Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0511069
Nº Convencional: JTRP00037833
Relator: ÉLIA SÃO PEDRO
Descritores: HOMICÍDIO
INTENÇÃO DE MATAR
Nº do Documento: RP200503160511069
Data do Acordão: 03/16/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: I - A intenção de matar resulta sempre da prática de factos idóneos à produção da morte, totalmente queridos pelo agente.
II - Existe intenção de matar se o agente preparou cuidadosamente uma armadilha (colocando um tronco de madeira na estrada, tendo em vista fazer parar o ofendido e ficando à espera com uma espingarda caçadeira carregada) e, nessa sequência, disparou vários tiros, um deles de “zagalote”, na direcção do veículo onde seguia o ofendido, a uma distância de 5/10 metros.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
No Tribunal Judicial de Miranda do Douro (proc. ../02), em processo comum e com intervenção do tribunal colectivo, procedeu-se a nova audiência de julgamento do arguido B....., em cumprimento do Acórdão do STJ de fls. 460 a 467 (que, em recurso da decisão anteriormente proferida, entendeu verificar-se o vício de insuficiência da matéria de facto, previsto no art. 410º, 2 al. a) CPP e, consequentemente, determinou o reenvio para novo julgamento), tendo-se decidido, além do mais:
“Manter as anteriores absolvições e condenações, relativamente aos restantes crimes, isto é:
a) Absolver o arguido B..... da prática das contra-ordenações, do crime de dano, p. e p. pelo art. 212º, nº 1, do C.P. e de um dos crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 202º, al. d), 203º, e 204º, nº2, al. e), do C.P., de que vinha acusado;
b) Condenar o arguido B....., na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, por cada um dos três crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 202º/d), 203º e 204º/2-e) do CP;
c) Condenar o arguido na pena de 1 (um) ano de prisão, pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. e pelo art. 6º da Lei 22/97, de 27/06, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 98/2001, de 25/08

e, nos termos do presente julgamento,

a) Condenar o Arguido na pena de cinco anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio qualificado tentado, p. e p. pelos arts 22º, nºs 1 e 2, al. b), 131º e 132º do CP;
b) Efectuando o cúmulo jurídico das penas anteriormente aplicadas com a que agora se aplicou, condenar o Arguido na pena única de seis anos e seis meses de prisão;
c) Condenar o Arguido a pagar ao ofendido C..... a indemnização de € 2.000,00 (dois mil euros), pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe causou, acrescida de juros de mora, às taxas e desde as datas supra referidas (…)

Inconformado com tal decisão, o arguido recorreu novamente para esta Relação, formulando as seguintes conclusões (transcrição):

1. O arguido não estava a dormir quando o ofendido chegou, pois este não o viu a dormir. A mãe do ofendido até chegou a dizer que o queixoso não viu o arguido, então também não o podia ter visto a dormir.

2. A testemunha D..... disse no seu depoimento, tal como dita o bom senso, que uma pessoa que faz uma espera a alguém para a matar, não adormece.

3. O ofendido deduziu que o arguido estava a dormir, de contrário, quando tirou o pau da estrada, tê-lo-ia matado.

4. Pode-se partir doutro pressuposto: se o arguido, vendo o queixoso tirar o pau da estrada, não desferiu qualquer tiro, foi porque não quis.

5. Se o primeiro tiro foi atirado para a traseira do carro, a cerca de 5/10 m do ofendido, isso significa precisamente que não há intenção de matar.

6. A existência de apenas danos na parte traseira do carro, na mala, o achamento de apenas um bago de zagalote na mala nos confirma o supra referido no item anterior.

7. Com aquela iluminação, na rua e àquela distância, o B..... teria matado o C....., se essa fosse a sua vontade.

8. O arguido deixou fugir o ofendido para casa de seus pais, e só após deu um tiro, que estilhaçou o vidro do condutor.

9. Tal conclusão é confirmada pelas declarações do ofendido.

10. Se o recorrente quisesse matar o ofendido quando atingiu o vidro da porta do condutor, tê-lo-ia atingido a ele também.

11. O tenente da GNR, E..... é pouco credível, pois entra em contradições.

12. A versão desta testemunha, como aliás das outras, resulta daquilo que o ofendido lhes contou.

13. Não são testemunhas oculares, cujo valor probatório é diminuto.

14. Se o recorrente apontasse a arma em direcção do ofendido certamente encontrariam chumbos no interior do veículo.

15. A fundamentação de facto baseada na prova produzida em julgamento, nomeadamente prova testemunhal, não está em consonância com a decisão condenatória. Analisem-se, pois, os vários depoimentos.

16. O ofendido afirma que viu o B....., a sua mãe contraria-o.

17. Os danos no carro (parte traseira do carro) não revelam que o B..... atirou para matar.

18. O ofendido percorreu 80/90 m em direcção a casa de seus pais, sem que arguido disparasse.

19. A prova da intenção de matar consubstancia um erro notório na apreciação da prova e um ponto de facto incorrectamente julgado.

20. Não se verificam os elementos típicos do crime de homicídio qualificado tentado, mas os do dano com violência (cfr. artigo 214°, do C.P.).

21. O alegante declarou-se arrependido.

22. Pediu uma oportunidade.

23. É a primeira vez que está preso

24. Tinha apenas 18 anos no momento da prática dos factos.

25. Apresenta um Quociente de Inteligência (QI) situado entre 50 e 70, indicador de deficiência mental.

26. Não nos parece que seja deficiência mental ligeira, porquanto, o homem médio terá de ter um QI de 110, ora o QI do recorrente é muito baixo, apresentando, por isso, uma grande deficiência mental, tendo por isso uma imputabilidade diminuída.

27. Em consequência, no momento da prática do acto o indivíduo neste estado não tem consciência da ilicitude do mesmo.

28 Mas mais grave ainda, esta imputabilidade diminuída associada, como bem refere o douto Acórdão do Tribunal a quo, a uma certa influência ambiental e experiências de vida nada gratificantes, originam áreas disfuncionais e disruptivas na componente afectiva, familiar e social e desencadeia comportamentos nada adaptados na vivência em sociedade.

29. Ora, como tais vias de controle cognitivo e afectivo são insuficientes, o recorrente, perante situações geradoras de frustração, revolta e injustiça social, apresenta comportamentos agressivos e perigosos, devido à incapacidade dos seus actos.

30. Mas ainda mais grave, o ofendido vizinho do arguido na aldeia, sendo certo que, nessa aldeia todos se conhecem, de certeza absoluta que todos os habitantes dessa aldeia, sem excepção, designadamente, o queixoso, tinham conhecimento do facto de que o recorrente apresentava uma deficiência mental, sendo público na aldeia o facto de o alegante andar a ser tratado desde os 14 anos na Psiquiatria de......

31. E nem esse facto deixou o ofendido de importunar, ameaçar e agredir o recorrente.

32. Sabendo o ofendido que o B..... tinha uma determinada deficiência mental, melhor, um determinado atraso cognitivo, tinha obrigação de seguir a sua vida e não importunar aquele.

33. O recorrente é de condição social e económica muito humilde, oriundo de um ambiente familiar problemático, devido ao alcoolismo do pai, só tem três anos de frequência escolar, encontrando-se agora a frequentar a escola no Estabelecimento Prisional.

34. O mandatário judicial ora signatário tem solicitado informações aos guardas do Estabelecimento Prisional Regional de....., acerca do comportamento do recorrente, tendo obtido boas informações, que tem tido bom comportamento, que é humilde, respeitador, que frequenta o ensino, e que quer trabalhar.

35. Além disso, o próprio recorrente refere que o facto de ter sido preso lhe deu uma grande lição de vida, pedindo uma oportunidade para refazer a sua vida no exterior.

36. Normas jurídicas violadas (para cumprimento da alínea a), do n.º2 do artigo 412, do C.P.P.):

- Artigo 22°, n.º 1 e 2, alíneas a) e h); - Artigo 40°, do C.P.; - Artigo 41°, n.º 1, do C.P.; - Artigo 43°, do C.P.; - Artigo 70°, do C.P.; - Artigo 71°, do C.P.; - Artigo 72°, do C.P.; - Artigo 73°, do C.P.; - Artigo 131°, do C.P.; - Artigo 132°, do C.P.; - Artigo 214°, do C.P.; - Artigo 412°, n.º 2, alínea a), do C.P.P.; - Artigo 13°, da C.R.P.;

37. (Para cumprimento da al. b), do n.º 2, do art. 412°, do C.P.P.)
O Tribunal recorrido aplicou normas jurídicas, sem ter observado, obrigatoriamente, no caso em apreço, o disposto vertido nos artigos 22°, nºs 1 e 2, alíneas a) e b); artigo 40°; artigo 41°, n.º 1; artigo 43°; artigo 70°; artigo 71°; artigo 72°; artigo 73°; artigo 131°; artigo 132°; artigo 214°, todos do C.P.; artigo 412°, n.º 2, alínea a), do C.P.P.; artigo 13°, da C.R.P.; Isto é, tem que ser cumprido o disposto nessas normas jurídicas, e só depois se aplicará, com a devida vénia, a pena ou medida de segurança apropriada para o caso sub judice, devendo no caso em apreço ser reduzida a respectiva pena.

38. (Para cumprimento da al. c), do n.º 2, do art. 412°, do C.P.P.)
Assim, no nosso entender, com o devido respeito, houve erro na determinação da norma aplicável. Ou seja, devia ser aplicado o normativo vertido nos artigos 22°, nºs 1 e 2, alíneas a) e h); 40°; 41°, n.º 1; 43°; 70°; 71°; 72°; 73°; 214°, todos do C.P; 412°, n.º 2, alínea a), do C.P.P; 13°, da C.R.P; e, em consequência, aplicar uma pena mais reduzida para este tipo de casos, como ensinam a própria Lei e Jurisprudência.

Também inconformado com a decisão proferida, o MP junto do tribunal “a quo” interpôs recurso para o S.T.J., restrito a duas concretas questões de direito (divergência quanto à aplicação do regime penal especial para jovens e quanto à medida concreta da pena parcelar relativa ao crime de homicídio qualificado tentado e da pena única), formulando as conclusões que se transcrevem:

A. Inaplicabilidade do regime especial dos jovens delinquentes

1. A prisão aplicada a jovem delinquente em medida superior a 2 anos só deve ser especialmente atenuada em função da idade se houver sérias razões para crer que é mais vantajosa para a sua reinserção social;

2. fora dos casos “de delinquência juvenil” em sentido estrito (actos emergentes da irreflexão e do repentismo próprios da idade) e dos casos em que o jovem delinquente reconhece que, onde e porque errou e assume as consequências do facto criminoso (vislumbrando a atenuação especial não como medida de clemência mas como oportunidade para provar a sua reinserção) deve, sobre a idade, prevalecer o interesse geral da comunidade na reafirmação da validade do bem jurídico violado, não se atenuando especialmente a pena

3. no caso dos autos, não só não existem razões sérias para a atenuação especial da pena parcelar de prisão aplicada pelo cometimento do crime de homicídio qualificado tentado em ordem à reinserção, como há factos concretos – a sua carreira delinquente – e, em especial, a séria dificuldade de contenção das suas reacções à frustração, que prognosticam que o arguido vai voltar a reincidir;

4. pelo que se impõe fazer operar a força preventiva especial e de ressocialização que a pena aplicada segundo as regras do direito penal geral é suposto ter e alcançar;

5. deve pois afastar-se o tratamento privilegiado consagrado pelo regime penal especial dos jovens e, consequentemente, não deve atenuar-se especialmente a pena de prisão aplicada pela prática do crime ora em referência;

6. Assim sendo, deve a medida concreta da pena parcelar correspondente ser fixada em 8 anos e 6 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, ser o arguido condenado na pena única de 11 anos e 6 meses de prisão.

B Pena parcelar e única em medida superior
7. Se assim se não entender, a pena de prisão especialmente atenuada também em função da idade jovem do arguido peca por benevolência injustificada.
8. desde logo porque incorreu no erro da dupla valoração como circunstâncias atenuantes especiais e simultaneamente gerais de alguns factos como sejam a idade jovem, o pretenso arrependimento sincero e a dificuldade de conter as sua reacções à frustração;

9. por outro lado, porque o arguido entre o primeiro e este segundo julgamento modificou ligeiramente a sua postura ante estes mesmos factos e a sua atitude e conduta processual;

10. depois porque a medida da sua culpa (nesta ponderando as agravantes gerais), as concretas necessidades de socialização (prevenção especial de socialização) e a medida óptima de tutela do bem jurídico violado (vida) impõem que a medida concreta da pena parcelar pelo crime de homicídio qualificado tentado se situe em limiar ligeiramente acima do meio da respectiva moldura penal (já considerada a atenuação especial resultante da tentativa e da idade jovem);

11. assim, a pena parcelar a aplicar por este mesmo crime deve fixar-se em, pelo menos 7 anos de prisão e, em cúmulo jurídico com as demais penas parcelares, fixar-se a pena única em pelo menos, 10 anos de prisão.

12. Ao não decidir deste modo, o tribunal recorrido violou, por errónea interpretação, o disposto nos arts. 2º e 4º do DL 401/82 de 23/9, e arts. 40º,1, 71º,1 e 2 e 73º,1 als. a) e b) do Cód. Penal.

Colhidos os vistos, procedeu-se a audiência de julgamento, com observância do legal formalismo.

2. Fundamentação
2.1 Matéria de facto

A decisão recorrida considerou assente a seguinte matéria de facto:

“Estavam já provados os seguintes factos, em consequência do anterior julgamento e na parte não anulada pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça:

1) Na noite de 13 para 14/07/2002, pouco depois da meia-noite, o arguido introduziu-se no interior das casas de cada um dos ofendidos F....., id. a fls. 76, G....., id. a fls. 74, H....., id. a fls. 78, e I....., id. a fls. 72, todas sitas na Rua....., em....., que então se encontravam desabitadas, uma vez que os seus proprietários estão emigrados em França;

2) Em todas essas quatro casas, o Arg. entrou através de portas cujas fechaduras partiu;

3) Uma vez dentro da casa do Of. F....., o Arg. apoderou-se de € 65,00 (sessenta e cinco euros) em dinheiro, 30 (trinta) discos áudio “CD”, no valor total de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros), um ferro de engomar, no valor de € 75,00 (setenta e cinco euros), um rádio-leitor de cassetes, no valor de € 60,00 (sessenta euros), um forno microondas, duas consolas “Game-boy”, um saco de viagem e quatro jogos “Game-boy);

4) Os estragos que causou na porta desta casa foram no valor de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros);

5) Uma vez dentro da casa do Of. H....., o Arg. apoderou-se de um forno microondas, um ferro de engomar, 2 (duas) garrafas de “whisky”, 2 (duas) garrafas de champanhe, um par de ténis, um rádio, um saco de viagem e um “walk-man”;

6) Os estragos que causou na porta desta casa foram no valor de € 400,00 (quatrocentos euros);

7) Uma vez dentro da casa do Of. I....., o Arg. apoderou-se de um faqueiro com 180 (cento e oitenta) peças, no valor de € 150,00 (cento e cinquenta euros), um ferro de engomar, e um saco de viagem;

8) Os estragos que causou na porta desta casa foram no valor de € 190,00 (cento e noventa euros);

9) Apesar de se ter introduzido, da forma descrita, na casa do Of. G....., com o que causou estragos na respectiva porta no valor de €50,00 (cinquenta euros), o Arg. não se apoderou de quaisquer bens que se encontrassem no seu interior, por razões que não foi possível apurar;

10) Em datas indeterminadas, mas anteriores a 17/07/2002, houve desentendimentos entre o Arg. e o Of. C....., por razões que não foi possível apurar;

11) Num desses desentendimentos, porque o Arg. disse ao Of. C..... que “lhe havia de tirar a mulher da cama”, este deu-lhe duas bofetadas;

12) Por isso, resolveu o Arg. tirar desforço, no que andou a pensar uns dias, durante os quais foi arquitectando o plano de vingança;

13) Assim, na execução desse plano, no dia 17/07/2002, cerca das 00.30 horas, o Arg. colocou um tronco de árvore atravessado no caminho de acesso à casa do Of. C....., por forma a impedir a passagem do veículo automóvel deste, e escondeu-se por trás do muro do recreio da escola existente no local, a não mais de quinze metros de distância do tronco, munido da caçadeira semi-automática de cano único, de marca “Mossberg”, com a identificação “North Haven Conn 500 ATP 12 GA”, e ficou à espera que este Of. passasse, tudo conforme se acha documentado nas fotografias de fls. 59, que o Arg. confirmou em audiência e aqui se dão por inteiramente reproduzidas;

14) Após ter esperado cerca de meia hora, isto é, cerca da 01.00 hora, surgiu o Of. C....., conduzindo o seu veículo automóvel ligeiro, que, ao se aperceber do tronco que lhe impedia a passagem, imobilizou o veículo, saiu do mesmo e afastou o referido tronco;

15) Os projécteis de, pelo menos, um dos disparos assim feitos, atingiram o referido veículo, nos vidros e na chapa da carroçaria, partindo o vidro traseiro e causando diversas amassadelas na chapa, tudo conforme se mostra documentado nas fotografias de fls. 61 a 63, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas;

16) Em consequência destes factos o Of. C..... e a sua família ficaram aterrorizados e, meses mais tarde, resolveram emigrar para França;

17) O Arg. não era detentor de qualquer licença de uso e porte de arma e havia comprado aquela caçadeira, que não se encontra manifestada nem registada, há um ou dois anos, no café em....., a desconhecidos, por cento e catorze contos;

18) O Arg. apresenta um “Quociente de Inteligência” situado entre 50 e 70, indicador de deficiência mental ligeira;

19) Esta deficiência associada a influência ambiental e experiências de vida não gratificantes, podem originar áreas disfuncionais e disruptivas na componente afectiva, familiar e social e desencadear comportamentos menos adaptados;

20) Uma vez que as vias de controle cognitivo e afectivo são insuficientes, o Arg. pode, perante situações geradoras de frustração, apresentar comportamentos agressivos e perigosos, devido à incapacidade de contenção dos seus actos;

21) Tem, no entanto, capacidade de avaliar a ilicitude dos seus actos e de se determinar de acordo com essa avaliação, pelo que agiu livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei;

22) Agiu com a intenção de se apropriar de bens que sabia serem alheios, sabendo ainda que agia contra a vontade dos respectivos donos, e com a intenção de tirar a vida ao Of. C....., só não o tendo conseguido por razões alheias à sua vontade, nomeadamente, porque este se pôs em fuga antes de o Arg. o poder visar convenientemente;

23) O Arg. é de condição social e económica muito humilde, oriundo de um ambiente familiar problemático, devido ao alcoolismo do pai, só tem três anos de frequência escolar, encontrando-se, agora, a frequentar a escola no Estabelecimento Prisional, tem uma imagem social pouco positiva, por ser conflituoso, e não tem um projecto de vida consistente;

24) Tem duas anteriores condenações, em penas de multa, por ofensas simples à integridade física e por furto qualificado;

25) Todos os bens furtados foram recuperados e entregues aos seus proprietários;

26) A reparação dos estragos causados no seu veículo automóvel ligeiro, custou ao Of. C....., cerca de € 500,00 (quinhentos euros).


Da presente audiência, provou-se mais que:

a) Arguido e ofendido andavam de relações cortadas;

b) O arguido, enquanto esperava pelo ofendido, no local onde decidira esconder-se, adormeceu;

c) O ofendido, depois de retirar da estrada o tronco de madeira que o arguido ali colocou, tendo em vista fazê-lo parar, voltou a entrar no carro, viatura da marca “Mazda...”, batendo com a porta, o que fez o arguido acordar;

d) No momento em que arrancou com a viatura, o ofendido apercebeu-se que o arguido surgiu ao seu lado esquerdo, por detrás do muro da escola, com uma caçadeira nas mãos, e a cerca de 5/10 m da viatura;

e) A essa distância, o arguido disparou o primeiro tiro, procurando alvejar o ofendido através do vidro traseiro da viatura deste;

f) Alguns dos chumbos rebentaram com o vidro traseiro;

g) Nesse momento, o ofendido, já dentro da viatura, com esta em movimento, baixa-se, procurando evitar ser atingido e continua a fuga;

h) O arguido faz novo disparo na direcção do ofendido;

i) Após percorrer cerca de 80 a 90 metros, o ofendido chega a casa dos seus pais, sai da viatura, deixa a porta aberta e tenta refugiar-se em casa;

j) Nesse momento, o arguido faz novo disparo que rebenta e estilhaça o vidro da porta por onde o ofendido acabara de sair, sempre procurando atingir o aludido ofendido;

k) O arguido ainda faz um quarto disparo que também não atingiu o ofendido;

l) Pelo menos um dos disparos efectuados pelo arguido era de cartucho de zagalotes;

m) O arguido, queria matar o ofendido, agindo sempre de forma livre voluntária e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era ilícito e punido por lei;

n) O arguido só não atingiu o ofendido por razões alheias à sua vontade.

A convicção do Tribunal radicou-se na análise, ponderação e valoração da prova produzida, nomeadamente, na análise do teor dos docs. de fls.65, 66 a 69, 91 e 92, 169 a 189, 204 a 209; Nas fotografias de fls. 59 a 65;

Parcialmente nas declarações do arguido, que foram manifestamente não isentas, quer pela forma como foram prestadas – procurando sempre tentar convencer o tribunal que apenas tinha disparado um tiro em direcção ao carro do ofendido e outros três para o ar e que não tinha tido intenção de o matar – quer mesmo pelas contradições entre o que dissera no seu primeiro interrogatório judicial e o que afirmou em audiência. Chegou mesmo a dizer que não sabia bem o que dissera no seu primeiro interrogatório e o que agora contava em audiência é que correspondia à verdade.
Por isso relevou-se apenas o facto de ter afirmado a espera ao ofendido, ter disparado os quatro tiros, o local onde se encontrava escondido e a arma utilizada e que foi por si carregada com as munições em causa;
e nos depoimentos de:
E.....– Tenente da G.N.R. que confirmou ter sido o autor das fotografias existentes nos autos e a existência de projécteis de zagalotes no interior da viatura atingida; a recolha dos cartuchos vazios e diversos locais de disparo;
L..... – mão do ofendido que confirmou ter ouvido quatro disparos e posteriormente ter visto “buracos” no encosto traseiro do banco contrário ao do condutor;
M.....– pai do ofendido e que confirmou ter visto os impactos na viatura do seu filho e quer o vidro traseiro quer o vidro lateral esquerdo da frente partidos;
N..... – irmã do ofendido, que confirmou ter ouvido quatro tiros, verificando posteriormente ter visto os vidros da viatura partidos; confirmou ter visto “um furo” nas costas do banco contrário ao do condutor;
C..... – ofendido, que de uma forma clara, isenta e convincente, explicou ao tribunal, sempre de uma forma serena e não mostrando qualquer animosidade para com o arguido, não tendo havido qualquer hesitação ou contradição no seu depoimento, explicou ao tribunal como os factos ocorreram na noite em causa. Esclareceu a forma como chegou ao local onde o tronco se encontrava atravessado na estrada, saiu da viatura, retirou o tronco, regressou a ela, entrou, bateu com a porta e viu o arguido surgir por detrás do muro da escola, com a caçadeira nas mãos; arrancou e a 5/10 metros, o arguido disparou o primeiro tiro que estilhaçou o vidro traseiro da viatura; baixou-se e de imediato o segundo tiro; percorreu cerca de 80 a 90 metros em direcção a casa dos pais; parou a viatura, saiu da mesma, deixando a porta do seu lado aberta e nesse momento um novo tiro estilhaçou o vidro dessa porta; ouviu um novo disparo; a sua absoluta convicção de que o arguido o procurou atingir; um zagalote encontrado na mala da viatura; os sinais no interior da viatura de impactos de chumbos, nomeadamente nos bancos traseiros e no suporte do sinto de segurança do lado contrário ao do condutor; a distância a que o arguido disparou os dois primeiros tiros – cerca de 5/10 metros o primeiro e cerca de 20/25 metros o segundo. Referiu também que o ofendido e o arguido andavam de relações cortadas.

2.2 Matéria de direito
Quer o arguido quer o MP recorreram da sentença proferida, suscitando as seguintes questões: o arguido, defendendo a existência de erro na apreciação da prova quanto à “intenção de matar” e discordando da medida concreta da pena, atento o seu quociente intelectual, inferior à média; o MP, restringindo o seu recurso a duas concretas questões de direito, ou seja, discordando da aplicação do regime penal especial para jovens e da medida concreta da pena parcelar relativa ao crime de homicídio qualificado tentado e da pena única (demasiados benévolas).
Muito embora o recurso do MP seja dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, por visar exclusivamente o reexame da matéria de direito, é este Tribunal da Relação competente para apreciar ambos os recursos, tendo em atenção o disposto nos arts. 432º, al. d) e 414º,7 do CPP.

Vejamos então cada uma das questões colocadas, segundo a seguinte ordem: i) recurso do arguido, relativo à intenção de matar; (ii) recurso do MP, relativo à aplicação do regime especial para jovens adultos e, finalmente, (iii) recursos do arguido e do MP, relativos à medida concreta da pena (crime de homicídio qualificado tentado).

i) Recurso do arguido relativo à “intenção de matar”.
Defende o arguido que não houve intenção de matar e, sem grande rigor sistemático, refere-se a alguns factos que, em seu entender, não se provaram, fazendo ainda algumas ilações dos factos provados.

Impõe-se assim, em primeiro lugar, precisar os factos e só depois concluir se, a partir destes, a prova da “intenção de matar” configura um erro de julgamento.
Relativamente aos factos concretamente postos em causa pelo arguido, o mesmo entende que não se provou que estivesse a dormir enquanto esperava pelo ofendido, designadamente no momento em que este retirou da estrada o tronco de madeira que ali colocara, para lhe barrar a passagem (conclusão 1ª).

Quanto a este aspecto, o Tribunal deu como provado:

“…O arguido, enquanto esperava pelo ofendido, no local onde decidira esconder-se, adormeceu;
O ofendido, depois de retirar da estrada o tronco de madeira que o arguido ali colocou, tendo em vista fazê-lo parar, voltou a entrar no carro, viatura da marca “Mazda...”, batendo com a porta, o que fez o arguido acordar;
No momento em que arrancou com a viatura, o ofendido apercebeu-se que o arguido surgiu ao seu lado esquerdo, por detrás do muro da escola, com uma caçadeira nas mãos, e a cerca de 5/10 m da viatura;
A essa distância, o arguido disparou o primeiro tiro, procurando alvejar o ofendido através do vidro traseiro da viatura deste…”.

O Tribunal Colectivo fundamentou a sua convicção no depoimento do ofendido, o qual declarou: “…eu no meu modo de pensar foi que ele deixou-se dormir”, só tendo acordado quando “eu bati com a porta do carro, ou quando arranquei…” (fls. 296 do apenso das transcrições).
Referiu ainda ter radicado a sua convicção “parcialmente nas declarações do arguido, que foram manifestamente não isentas, quer pela forma como foram prestadas – procurando sempre tentar convencer o tribunal que apenas tinha disparado um tiro em direcção ao carro do ofendido e outros três para o ar e que não tinha tido intenção de o matar – quer mesmo pelas contradições entre o que dissera no seu primeiro interrogatório judicial (onde afirmara ter-se encostado ao muro e adormecido, tendo acordado quando o queixoso acelerou o seu veículo, depois de ter desviado o tronco do caminho - fls. 23) e o que afirmou em audiência. Chegou mesmo a dizer que não sabia bem o que dissera no seu primeiro interrogatório e o que agora contava em audiência é que correspondia à verdade”.

A convicção do tribunal é assim possível, tendo em atenção o depoimento do ofendido, a pouca credibilidade das declarações do arguido, na nova audiência, e tendo especialmente em conta a sucessão histórica dos factos (preparação da armadilha, espera e posteriores disparos). O ofendido só viu o arguido no momento em que arrancou com a viatura, tendo sido aquelas circunstâncias, quase simultâneas (bater a porta do carro e arrancar), que fizeram o arguido acordar. Foi assim correctamente julgado este aspecto da matéria de facto, dando-se como provado que o arguido adormeceu e só acordou no momento em que o arguido bateu com a porta do automóvel, para arrancar.

Deste modo, a primeira conclusão do recorrente, quanto à falta de “intenção de matar”, não procede. Tal ilação decorria do facto (não provado) do arguido estar acordado, ter esperado que o ofendido retirasse o tronco da estrada, entrasse no veículo e só depois disparasse. Não sendo esse o quadro factual provado, a sua conclusão não tem factos que a sustentem.

O recorrente também não tem qualquer razão quanto às ilações que retira dos factos provados, com vista a afastar a intenção de matar. Vejamos este aspecto com o devido pormenor.
Defende o arguido: se o primeiro tiro foi atirado para a traseira do carro, a cerca de 5/10 do ofendido, isso significa precisamente que não há intenção de matar. A existência de apenas danos na parte traseira do automóvel e o achamento de apenas um bago de zagalote, confirmam tal conclusão. Àquela distância e com aquela iluminação, se essa fosse a sua intenção, o arguido teria matado o ofendido.

A “intenção de matar” resulta sempre da prática de factos idóneos à produção da morte, totalmente queridos pelo agente, uma vez que não é possível uma prova directa das intenções de alguém. Os factos estritamente subjectivos (intenções, motivações, afecções ou paixões) são apenas percepcionáveis pelo próprio sujeito e, por isso mesmo, designados “subjectivos”. Contudo, para efeitos jurídicos – onde tais fenómenos subjectivos são determinantes – é possível inferi-los dos aspectos objectivos em que se materializa a acção, através do significado que tais actos têm na respectiva comunidade social.
No caso dos autos, a acção dada como provada evidencia a “intenção de matar” do arguido, como vamos ver.
Foi cuidadosamente preparada uma armadilha – o arguido colocou um tronco de madeira na estrada, tendo em vista fazer parar o ofendido e ficou à espera com uma arma carregada – e foram disparados vários tiros de caçadeira, (pelo menos) um deles de “zagalote”, na direcção do veículo onde seguia o ofendido, a uma distância de 5/10 metros.
Esta acção é potencialmente letal, quer quanto aos meios utilizados, quer quanto à intenção de os usar com essa finalidade. Com efeito, os meios empregues e as condições escolhidas são obviamente bastantes para podermos concluir que o objectivo do arguido, naquelas concretas condições, era matar o ofendido. Tal objectivo é evidenciado quer no cuidado posto na criação das condições (armadilha), denunciando a intenção, quer no meio utilizado (arma de caça carregada com zagalotes), denunciando a adequação dessa intenção de matar.

Julgamos assim irrelevantes os argumentos do arguido, quando diz que disparou tiros para o ar, deixou o ofendido fugir para casa dos pais e que, se tivesse querido matá-lo, tê-lo-ia feito, dada a distância a que disparou e a utilização do local. Na verdade, as coisas não correram tal como o arguido planeara, pois adormeceu na “espera”. Quando acordou, já o ofendido tinha o caminho aberto para poder arrancar com o veículo e fugir do local. Não foi o arguido que o deixou fugir, mas circunstâncias estranhas à sua vontade que o permitiram. O ofendido não morreu, não porque arguido não tenha querido utilizar os meios disponíveis e ao seu alcance, mas porque não calhou, isto é, porque o zagalote encontrado dentro do veículo do ofendido não o atingiu em zona letal. Esse “mero acaso” não foi controlado pelo arguido, ou seja, este não teve o “domínio do facto”. Não é por isso verdade que o arguido não tenha morto o ofendido porque não tenha querido; a verdade é outra, o ofendido não morreu porque teve sorte…, uma vez que a situação de perigo criada, a finalidade com que o foi e os meios utilizados, tinham tal potencialidade.

Desta forma, julgamos improcedentes as conclusões de recurso do arguido, relativas à falta da “intenção de matar” (5ª a 19ª).
O arguido insurge-se ainda contra a medida da pena aplicada (relativamente ao crime de homicídio qualificado tentado), em seu entender demasiado severa. Este segmento do recurso será apreciado conjuntamente com o recurso do MP, quando também põe em causa a medida concreta da pena aplicada, relativamente a tal crime.

ii) Recurso do MP, relativo à aplicação do regime especial para jovens adultos.
O M.P. insurge-se contra a aplicação deste regime, por entender, em síntese, que o arguido “prospectiva já uma personalidade com tendência – inata ou adquirida, ainda que em evolução – para não se inibir ou controlar, para não se deixar influenciar, para reagir violenta, pensada e primariamente”.
Defende esta sua posição, invocando o facto de o arguido ter uma má imagem social, ser conflituoso, não ter projecto de vida consistente, ter duas anteriores condenações (por ofensa à integridade física e furto qualificado), apresentar deficiência mental ligeira e um controlo cognitivo e afectivo insuficiente.

De acordo com o art. 4º do Dec. Lei 401/82 de 23 de Setembro (aplicável aos jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos) se for aplicável pena de prisão, o juiz deve atenuar especialmente a pena, quando tiver “sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção do jovem condenado”.

Importa assim ponderar a aplicação deste regime, tendo em vista a “reinserção social do jovem condenado”.
Julgamos que, no presente caso, o cumprimento de uma pena de prisão mais curta (especialmente atenuada) beneficia a reinserção social do arguido. De facto, o mesmo era muito jovem à data da prática dos factos - apenas 18 anos - e tem uma deficiência mental que, embora não o torne inimputável, impede um total controle cognitivo e afectivo, podendo gerar frustrações e comportamentos agressivos. Não comungamos o entendimento do M.P, qualificando este tipo de limitações (que escapam ao controlo da vontade do agente) como “condições inatas de tendência criminosa”.
De facto (e quanto a este aspecto) o arguido deve ser considerado doente, não podendo ser punido mais gravemente só por ter uma deficiência mental. Ainda que tal situação o possa tornar mais perigoso, essa perigosidade não decorre da sua “culpa” e só esta pode influenciar legalmente a pena: só a culpa justifica racionalmente a punição.
Deste modo, parece-nos evidente a aplicação do regime especial para jovens adultos (Dec. Lei 401/82, de 23/09), feita no acórdão recorrido. A idade do arguido (18 anos) e, sobretudo, a sua doença, levam-nos a crer que da atenuação especial da pena resultam mais vantagens para a sua reinserção social, (designadamente através de acompanhamento médico e/ou psicológico) do que alguns anos a mais na prisão.

Recursos do arguido e do MP, relativos à medida concreta da pena (crime de homicídio qualificado tentado).
Quanto à medida concreta da pena, o MP entende que a pena parcelar, relativa ao crime de homicídio tentado, deve ser fixada em sete anos de prisão; por sua vez, o arguido entende que a pena aplicada, relativamente a tal crime, deve ser substancialmente reduzida.

O Tribunal recorrido, depois de aplicar a pena de cinco anos de prisão, pelo crime de homicídio tentado, condenou o arguido, em cúmulo jurídico, na pena única de seis anos e seis meses de prisão.
No entender do MP, o Tribunal valorou duas vezes a idade do arguido: como atenuante especial (aplicando o DL 401/82) e como atenuante geral.
O Acórdão do tribunal colectivo fundamentou a pena parcelar do crime de homicídio e, depois, a pena única, no elevado grau de ilicitude dos factos, no modo de execução do crime, na pouca gravidade das suas consequências, na intensidade do dolo (directo) nos motivos que determinaram o arguido à prática do crime (reacção a atitudes para si frustrantes), nas condições pessoais, sociais e económicas, na confissão parcial, na idade do arguido, no arrependimento manifestado e nos seus antecedentes criminais.

Depois da aplicação da dupla atenuação especial (tentativa e regime dos jovens adultos), a moldura penal abstracta do crime de homicídio qualificado tentado é de 1 mês a 11 anos e 1 mês de prisão. Julgamos que uma pena a rondar o termo médio se mostra adequada. Na verdade, mesmo que a idade, o arrependimento e a debilidade psicológica do arguido tenham sido já valoradas para fazer funcionar a atenuante especial do regime de jovens adultos, o termo médio da pena é aqui uma referência importante. Houve premeditação, embora não tão intensa que impedisse o arguido de adormecer; o perigo criado para a vida foi enorme, mas o ofendido nada sofreu (e não se diga que este aspecto está consumido na atenuação especial da tentativa, porque não é exactamente assim: haveria ainda tentativa de homicídio se ao arguido tivesse sido gravemente atingido e não morresse). O termo médio, no caso, correspondia a 5 anos e sete meses de prisão, pelo que a escolha de uma pena de 5 anos se mostra adequada.

A pena aplicada, em cúmulo jurídico, foi a de 6 anos e seis meses de prisão, sendo de 5 anos a 10 anos e seis meses de prisão, a moldura abstracta do cúmulo.
O MP entende que a pena única deveria ser a de 10 anos de prisão.

O arguido pede uma pena substancialmente mais reduzida.

Tendo em conta o limite mínimo do cúmulo (5 anos de prisão), é manifesto que a pretensão do arguido não tem fundamento. O tribunal foi muito sensível às condições especiais em que ocorreram os factos e aplicou-lhe uma pena muito mais próxima do limite mínimo do que do termo médio da pena.

A pretensão do MP é, por seu turno, exagerada: uma pena de 10 anos de prisão correspondia, quase, à pena máxima do cúmulo, o que redundaria em conseguir, através da punição do cúmulo, aquilo que não logrou quanto à não aplicação da atenuante especial, decorrente do regime de jovens adultos.
Na base do entendimento do MP, está uma avaliação da personalidade do arguido que não comungamos. Em nosso entender, embora o arguido denuncie alguma perigosidade, não pode ser condenado em função dela. Só a culpa evidenciada na acção concretamente cometida pode ser valorada, pelo que a circunstância de evidenciar dificuldade de controlo das suas acções, em momentos de frustração, deve merecer do tribunal a devida atenção, não desfavorecendo (por essa circunstância) o arguido.
Entendemos assim adequada uma pena que ronde também o termo médio do cúmulo, pelas mesmas razões que entendemos, acima, que a pena parcelar do homicídio deveria rondar o termo médio, ainda que ligeiramente inferior. Assim e tendo em conta a moldura abstracta do cúmulo (5 anos a 10 anos e seis meses de prisão) entendemos adequada a pena aplicada, ou seja, a pena única de seis (6) anos e seis (6) meses de prisão.

3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção Criminal da Relação do Porto, acordam em negar provimento aos recursos interpostos pelo arguido e pelo MP e, consequentemente, manter a decisão recorrida.

Custas pelo arguido, fixando a taxa de justiça em 4 UC.
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Porto, 16 de Março de 2005
Élia Costa de Mendonça São Pedro
António Manuel Alves Fernandes
José Henriques Marques Salgueiro
José Manuel Baião Papão