Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | TERESA SÁ LOPES | ||
| Descritores: | CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO PARTICIPAÇÃO DO ACIDENTE DE TRABALHO BOLETIM DE ALTA PRÉMIO DE ASSINATURA DO CONTRATO ABUSO DO DIREITO | ||
| Nº do Documento: | RP202210031400/13.1TTPRT.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/03/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
| Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A caducidade do direito de ação é, no direito processual civil, uma exceção perentória conducente à extinção do direito do autor e à declaração de improcedência da ação. II - ‘(…) - A participação do acidente de trabalho é o ato impeditivo de caducidade do direito de ação. (…) - A data da cura clínica, isoladamente considerada, nada releva para o início da contagem do prazo de um ano, previsto no artigo 179.º da LAT. (…) - Tal prazo de caducidade só começa a contar a partir da entrega formal ao sinistrado do boletim de alta, em modelo oficialmente aprovado, e cuja prova cabe à entidade responsável pelo acidente de trabalho.’ III - O prémio de assinatura de contrato, ‘não se trata de uma contrapartida pelo trabalho’, trata-se sim de ‘um bónus motivado pela simples ocorrência da assinatura do contrato’, não sendo devido a título de retribuição.’ IV - ‘(…) O abuso do direito, na configuração expressa no art. 334.º do CC, tem um carácter polimórfico, sendo a proibição do venire contra factum proprium uma das suas manifestações. Uma modalidade especial da proibição do venire é a chamada verwirkung (ou supressio) e que se pode caracterizar do seguinte modo: a) o titular de um direito deixa passar longo tempo sem o exercer; b) com base nesse decurso de tempo e com base ainda numa particular conduta do dito titular ou noutras circunstâncias, a contraparte chega à convicção justificada de que o direito já não será exercido; c) movida por esta confiança, essa contraparte orientou em conformidade a sua vida, tomou medidas ou adoptou programas de acção na base daquela confiança, pelo que o exercício tardio e inesperado do direito em causa lhe acarretaria agora uma desvantagem maior do que o seu exercício atempado.’ V - O decurso do período de 13 anos não é suscetível de criar no Réu, entidade responsável pelo ressarcimento das consequências decorrentes dos acidentes sofridos pelo Autor, a legitima confiança de que o direito já não seria exercido por este, por ao mesmo nunca ter sido entregue qualquer boletim de alta, fazendo referência ao seu estado de saúde, se o mesmo estava curado com ou sem desvalorização, a causa de cessação do tratamento, o grau de incapacidade (no caso de a mesma persistir), bem como as razões justificativas de tais conclusões. (sumário, em parte, com transcrição do sumário do Acórdão desta secção de 14.07.2021 e do sumário do Acórdão do STJ de 12.06.2012, ambos referenciados no texto) | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo nº 1400/13.1TPRT.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto – Juiz 1 Recorrentes: S..., S.A.D AA Relatora: Teresa Sá Lopes 1º Adjunto: Des. António Luís Carvalhão 2º Adjunta: Des. Paula Leal de Carvalho Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório: (com base no relatório efetuado na sentença) AUTOR: AA RÉUS: F... -COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., G..., P..., e S..., S.A.D Alegando ter tido dois acidentes de trabalho ao serviço do S..., ao abrigo de contrato de trabalho desportivo, ocorridos em 11 de agosto de 1999 e em 17 de outubro de 1999, dos quais resultaram incapacidade permanente, o Autor pede a condenação dos Réus, na medida das suas responsabilidades, e por referência ao salário auferido (€16.032,79 x 14 meses + €49.879,79 de prémio por 25 jogos por época desportiva + €324.218,63 de prémio de assinatura) no pagamento: “a) dos diferenciais que se apurar serem devidos pelos períodos de incapacidade temporária que forem fixados considerando a retribuição auferida pelo A.; b) a pensão anual e vitalícia, ou o correspondente capital de remição, com início no dia seguinte ao da alta; c) nas despesas de transportes, para já computadas em €50,00; d) juros de mora, desde a data de vencimento de tais prestações até efetivo e integral pagamento.” * Citada a Segurança Social, nos termos e para os fins do Decreto-Lei nº 59/89, de 22/02, esta não veio deduzir qualquer pedido de reembolso.* Os Réus contestaram, admitindo que o Autor sofreu três acidentes de trabalho ao serviço do S..., enquanto jogador profissional, ocorridos nos dias 11/08/1999, 17/10/1999 e 13/03/2000, dos quais foi considerado curado, sem desvalorização. Impugnam a existência de nexo causal entre as lesões atuais do Autor e os acidentes em causa, não aceitando o resultado do exame singular do INML, uma vez que o Autor continuou a sua carreira de jogador profissional de futebol.A Ré F... - Companhia de Seguros, SA aceitou a transferência da responsabilidade por acidentes de trabalho pelo salário anual de €192.393,43 (€16.032,79 x 12). O Réu S..., SAD não aceita que os prémios contratados com o Autor façam parte da retribuição, dado não terem carácter regular e periódico. Ambas as Rés invocam a caducidade do direito de ação, nos termos da Base XXXVIII, n.º 1, da Lei n.º 2127 de 3 de agosto e arts 32.º, n.º 1 da Lei n.º 100/1997 de 13/09, uma vez que o Autor terá tido alta do último acidente em 20 de outubro de 2000 e apenas participou o acidente a tribunal em 18 de outubro de 2013. Invocam ainda o abuso de direito, por considerarem que o Autor, após lhe ter sido dada alta clinica, ter retomado a sua atividade, não manifestando qualquer interesse em ter em seu poder o boletim de alta, nem de exercer o seu direito baseado numa alegada incapacidade permanente, no prazo de um ano após a alta clinica, uma vez que tal limitação física poderia condicionar a negativamente a evolução da sua carreira desportiva, tendo criado nas Rés a confiança que nunca iria invocar a omissão de entrega do boletim de alta médica para se prevalecer do direito que agora se arroga. * O Autor respondeu às exceções invocadas.Foi realizada audiência prévia em que foi proferido despacho saneador, relegando-se para conhecimento a final das exceções invocadas; foi selecionada a matéria de facto assente e fixados os temas de prova. Desdobrado o processo para fixação da incapacidade do Autor, foi a mesma fixada em 5%, como consta dos autos apensos. * Em data prévia ao início da audiência de discussão e julgamento, o Autor e a Ré F... - Companhia de Seguros, SA vieram transigir, admitindo os três acidentes sofridos pelo Autor, os períodos de incapacidades temporárias respetivos, bem como a incapacidade parcial permanente de 5% fixada nos autos, declarando-se o Autor integralmente pago de todas as indemnizações devidas pelos períodos de incapacidade temporária, e aceitando a Ré seguradora pagar o capital de remissão da pensão anual e vitalícia, devida por referência à incapacidade parcial permanente sofrida e ao salário anual transferido de €192.393,43, acrescido de juros vencidos.Transação que foi homologada por sentença, por respeitar as disposições legais imperativas que vigoram sobre a matéria. * Prosseguiram os autos com o Réu S..., SAD.Foi realizada audiência de discussão e julgamento, observando-se as formalidades legais, como consta das respetivas atas. A instância mantém-se válida e regular.’ Procedeu-se à realização da audiência final. Em 23.12.2020, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Termos em que julgo a presente ação procedente e, em consequência, condeno, com efeitos a partir de 21/10/2000 (dia seguinte ao da alta), o Réu S..., S.A.D. a pagar ao Autor: - o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia, no montante de €1.122,30 (mil, cento e vinte e dois euros e trinta cêntimos), no valor de €19.613,31 (dezanove mil, seiscentos e treze euros e trinta e um cêntimos) acrescido de juros de mora à taxa legal anual de 4%, ou da que sucessivamente estiver em vigor, contados desde o dia seguinte ao da alta, até integral pagamento, que perfazem na presente data a quantia de €16.423,50 (dezasseis mil, quatrocentos e vinte e três euros e cinquenta e nove cêntimos); - a quantia de €39.357,20 (trinta e nove mil, trezentos e cinquenta e sete euros e vinte cêntimos), a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta (320 dias) e de proporcionais de subsidio de Natal e férias, acrescida de juros de mora à taxa legal anual de 4%, ou da que sucessivamente estiver em vigor, contados desde o dia do último acidente, até integral pagamento, que perfazem na presente data a quantia de €33.012,60 (trinta e três mil e doze euros e sessenta cêntimos). Custas, nesta parte, a cargo do Réu S..., S.A.D., encontrando-se as custas a cargo da Ré Seguradora já fixadas em sentença anterior. Valor da ação para efeitos de custas: €58.970,51 nos termos do artigo 120.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho e da Portaria nº 11/2000, de 13/01. Oportunamente, vão os autos ao Ministério Público, nos termos e para os fins dos artigos 148.º n.ºs 3 e 4, "ex vi" do artigo 149.º, todos do Código de Processo do Trabalho. Registe e notifique.” Inconformada a Ré S..., SADS’ interpôs recurso, cujas alegações terminou com as seguintes conclusões: 1 – A Recorrente impugna os factos provados 7, 8, 27 e 29, nos termos seguintes: - quanto aos factos 7. e 8., entende a R. que não deveria ter ficado provado que o prémio de assinatura configura uma “retribuição suplementar”, atento o facto de o carácter não retributivo do prémio de assinatura ter sido expressamente impugnado pela R., nos arts. 50º a 53º da sua Contestação, além de a sentença, ao apreciar os montantes a que o A. teria direito, expressamente reconhecer o carácter não retributivo dos prémios contratualizados. - quanto ao facto 27 entende a R. que não deveria ter ficado provado o nexo causal entre a IPP de 5% e os acidentes e lesões ocorridos, na época desportiva 99/00, na medida em que a perícia foi realizada 19 (dezanove!) anos depois dos acidentes de trabalho, tendo o A. continuado a prática da atividade desportiva e sofrido outros acidentes de trabalho, em 24.3.09 e 28.09.11- como resultou do relatório de exame médico subscrito, em 7.1.15, de fls. 126 e ss. E, em sede de exame médico realizado, em fase conciliatória, as Sras. Peritas foram perentórias em afirmar que não era possível estabelecer o nexo causal entre a incapacidade verificada e os acidentes de trabalho, em causa, atento o decurso do tempo e a falta de elementos clínicos, à data! Mais: na perícia de especialidade de ortopedia, e conforme resulta de fls. 24 dos autos apensos, o Sr. perito da seguradora considerou que o A. não tinha “alterações de mobilidade, atrofias musculares, nem derrame articular, considerando o A. curado sem desvalorização”. E, segundo o resultado da junta médica desportiva de 19.2.20, os Srs. Peritos concluíram, quanto ao quesito 2 de fls. 56 e 57 dos autos, que a patologia degenerativa ao nível do joelho direito seria multifactorial, não tendo como causa exclusiva os acidentes ora em causa. Por fim, não se vislumbra em que elementos clínicos os Srs. Peritos se basearam para concluírem pela existência de uma hidrartrose crónica ou de repetição pós-traumática (TNI: I 12.1.4. a), atenta nomeadamente a sequela atribuída a fls. 126 e ss. (segundo relatório de exame médico), que não revela tal sequela. - quanto ao facto 29 entende a R. que não deveriam ter ficado provados períodos de incapacidade temporária absoluta (ITA), após 20/10/2000, ou seja, nos anos de 2009 e 2011, por nada terem a ver com os acidentes tratados, nos presentes autos, e referentes à época 99/00 – cfr. factos provados 11, 17, 19, 20, 21, 23 e 24 – e por, nesses anos, o A. nem sequer estar vinculado à R.. Tal correção urge ser feita, na medida em que o Tribunal considerou provados, no facto 29., 320 dias de ITA, quando deveriam ter ficado provados 170 dias, assim contabilizados: - 12.8.99 a 2.9.99 – 22 dias; - 17.10.99 a 30.10.99 – 14 dias; - 7.3.00 a 27.4.00 – 52 dias; - 31.7.00 a 20.10.00 – 82 dias. E, consequentemente, o valor a pagar a título de ITA deverá ser alterado para €10.454,25 (€32.065,58 x 70% x /365 x 170), e o valor dos proporcionais de férias e subsídio de Natal alterado para igual valor (170 x €16. 032,79/365 x 70% x 2). 2 -Entende a R. que o seguinte facto não provado, deveria ter sido dado como provado atento o seguinte: - quanto ao facto não provado 1: a factualidade provada em 30, 31, 32, 33, 36 e 37 deveria ter levado o Tribunal a dar como provado que o A. teve conhecimento que tinha tido alta, nas datas referidas em 15, 18, 21 e 22 dos factos provados e, ao não o ter feito, entrou em contradição com a referida factualidade provada, na medida em que daí se extraiu o seguinte: - o A. recebeu e assinou em como recebeu as indemnizações devidas pelos períodos de ITA fixadas pelas RR.; - o A. foi opção do treinador, integrado no grupo de trabalho e convocado para jogar, após ter alta clínica; - o A. jogou 21 jogos, na época 99/00, e 14 jogos, na época 00/01. E questão bem diferente do conhecimento da data da alta é a entrega do boletim de alta, conceitos que o Tribunal confundiu, como se verifica na fundamentação em relação ao facto 1 não provado. O facto de a entrega do boletim de alta não ser usual, no meio futebolístico, foi, de facto, dado como provado em 35. – e bem! No entanto, o que foi dado como não provado não foi a omissão de entrega ao A. do boletim de alta – conforme referido em sede de fundamentação – mas antes a falta de conhecimento do A. das datas da alta! Assim, é notório que o facto não provado 1 deveria ter sido dado como provado, dado o conhecimento pelo A. da alta ser evidente e um pressuposto lógico necessariamente verificado para se poder dar como provada toda a demais factualidade patente em 30, 31, 32, 33, 36 e 37. Ademais, atente-se na fundamentação dos factos provados em 17, 20, 23 e 24 – os quais consistem nas datas das altas – tendo o Tribunal concluído que o A. não teve conhecimento formal das mesmas, pelo facto de os documentos não terem sido entregues, ou seja, a questão está assente quanto à não entrega dos boletins de alta ao A., o que é bem diferente do seu conhecimento, evidente na demais factualidade dada como provada. 3 – Quanto à matéria de direito, entende a R. que não assiste razão ao Tribunal ao considerar verificado o nexo causal entre as sequelas constatadas pelos Srs. Peritos, em 2019, e os acidentes de trabalho ocorridos, na época de 99/00, não só devido à dilação temporal, como devido à continuidade da prática da atividade desportiva, ao mais alto nível, e durante a qual o A. sofreu, pelo menos, dois acidentes de trabalho, em 24.3.09 e 28.09.11. Como é público, os jogadores realizam exames médicos, quer antes de serem integrados no grupo de trabalho, após lesão, quer antes de ingressar nos Clubes que os pretendem contratar e, se forem dados como não aptos ou aptos com restrições para o desempenho da atividade desportiva, não só estão impedidos de retomar a sua atividade, como veem o seu “passe” ser desvalorizado e arriscam-se a não ser contratados por qualquer Clube – cfr. artigo de Joana Carneiro “Acidentes de trabalho de jogadores de futebol – Algumas considerações”, em Vinte Anos de Questões Laborais, nº 42, Especial, Coimbra Editora, Janeiro 2014 – cfr. doc. 1 que ora se junta. Em suma, entende a R. que o Tribunal violou o disposto no art. 7º, nº 2 do DL 143/99, de 30.4, na medida em que o A. não fez a prova que lhe cabia, ou seja, da origem da lesão. 4 - No caso de improceder a alegação anterior, cumpre por mera cautela e sem conceder, referir que o A., age, em manifesto abuso de direito, na modalidade de supressio, nos termos do disposto no art. 334º do CC, disposição que se entende violada pelo douto Tribunal. O A. sabia que tinha tido alta, tanto que recebeu a indemnização pelas incapacidades temporárias, recomeçou a treinar e a jogar e, posteriormente, foi transferido para outros Clubes, tendo previamente feito exames médicos, obrigatoriamente dado como apto para o exercício da atividade, e somente no termo final da sua carreira profissional, passados mais de 13 anos sobre a ocorrência dos acidentes, é que invocou uma incapacidade parcial e permanente para o trabalho que, até aí, desconhecia e, pasma-se, nem se vislumbra, de que modo passou a conhecê-la! Merece, pois, a tutela do direito a confiança que a R. teve no não exercício do direito pelo A., até porque o mesmo é claramente infundado, baseando-se tão só num formalismo que não é usual, no meio futebolístico – cfr. facto provado 35 - e que se prende com o facto de o A. não ter recebido e assinado o boletim de alta, uma vez que foi tratado no departamento clínico da R., sua entidade patronal, sendo, pois, ambos conhecedores da evolução da situação clínica e do momento em que o A. teve alta – cfr. sentenças de 2.12.13 do Tribunal de Trabalho do Porto, Juízo Único, 2ª Secção e de 7.3.16 da Comarca de Braga, Guimarães – Inst. Central – 3ª Sec. Trabalho – J2 – cfr. doc. 2 e 3 que ora se juntam. Em remate, refere que deverá proceder o recurso interposto pela Ré. * O Sinistrado contra-alegou nos seguintes termos:1) Começa o Réu, ora recorrente, por se insurgir contra os factos dados como provados sob o n.sº 7 e 8. Com a devida vénia, não compreende o A., a razão da discordância do Réu quanto ao teor desses factos dados como provados, uma vez que os mesmos resultam do que consta do documento nº 3 junto com a participação do acidente. Nesse documento está exarado que o A. terá direito a receber do S... um determinado montante a que este último deu o nome de “prémio de assinatura”. A Meritíssima Juíza a quo teve o cuidado de fazer constar que o valor acordado seria pago ao A. “uma retribuição suplementar, a título de prémio de assinatura”, pelo que nenhuma critica se pode apontar. No que respeita à relevância desse valor para cálculo da indemnização a ser paga pelo S..., dá-se aqui como reproduzido o que se alegou no recurso oportunamente interposto pelo A. 2) O S... discorda igualmente do teor do facto dado como provado sob o nº 27, ou seja o que o Réu qualificou como “nexo casual entre a IPP de 5% e os acidentes e lesões dados como provados nos presentes autos.” Antes de mais, sublinhe-se que no facto dado como provado sob o nº 26, ficou a constar que “não obstante os tratamentos a que foi sujeito, o joelho do Autor passou a sofrer frequentes lesões, com maior ou menor gravidade, e demais e instabilidade que, de forma mais ou menos exuberante, passaram a acompanhar o Autor, assim como as dores.” Facto dado como provado e que não é colocado em causa pelo Réu S.... Ora, voltando ao facto dado como provado nº 27 que agora é colocado em causa pelo Réu, como a Meritíssima Juíza a quo refere na douta sentença, o mesmo está em concordância com “os inúmeros exames de juntas médicas realizadas”, ao contrário do que é alegado nas alegações em resposta. Com efeito, os senhores peritos, após exames que efetuaram ao A., concluíram que, decorrente dos acidentes sofridos pelo mesmo e dados como provados nos presentes autos, este ficou com uma incapacidade parcial permanente de 5% (apenas o perito da seguradora que, aceitando a incapacidade parcial permanente decorrente dos referidos acidentes de trabalho, foi da opinião que o grau seria de 3%). O que a recorrente fez, na presente sede, foi transcrever frases soltas dos relatórios médicos para tentar descontextualizar a opinião unanime da perícia médica quanto ao nexo casual existente. A título de exemplo, invoca a recorrente que, em sede de exame médico realizado em fase conciliatória, as senhoras peritas afirmaram que não era possível estabelecer o nexo casual e a incapacidade verificada. No entanto, o que é afirmado pelas senhoras peritas é exatamente ao contrário. A conclusão das mesmas é “Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de casualidade entre os traumatismos relatados em 11-08-1999, 17-10-1999 e 07-03-2000 e o dano atendendo a que: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões e se exclui a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo.” (os sublinhados são da nossa autoria) E, no que respeita aos demais exames médicos realizados, resulta dos mesmos que as lesões aqui em causa são a causa da incapacidade parcial permanente atribuída. Também, ao contrário do que é afirmado pela recorrente, na junta médica desportiva é dito claramente que, no caso em concreto, os acidentes de trabalho e lesões daí decorrentes contribuíram para a patologia degenerativa do joelho direito. No que respeita à perícia da especialidade de ortopedia, o perito da Seguradora, após a realização do RMN ao joelho direito do Autor, respondeu no mesmo sentido dos restantes peritos, ou seja, reconhecendo o “nexo casual” entre os acidentes de trabalho e a incapacidade de que sofre o A. (apenas discordando, como se disse, quanto ao grau, uma vez que entende ser de 3% o mais adequado, ao contrário dos restantes peritos, incluindo o do tribunal). Por último, tal como é muito bem salientado na douta sentença recorrida, os senhores peritos nomeados pelo tribunal (Dr. BB) e da Seguradora (Dr. CC) foram ouvidos em sede de julgamento (ver ata de 30/07/2021) e expressaram detalhadamente e em uníssono quais as razões pelas quais consideram a existência do nexo casual que agora é colocado em causa sem qualquer fundamento pela recorrente. Deve, pois, improceder, a alegação da recorrente quanto a estes pontos dados dados como provadas na douta sentença. 3) No que respeita ao facto dado como não provado nº 1, também nenhuma crítica pode ser apontada à douta decisão. Conforme sempre alegado, o A. nunca teve conhecimento que tinha alta. Nunca lhe foi dito qual o seu estado clínico após o tratamento que o S... ministrou e bem como nunca lhe foi comunicado quais as razões pelas quais o S... decidiu cessar os tratamentos. E, como é óbvio, nunca lhe foi comunicado qual a incapacidade atribuída ou, se não lhe foi atribuída qualquer incapacidade, os motivos pelos quais o corpo clínico assim entendeu. Não há qualquer contradição com os quesitos dados como provados e referidos na douta alegação. Tais quesitos dados como provados não traduzem conhecimento por parte do A. que tenha tido alta. No que respeita à matéria de Direito invocada pelo recorrente: 4) Quanto ao nexo causal, já aqui explanamos as nossas discordâncias quanto à tese da recorrente. O nexo causal está devidamente comprovado por tudo aquilo que se explanou, mas sobretudo pela decisão e fundamentação unânimes da perícia. Lendo as passagens transcritas do artigo de Joana Carneiro e proposta de lei identificada nas doutas alegações, com a devida vénia, nada belisca o que foi dado como provado na douta sentença ora em crise. 4) Quanto ao argumento da alegada atuação do A. em abuso de direito, também este deve improceder na sua totalidade. O autor exerceu um direito legítimo e de acordo como que a lei prescreve. Se houve entidade que não respeitou a lei para fazer valer os seus exclusivos interesses, foi o S.... Desde logo, remetemos para o que já foi dito pelo aqui A. nas anteriores peças processuais quanto a esta matéria, designadamente quanto às consequências para o seu joelho direito com implicações diretas e negativas na sua carreira. Em segundo lugar, as duas decisões de 1ª instância transcritas nas doutas alegações não têm qualquer aplicação ou até mera semelhança com o caso sub judice. Vejamos: 5) No presente processo não está em causa um “mero” – como se isso tratasse de uma irrelevância – incumprimento de um formalismo legal (entrega formal de “apenas” um boletim). O S... não provou – e não tinha como provar – que o A. teve conhecimento que tinha tido alta e que foi dado apto sem restrições para o exercício do futebol. Nunca lhe foi transmitida a mínima informação relativa ao seu estado de saúde. Ao contrário do que foi dado como provado na primeira douta sentença de 1ª instância transcrita nas doutas alegações, neste caso o A. não regressou “ao mais alto nível e na plenitude das suas capacidades” e ganhou títulos coletivos e prémios pessoais. Nem foi dado como provado que o A. – ao contrário das decisões transcritas nas alegações – tenha tido interesse em não reclamar qualquer pensão anteriormente ao momento em que o fez. In casu, quem invoca o abuso de direito é a entidade que sonegou informação ao sinistrado. É a própria entidade que assumiu a responsabilidade de efetuar os tratamentos clínicos ao A. e que, para salvaguarda dos seus interesses exclusivos, não deu a conhecer (forma ou informalmente) ao A. a descrição pormenorizada das lesões sofridas, as razões pelas quais decidiu cessar o tratamento, qual o grau de incapacidade que sofre e sempre transmitindo as razões justificativas das suas conclusões. Por último, ao contrário do que alega o recorrente, as instâncias superiores já foram chamadas a pronunciar-se sobre esta situação e este Venerando Tribunal da Relação do Porto já proferiu o douto Acórdão no âmbito do processo nº 907/10.7TTMTS.P2, em 29/5/2017, no qual se extrai a douta conclusão IV: IV - Não consubstancia fraude à lei, nem abuso de direito, a participação do acidente de trabalho pelo A., jogador profissional de futebol, cerca de 10 anos após a sua ocorrência, sem que a este lhe tenha sido entregue, seja pelo empregador (clube de futebol), seja pela Seguradora, o boletim de alta definitiva (no qual foi dado como curado sem desvalorização), se, para além dessa tardia participação, mais nada se provou, designadamente se se não se provou, como havia sido alegado pela Ré, que tal se tenha ficado a dever ao interesse do A. em não ver, então, sindicada a sua incapacidade para evitar uma eventual desvalorização quer do seu “valor” enquanto jogador, quer da sua carreira profissional. Termina referindo que deve o recurso ser indeferido in totum. O Sinistrado interpôs recurso da sentença, finalizando as alegações com as seguintes conclusões: A. O PRESENTE RECURSO RESTRINGE-SE À PARTE DA DOUTA SENTENÇA RECORRIDA QUE JULGOU QUE AS RETRIBUIÇÕES CONTRATUALIZADAS ENTRE A. E RÉ S... RESPEITANTE AO PRÉMIO PELO CUMPRIMENTO DE 25 JOGOS NA ÉPOCA DESPORTIVA DE 1999/2000 NO MONTANTE DE € 49.879,79 E AINDA O PRÉMIO DE ASSINATURA PELA VINCULAÇÃO DURANTE 6 ÉPOCAS DESPORTIVAS NO VALOR DE €324.218,63 QUANTO À ÉPOCA DE 1999/2000, NÃO ASSUMEM NATUREZA DE RETRIBUIÇÃO NOS TERMOS E PARA OS EFEITOS DE CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO DEVIDA PELOS ACIDENTES DE TRABALHO SOFRIDOS PELO A. AO SERVIÇO DA RÉ. B. OS FACTOS DADOS COMO PROVADOS E RELEVANTES PARA O PRESENTE RECURSO SÃO OS NOS 1, 2, 3, 5, 7, 8, 9, 10, 11, 17, 19, 20, 21, 23, 24, 27, 29, 30, 36 E 49 DA DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, ACIMA TRANSCRITOS E QUE AQUI SE DÃO COMO REPRODUZIDOS PARA TODOS OS LEGAIS EFEITOS. C. AS NORMAS LEGAIS APLICÁVEIS RELEVANTES PARA O PRESENTE RECURSO E QUE, COM O DEVIDO RESPEITO POR OPINIÃO CONTRÁRIA, FORAM MAL INTERPRETADAS E APLICADAS, SÃO OS ARTIGOS 82º E 88º DO CÓDIGO DE TRABALHO EM VIGOR À DATA DOS ACIDENTES E ART. 26º DA LEI 100/97, DE 13 DE SETEMBRO. D. A RETRIBUIÇÃO INTITULADA É “PRÉMIO” POR CUMPRIR 25 JOGOS, FOI ACORDADA POR AMBAS AS PARTES, FAZ PARTE DO CONTRATO DE TRABALHO E TEM DATA ACORDADA E DEFINIDA QUANTO AO PAGAMENTO. E. O DENOMINADO “PRÉMIO DE ASSINATURA” FOI ACORDADO POR AMBAS AS PARTES, FAZ PARTE DO CONTRATO, ESTÁ DIVIDIDO POR ÉPOCAS DESPORTIVAS, TEM PRAZOS DE PAGAMENTO ACORDADOS E DEFINIDOS E FOI RECEBIDO PELO A./RECORRENTE QUANTO AO PREVISTO NA ÉPOCA DE 1999/2000. F. NÃO SE TRATAM DE RETRIBUIÇÕES A FIXAR UNILATERALMENTE PELA ENTIDADE PATRONAL, DE ACORDO COM O SEU EXCLUSIVO CRITÉRIO OU PARA COMPENSAÇÃO DE DESPESAS DO TRABALHADOR. G. O PRÉMIO PELO CUMPRIMENTO DE 25 JOGOS E O PRÉMIO DE ASSINATURA TÊM CARÁCTER REGULAR, PERIÓDICO E SINALAGMÁTICO. H. SE O A./RECORRENTE NÃO CUMPRIU OS 25 JOGOS NA ÉPOCA DE 1999/2000, MAS SIM 21 JOGOS, TAL DEVEU-SE AOS ACIDENTES DE TRABALHO QUE SOFREU AO SERVIÇO DO S.... I. PELO MENOS, DEVERÁ SER CONSIDERADO O PROPORCIONAL CORRESPONDENTE A 21 JOGOS AO SERVIÇO DO S.... J. AO DECIDIR COMO DECIDIU, O DOUTA SENTENÇA RECORRIDA VIOLOU AS NORMAS JURÍDICAS ACIMA REFERIDAS EM C). Termina referindo que ´DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER RECEBIDO, SEGUINDO-SE OS ULTERIORES TERMOS LEGAIS E, SEMPRE COM O MUI DOUTO PROVIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, SER JULGADO PROCEDENTE E EM CONSEQUÊNCIA SER REVOGADA A DOUTA SENTENÇA NA PARTE EM QUE NÃO CONSIDEROU O VALOR DE €49.879,79 DO PRÉMIO PELA DISPUTA DE 25 JOGOS E DE €324.218,03 DO PRÉMIO DE ASSINATURA REFERENTE À ÉPOCA DE 1999/2000 PARA CÁLCULO DO CAPITAL DE REMIÇÃO DA PENSÃO ANUAL E VITALÍCIA E PARA AINDEMNIZAÇÃO POR INCAPACIDADETEMPORÁRIA ABSOLUTANOSPERÍODOS REFERIDOS NA DOUTA SENTENÇA RECORRIDA E PROPORCIONAIS DE SUBSÍDIO DE NATAL E FÉRIAS A PAGAR AO A. CASO VOSSAS EXCELÊNCIAS NÃO ATENDAM AO PEDIDO QUANTO AO VALOR INTEGRAL DO PRÉMIO POR 25 JOGOS CUMPRIDOS, ENTÃO DEVERÁ SER ATENDIDO AO RESPETIVO PROPORCIONAL DE JOGOS EFETUADOS, OU SEJA 21 JOGOS’. A Ré/Apelada contra-alegou, finalizando com as seguintes conclusões: A - O presente recurso, tal como configurado pelo Recorrente, é insuscetível de surtir efeitos práticos quanto à decisão proferida pelo Tribunal a quo, devendo, em consideração da falta de interesse em agir do Recorrente que daí se retira ou da inutilidade da instância recursiva, ser indeferido. B. Não tendo o Recorrente cumprido o ónus que sobre si impendia caso pretendesse impugnar a matéria de facto dada como assente na sentença recorrida, o presente recurso deverá versar, em exclusivo, sobre matéria de direito. Em conformidade, deve ser desconsiderada toda e qualquer circunstância invocada pelo Recorrente que ultrapasse, infirme ou contrarie os limites da decisão de facto proferida pelo Tribunal recorrido, tal como sucede, na parte aplicável, nos pontos 5, 6, 7 e 8 da sua alegação e, bem assim, nas conclusões D, E, F, G e H. C. Os prémios de jogos e de assinatura em causa não se revestem de natureza regular e periódica, pelo que não integram o conceito de retribuição para efeitos de reparação de acidentes de trabalho. Termina referindo ‘deverá o presente recurso ser indeferido ou, caso assim não se entenda, ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se o entendimento de que os prémios de jogo e de assinatura em questão não integram o conceito de retribuição para efeitos de reparação de acidentes de trabalho.’ * Ambos os recursos foram admitidos como de apelação, com subida em imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto teve vista nos autos, nos termos do art. 87º nº3, do CPT, emitiu parecer, no qual se lê: ‘O primeiro recorrente, ex-jogador profissional de futebol, restritivamente, recorre quanto ao decidido, quanto à matéria de direito, na parte em que não foi atendida no cômputo da sua retribuição para cálculo da indemnização que lhe diz ser devida pelos acidentes de trabalho sofridos e em causa nos presentes autos, o valor de €49.879,79 denominado de “prémio” pela disputa de 25 jogos por época desportiva e o montante de €324.218,03 que lhe foi pago a título de “prémio de assinatura”, referente ao ano de 1999/2000, em que esteve ao serviço da 2ª. recorrente, para cálculo do capital de remição da pensão anual e vitalícia e para a indemnização por incapacidade temporária absoluta nos períodos referidos na sentença recorrida e proporcionais de subsídio de natal e férias que reclama. Pugna pela revogação da sentença na parte em que não considerou tais montantes, ou, em alternativa, que sejam considerados na proporcional de jogos por si efetuados. Por seu lado, a segunda recorrente, nas conclusões da sua alegação (a carecerem de melhor técnica de síntese), vem impugnar a matéria de facto, quanto aos pontos nº.s 7, 8, 27 e 29 da factualidade provada e 1º. facto não provado e suas consequências jurídicas, invocando erro de julgamento. Em matéria de direito, também, invoca erro de julgamento no decidido, que deu por verificado o nexo causal entre as sequelas que foram apuradas pelos Srs. Peritos, no ano de 2019, considerando que os acidentes de trabalho aqui em causa tiveram lugar na época de 1999/2000, o que não pode ser considerado pela dilacção temporal ocorrida, bem como pela continuidade da prática da actividade desportiva, ao mais alto nível da competição, e durante a qual o 1º. Recorrente veio a sofrer, pelo menos, dois outros acidentes de trabalho, em 24.03.2009 e 28.09.2011. ..., refere que o 1º, recorrente actua com manifesto abuso de direito, na modalidade de supressio, nos termos do disposto no artº. 334º do CC, disposição que se entende violada pelo Tribunal “a quo”. Mais diz merecer a tutela do direito a sua confiança quanto ao não exercício do direito de que ora se arroga o 1º. Recorrente, que diz ser claramente infundado. Mais juntou três documentos – um parecer e duas sentenças proferidas em 1ª. Instância - para sustentar a sua posição. Apenas o 1º. recorrente AA contra-alegou pugnando pelo não provimento do recurso. Não vislumbramos circunstâncias que obstem ao conhecimento do recurso, que foi tempestivamente interposto pelos recorrentes, os quais têm legitimidade e interesse em agir, devendo manter-se o regime e efeito que lhes foi fixado e pela manutenção do decidido. Na sentença “sub iudice”, quanto ao 1º. recorrente, foi bem caracterizado o regime retributivo que se mostrou aplicável à pretensão do recorrente e de acordo com a prova recolhida, considerando a previsão do artº. 14º. da Lei Nº. 28/98, de 26.06 - regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo - aplicável na data dos acidentes de trabalho aqui em causa, e bem assim, a sua repercussão para efeito do art.º 26.º da Lei 100/97 de 13/09. Nesta parte, uma vez que os prémios em causa não podem ser considerados para efeito de retribuição, por terem uma natureza discricionária por parte da atividade do 2º. recorrente, aderimos à fundamentação da sentença em crise nada mais havendo que ser acrescentado. Consequentemente, por destituído de fundamento legal, este recurso terá de improceder. Já relativamente à 2º. recorrente acompanhamos o seu recurso, se bem que com motivação diferente da por si apresentada quanto à caducidade do direito de ação e ao abuso do direito. Com efeito, terá de ser analisada em primeiro lugar a caducidade do direito de ação levada veladamente à 4ª. conclusão, mas suscitada no corpo das alegações, por ser de conhecimento oficioso, estando em causa direitos indisponíveis, nos termos e para os efeitos do artº. 333º. Nº. 1 do Código Civil. Como é sabido de acordo com a jurisprudência que tem sido firmada pelo STJ os conceitos de alta clínica e cura clínica não se confundem. O 1º. recorrente enquanto ao serviço da 2ª. recorrente foi dado como clinicamente curado pelos serviços clínicos desta, após lesões que configuraram acidentes como de trabalho, o que lhe permitiu participar em jogos de futebol das épocas 1999/2000 e 2000/2001 - cfr. pontos n.ºs 36 e 37 da matéria de facto provada e não impugnada e artº. 13º. da Lei n.° 28/98 de 26 de Junho, alterada pela Lei n.º 114/99, de 3 de Agosto. Tb. João Leal Amado, Contrato de Trabalho Desportivo, Anotado, pág. 50, anota que “[s]e a entidade empregadora tem o dever de submeter os praticantes aos exames e tratamentos clínicos necessários à prática da atividade desportiva …, também sobre o praticante impende o dever de se submeter a tais exames e tratamentos”. Daí que o boletim de alta clínica assuma relevância enquanto ato formal e substancialmente de cura, o certo é que de acordo com a praxis da 2ª. recorrente e do meio futebolístico tal boletim não era emitido. Em todo o caso, o 1º. Recorrente pode sempre voltar à prática desportiva de forma não inibida, com menção de que se encontrava curado e com a certeza que lesões desapareceram totalmente. Para este efeito, ambos os recorrentes em 2000/2001, nos termos do artº. 26º. Nº. 1 al. b) da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, cessaram o contrato de trabalho desportivo que os ligava, na modalidade de revogação por acordo das partes e sem necessidade de verificação de qualquer outro requisito, nos termos legalmente prescritos (cfr. pontos nº.s 3 e 7; João Leal Amado, idem, pág. 70). Nesse momento, ainda que verbalmente e em contrário do legal e formalmente previsto nessa data (cfr. artº. 32º. Nº. 4 do DL n.º 143/99, de 30 de Abril), o 2º. recorrente teve de emitir um boletim de alta clínica a favor do 1º. Recorrente, que consagraria o seu bom estado de saúde. Mais relevou para que o desportista tenha assumido ulterior compromisso contratual com O..., para quem jogou futebol nos anos de 2001/2002 a 2005/2006 – cfr. pontos nº. 36 a 41 da matéria de facto. O novo compromisso contratual sempre estaria dependente, enquanto sine qua non, de sua boa forma física, sujeito a realização de exames médicos, com ulterior comunicação do contrato e seus valores às entidades federativas francesas, nos termos dos regulamentos que regem esta atividade – cfr. ponto 45. Em circunstâncias não esclarecidas mais participou em jogos da seleção nacional. Não se pode admitir a incongruência destas práticas desportivas sem ter alta clínica. Mais não resulta e nem é invocado que o 1º. recorrente haja sido lesado em qualquer seu direito com a mencionada omissão. Ou seja, a relação desportiva e a relação laboral estiveram sempre em sintonia (cfr. João Leal Amado, idem, pág. 50). Seria a partir do momento da assinatura do novel contrato que o 1º. Recorrente deveria fazer valer os seus direitos potestativos, contra a sua anterior entidade patronal, a 2ª. recorrente, tal como os que ora reclama e pelo prazo de um ano. Será, salvo melhor opinião, neste sentido que deve ser interpretado os artº. 32º n.º 1 da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro aplicável à data, considerando o principio da unidade, globalidade e coerência do sistema jurídico a que se alude no artº. 8º. nº. 3 do Código Civil. Com efeito, aquele normativo terá de ser confrontado e harmonizado com o regime de reclamação de créditos salariais a que se alude no artº. 336º. (com referência aos artº.s 3º. do Decreto-Lei n.º 59/2015 e 2º. Nº.s 8 - prazo de caducidade - e 9, estes do seu anexo) e 337º. do Código do Trabalho. Do exposto não resulta motivo para a dualidade de regimes diversos para reclamação de prestações infortunísticas devidas por acidente de trabalho ou por créditos salariais, sendo que nos supra mencionados normativos se prevê o mesmo prazo de um ano e com mecanismos similares de caducidade e de prescrição (esta tem que ver com o cumprimento de uma obrigação, oponível pelo devedor ao seu credor, quando o exercício de um direito de crédito não for exercido no período de tempo fixado por lei). Consequentemente, na data de 18/10/2013 (ponto nº. 48), já se encontrava mais que precludido pelo não exercício atempado o direito de que o 1º. Recorrente se arroga, pelo que, sempre se terá de verificar a caducidade do direito de ação, conforme a previsão do artº. 333º. do C. C.. Quanto à figura do abuso do direito, como é sabido, uma das funções primárias do Direito consiste em assegurar expectativa, com suporte do princípio da proteção da confiança, enquanto princípio de direito fundamental, informador do Estado de Direito, pelo qual a ordem jurídica vai tutelar conduta de outrem. Este não pode conflituar com normas jurídicas que visam proteger outros interesses. O exercício de qualquer direito fica subjugado a observação à luz dos valores e princípios fundamentais do ordenamento jurídico, como seja o princípio da boa fé, de modo a evitar o exercício inaceitável de intervenções jurídicas. Nos termos do art.º 334.º do Código Civil evidencia a ilicitude do exercício do direito em contrariedade com a boa fé objetiva, os bons costumes contrários à moral pública prevalente ou o fim económico ou social do direito - cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 2001, Almedina, pág.s. 544 e segs. Apesar de recorrer a conceitos indeterminados a expressão adverbial de modo “manifestamente” inculca um inegável excesso no exercício normal de um direito, concretizado em termos inaceitáveis para a consciência jurídica vigente, considerando o sistema jurídico na sua globalidade. Na doutrina e na Jurisprudência tem relevado, entre outras a figura da supressão do direito (suppressio), aplicável ao caso em apreço, considerando a matéria de facto tida por assente e acima assinalada. A última época conhecida ao 1º. Recorrente foi em 2008/2009, pela equipa do T... e tendo jogado 22 jogos – cfr. ponto 44. Nesta conformidade, demonstra-se que o 1º. recorrente com a sua conduta, decorridos que foram 12 anos e 363 dias sobre a data de consolidação da última lesão (pontos 24 e 48) e mais de 4 anos sobre a sua última época desportiva conhecida (ponto nº. 44), jamais iria deduzir uma pretensão contra a 2ª. recorrente, tal como a que ora se analisa, contrariando os princípios de venire contra factum proprium, de natureza positiva e da suppressio, por contradizer a boa fé– cfr. Ac.s do STJ de 05-06-2018 e TRCoimbra de 24-11-2020 (in www.dgsi.pt); António Menezes Cordeiro - Do abuso do direito: estado das questões e perspetivas, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 2005, Ano 65 - Vol. II - Set. 2005. Consequentemente, deve ser dado como verificado o invocado abuso de direito. No mais, caso assim se não entenda, tal como já se mencionou, a 2ª. recorrente demonstra, sem reparo a censura que a sentença merece na impugnação da matéria de facto, quanto aos indicados pontos nº.s 7, 8, 27 e 29 da factualidade dada como provada e 1º. facto não provado e suas consequências jurídicas, por erro de julgamento. Em matéria de direito, também, invoca erro de julgamento no decidido, que deu por verificado o nexo causal entre as sequelas que foram apuradas pelos Srs. Peritos, no ano de 2019, considerando que os acidentes de trabalho aqui em causa tiveram lugar na época de 1999/2000, o que não pode ser atendido considerando o espaço temporal entretanto ocorrido, a par da demais atividade profissional do 1º. recorrente. Procedem as conclusões formuladas neste recurso. Em suma, emite-se parecer pela improcedência do recurso do 1º. recorrente e pela procedência da 2ª. recorrente.’ O Autor respondeu ao mesmo parecer, concluindo como nas alegações de recurso, aí se lendo: ‘(…) no que concerne ao recurso apresentado pelo aqui recorrente – no parecer em resposta é completamente omitida a definição legal de retribuição prevista no Código do Trabalho à data aplicável, conforme consta das alegações oportunamente apresentadas, sendo certo que, como se estrai pela mera letra da lei, o Art. 14º da Lei nº 28/98, a 26/06 invocado no douto parecer, em nada coloca em causa os fundamentos do recurso e respetivas alegações que, aqui se dão como integralmente reproduzidas para todos os legais efeitos. E muito menos se compreende a atribuição do carácter discricionário às retribuições em causa, quando as mesmas constam do contrato de trabalho escrito, acordado por ambas as partes, ou seja sem qualquer natureza aleatória. Com o devido respeito, parece-nos que o senhor Procurador Geral Adjunto fez confusão com os prémios de jogo ou de classificação que estão prescritas na cláusula 5ª do 1º contrato outorgado pelas partes. De facto o pagamento destes últimos fica ao critério do S.... No entanto, as retribuições em causa neste recurso não são essas. São as que ficaram aceites por acordo, com valores exatamente definidos e datas de pagamento acordadas, por ambas as partes. No que respeita ao recurso apresentado pelo S... (2ª recorrente), e sempre com o devido respeito, é manifestamente incompreensível a tese defendida no douto parecer em resposta que, aliás e como não poderia deixar de ser, nem cita nenhuma jurisprudência em defesa da mesma. Para além de incompreensível, é deveras surpreendente a afirmação que “o 1º recorrente pode sempre voltar à prática desportiva de forma não inibida ………. e com a certeza que as lesões desapareceram totalmente”. Esta afirmação, sem qualquer base factual ou minimamente cientifica, contraria fortemente as conclusões dos senhores peritos nas várias perícias realizadas, pelo que, com o devido respeito, é completamente descabida. De sublinhar a “inovação” apresentada no douto parecer em resposta e que consta na suposta emissão de boletim de alta “verbal”. Invocação essa que não pode, naturalmente, colher na presente sede. Para além dessa “inovação concetual”, é completamente abusiva a ilação retirada no douto parecer no sentido que “o novo compromisso contratual sempre estaria dependente, enquanto sine qua non, da sua boa forma física…”. E é abusiva porque contraria em absoluto, mais uma vez, os depoimentos das testemunhas, do primeiro recorrente e as conclusões dos senhores peritos e as respostas dadas em 26,e 27dos factos provados e em 2 dos factos não provados. Remete-se, quanto a esta matéria, o que foi alegado pelo aqui recorrente na sua resposta às alegações de recurso do S.... Também não colhe a referência ao disposto no nº 3 do Art. 8º do Código Civil. É que, em nome do princípio da coerência do sistema jurídico, não pode ser afastada a obrigatoriedade de ao proferir uma decisão, o juiz não ignorar a letra e o espírito de lei aplicável ao caso concreto. E in casu, dever-se-á aplicar a lei em vigor à data dos factos e não fazer exercícios de aplicação de leis “futuras” ou de lei que tenha âmbito de aplicação e objetivos diferentes, como parece pretender que ocorra o parecer em resposta. Quanto ao invocado abuso de direito, remete-se para o que afirma esta matéria na presente e anteriores peças processuais apresentadas pelo 1º recorrente, muito especialmente para o douto acórdão aí citado, quando se conclui: “IV – Não consubstancia fraude à lei, nem abuso de direito, a participação do acidente de trabalho pelo A., jogador profissional de futebol, cerca de 10 anos após a sua ocorrência, sem que a este lhe tenha sido entregue, seja pelo empregador (clube de futebol), seja pela Seguradora, o boletim de alta definitiva (no qual foi dado como curado sem desvalorização), se, para além dessa tardia participação, mais nada se provou, designadamente se se não se provou, como havia sido alegado pela Ré, que tal se tenha ficado a dever ao interesse do A. em não ver, então, sindicada a sua incapacidade para evitar uma eventual desvalorização quer do seu “valor” enquanto jogador, quer da sua carreira profissional.” Por último, quanto à alteração da matéria de facto, mais uma vez se reafirma que a matéria de facto em 7 e 8 não deve ser alterada até porque a mesma resulta do teor dos documentos juntos aos autos. E no que respeita à matéria dos factos 27 e 29, não são meras considerações jurídicas infundadas que podem colocar em causa trabalho, conclusões esclarecimentos unânimes dos peritos conforme, muito bem, a douta sentença recorrida refere. Quanto à matéria dada como não provada em 1 dos factos não provados, também nenhuma crítica merece como supra se referiu.’ * Cumpridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.* O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações das recorrente, cfr. art.s 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.As questões a a apreciar e decidir consistem: - impugnação das matéria de facto; - saber se deve ser atendida no cômputo da sua retribuição para cálculo da indemnização do Sinistrado, pelos acidentes de trabalho sofridos e em causa, o valor de € 49.879,79 denominado de “prémio” pela disputa de 25 jogos por época desportiva e o montante de € 324.218,03 que lhe foi pago a título de “prémio de assinatura”, referente ao ano de 1999/2000, em que esteve ao serviço da 2ª. recorrente, para cálculo do capital de remição da pensão anual e vitalícia e para a indemnização por incapacidade temporária absoluta nos períodos referidos na sentença recorrida e proporcionais de subsídio de natal e férias; - saber se deve ser considerada a exceção de caducidade; - abuso do direito. * 2.Fundamentação:2.1.1. Foi esta a decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo: Factos Provados (com interesse à decisão, alegados pelas partes e/ou processualmente adquiridos em face da prova documental produzida): 1. O Autor celebrou em 3 de julho de 1998, com o S..., S.A.D. um contrato de trabalho desportivo (cfr. doc. 1 da participação do acidente a juízo, a fls. 6ss dos autos, aqui dado por integralmente reproduzido). 2. Com data de 10 de maio de 1999 o Autor e o S... celebraram um aditamento a tal contrato de trabalho desportivo, alterando-o (cfr. doc. 2 da participação do acidente junto a fls. 12ss dos autos aqui dado por integralmente reproduzido). 3. Por força de tal contrato e respetivo aditamento o Autor obrigou-se a prestar ao S... a sua atividade enquanto jogador profissional de futebol nas épocas desportivas de 1998/1999 até 2004/2005, inclusive. 4. Contra a prestação da sua atividade profissional o S... obrigou-se a pagar ao Autor, na época de 1999/2000, a remuneração mensal de 3.214.285$00 (três milhões, duzentos e catorze mil, duzentos e oitenta e cinco escudos) correspondentes a €16.032,79 (dezasseis mil e trinta e dois euros e setenta e nove cêntimos), paga doze vezes por ano, e acrescida de subsídios de férias e de Natal de igual montante. 5. Ficando ainda clausulado que caso o Autor disputasse 25 jogos por época desportiva auferiria ainda um prémio de 10.000.000$00 (dez milhões de escudos) correspondente a €49.879,79 (quarenta e nove mil, oitocentos e setenta e nove euros e setenta e nove cêntimos). 6. Ao que acresceriam ainda prémios de jogos e de classificação cuja definição quanto ao seu montante e critérios de atribuição ficou a cargo do S.... 7. No mesmo dia 10 de maio de 1999, o Autor e o S... celebraram um outro aditamento ao sobredito contrato de trabalho por força do qual, considerando que o primeiro se vinculava ao segundo por seis épocas desportivas, lhe seria paga uma retribuição suplementar, a titulo de prémio de assinatura – (cfr. doc. 3 da participação do acidente junto a fls. 18ss dos autos aqui dado por integralmente reproduzido). 8. Retribuição esta que, na época de 1999/00 foi fixada em 65.000.000$00 (sessenta e cinco milhões de escudos) correspondentes a €324.218,63 (trezentos e vinte e quatro mil, duzentos e dezoito euros e sessenta e três cêntimos) a ser pagos em duas tranches: no dia 05/07/99 – 50.000.000$00 (cinquenta milhões de escudos) correspondentes a €249.398,95 (duzentos e quarenta e nove mil, trezentos e noventa e oito euros e noventa e cinco cêntimos) e, no dia 15/01/00, 15.000.000$00 (quinze milhões de escudos) correspondentes a €74.819,68 (setenta e quatro mil, oitocentos e dezanove euros e sessenta e oito cêntimos) – (cfr. doc. 3 da participação do acidente junto a fls. 18ss dos autos aqui dado por integralmente reproduzido). 9. Através de contrato de seguro, do Ramo Acidentes de Trabalho, titulado pela apólice nº ..., o S..., S.A.D transferiu para a F... - Companhia de Seguros, SA, a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho ocorridos com jogadores de futebol profissionais ao seu serviço, entre os quais o Autor. 10. O salário anual transferido relativamente ao Autor foi de €192.393,43. 11. No dia 11 de agosto de 1999, o Autor integrou a equipa do S... e, ao seu serviço, integrou a equipa que defrontou o Atlético de Madrid em ..., Espanha, em disputa da taça .... 12. Nesse jogo, próximo do intervalo, numa disputa de bola, o Autor deslizou pela relva, numa manobra vulgarmente designada por carrinho. 13. Foi então que o seu pé direito ficou preso na relva, o que determinou que o Autor sentisse de imediato um forte impacto e torção no seu joelho direito. 14. Logo no momento se constatou a gravidade da lesão do Autor, que ficou impedido de continuar a jogar. 15. Sendo-lhe diagnosticada uma lesão do menisco externo assim como uma distensão do ligamento interno – ligamento colateral tibial – da perna direita. 16. O Autor foi sujeito a intervenção cirúrgica no dia 13/08/1999 – artroscopia. 17. Ao Autor foi dada alta em 02/09/1999, tendo sido considerado curado, sem incapacidade (cfr. boletim de alta, a fls. 71 dos autos, aqui dado por reproduzido) 18. Cerca de um mês a um mês e meio depois da operação, o Autor voltou a treinar e a jogar. 19. No dia 17/10/1999, no Estádio ..., ao defrontar esta equipa em jogo da 1ª Liga ao serviço do S..., o joelho direito do Autor voltou a ceder, lesionando-se, afetando então o menisco interno. 20. Ao Autor foi dada alta em 30/10/1999, tendo sido considerado curado, sem incapacidade (cfr. boletim de alta, a fls. 77 dos autos, aqui dado por reproduzido) 21. Em 07/03/2000, ao chutar a bola, o Autor sofreu traumatismo do joelho direito, com lesão do menisco- ligamento interno. 22. O Autor foi submetido a cirurgia – ligamentoplastia do ligamento lateral interno – em 10/03/2000. 23. Ao Autor foi dada alta em 27/04/2000, tendo sido considerado curado, sem incapacidade (cfr. boletim de alta, a fls. 83 dos autos, aqui dado por reproduzido). 24. Em 31/07/2000 o Autor foi submetido a nova cirurgia ao joelho direito, tendo tido alta a 20/10/2000 (cfr. boletim de alta, a fls. 91 dos autos, aqui dado por reproduzido). 25. Ao Autor nunca foram entregues os boletins de alta aludidos em 15, 18, 21 e 22. 26. Não obstante os tratamentos a que foi sujeito, o joelho do Autor passou a sofrer frequentes lesões, com maior ou menor gravidade, edemas e instabilidade que, de forma mais ou menos exuberante, passaram a acompanhar o Autor, assim como as dores. 27. Em consequência dos acidentes e lesões supra referidos, o Autor focou com uma incapacidade parcial permanente de 5%. 28. A consolidação médico-legal das lesões do Autor ocorreu a 20/10/2000. 29. O Autor esteve com os seguintes períodos de incapacidade temporária absoluta (ITA): 12/08/1999 a 02/09/1999; 17/10/1999 a 30/10/1999; 07/03/2000 a 20/10/2000; 24/03/2009 a 24/042009; 29/09/2011 a 21/10/2011, num total de 320 dias. 30. O Autor foi pago das indemnizações devidas pelos períodos de incapacidades temporárias fixadas pelas Rés, com referência à retribuição anual de €192.393,43. 31. Em 5 de maio, 19 de outubro e 14 de novembro de 2000, o Autor declarou e assinou que recebeu as quantias correspondentes aos períodos de baixa a que esteve sujeito por conta do acidente sofrido em 07/03/00, e da cirurgia a que foi submetido em 31/07/00 – (cfr. doc. 1 junto com a contestação do Réu S..., a fls. 246ss, aqui dado por reproduzido). 32. O Autor voltou a ser integrado no grupo de trabalho e a ser opção do treinador juntamente com os seus colegas. 33. Qualquer jogador e também o Autor, após uma lesão, só é integrado no grupo de trabalho e convocado para jogar depois de ter alta clínica. 34. E depois do respetivo boletim de alta ser comunicado a ambas as Rés pelo departamento clínico da Ré S... SAD. 35. A entrega dos boletins de alta clínica não era usual no meio futebolístico. 36. Na época 1999/2000 o Autor jogou 21 jogos pelo S.... 37. Na época 2000/2001 o Autor jogou 14 jogos pelo S.... 38. Na época 2001/2002 o Autor jogou 20 jogos pela equipa do O.... 39. Na época 2002/2003 o Autor jogou 1 jogo pela equipa do O.... 40. Na época 2004/2005 o Autor jogou 7 jogos pela equipa do O.... 41. Na época 2005/2006 o Autor jogou 21 jogos pela equipa do O.... 42. Na época 2006/2007 o Autor jogou 9 jogos pela equipa do N... e 4 jogos pela equipa do B.... 43. Na época 2007/2008 o Autor jogou 24 jogos pela equipa do N.... 44. Na época 2008/2009 o Autor jogou 22 jogos pela equipa do T.... 45. Antes das assinaturas de cada um dos contratos com os clubes supra aludidos, o Autor foi sujeito a exames médicos. 46. O Autor foi também uma opção do selecionador nacional, tendo participado em jogos da seleção. 47. O Autor terá sofrido uma contratura muscular, quando jogava para o O... – facto que, segundo o próprio declarou em entrevista em março de 2004 ao jornal “24 Horas” o deixou “incapaz” para continuar a jogar (cfr. doc.3 junto com a contestação do Réu S...). 48. O Autor apresentou a participação do acidente que deu origem a estes autos em 18/10/2013. 49. O Autor recebeu a totalidade do prémio de assinatura referido em 8. 50. O Autor nasceu em .../.../1977. Factos Não Provados (com interesse à decisão) 1. O Autor teve conhecimento, nas datas referidas em 15, 18, 21 e 22 dos factos provados, que tinha tido alta. 2. Nas circunstâncias referidas em 42 dos factos provados, o Autor foi dado como apto sem restrições para o exercício do futebol. 3. Com deslocações obrigatórias a juízo e ao INML o Autor despendeu a quantia de €50,00. Motivação da decisão de facto: ‘Os factos provados em 1 a 8 resultam dos documentos sob ns 1, 2 e 3 juntos com a participação de acidente, que não foram impugnados, conjugados com as declarações de parte do Autor, que confirmou tais factos. Os factos provados em 11 a 13, 18 e 19 foram também confirmados pelo Autor nas suas declarações, sendo ainda coerentes com os registos clínicos existentes nos autos, aceitando o Réu S... a existência destes acidentes. Os factos provados em 15, 16 e 22 resultam dos registos clínicos/exames realizados nos autos. Os factos provados em 17, 20, 23 e 24 resultam dos documentos a que nos mesmos se alude, juntos aos autos pelo Réu S..., não tendo sido impugnados. O que o Autor alega é que tais documentos nunca lhe foram entregues, pelo que nunca teve conhecimento formal das datas da alta e da incapacidade (ou falta dela) que lhe foi atribuída. O facto provado em 21, pese embora não tenha sido alegado pelo Autor, mas sim pelas Rés, resultou consensual em face dos elementos clínicos dos autos. O facto provado em 25 resulta das declarações do Autor não tendo o Réu S... provado a entrega dos boletins de alta ao Autor, conforme lhe competia, tendo admitido e até justificado a não entrega de tais boletins. O facto provado em 26 resulta das declarações do Autor, e é coerente, segundo critérios de normalidade, com os demais factos provados referentes às lesões sofridas. O facto provado em 27 resulta da sentença proferida no apenso para fixação da incapacidade, em consonância com os inúmeros exames de juntas médicas realizados. Os senhores peritos prestaram esclarecimentos em sede de audiência de discussão e julgamento e explicaram que as diferentes lesões ocorridas nos três acidentes sofridos pelo Autor (menisco externo; menisco interno e entorse do joelho direito) são “entorses de repetição”, tendo ocorrido logo no primeiro episódio/acidente em que teve lesão do menisco externo assim como uma distensão do ligamento interno – ligamento colateral tibial – da perna direita. Consideram que os dois episódios seguintes são recidiva do primeiro, considerando o período curto entre os eventos. Quanto ao nexo de causalidade entre a atual situação de incapacidade do Autor e aqueles eventos, referiram que as sequelas que o Autor apresenta, de artrose pós-traumática, instala-se ao longo do tempo, mais referindo que a atividade desportiva do Autor teria influência num desgaste generalizado de todas as articulações, e não apenas numa articulação específica (joelho direito), como sucede com o Autor, estabelecendo assi o nexo entre o desgaste “anormal” desta articulação e a ocorrência daqueles eventos. Os factos provados em 28 e 29 resultam do mesmo relatório de exame por junta médica realizado nos autos. No que diz respeito à data da alta clinica - 20/10/2000 – a mesma resulta igualmente de tal exame médico (embora ali se referira, por manifesto lapso de escrita, 20/10/2010) Os factos provados em 30 e 31 resultam dos documentos a que ali se faz alusão, não tendo sido impugnados pelo Autor. Os factos provados em 32 a 35 resultam das declarações de parte do legal representante do Réu S..., Dr. DD, que foi diretor clinico do S... que, embora apenas conheça o caso do Autor através dos registos clínicos, explicou que os jogadores só voltam a jogar após a alta, sendo esta comunicada à Companhia de Seguros. Explicou ainda que, no caso dos jogadores profissionais, em caso de lesão, os mesmos são tratados no Clube (e não pela Companhia de Seguros), referindo ainda que não é usual entregarem o boletim de alta ao jogador, mas que este tem conhecimento quando está apto a jogar. Também a testemunha EE, médico, que integrou o departamento clinico do S... na época desportiva 1999/2000, embora não tenha tratado do Autor, referiu que um jogador não pode treinar ou jogar enquanto não tiver alta, e que o boletim de alta é comunicado à Companhia de Seguros, não sendo usual, no meio futebolístico, dar o boletim de alta ao jogador. Também a testemunha FF, que foi jogar do S..., referiu que não era usual entregarem-lhes o boletim de alta, nem o resultado dos exames que faziam. Porém, no caso dele, que também sofreu uma lesão, foi-lhe dado conhecimento da sua situação clinica, pelo médico que o assistia. Os factos provados em 36 a 44 resultam dos documentos juntos aos autos, não tendo sido tais factos impugnados pelo Autor. Quanto ao facto provado em 45, quer o legal representante do S... (Dr. DD), quer a testemunha Dr. EE confirmaram que, antes de integrar qualquer equipa para onde é transferido, qualquer jogador é sujeito a exames médicos, o que é coerente segundo regras de experiência comum e normalidade. Também o Autor admite ter sido submetido a tais exames. O facto provado em 46 foi admitido pelo próprio Autor nas suas declarações de parte. O facto provado em 47 resulta do doc.3 junto com a contestação do Réu S.... O facto provado em 48 resulta dos autos. O facto provado em 49 (tema de prova aditado em sede de audiência de discussão e julgamento) resulta das declarações de parte do Autor e do depoimento da testemunha GG, mulher do Autor, que referiu que com esse dinheiro compraram/deram sinal para um apartamento em Lisboa, sendo ainda coerente que o Autor tenha recebido tal quantia, considerando as datas previstas para o seu pagamento (05/07/99 e 15/01/00). O facto provado em 50 resulta da certidão de nascimento do Autor, junta a fls. 34 dos autos. * Quanto aos factos não provados, o facto não provado em 1 resulta de o Autor ter referido que nunca lhe foi dado qualquer boletim de alta, conjugado com o depoimento do legal representante do Réu S... (Dr. DD) e da testemunha Dr. EE, que confirmaram não ser usual entregar o boletim de alta aos jogadores.Sobre o facto não provado em 2 não foi feita qualquer prova, uma vez que, pese embora o Autor tenha sido sujeito a exames noutros clubes onde prosseguiu a sua carreira, desconhece-se o resultado de tais exames. Sobre o facto não provado em 3 não foi feita qualquer prova.’ 2.1.2. Impugnação da decisão de facto: De harmonia com o disposto no artigo 662º, nº1 do Código de Processo Civil (ex vi do artigo 1º, nº 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Os poderes da Relação sobre o julgamento da matéria de facto foram reforçados na atual redação do Código de Processo Civil. Abrantes Geraldes, (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 230) refere que, “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”. Apesar de (obra citada, pág. 245), “... a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não poder confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”. Na reapreciação da força probatória das declarações de parte, dos depoimentos das testemunhas e dos documentos, importa ter presente o princípio da livre apreciação, como resulta do disposto nos artigos 607º, nº5 e 466º, nº3, ambos do Código de Processo Civil e 396º e 366º. Dito de outro modo, cabe à Relação, enquanto tribunal de 2ª instância, reapreciar, não apenas se a convicção expressa pelo tribunal de 1ª instância tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os restantes elementos constantes dos autos revelam, mas, também, avaliar e valorar, de acordo com o princípio da livre convicção, toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto. Preceitua ainda o artigo 640º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil: “1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; a) Os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; b) A decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; 2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando nos meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de proceder à respetiva transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes (…)”. Como se lê no Acórdão do STJ de 01.10.2015, in www.dgsi.pt, “Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus: Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento; Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa; Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão. (…)”, (sublinhado nosso). Servindo-nos também do texto do acórdão desta secção de 22.10.2018, proferido no processo 246/16.OT8VLG.P1, (Relatora Desembargadora Rita Romeira, no qual foi 1ª adjunta a aqui relatora): «Verifica-se, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação da decisão de facto, não se satisfaz com a mera indicação genérica da prova que na perspetiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal “a quo”, impõe-lhe a concretização quer dos pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância como a especificação das provas produzidas que, por as considerar como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, quanto a cada um dos factos que impugna sendo que, quando se funde em provas gravadas se torna, também, necessário que indique com exatidão as passagens da gravação em que se baseia, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição. Além disso, nas palavras, (…) de (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, págs. 132 e 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”. Sobre este assunto, no (Ac.STJ de 27.10.2016) pode ler-se: “…Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPC, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto.”…(…).». Ainda a este propósito, lê-se no Acórdão desta secção de 15.04.2013 (relatora Paula Leal de Carvalho, in www.dgsi.pt, também citado no acórdão de 22.10.2018), “Na impugnação da matéria de facto o Recorrente deverá, pois, identificar, com clareza e precisão, os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda, o que deverá fazer por reporte à concreta matéria de facto que consta dos articulados (em caso de inexistência de base instrutória, como é a situação dos autos). E deverá também relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna (para além “de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.”». Quanto aos factos 7 e 8, conclui a Ré Apelante que não deveria ter ficado provado que o prémio de assinatura configura uma “retribuição suplementar”, atento o facto de o carácter não retributivo do prémio de assinatura ter sido expressamente impugnado (artigos 50º a 53º da respetiva contestação), além de a sentença, ao apreciar os montantes a que o A. teria direito, expressamente reconhecer o carácter não retributivo dos prémios contratualizados. É este o teor de tais itens da matéria de facto provada: 7. No mesmo dia 10 de maio de 1999, o Autor e o S... celebraram um outro aditamento ao sobredito contrato de trabalho por força do qual, considerando que o primeiro se vinculava ao segundo por seis épocas desportivas, lhe seria paga uma retribuição suplementar, a titulo de prémio de assinatura – (cfr. doc. 3 da participação do acidente junto a fls. 18ss dos autos aqui dado por integralmente reproduzido). 8. Retribuição esta que, na época de 1999/00 foi fixada em 65.000.000$00 (sessenta e cinco milhões de escudos) correspondentes a €324.218,63 (trezentos e vinte e quatro mil, duzentos e dezoito euros e sessenta e três cêntimos) a ser pagos em duas tranches: no dia 05/07/99 – 50.000.000$00 (cinquenta milhões de escudos) correspondentes a €249.398,95 (duzentos e quarenta e nove mil, trezentos e noventa e oito euros e noventa e cinco cêntimos) e, no dia 15/01/00, 15.000.000$00 (quinze milhões de escudos) correspondentes a €74.819,68 (setenta e quatro mil, oitocentos e dezanove euros e sessenta e oito cêntimos) – (cfr. doc. 3 da participação do acidente junto a fls. 18ss dos autos aqui dado por integralmente reproduzido). A Apelante não indica a redação que os mesmos itens devem passar a ter. Ainda assim, uma vez que no teor do documento nº3 não é feita referência à retribuição antes e tão só a prémio de assinatura, afigura-se-nos que a alteração pretendida se justifica. Aliás estando em causa saber se o mesmo prémio faz parte da retribuição, a matéria que a Apelante pretende eliminar trata-se de matéria conclusiva. Conforme vem sendo entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Daí que só os factos materiais são suscetíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objeto de prova. Lê-se no acórdão do STJ de 12.03.2014 (Processo nº 590/12.5TTLRA.C1.S1) que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes”. Ainda a propósito desta questão da delimitação entre factos, juízos de valor sobre factos, e valorações jurídicas de factos, lê-se no acórdão do STJ de 28.01.2016 (Proc. Nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1), “Conforme se considerou no acórdão desta Secção de 24 de novembro de 2011, proferido na revista n.º 740/07.3TTALM.L1.S2, «o n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, dispõe que “têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”» e «atento a que só os factos podem ser objeto de prova, tem-se considerado que o n.º 4 do artigo 646.º citado estende o seu campo de aplicação às asserções de natureza conclusiva, “não porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em retas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum» — acórdão desde Supremo Tribunal, de 23 de setembro de 2009, Processo n.º 238/06.7TTBGR.S1, da 4.ª Secção, disponível in www.dgsi.pt.”»”. Mais se lendo:“Por thema decidendum deve entender-se o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado, (…)” Concluindo: “Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de facto que se insira de forma relevante na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta ou componente relevante da resposta àquelas questões, ou cuja determinação de sentido exija o recurso a critérios jurídicos, deve o mesmo ser eliminado.”. Resulta do que se deixa referido que quando o tribunal a quo se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, que essa pronúncia deve ter-se por não escrita. Decide-se assim alterar o teor dos itens 7º e 8º dos factos provados para: 7. No mesmo dia 10 de maio de 1999, o Autor e o S... celebraram um outro aditamento ao sobredito contrato de trabalho por força do qual, considerando que o primeiro se vinculava ao segundo por seis épocas desportivas, seria pago ao primeiro pelo segundo um montante a titulo de prémio de assinatura – (cfr. doc. 3 da participação do acidente junto a fls. 18ss dos autos aqui dado por integralmente reproduzido). 8. Montante esse que, na época de 1999/00 foi fixada em 65.000.000$00 (sessenta e cinco milhões de escudos) correspondentes a €324.218,63 (trezentos e vinte e quatro mil, duzentos e dezoito euros e sessenta e três cêntimos) a ser pagos em duas tranches: no dia 05/07/99 – 50.000.000$00 (cinquenta milhões de escudos) correspondentes a €249.398,95 (duzentos e quarenta e nove mil, trezentos e noventa e oito euros e noventa e cinco cêntimos) e, no dia 15/01/00, 15.000.000$00 (quinze milhões de escudos) correspondentes a €74.819,68 (setenta e quatro mil, oitocentos e dezanove euros e sessenta e oito cêntimos) – (cfr. doc. 3 da participação do acidente junto a fls. 18ss dos autos aqui dado por integralmente reproduzido). Mais concluiu a Apelante quanto ao facto 27 que não deveria ter ficado provado o nexo causal entre a IPP de 5% e os acidentes e lesões ocorridos, na época desportiva 99/00. É este o teor do facto 27, dos factos provados: - Em consequência dos acidentes e lesões supra referidos, o Autor ficou com uma incapacidade parcial permanente de 5%. Salienta a Apelante que a perícia foi realizada 19 anos depois dos acidentes de trabalho, tendo o Autor continuado a prática da atividade desportiva e sofrido outros acidentes de trabalho, em 24.3.09 e 28.09.11- como resultou do relatório de exame médico subscrito, em 7.1.15, de fls. 126 e ss. Desde já se refere que o decurso do tempo não permite sem mais desvirtuar a perícia realizada. Mais concluiu a Apelante: - em sede de exame médico realizado, em fase conciliatória, as Srs. Peritas foram perentórias em afirmar que não era possível estabelecer o nexo causal entre a incapacidade verificada e os acidentes de trabalho, em causa, atento o decurso do tempo e a falta de elementos clínicos, à data. - na perícia de especialidade de ortopedia (fls. 24 dos autos apensos), o Sr. Perito da Seguradora considerou que o Autor não tinha “alterações de mobilidade, atrofias musculares, nem derrame articular, considerando o A. curado sem desvalorização”. - na junta médica desportiva de 19.2.20, os Srs. Peritos concluíram, quanto ao quesito 2 de fls. 56 e 57 dos autos, que a patologia degenerativa ao nível do joelho direito seria multifactorial, não tendo como causa exclusiva os acidentes ora em causa. - não se vislumbra em que elementos clínicos os Srs. Peritos se basearam para concluírem pela existência de uma hidrartrose crónica ou de repetição pós-traumática (TNI: I 12.1.4. a), atenta nomeadamente a sequela atribuída a fls. 126 e ss. (segundo relatório de exame médico), que não revela tal sequela. Por seu turno, o Autor sublinha que no facto dado como provado sob o nº 26, ficou a constar que “não obstante os tratamentos a que foi sujeito, o joelho do Autor passou a sofrer frequentes lesões, com maior ou menor gravidade, e demais e instabilidade que, de forma mais ou menos exuberante, passaram a acompanhar o Autor, assim como as dores.” Os senhores peritos, após exames que efetuaram ao Autor, concluíram que, decorrente dos acidentes sofridos pelo mesmo e dados como provados nos presentes autos, este ficou com uma incapacidade parcial permanente de 5% (apenas o perito da seguradora que, aceitando a incapacidade parcial permanente decorrente dos referidos acidentes de trabalho, foi da opinião que o grau seria de 3%). A recorrente transcreve frases soltas dos relatórios médicos para tentar descontextualizar a opinião unanime da perícia médica quanto ao nexo casual existente. Em sede de exame médico realizado em fase conciliatória, as Srs. Peritas afirmaram o contrário, afirmando: “Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de casualidade entre os traumatismos relatados em 11-08-1999, 17-10-1999 e 07-03-2000 e o dano atendendo a que: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões e se exclui a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo.” No que respeita aos demais exames médicos realizados, resulta dos mesmos que as lesões aqui em causa são a causa da incapacidade parcial permanente atribuída. Na junta médica desportiva é dito claramente que, no caso em concreto, os acidentes de trabalho e lesões daí decorrentes contribuíram para a patologia degenerativa do joelho direito. No que respeita à perícia da especialidade de ortopedia, o perito da Seguradora, após a realização do RMN ao joelho direito do Autor, respondeu no mesmo sentido dos restantes peritos, ou seja, reconhecendo o “nexo casual” entre os acidentes de trabalho e a incapacidade de que sofre o A.. Por último, tal como é muito bem salientado na douta sentença recorrida, os senhores peritos nomeados pelo tribunal (Dr. BB) e da Seguradora (Dr. CC) foram ouvidos em sede de julgamento (ver ata de 30/07/2021) e expressaram detalhadamente e em uníssono quais as razões pelas quais consideram a existência do nexo casual que agora é colocado em causa sem qualquer fundamento pela recorrente. Lidos os relatórios dos exames médicos realizados, correspondendo o respetivo teor ao que é afirmado/transcrito pelo Autor – supra realçado no texto -, concordamos com o salientado pelo Autor. Na junta médica desportiva, os peritos médicos pronunciaram-se nomeadamente referindo ‘No caso concreto é de admitir que a patologia degenerativa ao nível do joelho direito seja multifactorial, uma vez que para a mesma contribuíram os acidentes de trabalho (e lesões daí decorrentes) assim como o desgaste habitual decorrente do desempenho da profissão de jogador profissional de futebol.’ Já os demais Peritos médicos sobre os eventos (lesões) responderam unanimemente aos quesitos tratar-se de recidivas, respondendo ao quesito ‘Tais lesões deixaram sequelas? Em caso afirmativo quais? ‘Sim. As descritas no auto de exame médico por junta médica’, (auto de 04.10.2019), ou seja, quanto ao acidente de 11.08.1999 ‘c-) Sequelas de meniscectomia e ligamentar do colateral interno’; quanto ao acidente de 17.10.1999 ‘h) Mantem estado prévio’ e quanto ao acidente de 07.03.2000 ‘n-) Apresenta quadro degenerativo pós-traumático ao nível do joelho direito.’ – assim se pronunciando no sentido de que ‘as sequelas que apontaram tiveram causa nos acidentes reportados, ou seja, são de natureza traumática’, como bem referido pela Mm.ª Juiz a quo, no despacho de fls. 108 e seguintes. Aliás, revemo-nos integralmente na fundamentação da sentença recorrida, onde se lê: ‘O facto provado em 27 resulta da sentença proferida no apenso para fixação da incapacidade, em consonância com os inúmeros exames de juntas médicas realizados. Os senhores peritos prestaram esclarecimentos em sede de audiência de discussão e julgamento e explicaram que as diferentes lesões ocorridas nos três acidentes sofridos pelo Autor (menisco externo; menisco interno e entorse do joelho direito) são “entorses de repetição”, tendo ocorrido logo no primeiro episódio/acidente em que teve lesão do menisco externo assim como uma distensão do ligamento interno – ligamento colateral tibial – da perna direita. Consideram que os dois episódios seguintes são recidiva do primeiro, considerando o período curto entre os eventos. Quanto ao nexo de causalidade entre a atual situação de incapacidade do Autor e aqueles eventos, referiram que as sequelas que o Autor apresenta, de artrose pós-traumática, instala-se ao longo do tempo, mais referindo que a atividade desportiva do Autor teria influência num desgaste generalizado de todas as articulações, e não apenas numa articulação específica (joelho direito), como sucede com o Autor, estabelecendo assim o nexo entre o desgaste “anormal” desta articulação e a ocorrência daqueles eventos.’ Improcede nesta parte a pretensão da Apelante. Mais concluiu a Apelante quanto ao facto 29 que não deveriam ter ficado provados períodos de incapacidade temporária absoluta (ITA), após 20/10/2000, ou seja, nos anos de 2009 e 2011, por nada terem a ver com os acidentes tratados, nos presentes autos, e referentes à época 99/00 – cfr. factos provados 11, 17, 19, 20, 21, 23 e 24 – e por, nesses anos, o A. nem sequer estar vinculado à Ré. Tal correção urge ser feita, na medida em que o Tribunal considerou provados, no facto 29., 320 dias de ITA, quando deveriam ter ficado provados 170 dias, assim contabilizados: - 12.8.99 a 2.9.99 – 22 dias; - 17.10.99 a 30.10.99 – 14 dias; - 7.3.00 a 27.4.00 – 52 dias; - 31.7.00 a 20.10.00 – 82 dias. É este o teor do facto 29, dos factos provados: 29. O Autor esteve com os seguintes períodos de incapacidade temporária absoluta (ITA): 12/08/1999 a 02/09/1999; 17/10/1999 a 30/10/1999; 07/03/2000 a 20/10/2000; 24/03/2009 a 24/042009; 29/09/2011 a 21/10/2011, num total de 320 dias. Lê-se na motivação da decisão de facto: ‘Os factos provados em 28 e 29 resultam do mesmo relatório de exame por junta médica realizado nos autos. No que diz respeito à data da alta clinica - 20/10/2000 – a mesma resulta igualmente de tal exame médico (embora ali se referira, por manifesto lapso de escrita, 20/10/2010)´. A impugnação nesta parte não pode proceder. Com efeito, não é o facto de não estar vinculado à Ré que impede se dê como provada a totalidade dos dias de incapacidade temporária absoluta com que o Autor esteve. Improcede nesta parte a pretensão da Apelante. Finalmente, entende a R. que o facto não provado 1., deveria ter sido dado como provado. É este o teor do facto 1. não provado: 1. O Autor teve conhecimento, nas datas referidas em 15, 18, 21 e 22 dos factos provados, que tinha tido alta. Transcrevemos também o teor dos itens 15, 18, 21 e 22 dos factos provados: 15. Sendo-lhe diagnosticada uma lesão do menisco externo assim como uma distensão do ligamento interno – ligamento colateral tibial – da perna direita. 18. Cerca de um mês a um mês e meio depois da operação, o Autor voltou a treinar e a jogar. 21. Em 07/03/2000, ao chutar a bola, o Autor sofreu traumatismo do joelho direito, com lesão do menisco- ligamento interno. 22. O Autor foi submetido a cirurgia – ligamentoplastia do ligamento lateral interno – em 10/03/2000. Concluiu a Apelante a este respeito: - quanto ao facto não provado 1: a factualidade provada em 30, 31, 32, 33, 36 e 37 deveria ter levado o Tribunal a dar como provado que o A. teve conhecimento que tinha tido alta, nas datas referidas em 15, 18, 21 e 22 dos factos provados e, ao não o ter feito, entrou em contradição com a referida factualidade provada, na medida em que daí se extraiu o seguinte: - o A. recebeu e assinou em como recebeu as indemnizações devidas pelos períodos de ITA fixadas pelas RR.; - o A. foi opção do treinador, integrado no grupo de trabalho e convocado para jogar, após ter alta clínica; - o A. jogou 21 jogos, na época 99/00, e 14 jogos, na época 00/01. - Questão bem diferente do conhecimento da data da alta é a entrega do boletim de alta, conceitos que o Tribunal confundiu, como se verifica na fundamentação em relação ao facto 1 não provado. - O facto de a entrega do boletim de alta não ser usual, no meio futebolístico, foi dado como provado em 35. - O que foi dado como não provado não foi a omissão de entrega ao A. do boletim de alta – conforme referido em sede de fundamentação – mas antes a falta de conhecimento do A. das datas da alta; - É notório que o facto não provado 1 deveria ter sido dado como provado, dado o conhecimento pelo Autor da alta ser evidente e um pressuposto lógico necessariamente verificado para se poder dar como provada toda a demais factualidade patente em 30, 31, 32, 33, 36 e 37. - Atente-se na fundamentação dos factos provados em 17, 20, 23 e 24 – os quais consistem nas datas das altas – tendo o Tribunal concluído que o Autor não teve conhecimento formal das mesmas, pelo facto de os documentos não terem sido entregues, ou seja, a questão está assente quanto à não entrega dos boletins de alta ao A., o que é bem diferente do seu conhecimento, evidente na demais factualidade dada como provada. A este propósito, concluiu por seu turno o Autor: - Nunca teve conhecimento que tinha alta, nunca lhe foi dito qual o seu estado clínico após o tratamento que o S... ministrou, como nunca lhe foi comunicado quais as razões pelas quais o S... decidiu cessar os tratamentos. - Nunca lhe foi comunicado qual a incapacidade atribuída ou, se não lhe foi atribuída qualquer incapacidade, os motivos pelos quais o corpo clínico assim entendeu. - Os quesitos dados como provados não traduzem conhecimento por parte do A. que tenha tido alta. Temos também como pertinente transcrever o teor dos itens 30, 31, 32, 33, 36 e 37 dos factos provados: 30. O Autor foi pago das indemnizações devidas pelos períodos de incapacidades temporárias fixadas pelas Rés, com referência à retribuição anual de €192.393,43. 31. Em 5 de maio, 19 de outubro e 14 de novembro de 2000, o Autor declarou e assinou que recebeu as quantias correspondentes aos períodos de baixa a que esteve sujeito por conta do acidente sofrido em 07/03/00, e da cirurgia a que foi submetido em 31/07/00 – (cfr. doc. 1 junto com a contestação do Réu S..., a fls. 246ss, aqui dado por reproduzido). 32. O Autor voltou a ser integrado no grupo de trabalho e a ser opção do treinador juntamente com os seus colegas. 33. Qualquer jogador e também o Autor, após uma lesão, só é integrado no grupo de trabalho e convocado para jogar depois de ter alta clínica. 36. Na época 1999/2000 o Autor jogou 21 jogos pelo S.... 37. Na época 2000/2001 o Autor jogou 14 jogos pelo S.... Foi esta a motivação do Tribunal a quo ‘Quanto aos factos não provados, o facto não provado em 1 resulta de o Autor ter referido que nunca lhe foi dado qualquer boletim de alta, conjugado com o depoimento do legal representante do Réu S... (Dr. DD) e da testemunha Dr. EE, que confirmaram não ser usual entregar o boletim de alta aos jogadores.’ Cremos que também nesta parte não assiste razão à Apelante. Na verdade, dos itens 32 e 33 dos factos provados resulta tão só que o Autor voltou a ser integrado no grupo de trabalho e a ser opção do treinador juntamente com os seus colegas e que qualquer jogador e também o Autor, após uma lesão, só é integrado no grupo de trabalho e convocado para jogar depois de ter alta clínica. Porém não ficou sequer assente ter o Autor conhecimento daquela ‘regra da casa’. Acresce referir que do invocado pagamento das indemnizações devidas pelos períodos de incapacidades temporárias bem como do facto de ter o Autor declarado e assinado que recebeu as quantias correspondentes aos períodos de baixa a que esteve sujeito por conta do acidente sofrido em 07/03/00, e da cirurgia a que foi submetido em 31/07/00 não implica o conhecimento por parte do Autor de que tivesse tido já alta. Não resulta assim a invocada contradição entre os factos provados nos itens 30, 31, 32, 33, 36 e 37 e o item do facto não provado 1. Outrossim não é possível aferir-se da factualidade dada como provada nos mesmos itens a matéria em causa, ou seja, que o Autor teve conhecimento, nas datas referidas em 15, 18, 21 e 22 dos factos provados, que tinha tido alta. Socorrendo-nos da fundamentação do recente acórdão desta secção de 12.09.2022, proferido no processo nº 1507/18.9T8VLG.P1 (mesmo coletivo): A noção de “Presunções” mostra-se contemplada no artigo 349º do Código Civil: «Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido». Sob a epígrafe “Presunções judiciais”, dispõe o artigo 351º do Código Civil que “As presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal”. Auxiliamo-nos na fundamentação do acórdão desta secção de 24.01.2018 (Relatora Desembargadora Rita Romeira, in www.dgsi.pt, sendo 1ª adjunta a aqui relatora) onde, a propósito das presunções judiciais se lê que as presunções “(…) supõem a prova de um facto conhecido (base da presunção), do qual depois se infere o facto desconhecido, cfr. P.de Lima e A. Varela, in “CC, Anotado”, Vol. I, 3ª edição, ponto 1 da anotação ao artº 349, pág. 310. É certo que a demonstração da realidade de um facto pode ser efetuada diretamente ou pode ser extraída, por presunção judicial (art. 349º e 351º do C.C.), de outros factos provados (a base da presunção). Todavia, estas presunções judiciais “não são, em bom rigor, genuínos meios de prova, mas antes meios lógicos ou mentais ou operações firmadas em regras de experiência, operações de elaboração das provas alcançadas por outros meios, reconduzindo-se a simples provas de primeira aparência, baseadas em juízos de probabilidade.”, cfr. o Ac. STJ de 10.09.2009, in www.dgsi.pt, citando Vaz Serra in RLJ, 108º/352. Assentam no simples raciocínio de quem julga, inspirando-se nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana, cfr. ponto 2, da anotação àquele artº 349, na obra supra referida. (realce, sublinhado e alteração do tamanho da letra nossos). Em suma, é este o entendimento sobre os poderes da Relação de se socorrer de presunção judicial: A 1ª instância pode dar como provado determinado facto com base em presunção judicial (naturalmente que se, doutros factos assentes, puder retirar a ilação). E, desde que o facto seja impugnado e a impugnação da matéria de facto seja admissível, nada impede que a Relação se socorra (como a 1ª instância se poderia ter socorrido) de presunção judicial para alterar a decisão recorrida sobre a matéria de facto (só assim não seria se, por hipótese, a Relação não pudesse conhecer da matéria de facto, designadamente por a impugnação não ser admissível ou por o facto não ter sido impugnado ou por não ser admissível prova testemunhal sobre o facto). Em concreto, vale o que se deixou já escrito para afastar a apontada contradição. Por último, sempre se dirá que a afirmação de que o Autor teve conhecimento da alta tem ou pode ter natureza jurídico-conclusiva -valem aqui as considerações efetuadas supra a propósito de matéria dessa natureza -, que assentaria naquilo que concretamente, teria sido transmitido ao Autor, tanto mais que o conceito de "alta" tem ou pode ter um conteúdo técnico-jurídico, Improcede assim nesta parte a pretensão da Apelante. 2.2. Fundamentação de direito: 2.2.1. Cumpre começar por saber se deve ser atendida no cômputo da sua retribuição para cálculo da indemnização do Sinistrado, pelos acidentes de trabalho sofridos, o valor de € 49.879,79 denominado de “prémio” pela disputa de 25 jogos por época desportiva e o montante de € 324.218,03 que lhe foi pago a título de “prémio de assinatura”, referente ao ano de 1999/2000, em que esteve ao serviço da 2ª. recorrente, para cálculo do capital de remição da pensão anual e vitalícia e para a indemnização por incapacidade temporária absoluta nos períodos referidos na sentença recorrida e proporcionais de subsídio de natal e férias. Para o enquadramento legal necessário e exposição do entendimento que sufragamos a respeito da questão em apreciação, transcrevemos o texto do acórdão desta secção de 11.04.2018 (Relator Desembargador Nélson Fernandes, com intervenção como segunda adjunta da aqui relatora): ‘Cumprindo de momento avançar na apreciação, dentro do citado quadro normativo, em resposta sobre o que há de entender-se por retribuição, resultava do artigo 249.º do Código do Trabalho de 2003, nos seus n.º s 1 a 3, que “só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho” (n.º 1), incluindo-se na contrapartida do trabalho “a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie” (n.º 2), sendo que, e “até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador” (n.º 3). Ou seja, face ao citado n.º 3, tendo em conta os princípios de repartição do ónus da prova, especificadamente o disposto no n.º 1 do artigo 344.º do Cód. Civil, é sobre o empregador que impende o ónus de provar que certa prestação que o mesmo fez ao seu trabalhador não tem a natureza de retribuição. Em termos de sucessão de vigência de normas até ao presente, constata-se que o referido artigo 249.º do Código do Trabalho de 2003 corresponde, sem alterações relevantes quanto ao que ao caso interessa, aos n.º s 1 a 3 do artigo 82.º da LCT, aprovada pelo DL n.º 49 408, de 24.11.1969, em vigor até à sua entrada em vigor, sendo que, por sua vez, o Código de Trabalho de 2009 não introduziu alterações quanto a esse regime, agora consagrado nos artigos 258.º a 269.º. Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 2012 , “a retribuição representava, assim, a contrapartida, por parte do empregador, da prestação de trabalho efetuada pelo trabalhador, sendo que o carácter retributivo de uma certa prestação exigia regularidade e periodicidade no seu pagamento, o que tem um duplo sentido: por um lado, apoia a presunção da existência de uma vinculação prévia do empregador; por outro lado, assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador.” Assim, devendo entender-se por regularidade da prestação que essa não é arbitrária, mas sim constante, a periodicidade determina que essa seja paga em períodos certos ou tendencialmente certos no tempo, assumindo-se assim esta ideia de periodicidade como típica do contrato de trabalho. Do exposto resulta que, sendo em primeira linha a retribuição determinada diretamente pelo clausulado do contrato e pelos usos laborais – sem esquecermos, naturalmente, o que resulta ainda de certos critérios normativos, como o sejam o salário mínimo, a igualdade retributiva, etc. –, já num segundo momento, porém, lhe poderão acrescer certas prestações que preencham os aludidos requisitos de periodicidade e regularidade. Sublinhando o primeiro critério a ideia de correspetividade ou contrapartida negocial – é retribuição tudo o que as partes contratarem (ou resultar dos usos ou da lei para o tipo de relação laboral em causa) como contrapartida da disponibilidade da força de trabalho –, já o segundo, por sua vez, assenta numa presunção – considera-se que as prestações que sejam realizadas regular e periodicamente pressupõem uma vinculação prévia do empregador e suscitam uma expetativa de ganho por parte do trabalhador, ainda que tais prestações se não encontrem expressamente consignadas no contrato . Deste modo o tem afirmado a doutrina e a jurisprudência, que nos têm dado, também, critérios para que seja encontrada a solução, caso a caso . Em suma, pode dizer-se que a retribuição do trabalho se assumirá como “o conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida)” , sendo a mesma integrada não só pela remuneração de base como ainda por outras prestações regulares e periódicas, feitas direta ou indiretamente, incluindo as remunerações por trabalho extraordinário, quando as mesmas, sendo de carácter regular e periódico, criem no trabalhador a convicção de que elas constituem um complemento do seu salário 21. (…) 21 Neste sentido, Monteiro Fernandes, ob. cit., pág. 449; Bernardo Lobo Xavier in Curso de Direito do Trabalho, 2.ª ed., pág. 382’, (realce, sublinhado alteração do tamanho da letra nossos). Lê-se a este respeito na decisão recorrida: ‘Dos autos resulta que, na época de 1999/2000, o Autor auferia a remuneração mensal correspondente a €16.032,79, paga doze vezes por ano, e acrescida de subsídios de férias e de Natal de igual montante. Ficou ainda estipulado que, caso o Autor disputasse 25 jogos por época desportiva auferiria ainda um prémio de correspondente a €49.879,79; e que, vinculando-se o mesmo por seis épocas desportivas, lhe seria paga uma retribuição suplementar, a titulo de prémio de assinatura fixada em €324.218,63. Através de contrato de seguro, do Ramo Acidentes de Trabalho, titulado pela apólice nº ..., o S..., S.A.D transferiu para a F... - Companhia de Seguros, SA, a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho ocorridos com jogadores de futebol profissionais ao seu serviço, entre os quais o Autor, sendo o salário anual transferido relativamente ao Autor foi de €192.393,43. Nos termos do disposto no art.º 17.º, n.º 1 da Lei n.º 100/97 de 13/09, “Se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou ganho do sinistrado, este terá direito às seguintes prestações: (…) d) Na incapacidade permanente parcial inferior a 30%: capital de remição de uma pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho, calculado nos termos que vierem a ser regulamentados; e) Na incapacidade temporária absoluta: indemnização diária igual a 70% da retribuição; (…) 3 - A retribuição correspondente ao dia do acidente será paga pela entidade empregadora. 4 - As indemnizações por incapacidade temporária começam a vencer-se no dia seguinte ao do acidente e as pensões por incapacidade permanente no dia seguinte ao da alta. (…)” Dispõe o art.º 26.º da mesma Lei, sob epígrafe “Retribuição”: “1 - As indemnizações por incapacidade temporária absoluta ou parcial serão calculadas com base na retribuição diária, ou na 30.ª parte da retribuição mensal ilíquida, auferida à data do acidente, quando esta represente retribuição normalmente recebida pelo sinistrado 2 - As pensões por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, serão calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente recebida pelo sinistrado 3 - Entende-se por retribuição mensal tudo o que a lei considera como seu elemento integrante e todas as prestações recebidas mensalmente que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios 4 - Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras remunerações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade. (…)” ’ Concluiu em suma a este respeito o Autor: - O prémio pelo cumprimento de 25 jogos faz parte do contrato, está dividido por épocas desportivas, tem prazos de pagamento acordados e definidos. Na época 1999/2000 não cumpriu os 25 jogos devido aos acidentes de trabalho que sofreu ao serviço do S.... Deverá pelo menos ser considerado o proporcional correspondente a 21 jogos; - O prémio de assinatura faz parte do contrato, está dividido por épocas desportivas, tem prazos de pagamento acordados e definidos e foi recebido quanto ao previsto na época de 1999/2000; - O prémio pelo cumprimento de 25 jogos e o prémio de assinatura têm carácter regular, periódico e sinalagmático. Concluiu por seu turno a Ré/Apelada, em suma: - Os prémios de jogos e de assinatura em causa não se revestem de natureza regular e periódica, pelo que não integram o conceito de retribuição para efeitos de reparação de acidentes de trabalho. Por fim, o Exm.º Procurador Geral Adjunto referiu que na sentença recorrida foi bem caracterizado o regime retributivo, considerando a previsão do artigo 14º da Lei nº 28/98, de 26.06 - regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo - aplicável na data dos acidentes de trabalho aqui em causa, e a sua repercussão para efeitos do artigo 26º da Lei nº100/97 de 13/09. Ainda que os prémios em causa não podem ser considerados para efeito de retribuição, por terem uma natureza discricionária por parte da atividade da Ré/Apelada. Assim o entendemos também e pela fundamentação claramente explicada na decisão recorrida, à qual, de resto nada temos a acrescentar perante as conclusões do Autor/Apelante sintetizadas supra; ‘No caso dos autos, a entidade patronal do Autor - S..., S.A.D - tinha transferido a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho, relativamente ao mesmo, pela retribuição anual de €192.393,43 (€16.032,79 x 12 meses). Cumpre, pois, apreciar se as demais prestações auferidas pelo Autor integram o conceito de retribuição para efeitos de cálculo das indenizações que lhe são devidas. No caso dos autos, além dos subsídios de férias e de natal, que indubitavelmente integram tal conceito de retribuição, como decorre do disposto no art.º 26.º, n.º 4, supra transcrito, o Autor contratualizou ainda o recebimento da quantia de €49.879,79, caso disputasse 25 jogos por época desportiva; e ainda um prémio de assinatura fixado em €324.218,63, pela vinculação durante seis épocas desportivas. Da factualidade provada em 35 a 38 resulta que o Autor não cumpriu 25 jogos na época desportiva de 1999/2000 e que na época desportiva 2000/2001 já jogava pela equipa do O..., pelo que também não cumpriu a sua vinculação ao S... durante seis épocas desportivas. Sem prejuízo, tais prémios (por disputa de 25 jogos por época desportiva e por prémio de assinatura) não assumem natureza de retribuição, nos termos e para efeitos do disposto no art.º 26.º da Lei 100/97 de 13/09. A retribuição é constituída pelo conjunto de valores (pecuniários ou em espécie) que a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desenvolvida, ou, mais rigorosamente, em razão da força de trabalho por ele oferecida, aqui avultando o elemento da contrapartida, elemento esse de grande relevo na medida em que evidencia o carácter sinalagmático do contrato de trabalho. Ora, não poderá considerar-se que aqueles prémios assumam tal caráter sinalagmático, nem tinham as características de regularidade e periodicidade.’ (sublinhado nosso). Quanto ao prémio de assinatura de contrato, lê-se no Acórdão do STJ de 12.03.2014, (Proc. 870/10.4TTMTS.P1, in www.dgsi.pt): ‘ A) No que concerne ao Prémio de Assinatura do Contrato. Como logo resulta da própria qualificação (in re ipsa), não se trata de uma contrapartida pelo trabalho. Trata-se, na expressão correta do Recorrente, de um bónus, um bónus motivado pela simples ocorrência da assinatura do contrato. Que não sendo, por isso, devido a título de retribuição não deixa de ser devido a título de crédito vencido e não pago, sendo certo que o tribunal não está limitado ao nomen iuris em que se fundamenta a parte.’, (sublinhado nosso). Pela mesma ordem de razões, não é de considerar o proporcional correspondente a 21 jogos, quanto ao prémio pelo cumprimento de 25 jogos. Improcede assim a pretensão do Apelante. 2.2.2. A segunda questão a resolver é a de apurar se caducou o direito de ação do Sinistrado. Concluiu a Ré que o Autor somente no termo final da sua carreira profissional, passados mais de 13 anos sobre a ocorrência dos acidentes, é que invocou uma incapacidade parcial e permanente para o trabalho (cfr. conclusão IV). Por seu turno, o Exm.º Procurador Geral-Adjunto, considera que foi assim levada veladamente à 4ª. conclusão a caducidade do direito de ação, suscitada no corpo das alegações, por ser de conhecimento oficioso, estando em causa direitos indisponíveis, nos termos e para os efeitos do artigo 333º, nº1 do Código Civil. A propósito desta questão, objeto do presente recurso, deixam-se umas breves considerações, efetuadas já em outras decisões a esse respeito: No âmbito do direito adjetivo, a caducidade é um efeito decorrente do não exercício do direito pelo respetivo titular num determinado período de tempo fixado na lei (artigo 298º, nº 2 do Código Civil). A caducidade do direito de ação é, no direito processual civil, uma exceção perentória conducente à extinção do direito do autor e à declaração de improcedência da ação. O nº 1 do artigo 179º da Lei nº 98/2009 dispõe que “o direito de ação respeitante às prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano, a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado (…)”. O prazo para a propositura da ação é, pois, de um ano a contar da alta definitiva. Aquele preceito tem de ser conjugado com o art.º 35º do NLAT, que determina o formalismo a levar a cabo quando terminar o tratamento do sinistrado, quer por este se encontrar curado ou em condições de trabalhar, quer por qualquer outro motivo, devendo, nestes casos, o médico assistente emitir um boletim de alta, em que declare a causa da cessação do tratamento e o grau de incapacidade permanente ou temporária, bem como as razões justificativas das suas conclusões. Um exemplar desse boletim será, no prazo de 30 dias após a realização dos atos, entregue ao sinistrado (nº 5 do mesmo artigo 35º). Só a partir da entrega do boletim ao sinistrado este pode exercer os direitos decorrentes do acidente, caso não tenha, entretanto, sido feita a participação do acidente a tribunal. Se o boletim de alta for entregue ao sinistrado, inicia-se a contagem do prazo de caducidade do direito de ação, de um ano. Em conformidade, tem sido entendido pela jurisprudência que é juridicamente irrelevante a comunicação verbal da alta, ou feita por qualquer outro tipo de documento, surgindo o boletim da alta como o único documento capaz de fazer prova de que a alta clínica foi formalmente comunicada ao sinistrado. Daí que o conhecimento pelo sinistrado da cura clínica seja, para este efeito, também juridicamente irrelevante. Dito de outro modo: Enquanto o boletim da alta não for entregue ao sinistrado, o prazo de caducidade não se inicia, sequer. Com efeito, a alta clínica a que faz referência a lei (artigo 179º nº 1 da NLAT) é uma comunicação formal; isto é, os seus requisitos estão legalmente estabelecidos (pelo artigo 35º nº 2 da NLAT), pelo que a ausência dos mesmos compromete a validade de tal comunicação (artigo 220º do Código Civil). Esta é, de resto, a solução hoje expressamente prevista no artigo 175º nº 1 da Lei nº 98/2009. Como refere Carlos Alegre,( in “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, 2ª ed. pág. 152), “quando (…) o art. 32.º n.º 1 da Lei invoca a alta clínica como evento a partir do qual se conta o prazo de prescrição, deve entender-se (…) como alta clínica devidamente notificada às partes interessadas (especialmente ao sinistrado) através da entrega de duplicado do boletim de alta. Somente a partir de então fica o sinistrado habilitado a exercitar os seus direitos se não concordar, quer com a situação de cura clínica, quer com o grau de incapacidade que lhe tenha sido atribuído”. O mencionado regime justifica-se “(…) porque só através da entrega do boletim de alta o sinistrado toma conhecimento direto e efetivo de que foi considerado clinicamente curado, e só a partir desse momento é que fica habilitado a exercer os seus direitos, se não concordar quer com a cura, quer com a desvalorização que lhe foi atribuída…”. Na verdade, é de fundamental importância, para o sinistrado, saber se lhe foi atribuída uma incapacidade permanente, uma incapacidade temporária e respetivos graus e períodos, se aquela é uma incapacidade parcial, absoluta ou para o trabalho habitual, se lhe foi aplicado o fator de valorização de 1,5, a descrição concreta das lesões, respetivo enquadramento na tabela, tudo elementos da máxima importância para habilitar o sinistrado a participar o acidente, ou não, a consultar um médico da sua confiança e tantas outras hipóteses que podem ocorrer no dia a dia . Como dá conta o Acórdão desta Relação de 4/06/2007 (Relatora Desembargadora Albertina Pereira, in wwww.dgsi.pt), “Há muito que se entende que o prazo de caducidade de um ano termina a sua contagem com a apresentação da participação no Tribunal do Trabalho, sendo com este ato que se inicia a instância em sede acidente de trabalho, atento o disposto no art. 26., n.º 3 do Código Processo do Trabalho, e inicia-a na data da alta ou cura clínica, devendo o médico assistente emitir e entregar um exemplar do boletim de alta ao sinistrado”. Com efeito, a participação nas ações de acidente de trabalho, por força do disposto no artigo 26º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho, equivale à petição inicial para efeitos do disposto no artigo 267º do Código de Processo Civil. E se a apresentação da petição em juízo é suficiente para evitar a consumação da caducidade igual papel tem a participação em juízo do acidente por precisamente ambos os atos traduzirem a manifestação de um direito: o exercício do direito de ação (neste sentido, Acórdão do STJ de 09/01/ 2008, in ww.dgsi.pt). Tratando-se de uma exceção perentória cuja demonstração conduz à extinção do direito, o ónus da prova dos factos integradores da caducidade cabe à entidade responsável pela reparação do sinistro, nos termos do disposto no artigo 342º, nº 2 do Código Civil. A decisão recorrida, tendo presente o circunstancialismo de facto apurado, pronunciou-se no mesmo sentido, aí se lendo: ‘Considerando as datas dos acidentes em causa nos autos (11/08/1999, 17/10/1999 e 13/03/2000) à apreciação das questões enunciadas é aplicável o regime legal da Lei 100/97 de 13/09 e ainda do DL n.º 143/99 de 30/04 que regulamenta esta Lei, no que respeita à reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho. Atento o disposto no art.º 1.º, n.º 1 da Lei 100/97 de 13/09, “Os trabalhadores e seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais nos termos previstos na presente lei e demais legislação regulamentar.” A definição de acidente de trabalho encontra-se no art.º 6.º do citado diploma, sendo entendido como tal, aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução da capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte. Em primeira linha é sobre o empregador que impende a obrigação do ressarcimento da indemnização que vier a ser apurada. Porém, por força do regime da obrigatoriedade do seguro, consagrado no artigo 37.º, n.º 1 da citada Lei, o empregador deverá transmitir tal obrigação para uma companhia seguradora, incumbindo-lhe o pagamento do respetivo prémio de seguro. O sistema que rege o regime dos acidentes de trabalho e de doenças profissionais é, assim, um sistema misto uma vez que, para o caso dos acidentes de trabalho, prevalece o sistema de responsabilidade privada, cabendo ao empregador o ressarcimento da indemnização, a qual porém por força da obrigatoriedade do seguro deverá transmitir para uma companhia seguradora, incumbindo-lhe o pagamento do respetivo prémio de seguro, enquanto existe um regime de responsabilidade social para as situações de doenças profissionais, abrangida pelo sistema de segurança social. Nos termos do disposto no n.º 3 daquele artigo 37.º, “Quando a retribuição declarada para efeito do prémio de seguro for inferior à real, a entidade seguradora só é responsável em relação àquela retribuição. A entidade empregadora responderá, neste caso, pela diferença e pelas despesas efetuadas com a hospitalização, assistência clínica e transporte, na respetiva proporção.” Definidos estes pressupostos básicos, a propósito do direito de caducidade do direito de ação do sinistrado, refere o art.º 32.º da mesma Lei, sob epígrafe “Caducidade e prescrição”, que: “1 - O direito de ação respeitante às prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta.” Por sua vez, nos termos da Lei geral, dispõe o art.º 329.º do Código Civil que “O prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder ser legalmente exercido, sendo que o n.º 1 do art.º 331.º do mesmo Código, determina: Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do ato a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo.” Sobre os Boletins de exame e alta, dispunha o art.º 32.º do DL n.º 143/99 de 30/04: “1 - No começo do tratamento do sinistrado o médico assistente emite um boletim de exame, em que descreverá as doenças ou lesões que lhe encontrar e a sintomatologia apresentada com descrição pormenorizada das lesões referidas pelo mesmo como resultantes do acidente. “2 - Quando terminar o tratamento do sinistrado, quer por este se encontrar curado ou em condições de trabalhar, quer por qualquer outro motivo, o médico assistente emitirá um boletim de alta, em que declare a causa da cessação do tratamento e o grau de incapacidade permanente ou temporária, bem como as razões justificativas das suas conclusões. “3 - Os boletins a que se referem os números anteriores são emitidos em triplicado o de exame e em duplicado o da alta. “4 - No prazo de 30 dias após a realização dos atos é entregue um exemplar do boletim ao sinistrado e remetido ao tribunal, se for caso disso, bem como enviado o terceiro exemplar do boletim de exame à entidade responsável. (…)” Como é comummente aceite, entende-se por alta clínica a situação em que a lesão desapareceu totalmente ou se apresenta como insuscetível de modificação com terapêutica adequada (conceito que resulta do n.º 3 do art.º 35.º da atual Lei de Acidentes de Trabalho - Lei 98/2009, de 4 de setembro). Assim, em face do regime legal aplicável que citámos, quando o sinistrado está curado, ou em condições de trabalhar, cabe ao médico emitir um boletim de alta clínica. Nesse boletim de alta clínica deverá ser declarada a causa de cessação do tratamento, o grau de incapacidade permanente ou temporária, bem como as razões justificativas das suas conclusões. O boletim de alta tem de ser emitido em duplicado e entregue ao sinistrado. São estes os requisitos formais e substanciais da alta clínica: por um lado, o sinistrado tem de estar curado, ou não o estando, a sua situação clínica tem de estar estabilizada, já não sendo suscetível de melhorar com tratamento ou qualquer outra intervenção (requisito substancial); por outro lado, o médico tem de emitir o boletim da alta clínica, fazendo referência ao estado de saúde do sinistrado, se está curado com ou sem desvalorização, a causa de cessação do tratamento, o grau de incapacidade (no caso de a mesma persistir), bem como as razões justificativas das suas conclusões, e esse boletim, com todas essas indicações tem de se ser entregue em duplicado ao sinistrado. Sem que tenha sido emitido o referido Boletim de Alta, ou no caso de ter sido emitido, mas não cumprir os requisitos legais previstos (no caso, no art.º 32.º do DL n.º 143/99 de 30/04) ou ainda, sem que a comunicação tenha sido formalmente efetuada ao sinistrado, não começa a contar o prazo de caducidade de um ano previsto no art.º 32.º da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, como tem sido decidido pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.(1) No caso dos autos o boletim de alta, concretamente o emitido em 20/10/2000, nunca foi entregue ao Autor. Não pode, pois, considerar-se que se tenha iniciado o prazo de caducidade do direito de ação, previsto no art.º 32.º da Lei 100/97 de 13/09. De anotar ainda que atualmente a Lei n.º 27/2011, de 16 de junho (que revogou a Lei n.º 8/2003, de 12 de Maio) estabelece o regime jurídico da reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho de desportista profissional. Na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 43/XI, que esteve na origem do atual regime jurídico constante daquela Lei n.º 27/2011, de 16 de Junho(2), pode ler-se: “Acresce que se torna ainda necessário regular a formalização da alta clínica, porquanto as omissões do cumprimento dos procedimentos legais nesta matéria têm permitido que sejam intentadas ações emergentes de acidentes de trabalho vários anos volvidos sobre a ocorrência dos mesmos, numa fase em que já é difícil o estabelecimento de um nexo de causalidade entre as sequelas que apresentam e as lesões sofridas e, quase sempre, apenas no final da carreira dos praticantes desportivos profissionais.” Como se refere no acórdão 19 de maio de 2021, proferido no Processo n.º 28320/18.0T8LSB.L1.S1, infra aludido em nota de rodapé, “Constata-se assim, que houve uma especial preocupação do legislador com a questão da formalização da alta quando estão em causa sinistros ocorridos com desportistas profissionais, precisamente pelo tipo de implicações que isso pode ter, quer para a vida dos sinistrados, cuja carreira é geralmente mais curta, quer para os custos que as entidades seguradoras podem vir a ter que suportar, para maiores desenvolvimentos, veja-se Joana Carneiro in “Acidentes de Trabalho dos Jogadores de Futebol – Algumas considerações”, in Questões Laborais, Vol.20, n.º 42 (2013), págs. 438 a 459.” (…) “Do exposto, fica bem patente o quão importante é o cumprimento de todos os formalismos relativamente ao que tem de constar do boletim da alta e à forma como o mesmo tem de ser comunicado ao sinistrado. Se tais formalidades não forem observadas, não estaremos perante uma alta clínica formalmente comunicada, pelo que, enquanto a mesma não ocorrer no respeito integral da lei, o prazo de caducidade não começa a correr.” Concluímos, pois, não ter ocorrido a caducidade do direto de ação do Autor, como excecionado pelo Réu S....’, (realce nosso). Concordamos na íntegra com tal fundamentação, sendo que atentas as conclusões das Apelantes nada temos como relevante acrescentar à mesma. Deixamos ainda transcrito um excerto do acórdão desta secção de 14.07.2021 (Relator Conselheiro Domingos Morais, in www.dgsi.pt), repetindo nós a posição jurisprudencial que seguimos: “O artigo 35.º - Boletins de exame e alta - da Lei n.º 98/2009, de 04.09 (LAT), prescreve: “1 - No começo do tratamento do sinistrado, o médico assistente emite um boletim de exame, em que descreve as doenças ou lesões que lhe encontrar e a sintomatologia apresentada com descrição pormenorizada das lesões referidas pelo mesmo como resultantes do acidente. 2 - No final do tratamento do sinistrado, quer por este se encontrar curado ou em condições de trabalhar quer por qualquer outro motivo, o médico assistente emite um boletim de alta clínica, em que declare a causa da cessação do tratamento e o grau de incapacidade permanente ou temporária, bem como as razões justificativas das suas conclusões. 3 - Entende-se por alta clínica a situação em que a lesão desapareceu totalmente ou se apresenta como insuscetível de modificação com terapêutica adequada. 4 - O boletim de exame é emitido em triplicado e o de alta em duplicado.” (…). E o artigo 179.º - Caducidade e prescrição – do mesmo diploma, estatui: “1 - O direito de ação respeitante às prestações fixadas na presente lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta.” (…). Nos termos do artigo 329.º do Código Civil (CC), “O prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder ser legalmente exercido”. E o artigo 331.º, n.º 1, do mesmo código, estabelece que só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal, do ato a que a lei atribua efeito impeditivo. Nos termos do artigo 99.º, n.º 1 do C. P. do Trabalho (CPT), o processo para efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho inicia-se com a participação do acidente nos serviços do Ministério Público (cf. ainda artigo 26.º, n.º 3 do CPT). A participação é, pois, o ato que exprime a intenção de exercer o direito de ação e visa desencadear os mecanismos legais para a obtenção, pelo sinistrado ou seus beneficiários, das prestações devidas pelo acidente de trabalho, isto é, a participação é o ato impeditivo de caducidade. Acontece, porém, que a data da cura clínica, isoladamente considerada, nada releva para o início da contagem do prazo de um ano, previsto no citado artigo 179.º da LAT. Na verdade, como decorre do citado artigo 35.º, n.º 2, “No final do tratamento do sinistrado, quer por este se encontrar curado ou em condições de trabalhar quer por qualquer outro motivo, o médico assistente emite um boletim de alta clínica, em que declare a causa da cessação do tratamento e o grau de incapacidade permanente ou temporária, bem como as razões justificativas das suas conclusões”. (…) E, esse boletim de alta clínica, deve ser passado em duplicado e “formalmente comunicada ao sinistrado”. A doutrina e a jurisprudência são coincidentes a considerar que o prazo de um ano, previsto na Base XXXVIII, da Lei n.º 2 127; nos artigos 32.º, da Lei n.º 100/97 e Lei Regulamentar n.º 143/99, de 30.04; e agora no artigo 179.º da Lei n.º 98/2009, de 04.09, só começa a contar da data da entrega formal ao sinistrado do boletim de alta clínica. [cf. entre outros, Tomás de Resende, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª ed., pág. 67 e segs.; Cruz de Carvalho, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª ed., pág. 162; Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª ed., pág. 215; Acórdãos do STJ de 03.06.1992, Acórdãos Doutrinais, 1992, págs. 221 a 225; de 10.07.2013, proc. nº 941/08.TTGMR.P1.S1, e de 22.02.2017, proc. nº 2325/15.1T8OAZ.P1.S1, in www.dgsi.pt; Acórdão d TRC, de 20.10.2005, www.dgsi.pt/trc; Acórdão do TRP de 26.03.2007, proc. n.º 1179/07-1 AT, relatado pelo ora relator]. Por sua vez, o artigo 175.º - Formulários obrigatórios – da LAT estatui: “1 - As participações, os boletins de exame e alta e os outros formulários referidos nesta lei, que podem ser impressos por meios informáticos, obedecem aos modelos aprovados oficialmente. 2 - O não cumprimento do disposto no número anterior equivale à falta de tais documentos, podendo ainda o tribunal ordenar a sua substituição.”. (…). (…) Sobre a entrega dos “Boletins de exame e alta”, Carlos Alegre, ob. citada, págs. 214 e 215 escreve: “2. Os aludidos boletins (de exame e de alta) são passados em vários exemplares - os de exame, em triplicado; os de alta, em duplicado - cujos destinos dependem da qualidade das entidades responsáveis: a) se a entidade responsável é uma seguradora ou alguma das mencionadas no artigo 59.º, - dos boletins de exame (emitidos em triplicado) são entregues - dois à entidade responsável (patronal ou seguradora), que fará chegar um deles a tribunal, quando, - haja de se proceder a exame médico, - o tribunal o requisite, - tenha que acompanhar a participação do acidente, - o terceiro exemplar é entregue diretamente ao sinistrado. - dos boletins de alta (emitidos pelo médico assistente em duplicado) são por este entregues - um à entidade responsável, que, por seu turno, o fará chegar a tribunal, nos casos acima referidos - o segundo exemplar ao sinistrado. Este boletim é, quanto a nós, o único documento suficientemente capaz de fazer prova de que a alta clínica foi formalmente comunicada ao sinistrado, para os efeitos do disposto no artigo 32.º da Lei-n.º 100/9,7, (caducidade do direito de ação)” – fim de citação”, (realce nosso). Em concreto, não foi formalmente comunicada ao Autor. a alta clínica”, antes tendo resultado provado que nunca foi entregue ao Autor qualquer documento relativo à sua alta médica, (item---- dos factos provados). Pela fundamentação que antecede, não nos revemos no parecer do Exm.º Procurador de que seria a partir do momento da assinatura do novel contrato que o Autor deveria fazer valer os seus direitos potestativos – incluindo os que reclama nos presentes autos - contra a sua anterior entidade patronal pelo prazo de um ano. Improcede assim, nesta parte a Apelação da Ré e parecer do Ministério Público. 2.3.3. Abuso do direito: De harmonia com o disposto no artigo 334º do Código Civil, “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. A consagração legal do instituto do abuso de direito no nosso ordenamento jurídico adotou uma conceção objetiva. Não é, assim, necessário que o agente tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo, bastando que o seja na realidade. Na definição apresentada pelo Prof. Coutinho de Abreu (cfr. “Do Abuso de Direito”, Almedina, 1983, pág. 43) «há abuso de direito quando um comportamento, aparentando ser exercício de um direito, se traduz na não realização dos interesses de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem». Como se escreveu no Acórdão do STJ de 12.06.2012 (in www.dgsi.pt), a figura do abuso do direito surge, assim, como um modo de adaptar o direito à evolução da vida, servindo como válvula de escape a situações que os limites apertados da lei não contemplam, por forma considerada justa pela consciência social, em determinado momento histórico, ou obstando a que, observada a estrutura formal do poder conferido por lei, se excedam manifestamente os limites que devem ser observados, tendo em conta a boa fé e o sentimento de justiça em si mesmo. Pode dizer-se (seguindo, ainda, de perto o citado aresto) que o abuso do direito, na configuração expressa no artigo 334º do Cód. Civil tem um carácter polimórfico, sendo a proibição do venire contra factum proprium uma das suas manifestações. A proibição do venire corresponde à primeira parte da formulação legal: é ilegítimo o exercício de um direito quando o seu titular exceda manifestamente os limites da boa fé. Trata-se portanto de uma aplicação do princípio da responsabilidade pela confiança, de uma concretização do princípio ético-jurídico da boa fé. O princípio da confiança é um princípio ético-jurídico fundamental e a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem. Poder confiar é uma condição básica de toda a convivência pacífica e da cooperação entre os homens; e assegurar expectativas é uma das funções primárias do direito (cfr. Prof Baptista Machado, “Estudo sobre a Tutela da confiança e venire contra factum proprium”, in Obra Dispersa, Vol. I, págs. 345 e ss.). Nos casos em que é aplicável a proibição do venire, a responsabilidade pela confiança funciona em regra em termos preventivos, paralisando o exercício de um direito ou tornando ineficaz aquela conduta declarativa que, se não fosse contraditória com a conduta anterior do mesmo agente, produziria determinados efeitos jurídicos. Uma modalidade especial da proibição do venire – se não mesmo uma figura autónoma na fisionomia polimórfica do abuso do direito – é a chamada «verwirkung» e também apelidada supressio (Prof. António Menezes Cordeiro, Revista da Ordem dos Advogados, ano 65, Setembro de 2005, págs. 356 a 358) e que, ainda segundo o aludido Mestre, se pode assim caracterizar: a) o titular de um direito deixa passar longo tempo sem o exercer; b) com base neste decurso de tempo e com base ainda numa particular conduta do dito titular ou noutras circunstâncias, a contraparte chega à convicção justificada de que o direito já não será exercido; c) movida por esta confiança, essa contraparte orientou em conformidade a sua vida, tomou medidas ou adotou programas de ação na base daquela confiança, pelo que o exercício tardio e inesperado do direito em causa lhe acarretaria agora uma desvantagem maior do que o seu exercício atempado. Feitas estas breves considerações que reconhecemos em nada acrescentam às que foram a este propósito incluídas na sentença recorrida, vejamos agora o que a este respeito aduziram os Apelantes, sendo que ambos incluíram esta questão nas respetivas conclusões. Concluiu a Ré, em suma: - O Autor age, em manifesto abuso de direito, na modalidade de supressio, nos termos do disposto no artigo 334º do Código Civil; - O A. sabia que tinha tido alta, tanto que recebeu a indemnização pelas incapacidades temporárias, recomeçou a treinar e a jogar e, posteriormente, foi transferido para outros Clubes, tendo previamente feito exames médicos, obrigatoriamente dado como apto para o exercício da atividade, e somente no termo final da sua carreira profissional, passados mais de 13 anos sobre a ocorrência dos acidentes, é que invocou uma incapacidade parcial e permanente para o trabalho; - Merece, pois, a tutela do direito a confiança que a R. teve no não exercício do direito pelo Autor, até porque o mesmo é claramente infundado, baseando-se num formalismo que não é usual, no meio futebolístico –facto provado 35 - e que se prende com o facto de o A. não ter recebido e assinado o boletim de alta, uma vez que foi tratado no departamento clínico da Ré, sua entidade patronal, sendo, pois, ambos conhecedores da evolução da situação clínica e do momento em que o Autor teve alta. Por seu turno, concluiu, em suma o Autor: - Não está em causa um “mero” incumprimento de um formalismo legal (entrega formal de “apenas” um boletim); - O S... não provou – e não tinha como provar – que o Autor teve conhecimento que tinha tido alta e que foi dado apto sem restrições para o exercício do futebol; - In casu, é a própria entidade que assumiu a responsabilidade de efetuar os tratamentos clínicos ao A. e que, para salvaguarda dos seus interesses exclusivos, não deu a conhecer (forma ou informalmente) ao A. a descrição pormenorizada das lesões sofridas, as razões pelas quais decidiu cessar o tratamento, qual o grau de incapacidade que sofre e sempre transmitindo as razões justificativas das suas conclusões. Por último, o entendimento do Exm.º Procurador Geral Adjunto é de que deve ser dado como verificado o invocado abuso de direito: - O 1º Recorrente com a sua conduta, decorridos que foram 12 anos e 363 dias sobre a data de consolidação da última lesão (pontos 24 e 48) e mais de 4 anos sobre a sua última época desportiva conhecida (ponto nº. 44), deduziu uma pretensão contra a 2ª Recorrente, contrariando os princípios de venire contra factum proprium, de natureza positiva e da suppressio, por contradizer a boa fé. Foi este o entendimento do Tribunal a quo: “No caso dos autos, considerando a factualidade provada, não se afigura que, no exercício do direito de que se arroga o Autor exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico desse direito. O Autor não atua à margem da boa-fé ou dos bons costumes, em termos que possam considerar-se clamorosamente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante. É certo que o último acidente do Autor ocorreu em 07/03/2000, tendo a consolidação das lesões ocorrido em 20/10/2000, tendo o Autor apresentado a participação do acidente que deu origem a estes autos em 18/10/2013, cerca de 13 anos após. Porém, o decurso deste período de tempo não mostra suscetível de criar no Réu S..., enquanto entidade responsável pelo ressarcimento das consequências decorrentes dos acidentes sofridos pelo Autor, a legitima confiança de que o direito já não seria exercido por parte do Autor, desde logo porque ao mesmo nunca foi entregue qualquer boletim de alta, fazendo referência ao seu estado de saúde, se o mesmo estava curado com ou sem desvalorização, a causa de cessação do tratamento, o grau de incapacidade (no caso de a mesma persistir), bem como as razões justificativas de tais conclusões. Não se vislumbra, no caso dos autos, a verificação de razões concretas e objetivas por parte do Réu S... que justifiquem a sua expectativa de que o direito não seria mais exercido. Não se verifica, pois, o invocado abuso de direito, na modalidade de “suppressio” ou “Verwirkung”.”, (sublinhado nosso). Não consideramos também nós que o Autor tenha adotado algum comportamento gravemente atentatório da boa fé. Sufragamos na íntegra a fundamentação transcrita da decisão recorrida, na qual são ponderados os conteúdos pertinentes e tal como o Tribunal a quo concluímos que inexiste, por parte do Autor, abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, ao instaurar a presente ação. Improcede também nesta parte a apelação da Ré. 3. DECISÃO Em conformidade, com o exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar improcedentes as apelações, confirmando-se a decisão recorrida. Custas de cada recurso a cargo das Apelantes. Porto, 03.10.2022 Teresa Sá Lopes António Luís Carvalhão Paula Leal de Carvalho |