Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
217/22.7T9VGS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA GUERREIRO
Descritores: EXAMES GRAFOLÓGICOS
CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
CRIME DE DANO
Nº do Documento: RP20241023217/22.7T9VGS.P1
Data do Acordão: 10/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL / CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos do disposto no art. 61 nº5 al. d) do CPP recai em especial sobre o arguido os deveres de se sujeitar a diligências de prova e a medidas de coação e garantia patrimonial especificadas na lei e ordenadas e efetuadas por entidade competente.
II - A ordem para a realização de segunda recolha de autógrafos é legítima, porquanto, ao MP cabe a direção do inquérito e este compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime.
III - O direito à não autoincriminação comporta exceções, sendo uma delas o já citado art. 61 nº5 al d) do CPP, que pressupõe que o estatuto processual do arguido não é incompatível com a sujeição a diligências de prova ou meio de as obter, posto que esses deveres não afetem direitos fundamentais processuais.
IV - A liberdade e direitos fundamentais da defesa têm de ser entendidas de forma não arbitrária sob pena de porem em causa valores como a integração e convivência comunitárias e, por isso, não excluem o dever de obediência ao ordenamento jurídico vigente.
V - Os exames grafológicos, embora envolvam uma participação ativa do arguido, sem a qual não é possível a sua efetivação, constituem um dever especial para aquele que emerge do citado art.61 nº 5 al. d) do CPP, e do disposto no art.172 do mesmo diploma legal, e não colidem com o direito à não autoincriminação.
VI - O crime de desobediência é qualificado pelo legislador como crime contra a autoridade pública, - contido no capítulo II do Título V do Código Penal, o qual trata dos Crimes contra o Estado -, e tem por finalidade obstar ao excesso de permissividade do sistema. Este crime é de dano e de mera atividade. O dano em concreto traduz-se na ação ou omissão contrária à ordem emanada de autoridade competente e no entrave que a conduta do agente causa na intenção da autoridade competente e subsequente frustração das finalidades pretendidas pelo Estado.

(Sumário da responsabilidade da Relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 217/22.7T9VGS.P1

1. Relatório
No processo comum com intervenção do Tribunal singular nº 217/22.7T9VGS do Tribunal da Comarca de Aveiro, Juízo de Competência Genérica de Vagos, foi em 07/03/2024, depositada sentença que condenou o arguido AA pela prática, como autor material, de um crime de desobediência, p. e p., pelo artigo 348, n.º 1, al. b), do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de 7,00€ (sete euros), perfazendo um total de 420,00€ (quatrocentos e vinte euros).
Não se conformando com a decisão condenatória veio o arguido interpor o presente recurso.
As conclusões elaboradas no recurso têm o seguinte teor:
«I - O presente recurso tem como objecto a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos em que condenou o recorrente pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º,nº1, al. b) do Código Penal, na pena de multa de 60 dias de multa, à taxa diária de 7,00€, no total de 420,00€, e bem assim, nas custas criminais.
II – O tribunal deu como provados, erroneamente e com relevo para o presente caso, os factos constantes dos pontos 6, 7e 8 dos factos dados como provados, os quais deverão passar para o elenco dos factos não provados, e, erroneamente deu como não provado o facto constante da al. A) dos factos não provados, o qual deverá passar para o elenco dos factos provados.
III – (o recorrente transcreve os factos provados nos autos a que oportunamente se fará referência)
IV - A actuação do arguido, ao recusar-se a submeter-se a nova recolha de autógrafos, não se revestiu qualquer afronta a ordem que lhe havia sido emanada, pois, o mesmo se recusou à realização da recolha de autógrafos, porque a ela já havia sido sujeita em data anterior, concretamente, o dia 14.12.2021, pelas 10h30m, nas instalações dos serviços do Ministério Público de Vagos – vide artigo 2 –, e que isso transmitira ao sr. Funcionário presente – o que também se mostra vivificado pelo artigo 9) da matéria assente –, que prontamente lhe disse: se o quiser fazer faz se o quiser fazer não faz, não o cominando com qualquer consequência, legitimando, na sua convicção a sua atuação.
V – Assim, O arguido/recorrente, não cometeu qualquer ilícito criminal.
VI- Acresce que o crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348º, nº1, al.b) do CP, só é punível a título de dolo.
VII– Das circunstâncias que rodearam o presente caso, mormente, do facto provado sob o ponto 2 da sentença recorrida, conjugado também com as declarações do arguido constantes da motivação da decisão, de modo algum se poderia o arguido ser condenado a título de dolo. Quando muito e no limite, a sua atuação poderá configurar uma situação de negligência, o que, tendo presente a natureza do crime em apreço, não é punível a este título, não se verificando o elemento subjectivo do tipo para que ocorresse a sua condenação.
VIII- Acresce ainda as circunstâncias em que o arguido se recusou a submeter-se a nova recolha de autógrafos, por já a ter realizado anteriormente, não resultando do novo despacho para se sujeitar a nova prova pericial qualquer fundamento ou razão que o justificasse, sendo certo que o arguido cogitou que não estaria a cometer qualquer ilícito, como o deixou expresso, ao recusar-se a submeter-se a nova prova pericial, uma vez que já lhe tinham sido recolhidos anteriormente os autógrafos em causa, sendo ainda certo que lhe suscitaram dúvidas caso se submetesse a nova recolha de autógrafos de algum modo poderia comprometer a primeira recolha efectuada, a que acresce ainda o facto que, no dia aprazado para a realização da nova recolha de autógrtafos, o arguido compareceu perante os serviços do Ministério Público (cumprindo a ordem de comparência) e foi-lhe transmitido pelo Sr. funcionário encarregue da recolha que o mesmo arguido que se o quisesse fazer fazia, se o não quisesse não fazia, pelo que, o arguido ficou convicto de que a sua actuação de modo algum era ilícito e muito menos criminosa, falecendo o elemento subjectivo do tipo de crime em causa.
IX- Acresce também que o despacho da Digna Agente do Ministério Público que ordena a nova recolha de autógrafos, sem se encontrar fundamentado e /ou sem qualquer razão que o justificasse, tendo sempre presente que já tinha anteriormente havido despacho de recolha de autógrafos e tal recolhe havia sido cumprida pelo arguido, não se reveste da legalidade exigível ou,pelo menos, é de legalidade duvidosa, sendo o mesmo nulo e de nenhum efeito, estando ferido de ilegalidade por falta de fundamentação, afectando todo o processado posterior, mormente, a imputação de um crime de desobediência ao arguido, do qual só poderia ter sido absolvido.
X- Deverá igualmente concluir-se pela ilegitimidade da ordem do Ministério Público de impor ao arguido que, contra a sua vontade (por já ter cumprido anteriormente a diligência de recolha de autógrafos) in casu, produza autógrafos.
XI- Sem conceder, sendo a recolhe de autógrafos do arguido uma diligência processual prévia à realização de exame pericial de escrita manual do arguido, não existe qualquer disposição legal no nosso Código de Processo Penal ou outra legislação avulsa, que expressamente obrigue o arguido a sujeitar-se a esta específica diligência e que preveja a consequência de uma eventual recusa, mormente a prática de crime de desobediência.
XII- A imposição ao arguido de, contra a sua vontade, produzir autógrafos colide com o seu direito à não auto-incriminação, direito que lhe é conferido pelo princípio da presunção de inocência e do direito ao silêncio, direitos estes que possuem a mais elevada protecção jurídica, inclusive, a nível constitucional.
XIII- Não se poderá ter como legítima a nova ordem do Ministério Público dada ao arguido para que participe em nova sessão de recolha de autógrafos e, em consequência, não poderá aquela ordem integrar a prática de crime de desobediência a que alude o artigo 348º, nº1, al. b) do CP.
XIV – Sem conceder ainda,
Resulta dos factos provados, ponto 15, que “O arguido não apresenta antecedentes criminais”, a pena aplicada ao arguido de 60 dias de multa é inferior a 240 dias, não existindo qualquer dano a reparar, devendo considerar-se, in casu, que a admoestação prevista no artigo 60º do CP realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo a douta sentença recorrida ter optado pela referida pena de substituição, o que por mera cautela e dever de patrocínio, se requer caso não se venha a decidir pela absolvição do arguido.
XV- Sem conceder ainda, além de não existir prova segura, objectiva e inabalável, que não deixassem quaisquer margem para dúvidas de que o arguido cometeu o ilícito de que vem acusado, e que determina a sua absolvição, sempre, in casu, e com base no princípio geral do processo penal “In Dubio Pro Reo”, deverá a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que absolva o arguido AA pelos factos de que vem acusado– cfr.artigo 32º, nº2, 1ª parte, da Constituição da República Portuguesa.
XVI –Devendo, assim, o arguido/demandado ser absolvido da prática do crime de desobediência de que vinha acusado.
XVII-Violou a decisão recorrida, entre outras, as normas constantes dos artigos 348º, nº1, al. b),13º e 14º, nº1, 15º, 16º, nº1, 17º, 60º, todos do Cód. Penal, 61º, nº1.,al. d) do CPP, 32º, nº2, 1ª parte, da CRP, bem como os princípios da legalidade, presunção de inocência, direito à não auto-incriminação, direito que lhe é conferido pelo princípio da presunção de inocência e do direito ao silêncio, que se mostram igualmente violados pela decisão recorrida. »
Conclui pedindo que na procedência do presente recurso seja revogada a sentença recorrida e proferida decisão que absolva o arguido da prática do crime de desobediência por que foi acusado nos autos e das custas processuais.
Sem conceder para o caso de a decisão não ser de absolvição requer que lhe seja aplicada pena de admoestação.
Em primeira instância o MP veio responder ao recurso entendendo que deve prevalecer a valoração da prova feita pelo Tribunal que indicou suficientemente os fundamentos para que pudesse ser controlada a razoabilidade da sua convicção quanto ao julgamento dos factos dados como provados e não provados.
A ordem de recolha de autógrafos emanada pela Magistrada do Ministério Público no uso de um poder legal, de direção do inquérito, era legítima, pois mostrava-se necessária e proporcionada ao fim em vista de apuramento de eventual responsabilidade por crime, não padecendo por isso o despacho de qualquer ilegalidade.
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 14/2014, de 28-05-2014, fixou jurisprudência uniformizadora com o seguinte teor: “Os arguidos que se recusarem à prestação de autógrafos, para posterior exame e perícia, ordenados pelo Exm.º Magistrado do M.º P.º, em sede de inquérito, incorrem na prática de um crime desobediência, previsto e punível pelo artigo 348.º, n.º 1 b), do Código Penal, depois de expressamente advertidos, nesse sentido, por aquela autoridade judiciária.”.
Pelo que, se encontra há muito sanada a divergência quanto à consequência de uma eventual recusa à prestação de autógrafos, carecendo o recorrendo de razão também nesta parte. Por outro lado, o direito à não autoincriminação não é um direito absoluto comportando exceções.
Mais entende o MP que a pena encontrada pelo Tribunal a quo se mostra moderada e ajustada à medida da culpa do arguido e às exigências de prevenção.
Conclui pugnando pela manutenção do decidido e pela improcedência do recurso.
Nesta Relação o Sr. Procurador-geral-adjunto aderindo à resposta do MP em primeira instância considera que se mostra acertada a decisão recorrida em face da prova produzida, que foi devidamente apreciada e valorada, conforme o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art 127 do CPP e de acordo com as regras da experiência comum, sem que tenha existido qualquer violação do princípio do in dubio pro reo.
Por outro lado, o despacho do Ministério Público a ordenar a recolha de autógrafos não enferma de qualquer ilegalidade.
Acresce que a pena em que o arguido foi condenado mostra-se adequada, proporcional e ajustada às circunstâncias do caso em apreço.
Cumprido o disposto no art. 417 nº2 do CPP não foi apresentada resposta ao parecer.
2 - Fundamentação
A - Circunstâncias com interesse para a decisão a proferir:
Pelo seu interesse passamos a transcrever a decisão recorrida no que respeita à decisão sobre a matéria de facto:
«II – Fundamentação:
1. Da fundamentação de facto:
1.1. Dos factos provados:
1) Nos autos de inquérito n.° 41/21.4GAVGS, que correu termos na Secção de Vagos do DIAP da Comarca de Aveiro, foram denunciados factos suscetíveis de integrar a prática de um crime de injúria, tendo o Arguido AA sido constituído arguido por existirem suspeitas de ter sido o agente do crime denunciado.
2) No âmbito do processo descrito em 1), no dia 14.12.2021, pelas 10h30m, nas instalações dos serviços do Ministério Público de Vagos, depois de devidamente notificado para o efeito, o arguido AA ali compareceu, onde lhe foram recolhidos os autógrafos, então, necessários.
3) No decurso das diligências de investigação no âmbito daquele inquérito foi determinado pela Magistrada do Ministério Público titular do processo a sujeição do arguido à diligência de prova de recolha de autógrafos, para posterior realização da competente perícia.
4) Para esse efeito, foi o arguido pessoalmente notificado, a 25.10.2022, para comparecer nos Serviços do Ministério Público do Tribunal de Vagos no dia 15.11.2022, às 10:00 horas, a fim de se proceder a recolha de autógrafos, constando dessa notificação a advertência de que, em caso de recusa, incorreria na prática de um crime de desobediência.
5) Assim, no dia 15.11.2022 o arguido AA compareceu nos Serviços do Ministério Público de Vagos, sitos no Largo ..., em Vagos, para a realização da referida diligência, tendo, contudo, recusado submeter-se à determinada recolha de autógrafos.
6) O arguido ficou ciente e sabia da obrigação de se submeter à diligência de prova de recolha de autógrafos, atuando bem sabendo que não acatava uma ordem proveniente da Magistrada do Ministério Público titular do processo, que se encontrava a praticar um ato compreendido no exercício das suas funções, a qual lhe havia sido devidamente comunicada e explicada.
7) Ao atuar da forma descrita o arguido, ciente da obrigatoriedade de se submeter à diligência de prova de recolha de autógrafos e, bem assim, das consequências de eventual conduta omissiva, teve o propósito, concretizado, de não acatar uma ordem formal e substancialmente legítima, com o propósito de se furtar a uma eventual responsabilidade criminal.
8) O arguido AA agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei penal.
9) Nas circunstâncias descritas em 5) o arguido informou os srs. funcionários do Ministério Público que não iria proceder a mais nenhuma recolha de autógrafos, por já ter realizado a descrita em 2).
10) O arguido encontra-se reformado, auferindo a quantia que cifra entre 1.300,00€ e 1.400,00€ mensais.
11) O agregado familiar é composto por si próprio.
12) Vivendo sozinho em casa própria.
13) Tem dos filhos, com 37 e 41 anos de idade, com os quais não se relaciona.
14) Tem o 4º ano de escolaridade.
15) O arguido não apresenta antecedentes criminais.
1.2. Dos factos não provados:
Com relevância para a discussão da causa, para além do que com os provados se mostram em contradição, não resultaram provados os seguintes factos:
A. O arguido atuou de acordo com o descrito em 5), na convicção de que com a recusa motivada nos termos descritos em 9) era legítima, em face do teor do facto descrito em 2.
1.3. Motivação:
O Tribunal formou a sua convicção na análise crítica de toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e constante dos autos, com recurso a juízos de experiência comum, estribando-se essencialmente no teor das declarações prestadas pelo arguido em sede de audiência de discussão e julgamento e a objetividade dos documentos juntos aos autos – concretamente, a certidão extraída dos autos de inquérito n.º 41/21.4GAVGS, de fls. 1 a 9; e cópia extraída dos autos de inquérito n.º 41/21.4GAVGS, de fls. 14 a 16 –, quando concatenadas com as mais elementares regras da experiência e do normal suceder.
Concretizemos.
Se analisarmos as declarações prestadas pelo arguido em sede de audiência de discussão e julgamento, facilmente concluiremos que o arguido admitiu a verificação dos factos descritos em 1), 3) a 5), concretamente:
- que no âmbito do processo de inquérito n.° 41/21.4GAVGS, que correu termos na Secção de Vagos do DIAP da Comarca de Aveiro, depois de ter sido constituído arguido, foi notificado pela Magistrada do Ministério Público titular do processo para se sujeitar à diligência de prova de autógrafos, para posterior realização da competente perícia;
- que foi o arguido pessoalmente notificado para comparecer nos Serviços do Ministério Público do Tribunal de Vagos constando dessa notificação a advertência de que, em caso de recusa, incorreria na prática de um crime de desobediência.;
- ao que acedeu e depois de comparecer nos referidos serviços do Ministério Público, decidiu recusar-se a submeter-se a essa diligência de recolha de autógrafos.
E é precisamente no motivo subjacente à recusa de sujeição àqueloutra diligência de prova que o arguido insurge, afiançando que agiu na séria convicção de que não afrontava qualquer ordem que lhe havia sido emanada.
Referiu, pois, que se recusou à realização da recolha de autógrafos, porque a ela já havia sido sujeita em data anterior, concretamente, o dia 14.12.2021, pelas 10h30m, nas instalações dos serviços do Ministério Público de Vagos – vide artigo 2 –, e que isso transmitira ao sr. Funcionário presente – o que também se mostra vivificado pelo artigo 9) da matéria assente –, que prontamente lhe disse: se o quiser fazer faz se o quiser fazer não faz, não o cominando com qualquer consequência, legitimando, na sua convicção a sua atuação.
Sem nos quedarmos sobre a construção que a motivação para esta recusa possa ter sofrido até aos dias de hoje, cremos que ela por si só não se nos afigura credível, pela postura que efetivamente o arguido assumira na audiência de discussão e julgamento, da qual se extrai que este, do alto da sua sobranceira convicção, entendeu que não haveria de se submeter a nova recolha de autógrafos, porque receava comprometer a verosimilhança da primeira, comprometendo, nessa medida, a sua posição processual nesse processo.
Ora, relembrando que, nos termos do artigo 61.º, n.º 6, al. d), do CPP, constitui um dos deveres do arguido sujeitar-se às diligências de prova especificadas na lei e ordenadas e efetuadas por entidade competente, facto esse que teria que ser do conhecimento do arguido em virtude de, nesse processo, já assumir essa qualidade, não conseguimos equacionar, com razoabilidade, a apregoada legitimidade do arguido para a recusa por si protagonizada em escudar-se à concretização da predita recolha de autógrafos:
- pela clareza da notificação pessoal, por OPC, que lhe fora dirigida, com a advertência expressa de que a recusa da sua sujeição à referida recolha de autógrafos o faria incorrer num crime de desobediência, com materialização em escrito dessa mesma imposição;
- pela implausibilidade de se extrair da referida expressão proferida por um sr. funcionário: se o quiser fazer faz se o quiser fazer não faz, que legitimaria a sua recusa, já que, naturalmente, tal agente da justiça, sem mais, não iria empregar a força com o objetivo de dar cumprimento ao determinado pelo Procurador da República titular do processo; sendo o arguido livre, nesse momento, de realizar ou não tal diligência de provas, sem prejuízo incorrer na consequência que lhe havia sido cominada;
- pela inocuidade de a este sr. Funcionário se impor que, em face da recusa, do arguido voltasse a cominar ao arguido a prática de um crime de desobediência, uma vez que essa cominação estava absolutamente vigente e legitimada, sem que tivesse existido uma qualquer circunstância que a abalasse ou inquinasse, a não ser a vontade expressa do arguido de que assim sucedesse, formando, naturalmente, dessa contingência, a sua legitimação para o comportamento de recusa que adotou.
Cremos que o arguido recusou submeter a tal diligência de prova, com vista a não comprometer a sua situação jurídica no âmbito desse processo, que, por si só, não é legitima, por violar um dos deveres fundamentais dos arguidos insertos no artigo 61.º, n.º 6, al. d), do CPP, que não fora a sua previsão legal comprometeria, no limite, a ação investigatória do Estado, comprometendo, pois, a ação da justiça.
Razão pela qual a versão do arguido não se nos afigura credível e verosímil, porque colide com as mais elementares regras da experiência e do normal suceder.
A convicção positiva relativa aos factos referentes à afirmação da consciência da ilicitude da conduta desenvolvida pelo arguido e a verificação dos demais elementos subjetivos, decorre do conjunto de circunstâncias de facto dadas como provadas supra, uma vez que o dolo é uma realidade que não é apreensível diretamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum.
Para dar como provados os factos que se refletem as condições profissionais e familiares vivenciadas pelo arguido, este tribunal estribou-se nas suas próprias declarações que, pela sua verosimilhança, mereceram toda a credibilidade deste tribunal.
Este Tribunal atendeu ainda ao certificado de registo criminal, junto aos autos sob a refª. eletrónica n.º 15734753.
É, pois, esta a convicção deste Tribunal.»
B – Fundamentação de direito
Atenta a jurisprudência constante dos Tribunais superiores o objeto do recurso delimita-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo daquelas que forem do conhecimento oficioso do Tribunal.
No caso concreto entende-se que o recorrente considera que terão sido violados os princípios do in dubio pro reo e da presunção de inocência, bem como o direito à não autoincriminação.
Mais entende a ordem para se sujeitar a segunda recolha de autógrafos não se justificava e que não se verifica em concreto o elemento subjetivo do tipo legal por que foi condenado.
Pretende que a ser condenado a pena aplicada seja a de admoestação.
Antes de entrarmos na apreciação das questões do recurso, importa desde já deixar claro que o recorrente, - apesar de na primeira das conclusões que elaborou referir que o recurso tem por objeto matéria de facto e de direito -, não procede à impugnação da matéria de facto nos termos e para os efeitos do disposto no art. 412 nº3 e 4 do CPP.
Na verdade, nas conclusões recursivas o recorrente não especifica relativamente a que factos entende que o Tribunal de julgamento incorreu em erro de julgamento, nem indica provas que imponham a adoção de decisão diversa da adotada pelo Tribunal de primeira instância. Ora, tendo por base o disposto no art. 412 nº3 a impugnação da matéria de facto tem de conter uma explicitação clara das razões da discordância que não corroboram o raciocínio lógico-analítico que formou a convicção do tribunal.
A impugnação factual com indicação das provas atinentes, traduz-se na especificação dos fundamentos pelos quais não é possível acolher a motivação da convicção do tribunal recorrido, e, por conseguinte, permitem a alteração da decisão de facto.
De outra forma, ficaria prejudicada a livre apreciação da prova pelo julgador que proferiu a decisão recorrida e, prejudicada ficava a função da motivação da sua convicção e, em consequência, a natureza do recurso como remédio jurídico, e a independência do Tribunal a quo na livre convicção.
Somente no caso de as provas indicadas não suportarem a motivação dessa convicção, é que a matéria de facto constante da decisão recorrida, pode e deve ser impugnada, por tais provas imporem uma decisão diversa.
No caso concreto não tendo o recorrente cumprido minimamente os requisitos legais que o legislador fixou para a impugnação da matéria de facto, nem se detetando no texto da decisão recorrida qualquer dos vícios previstos no art. 410 nº2 do CPP, consideramos desde já estabilizada a matéria de facto.
1ª) questão
Sobre a violação dos princípios do in dubio pro reo e da presunção de inocência.
Considera o recorrente que por não existir prova que não deixasse margem para dúvidas de que o arguido cometeu o ilícito por que foi acusado nos presentes autos deveria o recorrente ter sido absolvido com base no princípio do in dubio pro reo. Entende que a sentença recorrida violou o princípio da presunção de inocência.
Vejamos!
O princípio do in dubio pro reo é o corolário da presunção de inocência constitucionalmente consagrada no art.32 nº2 da CRP e aplica-se sempre que o julgador tenha dúvidas quanto à responsabilidade criminal do agente, estabelecendo que se decida no sentido mais favorável àquele, aplicando o princípio in dubio pro reo, que deve ser aplicado sem qualquer restrição, não só quanto a elementos fundamentadores da incriminação, mas também na prova de quaisquer factos cuja fixação prévia seja condição indispensável de uma decisão suscetível de desfavorecer, objetivamente, o arguido.
Ou seja, ocorre violação do referido princípio quando for manifesto que o julgador, perante uma dúvida relevante, decidiu contra o arguido, acolhendo a versão que o desfavorece ou quando, embora se não vislumbre que o tribunal tenha manifestado ou sentido dúvidas, da análise e apreciação objetiva da prova produzida, à luz das regras da experiência e das regras e princípios aplicáveis em matéria de direito probatório, resulte que as deveria ter tido...
No caso concreto a Sr.ª Juiz que presidiu ao julgamento consignou na motivação da decisão sobre a matéria de facto que foi sua convicção que o arguido se recusou a submeter a segunda recolha de autógrafos por ter receio de comprometer a verosimilhança da primeira recolha e dessa forma comprometer a sua posição processual.
E acrescentou que a versão do arguido não se lhe afigurou credível e verosímil.
Desta motivação podemos concluir com segurança que o Julgador em primeira instância não teve quaisquer dúvidas sobre os factos que declarou provados, tanto mais que consignou como não provado, que o arguido tivesse atuado na convicção de que a recusa era legítima por já anteriormente lhe terem sido recolhidos autógrafos.
Pelo exposto não se verifica a alegada violação do princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência.
2ª Questão
Do preenchimento dos elementos do crime de desobediência p.p. pelo art. 348 nº1 al b) do CP.
Dos autos consta certidão extraída do inquérito 41/21.4GAVGS da qual resulta que em 18/10/2022 a Magistrado do MP determinou a repetição da diligência de recolha de autógrafos e ordenou a notificação pessoal do recorrente para o efeito sob cominação de que em caso de recusa incorreria na prática de crime de desobediência; após o que o arguido veio a ser pessoalmente notificado, no dia 25/10/202, por agentes da GNR do Posto Territorial ..., para comparecer nos serviços do MP no dia 15/11/2022 pelas 10h, a fim de se proceder a recolha de autógrafos, com a cominação de que incorreria em crime de desobediência, em caso de recusa.
O arguido compareceu tendo os funcionários lavrado termo que atesta a presença do mesmo naqueles serviços e que o arguido informou que não iria proceder a mais nenhuma recolha de autógrafos por já ter realizado uma e que fora aconselhado pelo seu advogado para não fazer mais qualquer recolha de autógrafos.
No termo lavrado por Técnico de Justiça Auxiliar foi ainda indicado um oficial de justiça que teria testemunhado a recusa do arguido e que também assinou o referido termo constante de fls. 4 do processo físico.
Ora, nos termos do disposto no art. 61 nº5 al. d) do CPP recai em especial sobre o arguido os deveres de se sujeitar a diligências de prova e a medidas de coação e garantia patrimonial especificadas na lei e ordenadas e efetuadas por entidade competente, sendo que o recorrente tinha sido constituído arguido nos autos anteriormente à notificação de 25/10/2022.
Aqui chegados temos de concluir que a ordem para a realização da segunda recolha de autógrafos era legítima, porquanto, ao MP cabe a direção do inquérito e este compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação. – cfr. artigos 263 nº1 e 262 nº1 ambos do CPP.
E sobre este ponto o Ac. do STJ nº 14/2014 de 21 de outubro fixou jurisprudência com o seguinte teor:
«Os arguidos que se recusarem à prestação de autógrafos, para posterior exame e perícia, ordenados pelo Exm.º Magistrado do M.º P.º, em sede de inquérito, incorrem na prática de um crime desobediência, previsto e punível pelo artigo 348.º, n.º 1 b), do Código Penal, depois de expressamente advertidos, nesse sentido, por aquela autoridade judiciária.»
No caso dos autos o arguido como vimos foi pessoalmente notificado com a advertência que a recusa o faria incorrer em crime de desobediência e não obstante essa advertência recusou a submissão à diligência de prova constando do termo lavrado nos autos de inquérito as razões da recusa.
Vem o arguido alegar estar convicto de que a recusa era legítima por já ter realizado uma anteriormente, mas essa convicção interior do recorrente não mereceu credibilidade ao Tribunal, como resulta do facto não provado, não obstante, o recorrente ter dado tal justificação para a recusa. – facto provado sob o ponto 9 e dos factos provados sob os pontos nºs 6, 7 e 8.
Não tendo sido impugnada, nos termos legalmente admissíveis, a matéria de facto considerada provada e não provada, temos de concluir que face aos factos que foram considerados assentes pelo Tribunal recorrido, no caso concreto em análise, estão presentes todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime p.p. pelo art. 348 nº1 al. b) do CP, pelo qual o recorrente foi acusado e condenado em primeira instância.
Pelo exposto, nada temos a censurar quanto à qualificação jurídica dos factos.
3ª Questão
Da violação do direito à não incriminação
Este direito enquanto proibição da autoincriminação põe o arguido a coberto da presunção de inocência até ao trânsito em julgado, de acordo com o art.º 6.º n.º 2, da CEDH, com o sentido e alcance de que lhe não assiste o dever de fornecer informações orais ou escritas em sede de processo de investigação, nem de abdicar da informação dos seus direitos.
Mas tal direito não é de forma alguma absoluto e comporta exceções sendo uma delas o já por nós citado art. 61 nº5 al d) do CPP, que pressupõe que o estatuto processual do arguido não é incompatível com a sujeição a diligências de prova ou meio de as obter, posto que esses deveres não afetem direitos fundamentais processuais, integrantes do seu direito de defesa e que não colidam com a dignidade da pessoa que vai ser objeto de diligência ou perícia. Este dever processual abrange todas as provas que não são proibidas por lei, de acordo com o princípio da legalidade da prova. – artigos 125 e 126 do CPP.
Na verdade, a liberdade e direitos fundamentais da defesa têm de ser entendidas de forma não arbitrária sob pena de porem em causa valores como a integração e convivência comunitárias e, por isso, não excluem o dever de obediência ao ordenamento jurídico vigente.
O exame à escrita, no aspeto da recolha de autógrafos, não envolve qualquer lesão à integridade física, corpórea ou psíquica, ofensa à honra, dignidade, bom nome, reputação, tanto mais que essa recolha, por regra, ocorre com o recato devido, provocando apenas uma limitação da vontade, um agir num determinado sentido que não o por si desejado, de não se prestar a escrever, mas quando em confronto com o valor da administração da justiça, por estar em causa a indagação da prática de crime, cede, por se situar, na justa ponderação de interesses, num plano inferior. – art. 335 nº2 do C. Civil.
O âmbito do exame e posterior perícia estão pré-definidos, porque não proibidos, estando tutelados a coberto do princípio da legalidade da prova, o que evidencia que se trata de restrição mínima, pacificamente aceite, proporcionada e adequada à prossecução do interesse penal de tutela dos bens jurídicos atingidos e punição dos agentes do crime.
O direito à não autoincriminação levado às últimas consequências pode levar à impunidade de crimes lesivos de interesses comunitários superiores o que não se justifica até porque a diligência de recolha de autógrafos em causa não ofende de forma grave qualquer direito fundamental da defesa.
Um Estado de direito democrático não pode demitir-se do dever de buscar a descoberta da verdade material e combater as formas de impunidade dos infratores. As sociedades atuais pluralistas e multifacetadas têm de pautar-se por um equilíbrio entre o direito à liberdade e o direito à segurança, tendo por base o respeito pela dignidade da pessoa humana e a inserção comunitária, que implica o exercício da liberdade de forma responsável. – artigos 1º, 2º e 27 nº1 da CRP.
A recolha de autógrafos enquanto meio de prova não exige uma declaração confessória por parte do arguido. Trata-se apenas de obter a sua colaboração para que se realize a subsequente perícia à escrita com vista à descoberta da verdade material, não constituindo ato que viole o respeito pela dignidade da pessoa humana, que é exigência inultrapassável de qualquer ato processual a levar a efeito e da sua validade.
Como tal, esta diligência assenta no princípio da necessidade, com tutela legal, para a descoberta da verdade material, não se apresenta como meio desproporcional, nem viola o princípio da proibição de excesso.
A presença do arguido na produção de prova ou em meio de obtenção de prova, não significa de per se qualquer autoincriminação, mas apenas colaboração para a descoberta da verdade material, pois que, somente após produção e valoração conjugada de todas as provas é possível formular um juízo indiciário sobre o evento em causa.
Conclui-se que a recolha de autógrafos é um meio de obtenção de prova legalmente válido, porque não proibido, nem ofende a dignidade, nem a integridade, de quem é obrigado a colaborar, e pode sempre ser assistido por defensor no ato da diligência.
Assim sendo, os exames grafológicos, embora envolvam uma participação ativa do arguido, sem a qual não é possível a sua efetivação, constituem um dever especial para aquele que emerge do já citado art.61 nº 5 al. d) do CPP, e do disposto no art.172 do mesmo diploma legal, e não colidem com o direito à não autoincriminação, não se mostrando por isso violado qualquer preceito legal ou constitucional.
Pelo exposto, improcede também este argumento do recurso.
4ª Questão
Da medida concreta da pena
Alega o recorrente que na ausência de antecedentes criminais, tendo sido condenado na pena de 60 dias de multa e não existindo qualquer dano a reparar deveria considerar-se que a aplicação de uma pena de admoestação realizará de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Atentemos na fundamentação da decisão recorrida no que respeita à medida concreta da pena:
«2.2. Determinação da medida concreta da pena
Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico da conduta do arguido, importa, agora, determinar a medida e natureza da pena a aplicar in casu.
O crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias. Tendo a pena de prisão como mínimo 1 mês, nos termos do artigo 41.º, n.º 1, do Código Penal, e a pena de multa 10 dias, de harmonia com o disposto no artigo 47.º, n.º 1, do mesmo código.
Nas palavras de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – Parte Geral II, Noticias Editorial, 1993, pág. 227, e com referência ao artigo 40.º do Código Penal, as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum a medida da culpa. Nestas duas proposições reside a fórmula básica de resolução das antinomias entre os fins das penas; pelo que também ela tem de fornecer a chave para a resolução do problema da medida da pena.
Considerando que ao crime sub iudice é aplicável, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, cabe ao Tribunal proceder à escolha da pena a aplicar.
Para optar pela pena a aplicar ao caso em apreço, alicerçamo-nos no artigo 70.º do Código Penal, que estabelece a preferência pelas penas não privativas da liberdade sempre que estas realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, já enunciadas e, reitere-se, plasmadas no artigo 40.º, do Código Penal.
Refletindo toda a filosofia subjacente ao sistema punitivo do Código, a escolha da pena é, sempre feita casuisticamente; revelando, exclusivamente considerações de prevenção geral e especial positivas, sendo-lhe alheia qualquer referência à culpa – cuja relevância será determinante em sede de determinação concreta da medida da pena.
Quanto às necessidades e exigências de prevenção geral do crime de desobediência diremos que as mesmas são elevadas, em face da proliferação que as condutas atentatórias da autonomia e autoridade estaduais vêm assumindo em Portugal, já que o incumprimento deliberado de determinada ordem, legitimamente imposta, cria não só entraves na administração da justiça e na sua celeridade, como gera um sentimento de impunidade a que urge pôr cobro.
No entanto, os contornos específicos da atuação do arguido não foram de molde a causar um alarme social tal – pela extensão do resultado e pelos motivos subjacentes à sua verificação – que, por si, imponham a opção por uma pena privativa de liberdade.
No que diz respeito às necessidades de prevenção especial positiva, havemos de considerar a favor do arguido a circunstância de não ter antecedentes criminais, fazendo crer que sempre pautou a sua vida de acordo com os ditames do direito penal.
E, outrossim, que se encontra pessoalmente integrado.
Não obstante o exposto, consideramos que, in casu, inexistem, pois, especiais exigências de prevenção especial que justifiquem a imposição à arguida de uma pena privativa de liberdade.
Pelo exposto, concluímos ser suficiente para a satisfação das finalidades da pena, a aplicação ao arguido AA de uma pena de multa.
Para o crime de desobediência previsto no artigo 348.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, a moldura abstratamente aplicável, configura o limite mínimo de 10 dias de multa e o limite máximo de 120 dias de multa.
O Código Penal utiliza o modelo escandinavo dos dias de multa, segundo o qual a fixação desta pena se faz através de duas operações sucessivas: na primeira determina-se o número de dias de multa através dos critérios gerais de fixação das penas, como resulta da leitura conjugada dos artigos 47.º, n.º 1 e 71.º, ambos do Código Penal. Na segunda operação, fixa-se o quantitativo de cada dia de multa em função da capacidade económica do agente, como dispõe o artigo 47.º, n.º 2, do Código Penal.
Na verdade, como tem sido propugnado pela doutrina, a culpa fixará o limite intransponível da pena, enquanto que a prevenção geral de reintegração fornecerá uma moldura de prevenção dentro da moldura legal, acabando a pena concreta por ser determinada, dentro desses limites, de acordo com as exigências da prevenção especial de ressocialização.
Como dispõe o artigo 71.º, n.º 1, do CP e dentro dos limites definidos na lei, a medida da pena é determinada em função das exigências de prevenção e da culpa do agente, estipulando o n.º 2 do mesmo artigo que, na dosimetria da pena atender-se-ão a uma série de fatores, que deponham a favor ou contra o agente e que se reflitam no caso concreto, mas que não integrando o tipo legal, são relativos à execução do facto, à personalidade do agente anterior e posterior ao facto.
No que diz respeito à ilicitude do facto, consideramo-la de grau mediano tendo em conta a assaz afronta do arguido ao não cumprimento de uma ordem que lhe foi dirigida, por Magistrada do Ministério Público, querendo entorpecer a justiça, mitigando pela sua vontade de não querer contribuir para o apuramento da sua responsabilidade criminal.
Apurado nos termos expendidos, o arguido agiu com dolo direto, fazendo-o na sua forma mais intensa, já que agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram punidas por lei penal.
Como atrás expendemos e para cuja fundamentação remetemos, no caso em apreço, as necessidades e exigências de prevenção geral são elevadas.
No que concerne às necessidades de prevenção especial positiva renovamos o que atrás dissemos a propósito da escolha da pena aplicada.
Tudo visto e ponderado decidirei aplicar ao arguido AA a pena de 60 dias de multa pela prática de um crime de desobediência.
No que tange à segunda operação para a determinação da pena de multa, prescreve o n.º 2, do artigo 47.º, do Código Penal, que a cada dia de multa corresponde a uma quantia entre 5€ e 500€, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
Volvendo aos autos, e renovando os factos assentes que espelham as condições económicas do arguido, considero equilibrado fixar um quantitativo diário de 7,00€ (sete euros).
O que perfaz um total de 420,00€ (quatrocentos e vinte euros).
O que se decidirá.»
Passamos a analisar a pretensão do recorrente de que lhe seja aplicada pena de admoestação.
Esta pena vem prevista no art. 60 do C.Penal que dispõe:
«1 - Se ao agente dever ser aplicada pena de multa em medida não superior a 240 dias, pode o tribunal limitar-se a proferir uma admoestação.
2 - A admoestação só tem lugar se o dano tiver sido reparado e o tribunal concluir que, por aquele meio, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
3 - Em regra, a admoestação não é aplicada se o agente, nos três anos anteriores ao facto, tiver sido condenado em qualquer pena, incluída a de admoestação.
4 - A admoestação consiste numa solene censura oral feita ao agente, em audiência, pelo tribunal.»
O crime de desobediência é qualificado pelo legislador como crime contra a autoridade pública, - contido no capítulo II do Título V do Código Penal, o qual trata dos Crimes contra o Estado -, e tem por finalidade obstar ao excesso de permissividade do sistema. Esta incriminação tutela a legalidade administrativa e a autonomia intencional do Estado.
Trata-se de um crime de dano e de mera atividade, segundo M. Miguez Garcia e J.M. Castela Rio ponto 2 da anotação ao art.348 da obra Código Penal – Parte geral e especial com notas e comentários. Também neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque em Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
O dano em concreto traduz-se na ação ou omissão contrária à ordem emanada de autoridade competente e no entrave que a conduta do agente causa na intenção da autoridade competente e subsequente frustração das finalidades pretendidas pelo Estado.
No caso concreto em análise o dano provocado traduziu-se na recusa do arguido em se submeter a uma diligência de prova para a qual fora pessoalmente notificado com a advertência que a sua não colaboração o faria incorrer em crime de desobediência, assim obstaculizando o processo penal em curso e dificultando a descoberta da verdade material.
Não é, pois, correta a asserção, feita pelo recorrente, de que não existe dano a reparar, já que não ficou demonstrado nos autos que posteriormente o recorrente se tivesse retratado e se disponibilizasse para a realização da colheita dos autógrafos para a qual fora convocado.
Assim, e por todo o exposto, no caso concreto, nunca poderia ter lugar a aplicação da pena de admoestação por não se mostrar reparado o dano causado pela conduta do recorrente; pelo que, bem andou o Tribunal recorrido em não optar por esta pena.
3. Decisão:
Tudo visto e ponderado, acordam os juízes na primeira secção do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao presente recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, confirmam integralmente a sentença recorrida.
O recorrente suportará as custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs.

Porto, 23/10/2024
Paula Guerreiro
Maria do Rosário Martins
Luís Coimbra