da cláusula em concreto invocada, por forma a que, no final, sempre esteja reposto o equilíbrio necessário e juridicamente exigido em qualquer relação contratual. Para além disso, como já alguém escreveu, há que não esquecer que actualmente (como ocorreu no caso concreto), os Bancos beneficiários desses seguros, “agindo como intermediário das seguradoras, no âmbito do fenómeno que designou de “bancassurance” e que definiu como «ligação e colaboração entre Bancos e Companhias de Seguros, para desenvolver sinergias e economias de sistema, já sentidas, ictu oculi, na produção-comercialização de “produtos” concorrentes (seguros de vida, que vencem juros e capitalizam, e depósitos a prazo), “produtos” complementares (seguros de vida para garantia de empréstimos bancários, incluindo o crédito bancário concedido para financiar o prémio único do contrato de seguro de vida …) ou mesmo “produtos” diversificados (…), asseguram a fonte altamente lucrativa desse vantajoso negócio, a repartir entre ambos (tem sido tornado público que os seguros do ramo vida são os mais rentáveis) e ao nível dos direitos como que esmagam a pessoa individual entre dois “elefantes” (no sentido de que se tratam de duas entidades empresariais de grande poder económico-financeiro)” -- os sublinhados são da nossa autoria. Observe-se que já no Ac. da Rel. de Lisboa de 10.12.1992, in CJ, ano 1992, tomo V, pág. 142, se decidira que “No contrato de seguro de grupo, em que há uma seguradora, uma entidade tomadora do seguro e, por outro, lado pessoas seguradas, a alteração de uma cláusula contratual, operada entre a seguradora e a tomadora do seguro, sem conhecimento oportuno, nem aceitação, de pessoa segurada que aderira ao contrato é, em relação a esta, inoponível, à luz do princípio da boa fé contratual”. Sobre a questão, pode ver-se, ainda, Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Coimbra, vol. I, 1984, pág. 605 e Lambert Faivre, Droit des Assurances, 4ª ed., Paris, 1982, pág. 494 Assim se conclui que a ré seguradora não pode deixar de responder perante os segurados, maxime pelas consequências emergentes da aludida falta de comunicação e informação das cláusulas contratuais gerais, em específico a cláusula a que se agarra no item 7º da sua douta contestação. Como tal, de novo assiste razão aos apelantes. • Quarta questão: da verificação do risco previsto no contrato: Assente que os autores podem demandar a seguradora nos peticionados termos e que a violação do dever de informação do teor das cláusulas contratuais gerais torna as mesmas excluídas do contrato de seguro -- ou seja, no que ao caso sub judice interessa, que fica de fora a cláusula contida no artº 1º das “Condições Especiais” da “Cobertura Complementar de Invalidez Absoluta e Definitiva”, constantes do documento de fls. 24 e segs.--, perguntar-se-á, agora, se risco previsto no contrato de seguro tido como celebrado validamente pelos autores se encontra, ou não, preenchido. Tal risco é, como logo se alcança, o contido nos documentos de fls. 6, 7, 9 e 10: “invalidade absoluta e definitiva por doença”. Vejamos. Entendeu-se na sentença recorrida que tal risco jamais se preencheria, uma vez que um declaratário normal, colocado na posição do aderente real (a autora) entenderia que “com tal expressão se pretendia designar a incapacidade para o exercício de qualquer profissão em geral”. Com o devido respeito, permitimo-nos discordar. Como é sabido, nos negócios jurídicos a declaração negocial deve valer, em regra, com o sentido que um declaratário normal-- isto é, alguém medianamente instruído e diligente e capaz de se esclarecer acerca das circunstâncias em que as declarações foram produzidas --, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante. A excepção ocorre nos casos em que não seja razoável imputar ao declarante aquele sentido declarativo ou em que o declaratário conheça a vontade real do declarante (artigo 236º do Código Civil). É claro que a declaração nos negócios jurídicos formais, como é o contrato de seguro, não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento -- texto das condições gerais e particulares do contrato de seguro consubstanciado na respectiva apólice a que a autora aderiu -- , ainda que imperfeitamente expresso (artigo 238º, nº 1, do Código Civil). Ora, cremos que um declaratário normal, colocado na posição da autora apelante, interpretaria a aludida cláusula contratual geral --: “invalidade absoluta e definitiva por doença”-- no sentido de abranger a situação de incapacidade de que a mesma padece, assim se preenchendo o conceito de invalidez absoluta e definitiva de que depende o accionamento do referido contrato de seguro de vida. Vejamos os factos. Provado está o seguinte: - Foi diagnosticado à autora B………. um carcinoma na mama direita ... - Em consequência do que a autora foi sujeita a intervenções cirúrgicas e tratamentos. - A autora B………. foi submetida a Junta Médica pela Autoridade Regional de Saúde do Norte, Sub-Região de Saúde do Porto, que, em Junho de 2002, atribuiu à autora incapacidade permanente global de 80%. - A autora trabalhava como empregada de limpeza, o que lhe exigia esforço físico. - A autora, de forma permanente, está incapaz de exercer a profissão referida (empregada de limpeza); - A autora necessita da assistência de terceiras pessoas para realizar a lida da casa, e lavar e passar a roupa. Cremos que razão assiste aos apelantes, ao sustentarem que a pessoa é considerada em estado de invalidez absoluta e definitiva quando fique, em consequência de doença ou de acidente, total e definitivamente incapacitada de exercer qualquer profissão compatível com os seus conhecimentos e as suas capacidades e desde que tal situação possa merecer constatação médica objectiva. Ora, a autora que tinha qualificações profissionais que se limitavam a trabalhos de natureza braçal, deixou, por via da doença, de os poder efectuar, não podendo realizar as mais elementares tarefas da lide da casa, pois para “necessita da assistência de terceiras pessoas para realizar a lida da casa, e lavar e passar a roupa”-- o que, afinal, até mostra que o risco se preencheria, mesmo que aceitássemos como válida a cláusula geral aludida pela ré no artº 7º da sua contestação! Isto é, aqueles trabalhos (mesmo os mais elementares) para que a autora se encontrava habilitada e cujo exercício lhe permitiam auferir rendimentos -- a fim de poder pagar o prémio do seguro (e a prestação do empréstimo que o Banco lhe concedera) --, deixaram de por ela poder ser executados. Nada há nos autos -- e a ré nem, sequer, o alegou -- que mostre, ou indicie, sequer, que a autora esteja habilitada a executar quaisquer outras tarefas que lhe permitam angariar meios de subsistência, numa qualquer profissão alternativa. Se “para realizar a lida da casa, e lavar e passar a roupa” “necessita da assistência de terceiras pessoas”, como é possível que esteja habilitada a exercer outras funções, quando, repete-se, nada foi, sequer, referido nos autos a indiciar que tenha conhecimentos ou habilitações que lhe permitam exercer outra actividade? Por outro lado, não se pode olvidar que está provado que a própria Junta Médica a que se submeteu a autora, na Autoridade Regional de Saúde do Norte, Sub-Região de Saúde do Porto, em Junho de 2002, lhe atribuiu uma incapacidade permanente global de 80%! Veja-se que é o próprio relatório do IML a dizer, no seu relatório fls. 266 que a Autora deixou de poder “limpar a casa, esfregar o chão ou panelas, passar a ferro, pegar em objectos pesados, actividades nas quais necessita de ajuda de terceira pessoa”. E tentando responder aos esclarecimentos solicitados a fls. 277 -- que cremos não ter respondido na íntegra --, diz, é certo, que há a possibilidade de a autora exercer “tarefas dentro do âmbito da profissão habitual da examinada”. Só que, apesar de lhe ter sido perguntado, a fls. 278, não responde a quais tarefas se reporta. Nem nós as vemos! Porém, no aludido relatório diz referir-se a “tarefas” “não exigindo esforços com os membros superiores”. Mas, afinal, em que ficamos: se a autora até para “realizar a lida da casa, e lavar e passar a roupa” “necessita da assistência de terceiras pessoas”, que outras “tarefas” há, atentas as “habilitações” da autora, que … não impliquem “esforços com os membros superiores”? Só se for “tarefas” realizadas apenas com os pés (!!), pois, no contexto do provado, quaisquer outras implicarão seguramente “esforços com os membros superiores”. Portanto, estando a autora -- que se dedicava a fazer limpezas domésticas, não se vislumbrando, repete-se, outras habilitações ou capacidades para exercer outras “tarefas”-- impossibilitada de, praticamente, usar os membros superiores (para não fazer esforço), ao ponto de a Junta Médica lhe atribuir uma incapacidade permanente global de.. 80%, será que, no quadro factual do processo, ponderando a situação concreta da autora, não deve concluir-se que ficou, de facto, com “invalidade absoluta e definitiva por doença”, para efeitos de preenchimento do risco visado com o contrato de seguro? Cremos, francamente, que sim. Como se escreveu no aludido Ac. de 27.03.2008, do Tribunal da Relação de Guimarães -- aplicável ao presente caso com as devidas adaptações --, “ (…) quando o autor adere a um contrato de seguro, que lhe é exigido e cujas cláusulas não lhe são explicadas, com o qual pretende garantir, em caso de morte ou invalidez, a liquidação do montante em dívida de capital e juros vencidos, não sabe, nem lhe é exigível que saiba, que o conceito de invalidez, naquele contrato em concreto, por força de clausula inserida pela seguradora, tem uma dimensão tão reduzida. Mas mais ainda: o que é que justifica a consagração contratual de um conceito tão restrito de invalidez, para além de um interesse exclusivo e desequilibrado, a favor da ré? A mesma ré não o demonstrou, nem o Tribunal conseguiu descortiná-lo. Dir-se-á que a isso não estava a seguradora obrigada, e é verdade. Mas, também é verdade que, na ausência de quaisquer justificativos para esta restrição da normalidade do conceito, é legítimo ao Tribunal não encontrar cobertura para este notório desequilíbrio e concluir pela sua desconformidade aos ditames da boa-fé e, consequentemente, pela ineficácia da cláusula (…) das Condições Especiais do Contrato. É que quer o legislador (veja-se no foro laboral e no domínio dos acidentes de viação), quer o declaratário normal, não adoptam o conceito de invalidez absoluta como correspondente exclusivamente àquelas situações em que, para além da impossibilidade permanente do exercício de actividade remunerada, se associa, imperiosamente, um quadro de necessidade de assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar os actos ordinários da vida corrente. O fulcro do conceito de invalidez passa pela impossibilidade de provir, através do seu trabalho, ao respectivo sustento. Só a intenção de confinar a casos muito residuais a obrigação de cobrir o risco assumido, com as consequentes contrapartidas financeiras, explica esta exigência feita pela seguradora, em manifesto prejuízo daquele que, mês após mês, em escrupuloso cumprimento do contrato que, verdadeiramente não conhece na sua plenitude, vem pagando o respectivo prémio. (…) Em conclusão, a cláusula (…) do Contrato prejudica, de forma desproporcionada, os interesses da contraparte, viola a boa-fé e não é, por isso, eficaz, nem, consequentemente, oponível ao autor. “. Mas ao mesmo resultado chegaríamos por outra via. O artº 11º, nº2, do diploma das ccg dispõe -- a propósito das cláusulas “ambíguas”-- que “na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente”. Não parece haver dúvidas de que estamos perante uma cláusula ambígua-- por isso mesmo é que se gera nos autos tanta controvérsia sobre o seu sentido. E assim sendo, uma vez que desconhecemos de todo (a ré não o alegara, sequer…) se a autora se encontra habilitada a executar outras “tarefas” -- repete-se que o IML não as concretizou… --, mas sabemos que se encontra com 80% de IPG, que trabalhava nas lides da casa e que, por via da doença com que padece, não pode fazer esforços com os membros superiores, cremos que “o sentido mais favorável ao aderente” (a autora) não poderá ser outro senão o de que se encontra com “invalidade absoluta e definitiva por doença”, nos sobreditos termos. O nosso legislador, para efeitos de interpretação das condições gerais dos contratos, optou pela “interpretação individual” em detrimento da “interpretação objectiva”. Pelo que, neste dilema de interpretação, deve prevalecer o sentido resultante da “individualização” da relação contratual, atendo-se de forma determinante ao circunstancialismo próprio do contrato em causa. Evitou-se uma interpretação que obedecesse a critérios rígidos, uniformes ou generalizados (o que é maioritariamente aceite, por exemplo, na Alemanha). A propósito, escreveu Almeno de Sá[21]: “Relativamente às situações de dúvida, faz-se funcionar a regra, já conhecida do Código Civil italiano[22], da interpretação mais favorável à contraparte do utilizador[23]. Trata-se de um auxiliar hermenêutico, cujo núcleo de sentido se traduz, substancialmente, em fazer prevalecer os interesses do cliente sobre os interesses do utilizador. Esta prevalência radica na ideia de que é justo responsabilizar-se o utilizador pelo conteúdo das suas condições gerais: introduzindo unilateralmente no regulamento contratual cláusulas predispostas, sem possibilidade de influência por parte do cliente, caber-lhe-á suportar o risco de uma possível ambiguidade. Esta responsabilidade surge, assim, como o necessário correlato da unilateral "ocupação" da liberdade de conformação do contrato por um dos intervenientes. Com o que vai intimamente ligada uma ideia de compensação, no sentido de que aquele que retira vantagens dessa liberdade deve igualmente suportar os correspondentes incommoda, ligados à própria falta de clareza das formulações utilizadas. Diferentemente do que sucede nos comuns contratos individuais, em que o pressuposto é o de que o conteúdo corresponde à vontade comum das partes, as condições gerais são estipulações unilateralmente "postas", em cuja modelação a contraparte do utilizador não participa. Por isso mesmo a responsabilidade pela sua unívoca inteligibilidade deve suportá-la apenas o utilizador, não sendo razoável esperar-se do cliente que analise locuções ambíguas ou que "lute" por formulações claras. É de apoiar, neste contexto, a consagração de uma regra como a da ambiguitas contra stipulatorum, pois ela comporta uma repartição de riscos que corresponde à estrutura e modo de funcionamento do fenómeno jurídico sobre que incide. Por outro lado, a própria contraposição entre benefícios e desvantagens evidencia uma componente fundamental da regra: sacrificando os interesses do utilizador face aos da contraparte, vai nela implicado um forte estímulo para uma modelação clara e unívoca das condições gerais. Ante o resultado menos benéfico que as suas condições podem vir a produzir no quadro do programa contratual projectado, o utilizador sentir-se-á impelido a tratar mais cuidadosamente o problema da elaboração ou formulação das cláusulas a que recorre ou mesmo a desistir, sendo o caso, da ambiguidade intencionalmente procurada. Há aqui um relevante efeito preventivo, na medida em que a consagração da regra permite esperar que as condições gerais presentes no mercado venham gradualmente a tornar-se menos ambivalentes ou imprecisas”. Temos, assim, portanto, verificada ou concretizada a situação de risco constante da apólice de seguro-- do onde resulta a responsabilização da ré/seguradora, nos termos do peticionado. É que os contratos devem ser pontualmente cumpridos e, no âmbito desse cumprimento, tal como no exercício dos direitos correspondentes, devem as partes proceder de boa fé, ou seja, com lealdade e probidade (artigos 3º do Código Comercial e 404º, nº 1 e 762º do Código Civil). Procede, assim, a questão suscitada. • Quinta questão: do mérito da acção, nomeadamente no que tange ao peticionado na ampliação do pedido deduzido na audiência de julgamento (cfr. fls.378): Como dissemos, concretizada que está a situação de risco constante da apólice de seguro, não pode a ré seguradora deixar de pagar ao E………., SA, o capital seguro necessário para amortização integral do empréstimo concedido aos autores. Efectivamente, o beneficiário do seguro é o banco (tomador). E se -- como dito supra -- os autores também o são, é apenas de forma indirecta, isto é, na medida em que, com o pagamento da ré ao banco se vêm desonerados da obrigação de lhe pagarem o capital. Porém, o que os autores peticionaram, na ampliação do pedido, foi isto (fls. 368): que, “a tento o lapso temporal já decorrido e vigência do contrato de mútuo, (…)”, fosse a ré condenada “no reembolso aos Autores da totalidade dos valores por estes pagos, acrescidos de juros legais, ao E………., SA ou a entidade que lhe tenha sucedido no referido contrato de mútuo e com referência à apólice de seguros em discussão nos presentes autos, valores esses a liquidar em execução de sentença”. Por despacho de fls. 378 foi decidido admitir a peticionada ampliação do pedido por se entender que este “novo pedido constitui a concretização do inicial” -- despacho que não mereceu qualquer reparo censura por banda da ré. Assim sendo, parece evidente -- salvo o devido respeito por diferente opinião -- que, caso haja, de facto, prestações pagas pelos autores ao Banco desde a data em que se concretizou o risco coberto pelo seguro (se verificou ou preencheu a aludida “invalidade absoluta e definitiva por doença”), os autores não poderão deixar de ter direito a exigir da ré/seguradora (a entidade sobre quem impende a obrigação de pagar o capital coberto) o ressarcimento daquilo que tenham pago. Com efeito, de duas uma: ou a seguradora (na sequência da decisão final desta acção) pagava ao Banco a totalidade do capital do seguro em dívida desde a data da verificação do risco e, então, teria o Banco recebido prestações em “duplicado” (dela … e dos autores), o que obrigaria os autores a se verem forçados a demandá-lo para dele exigir a restituição daquilo com que, sem justificação, se enriqueceu; ou a seguradora (aproveitando-se, então, dos pagamentos entretanto feitos pelos autores) apenas pagava ao Banco o capital do seguro em dívida à data do pagamento, sem “devolver” aos autores as prestações que, entretanto, liquidaram ao Banco (depois da verificação do aludido risco) e, então, estaria -- agora a seguradora -- a locupletar-se à custa … dos autores. Em qualquer dos casos seria oneroso e penalizante para os autores, os quais se veriam forçados a nova demanda para reaver aquilo que pagaram em “excesso”-- ou indevidamente, desde a verificação do risco do seguro. O que contraria a justiça, a boa fé e a… economia processual. Perante o explanado, cremos que a solução correcta e justa terá de ser a condenação da ré Companhia de Seguros D………., SA, a pagar ao E………., S.A., ou à instituição que o represente ou lhe tenha sucedido no referido contrato de mútuo e com referência à apólice de seguros em discussão nos presentes autos, o capital seguro necessário para amortização do empréstimo concedido aos autores, pagando, por sua vez, aos autores a totalidade dos valores por estes pagos a partir da data (Junho de 2002 -- cfr. facto nº 20 dos provados) da concretização do risco previsto na apólice, acrescidos de juros legais, valores esses a liquidar em execução de sentença. CONCLUINDO: • No seguro de grupo, ramo vida, embora o beneficiário directo seja o tomador do seguro, o segurado não deixa de ser beneficiário, mesmo que indirecto, já que, não só é a ele que compete efectuar os prémios (“a prestação”) à seguradora (ut artº 761º, nº1 CC), como é ele quem com aquele pagamento fica liberto de uma dívida. • Por isso, o segurado não apenas tem legitimidade processual (é interessado directo na demanda), como substantiva, podendo, por isso, não apenas peticionar a condenação da seguradora a pagar ao Banco mutuante o capital necessário à amortização do empréstimo -- sem ter de ficar à espera que a entidade bancária resolva accionar a seguradora para cumprir aquela obrigação --, como, também, a condenação da mesma seguradora a reembolsar o próprio segurado dos valores que haja pago ao Banco desde a dada da verificação do risco previsto na apólice. • O Decreto-Lei n.° 446/85, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 220/95, atravessa, longitudinalmente, todo o ordenamento jurídico português e é aplicável a todo o tipo de negócios em cujos contratos singulares ou elaborados em forma de minuta, para o futuro, se incluam cláusulas contratuais gerais -- só cedendo perante as excepções que ele próprio a si mesmo se impôs e que constam do seu art.° 3.° --, incluindo-se dentro da aplicação do mesmo diploma legal os contratos de seguro de grupo, como contratos de adesão que são. • Embora, numa primeira análise, seja o tomador do seguro (o Banco mutuante) quem no seguro de grupo tem o dever de informação do teor das cláusulas, a falta de informação desse intermediário repercute-se na seguradora, não sendo essa falta oponível ao segurado, arcando, assim, a seguradora com as respectivas consequências, sem que possa invocar perante o segurado as cláusulas contratuais gerais a que essa falta respeita. Ou seja, responde perante o segurado, sem prejuízo de poder (eventualmente), depois, poder vir a accionar o intermediário (tomador do seguro de grupo) pelo prejuízo que tal falta de informação lhe tenha acarretado. • Tendo o nosso legislador, para efeitos de interpretação das condições gerais dos contratos, optado pela “interpretação individual”, evitando-se uma interpretação que obedecesse a critérios rígidos, uniformes ou generalizados, as cláusulas contratuais de interpretação duvidosa ou ambígua devem ser interpretadas no sentido mais favorável à contraparte do utilizador, cabendo ao utilizador suportar o risco de uma possível ambiguidade. ************************ IV. DECISÃO: Termos em que acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e condenando-se a ré Companhia de Seguros D………., SA, a pagar ao E………., S.A., ou à Instituição que o represente ou lhe tenha sucedido no referido contrato de mútuo e com referência à apólice de seguros em discussão nos presentes autos, o capital seguro necessário para amortização do empréstimo concedido aos autores, pagando, por sua vez, aos autores a totalidade dos valores por estes pagos ao mesmo Banco ou Instituição a partir da data (Junho de 2002) da concretização do risco previsto na apólice, acrescidos de juros legais, valores esses a liquidar em execução de sentença. Custas, em ambas as instâncias, a cargo da ré. Porto, 11 de Setembro de 2008 Fernando Baptista Oliveira José Manuel Carvalho Ferraz Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves _________________________ [1] Teoria e Prática dos Seguros, Lisboa. [2] À Descoberta dos Seguros, Guias Práticos DECO, 2002, pp. 60 ss [3] Estudos de Direito de Seguros, Intermediação de Seguros e Seguro de Grupo, Almedina, 2007, em especial a págs. 245 ss. [4] Ob. cit., pp. 302 ss. [5] Notas Práticas sobre o Contrato de Seguro, Quid Juris, 2006, p. 44 [6] Cfr. artº 1º, al. g) do Dec.-Lei nº 176/95, de 26.07 [7] Neste sentido, reportando-se ao contrato de seguro de incêndio com cláusula a favor de credor hipotecário, cf., ainda, José Vasques, Contrato de Seguro, pág. 122. No mesmo sentido, cfr. Romano Martinez, Direito dos Seguros, pág. 68. Cfr. ainda, José Vasques, ob. cit., pág. 175. [8] Cfr. JOSÉ VASQUEZ, Contrato de Seguro, Coimbra Editora, pág. 131. [9] GURVATO MORAIS, cit., p. 371. [10] Vd. Instituto de Seguros de Portugal, in http://www.isp/NR/exeres/. [11] É claro que sempre se poderia deixar no ar a pergunta se a figura dos seguros de grupo não poderá «mascarar» a realidade de uma efectiva comercialização directa de seguros que, de outro modo, estaria vedada. Teríamos como que uma “revenda” de seguros. A ser assim, teríamos uma situação de “fraude à lei”, pois não havendo formalmente uma violação da lei em vigor, na realidade obter-se-ia um resultado que a legislação não permite. [12] PAULA R. ALVES, ob. cit., pág. 291. [13] Aderente e pessoa segura não são sinónimos. Pode haver pessoas seguras que não são aderentes. Veja-se, por exemplo, seguro de grupo de saúde, em que adere um trabalhador duma empresa e que é abrangido o seu agregado familiar. O trabalhador, membro do grupo, é o aderente e as pessoas seguras são ele próprio e os seus familiares. [14] Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4ª. edição, página 178 e Pinto Monteiro, Cláusulas Limitativas e de Exclusão da Responsabilidade, página 344. [15] A propósito, Joaquim de Sousa Ribeiro, O Problema do Contrato - As Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade Contratual”, Colecção Teses, Almedina, pág.372. [16] Prof. Antunes Varela; Obrigações; Volume I; pág. 258. [17] M. Almeida Costa e António Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais (in Anotação ao Dec.-Lei nº 446/85, de 25.10). [18] Sobre os contatos de seguro, ver Garção Soares, no seu artigo “Contrato de Seguro”,in “I Congresso Nacional de Direito de Seguros”, Almedina, pág. 193. [19] Anote-se que se considerarmos que só o aderente poderá invocar a seu favor a falta de comunicação e/ou informação, obviamente que, neste aspecto, se encontra protegido. [20] PAULA RIBEIRO ALVES, Intermediação de Seguros e Seguro de Grupo, Almedina, 2007, pp. 31 e 32. [21] Cláusulas Contratuais Gerais…, cit., pp. 67-68. [22] Cfr. o artigo 1370º do Codice Civile: "as cláusulas inseridas nas condições gerais do contrato ou em módulos ou formulários predispostos por um dos contraentes interpretam-se, na dúvida, a favor do outro". A lei que transpôs para o ordenamento italiano a directiva comunitária sobre as cláusulas abusivas ("Legge 6 febbraio 1996, n. 52") consagra igualmente o princípio de que, em caso de dúvida sobre o sentido de uma cláusula, prevalece a interpretação mais favorável ao consumidor (artigo 1469-quarter, nº 2). [23] Nº 2 do artº 11. |