Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ÁLVARO MONTEIRO | ||
Descritores: | INVENTÁRIO MEIOS DE PROVA RECONHECIMENTO DE DÍVIDAS | ||
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Nº do Documento: | RP2024112181/22.6T8VFR-B.P1 | ||
Data do Acordão: | 11/21/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA PARCIAL | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - No processo de inventário, no âmbito do artº 1105º, nº 3, do CPC, pese o Juiz não estar limitado pelos meios de prova indicados, também não está vinculado a realizar todas as diligências probatórias que tenham sido requeridas, bastando aquelas que, em concreto, se revelem necessárias, à semelhança do que está previsto no artº 986º, nº 2, em sede de jurisdição voluntária, no entanto, tem de fundamentar a razão pela qual prescinde de produzir a prova requerida pelos interessados. II - Tendo a interessada impugnado dívidas de determinadas verbas e o tribunal determinado a junção de prova documental para reconhecimento das aludidas dívidas não pode, posteriormente, vir a reconhecer tais dívidas em quotas partes dos interessados com base no estipulado no artº 1106º, nº 4, do CPC, quando a impugnante era a titular do quinhão de dois dos interessados desde data anterior à instauração do inventário. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | PROCESSO Nº 81/22.6T8VFR-B.P1 Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo Local Cível de S. M. Feira - Juiz 1 Relator: Juiz Desembargador Álvaro Monteiro. 1ª Adjunta: Juíza Desembargadora Maria Manuela Barroco Esteves Machado 2º Adjunto: Juiz Desembargador Aristides Rodrigues de Almeida * Sumário:……………………………… ……………………………… ……………………………… * I – RELATÓRIOOs presentes autos de inventário foram abertos por óbito de óbito de AA, falecido em 18 de Fevereiro de 2014, sem testamento, sendo a aqui Recorrente BB, interessada na qualidade de representante legal do interessado CC e reclamante de créditos. * 1. Em 14.01.2022 foi nomeada cabeça-de-casal a Interessada DD, a qual prestou compromisso de honra e apresentou relação de bens, relacionando as seguintes verbas:I – ACTIVO Bens Imóveis Verba nº 1 Prédio urbano, destinado à habitação, sito em ..., freguesia ..., Concelho de Santa Maria de Feira, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo nº ... e descrito na Conservatória do registo predial de Santa Maria da Feira sob o nº ..., com o valor patrimonial tributário de €75.140,45. Verba nº 2 Prédio rústico, cultura, sito em ..., freguesia ..., Concelho de Santa Maria da Feira, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artº ... e descrito na conservatória do registo predial de Santa Maria da Feira sob o artº ..., com o valor patrimonial tributário de €3,99. II - Passivo 2. Débitos da Herança: - Verba n.º 3: O montante de €31.850,00 (trinta e um mil oitocentos e cinquenta euros) à herdeira EE, correspondente ao valor usado pelo falecido AA da indemnização paga no âmbito do processo crime nº 5244/01.5TAVFR que correu termos no 1ª juízo criminal de Santa Maria da Feira, por morte da mãe; -Verba n.º 4: O montante de €9.657,95 (nove mil seiscentos e cinquenta e sete euros e noventa e cinco centavos) à herdeira EE, correspondente ao valor usado pelo falecido AA da pensão de sobrevivência, paga pelo Centro Nacional de Pensões, por morte da Mãe; -Verba n.º 5: O montante de €15.300,00 (quinze mil e trezentos euros) à herdeira DD, correspondente ao valor usado pelo falecido AA da indemnização paga no âmbito do processo crime nº 5244/01.5TAVFR que correu termos no 1ª juízo criminal de Santa Maria da Feira, por morte da mãe; - Verba n.º 6: O montante de €4.361,23 (quatro mil trezentos e sessenta e um euros e vinte e três cêntimos) à herdeira DD, correspondente ao valor usado pelo falecido AA da pensão de sobrevivência, paga pelo Centro Nacional de Pensões, por morte da Mãe. Verba nº 7: O montante de €247,60 à herdeira DD, correspondente ao valor por esta liquidado para emissão dos distrates das hipotecas incidentes sob a verba nº 1 da Relação de Bens e respectivo cancelamento junto da conservatória do registo predial. Verba nº 8: O Montante de €7.000,00 referente a benfeitorias feitas no prédio identificado como verba nº 1 da presente relação, sito em ..., freguesia ..., concelho de Santa Maria da Feira, a FF, Rua ..., ... – ...-VFR. 2. Após citação dos interessados, a aqui Recorrente, na qualidade de representante legal do menor Interessado CC, apresentou em 11.05.2022, designadamente, reclamação à relação de bens. 3. Por requerimento datado de 05.03.2023, a cabeça de casal veio apresentar Relação de Bens Rectificada: I – Activo Verba nº 1 Prédio urbano, destinado à habitação, sito em ..., freguesia ..., Concelho de Santa Maria de Feira, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo nº ... e descrito na Conservatória do registo predial de Santa Maria da Feira sob o nº ..., com o valor patrimonial tributário de €75.140,45. Verba nº 2 Prédio rústico, cultura, sito em ..., freguesia ..., Concelho de Santa Maria da Feira, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artº ... e descrito na conservatória do registo predial de Santa Maria da Feira sob o artº ..., com o valor patrimonial tributário de €3,99. Créditos da Herança: -Verba n.º 3: Saldo da Conta à Ordem n.º ..., no Banco 1..., com o saldo de €16,09 (dezasseis euros e nove cêntimos). - Verba n.º 4: Saldo da Conta de Depósito a Prazo n.º ..., no Banco 1..., com o saldo de €500,65 (quinhentos euros e sessenta e cinco cêntimos). II. PASSIVO – 2. Débitos da Herança: - Verba n.º 5: O montante de €31.850,00 (trinta e um mil oitocentos e cinquenta euros) à herdeira EE, correspondente ao valor usado pelo falecido AA da indemnização paga no âmbito do processo crime nº 5244/01.5TAVFR que correu termos no 1ª juízo criminal de Santa Maria da Feira, por morte da mãe; - Verba n.º 6: O montante de €9.657,95 (nove mil seiscentos e cinquenta e sete euros e noventa e cinco centavos) à herdeira EE, correspondente ao valor usado pelo falecido AA da pensão de sobrevivência, paga pelo Centro Nacional de Pensões, por morte da Mãe. -Verba n.º 7: O montante de €15.300,00 (quinze mil e trezentos euros) à herdeira DD, correspondente ao valor usado pelo falecido AA da indemnização paga no âmbito do processo crime nº 5244/01.5TAVFR que correu termos no 1ª juízo criminal de Santa Maria da Feira, por morte da mãe; - Verba n.º 8: O montante de €4.361,23 (quatro mil trezentos e sessenta e um euros e vinte e três cêntimos) à herdeira DD, correspondente ao valor usado pelo falecido AA da pensão de sobrevivência, paga pelo Centro Nacional de Pensões, por morte da Mãe. Verba nº 9: O montante de €247,60 à herdeira DD, correspondente ao valor por esta liquidado para emissão dos distrates das hipotecas incidentes sob a verba nº 1 da Relação de Bens e respectivo cancelamento junto da conservatória do registo predial. Verba nº10: O Montante de €7.000,00 referente a benfeitorias feitas no prédio identificado como verba nº 1 da presente relação, sito em ..., freguesia ..., concelho de Santa Maria da Feira, a FF, Rua ..., ... – ...-VFR. 4. No dia 18.05.2023, a aqui Recorrente deduziu incidente da habilitação de Cessionário, o qual correu termos sob o Apenso A. No âmbito do qual, em 11.09.2023 foi proferida Sentença, posteriormente rectificada, a declarar habilitada BB, como adquirente dos quinhões hereditários pertencentes aos Interessados GG e HH, e, para com ela seguir a causa, assumindo a posição daqueles, para intervir no inventário que corre sob estes autos principais. 5. Posteriormente, no dia 16.11.2023, a aqui Recorrente, na qualidade de credora, reclamou o seu crédito no montante global de 15.323,00€ sobre a herança aberta por óbito do Inventariado, tendo junto prova documental e arrolado prova testemunhal. 6. A 17.11.2023 realizou-se Audiência prévia, onde foi concedido pelo Tribunal “a quo” o prazo de 20 dias às interessadas EE e DD e ao Mº Público para se pronunciarem sobre o requerimento apresentado a 16/11/2023 pela interessada BB, nada tendo sido dito. 7. No dia 30.01.2024 foi proferido o seguinte despacho: “Referência 12987678: A interessada BB apresentou reclamação à relação de bens pela qual: -Alega que a verba 1 foi construída com recurso a empréstimo bancário contraído pelo autor da herança e por si; -Impugna as dívidas da herança identificadas como verbas 3 a 6; -Defende que a dívida identificada como verba 8 deve ser alterada uma vez que também despendeu cerca de 14.000,00€ nas obras. * Referência 13227093:Notificada da reclamação da interessada BB, veio a cabeça-de-casal responder nos seguintes termos: - A interessada/reclamante não contribuiu para a edificação da verba 1; - Desconhece os alegados pagamentos efectuados pela interessada/reclamante. * Referência 15329839:Por requerimento de 16 de Junho de 2023, veio a interessada/reclamante BB concretizar os montantes despendidos por si na verba 1: - 2.000,00€ em Agosto de 2016, a II, picheleiro; - 3.600,00€, em 03.01.2017, a II, picheleiro; - 5.000,00€, em 02 de Agosto de 2016, a FF (A..., Lda.); carpinteiro; - 2.000,00€ em 21 de Julho de 2018, a FF (A..., Lda.); carpinteiro; - 2.723,00€, a JJ, louças sanitárias. * Por despacho de 17 de Novembro de 2023, foram os restantes interessados notificados para se pronunciarem, no prazo de 20 dias, sobre o requerimento de 16 de Junho de 2023, nada tendo vindo dizer.Se bem compreendemos as posições da cabeça-de-casal e da interessada BB, neste momento, apenas se encontram controvertidas as verbas 3 a 6 do passivo constante da relação de bens na quota parte da interessada BB – cfr. artigo 1108.º do CPC. Assim sendo, importa prosseguir com os autos para verificar o passivo não reconhecido pela interessada reclamante. Em consequência, notifique a cabeça-de-casal para juntar aos autos documentos comprovativos das referidas dívidas. Prazo: 10 dias. * Sem prejuízo do supra exposto e uma vez que a interessada/reclamante BB também é representante legal do menor CC, importa dar cumprimento ao disposto no artigo 1086.º do CPC.Assim, mais notifique a interessada BB para indicar pessoa idónea que possa ser designada curador especial do menor CC, devendo identifica-la pelo nome, morada e relação com o menor. Prazo: 10 dias.” 8. Por Despacho de 21.03.2024 foi nomeado curador especial ao Interessado CC, o cunhado da Recorrente KK. * Por despacho de 16.05.2024, aqui em recurso, o Tribunal a quo apreciou e decidiu o seguinte:“Dispõe o artigo 1106.º do CPC 1- As dívidas relacionadas que não hajam sido impugnadas pelos interessados diretos consideram-se reconhecidas, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 574.º, devendo a sentença homologatória da partilha condenar no respetivo pagamento. 2 - Se houver interessados menores, maiores acompanhados ou ausentes, o Ministério Público pode opor-se ao seu reconhecimento vinculante para os referidos interessados. 3 - Se todos os interessados se opuserem ao reconhecimento da dívida, o juiz deve apreciar a sua existência e montante quando a questão puder ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados. (…)”. Assim, no que diz respeito às verbas 3 a 6 da relação de bens, uma vez que os interessados GG e HH não impugnaram as dívidas elencadas, consideram-se as mesmas reconhecidas na quota-parte dos respectivos quinhões, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 1106.º do CPC. No que diz respeito ao interessado CC, uma vez que a cabeça-de-casal, notificada para tal não juntou prova documental, decido não reconhecer as dívidas na quota parte do interessado sem prejuízo de as mesmas poderem vir a ser exigidas nos meios comuns – cfr. n.º 3 do artigo 1106.º do CPC. * Já no que diz respeito ao alegado crédito da credora BB, o interessado CC não a impugnou pelo que considera-se o mesmo reconhecido na proporção do respectivo quinhão, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 1106.º do CPC.Já no que diz respeito às interessadas DD e EE, uma vez que houve impugnação, importa atender à prova documental que se mostra junta aos autos. Relativamente aos montantes de 2.000,00€ e 3.600,00€ alegadamente pagos ao picheleiro, em 2016 e 2017, não pode o tribunal reconhecer a dívida como sendo da herança uma vez que o documento é um papel manuscrito que identifica o cliente como sendo o autor da herança mas não resulta qualquer menção de que se trate de um pagamento efectuado pela credora reclamante e, muito menos, que se trata de obras efectuadas no prédio identificado em 1. Além disso, trata-se de pagamentos efectuados após a morte do autor da herança pelo que não se trata de uma dívida da herança. No que se refere ao montante de 7.000,00€ alegadamente pagos à sociedade A..., Lda.”, está discriminada uma factura referente a “trabalho da Suíça” e orçamento da vivenda “...” e, mais uma vez, não resulta que os pagamentos tenham sido referentes a obras na verba 1. Por outro lado, trata-se de pagamentos efectuados em 02.08.2016 e 21.07.2018 e, portanto, após a morte do autor da herança, pelo que não se trata de uma dívida da herança. Já no que diz respeito ao montante de 2.723,00 €, o documento junto diz respeito a um orçamento e não a um pagamento e não está datado, pelo que não se pode concluir que se trata de uma dívida da herança. Em face do exposto, decido não reconhecer como dívida da herança o montante de 15.323,00€ a favor da credora BB relativamente à quota-parte das interessadas DD e EE, sem prejuízo de as mesmas poderem vir a ser exigidas nos meios comuns – cfr. n.º 3 do artigo 1106.º do CPC. Notifique.” * Não se conformando com o despacho em causa, vem a interessada BB interpor recurso de apelação, admitido com subida em separado e efeito devolutivo, assente nas seguintesCONCLUSÕES: A) A Recorrente considera, salvo sempre o devido respeito por opinião em contrário que, o decidido pelo Tribunal “a quo” e consignado no Despacho de fls. datado de 16.05.2024, não se pode manter, por violar frontalmente com o disposto nos artigos 574º, n.º 2, 1105º, n.º 2 e n.º 3, e, 1106º, n.º 1, n.º 3, n.º4, todos do C.P.C. devendo ser revogado tal despacho e substituído por outro que não reconheça as dividas elencadas sob as verbas n.º 3 a 6 da Relação de Bens Inicial, e reconheça e ordene a relacionação como passivo, do crédito no valor de 15.323,00€ (quinze mil trezentos e vinte e três euros) da Credora, aqui Recorrente; B) Ora, a reclamação de créditos sobre a herança, enquanto questão a ser decidida pelo Tribunal “a quo”, insere-se na tramitação subsequente prevista no artigo 1105º do C.P.C.; C) E, de acordo com o seu n.º 2, as provas são indicadas no requerimento, e segundo o seu n.º 3, só pode ser decidida depois de efetuadas as diligências probatórias requeridas pelos interessados ou determinadas pelo Juiz; D) A Recorrente, na qualidade de credora da herança, arrolou prova testemunhal, para além da junção da prova documental, porém, o Tribunal “a quo”, não produziu a referida prova testemunhal, nem aventou qualquer justificação ou fundamentação para tal preterição probatória. E) Pois que, constituindo a prova documental junta, princípio de prova, deveria o Tribunal “a quo” determinar a produção da prova testemunhal indicada e arrolada pela Recorrente, como complemento daquela prova indiciária, ao invés de negar o reconhecimento do crédito da Recorrente; F) Concomitantemente, o Tribunal “a quo”, erradamente, decidiu considerar que as Interessadas EE e DD tinham impugnado o crédito da Recorrente BB, quando, resulta quer dos autos, quer do douto despacho de fls., proferido a 31.01.2024, já transitado em julgado, que as referidas Interessadas nada vieram dizer; G) Assim como, é inaceitável o argumento do Tribunal “a quo” quando afirma que “trata-se de pagamentos efetuados após a morte do autor da herança pelo que não se trata de uma divida da herança.”; H) Temos assim que, o Tribunal “a quo” ao decidir não reconhecer como divida da herança no montante de 15.323,00€ a favor da credora BB, aqui Recorrente, relativamente à quota-parte das interessadas DD e EE, violou o disposto nos artigos 1105º, n.º2 e 3 e 1106º, n.º1 ambos do C.P.C., razão pela qual, não se pode manter o decidido; SEM PRESCINDIR, I) O Tribunal “a quo” ancorando-se no artigo 1106º do C.P.C., decidiu reconhecer as dividas elencadas nas verbas n.ºs 3 a 6 da relação de bens, na quota-parte dos quinhões dos Interessados GG e HH, nos termos do n.º1 do referido normativo; J) Para tanto, o Tribunal “a quo” considerou, sem qualquer meio de prova produzido por quem tinha o respetivo ónus, reconhecer as dividas relacionadas sob as verbas n.º 3 a 6 da relação de bens na proporção dos quinhões dos Interessados GG e HH, por não as terem impugnado; K) Ora, por um lado, o Tribunal “a quo”, fez constar no despacho de fls. datado de 31.01.2024 que a divergência quanto ao reconhecimento das dividas elencadas nas verbas n.º 3 a 6 era entre a cabeça de casal e a interessada BB; L) E, no despacho recorrido, para considerar reconhecidas aquelas dividas, refere que os Interessados GG e HH, não impugnaram as ditas verbas, não obstante, a Interessada BB ter sido habilitada no lugar daqueles Interessados GG e HH, e a quem não faz qualquer referência; M) E, por outro lado, ao ordenar no referido despacho de 31.01.2024, a notificação da cabeça de casal para juntar os documentos comprovativos das referidas dividas, fez depender o reconhecimento de prova por documentos escritos; N) Sucede, porém, que, nem a Cabeça de Casal nem a outra Interessada vieram aos autos juntar qualquer documento comprovativo das alegadas dividas relacionadas sob as verbas n.º 3 a 6; O) Razão mais do que evidente, de que, nunca poderiam tais dividas ser reconhecidas como foram pelo Tribunal “a quo”, por só poderem ser provadas por documento escrito, violando, assim, a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” o disposto nos artigos 574º, n.º 2 e 1106º, n.º 1, 3 e 4 ambos do C.P.C. Conclui, pela revogação do despacho recorrido e, em sua substituição ser proferida decisão que não reconheça as dívidas elencadas sob as verbas N.º 3 a 6 da relação de bens inicial e reconheça e ordene a relacionação como passivo, do crédito no valor de €15.323,00 a favor da credora aqui recorrente. * Não foram apresentadas contra-alegações.* O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata e em separado, com efeito meramente devolutivo - cfr. arts. 638.º, n.º 1, 1123.º, n.º 2, al. b), 645.º, n.º 2 e 647.º, n.º1, todos do Código de Processo Civil.No exame preliminar considerou-se nada obstar ao conhecimento do objecto do recur-so. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II. OBJECTO DO RECURSOO objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do C. P. Civil). Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pela Apelante, importa apreciar e decidir: - Saber se o Tribunal “a quo” ao decidir não reconhecer como divida da herança no montante de 15.323,00€ a favor da credora BB, aqui Recorrente, relativamente à quota-parte das interessadas DD e EE, violou o disposto nos artigos 1105º, n.º2 e 3 e 1106º, n.º1 ambos do C.P.C., razão pela qual, não se pode manter o decidido; - Saber se o despacho objecto de recurso viola o disposto nos artigos 574º, n.º 2, 1105º, n.º 2 e n.º3, e, 1106º, n.º1, n.º 3, n.º 4, todos do C.P.C. devendo ser revogado tal despacho e substituído por outro que não reconheça as dividas elencadas sob as verbas n.º 3 a 6 da Relação de Bens Inicial, e reconheça e ordene a relacionação como passivo, do crédito no valor de 15.323,00€ (quinze mil trezentos e vinte e três euros) a favor da Credora, aqui Recorrente. III. FUNDAMENTAÇÃO 1. Os factos são os acima mencionados no relatório. * 2. OS FACTOS E O DIREITO2.1. Nos presentes autos está em causa saber se é de não reconhecer as dividas elencadas sob as verbas n.º 3 a 6 da Relação de Bens Inicial e reconhecer a relacionação como passivo, do crédito no valor de 15.323,00€ (quinze mil trezentos e vinte e três euros) a favor da Credora, tendo em conta a prova requerida e produzida. Conhecendo: Dispõe Artigo 1105.º do CPC - Tramitação subsequente - 1 - Se for deduzida oposição, impugnação ou reclamação, nos termos do artigo anterior, são notificados os interessados, podendo responder, em 30 dias, aqueles que tenham legitimidade para se pronunciar sobre a questão suscitada. 2 - As provas são indicadas com os requerimentos e respostas. 3 - A questão é decidida depois de efetuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas pelo juiz, sem prejuízo do disposto nos artigos 1092.º e 1093.º 4 - A alegação de sonegação de bens, nos termos da lei civil, é apreciada conjuntamente com a acusação da falta de bens relacionados, aplicando-se, quando julgada provada, a sanção estabelecida no artigo 2096.º do Código Civil. 5 - Se estiver em causa reclamação deduzida contra a relação de bens ou pretensão deduzida por terceiro que se arrogue titular dos bens relacionados e se os interessados tiverem sido remetidos para os meios comuns, o processo prossegue os seus termos quanto aos demais bens. 6 - Se o crédito relacionado pelo cabeça de casal e negado pelo pretenso devedor for mantido na relação, reputa-se litigioso. 7 - Se o crédito previsto no número anterior for eliminado, entende-se que fica ressalvado aos interessados o direito de exigir o pagamento pelos meios adequados. Resulta deste preceito que caso a lei não disponha de modo diverso, por aplicação supletiva das regras gerais, a falta de oposição determina a aplicação do efeito cominatório semipleno, atento o disposto nos artºs 549º, nº 1 e 574º do CPC. Em termos gerais, há a admissão dos factos que não tenham sido impugnados por qualquer dos requeridos directamente interessados na sua resposta. Pese o Juiz não estar limitado pelos meios de prova indicados, também não está vinculado a realizar todas as diligências probatórias que tenham sido requeridas, bastando aquelas que, em concreto, se revelem necessárias, à semelhança do que está previsto no artº 986º, nº 2, em sede de jurisdição voluntária, no entanto, tem de fundamentar a razão pela qual prescinde de produzir a prova requerida pelos interessados, vide anotação ao artº 1105º do Código Processo Civil Anotado, Vol II, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta. Diga-se, ainda, que a remessa para os meios comuns assenta na insuficiência das provas admissíveis no processo de inventário, de modo se o juiz dispuser de elementos documentais suficientes para uma decisão segura, a complexidade da questão suscitada na reclamação da relação de bens não pode servir de justificação para tal remessa. Reconduzindo-se ao despacho objecto de recurso, constata-se que o mesmo quanto ao crédito reclamado pela Recorrente apenas apreciou e versou sobre a prova documental. Sucede que a Recorrente, na qualidade de credora da herança, arrolou prova documental e testemunhal. O Tribunal a quo limitou-se a apreciar a prova documental e, nessa medida, julgou improcedente o crédito da Recorrente, não se pronunciando sobre a prova testemunhal arrolada pela Apelante. Como já acima foi referido, o facto do Juiz não estar vinculado a realizar todas as diligências probatórias que tenham sido requeridas, bastando aquelas que, em concreto, segundo um juízo e critérios de necessidade e utilidade se mostrem necessárias, certo é que tem de fundamentar as razões palas quais não produz a prova requerida pela parte reclamante, tanto mais que no presente caso indeferiu o crédito da Recorrente com base na prova documental, sendo que esta tinha apresentado prova testemunhal. Diga-se, ainda, que o juiz apenas pode remeter as partes para os meios comuns após ter produzido a prova requerida pelas partes ou, caso entenda de não produzir toda a prova, ter exarado os fundamentos pelos quais não produziu toda a prova, porque só nesta altura é que está em situação de se pronunciar sobre a inexistência de elementos de prova suficientes para remeter as partes para os meios comuns. No presente caso é manifesto que o Tribunal a quo não produziu a prova testemunhal requerida pela Recorrente nem sequer fundamentou as razões de não produção de tal prova. Atente-se que nos termos do artigo 393.º, n.º 3, do Código Civil, é admitida a prova suplementar (documental, testemunhal ou por presunções judiciais) concernente à interpretação do contexto do documento, pelo que sempre o Tribunal a quo se tinha de pronunciar se se encontrava ou não perante uma situação abrangida/excluída pelo citado preceito e, consequentemente, a razão pela qual não produziu a prova testemunhal requerida pela Recorrente. Assim sendo, é de conceder parcial provimento ao recurso nesta parte, pelo que se determina a sua revogação por outro que produza a prova testemunhal requerida pela Recorrente. * Relativamente à verificação do passivo rege o disposto no artº 1106º do CPC.Artigo 1106.º - Verificação do passivo 1 - As dívidas relacionadas que não hajam sido impugnadas pelos interessados diretos consideram-se reconhecidas, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 574.º, devendo a sentença homologatória da partilha condenar no respetivo pagamento. 2 - Se houver interessados menores, maiores acompanhados ou ausentes, o Ministério Público pode opor-se ao seu reconhecimento vinculante para os referidos interessados. 3 - Se todos os interessados se opuserem ao reconhecimento da dívida, o juiz deve apreciar a sua existência e montante quando a questão puder ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados. 4 - Se houver divergências entre os interessados acerca do reconhecimento da dívida, aplica-se o disposto nos nºs 1 e 2 relativamente à quota-parte dos interessados que a não impugnem e quanto à parte restante observa-se o disposto no número anterior. 5 - As dívidas vencidas, que hajam sido reconhecidas por todos os interessados ou se mostrem judicialmente reconhecidas nos termos do n.º 3, devem ser pagas imediatamente, se o credor exigir o pagamento. 6 - Se não houver na herança dinheiro suficiente e se os interessados não acordarem noutra forma de pagamento imediato, procede-se à venda de bens para esse efeito, designando o juiz os que hão de ser vendidos, quando não haja acordo entre os interessados. 7 - Se o credor quiser receber em pagamento os bens indicados para a venda, são-lhe os mesmos adjudicados pelo preço que se ajustar. E, o n.º2 do artigo 574º do C.P.C. sob a epigrafe, “Ónus de impugnação” estatui que: “Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior.” O que se encontra previsto no artº 1106, nº 1, reconduz-se ao efeito cominatório pleno, sem prejuízo do disposto no artº 574º, nº 2, ou seja, salvo situações em que é exigível prova documental. Havendo oposição unânime ao reconhecimento das dívidas, cabe ao juiz decidir sobre a sua existência e montante, desde que os documentos apresentados permitam a formulação de um juízo seguro sobre tal matéria, nº 3, do 1106º, caso contrário terá de produzir outra prova, designadamente testemunhal, como previsto no artº 1105º, nº 3, do CPC.. Se apenas algum interessado impugnar as dívidas, os mencionados efeitos projectam-se apenas na respectiva esfera jurídica. Na parte em que a impugnação surta efeito ou em que, pelos referidos motivos, não opere o efeito cominatório, cabe ao juiz pronunciar-se. Em princípio o juízo de apreciação da existência de dívidas da herança será sustentado com base em documentos com relevo probatório adequado, isto é, que possibilitem sustentar, com segurança, a decisão sobre a existência e quantificação das dívidas. Na sua falta, podem realizar-se as diligências probatórias que se mostrarem necessárias. Porém, se tais meios de prova não permitirem uma resolução segura do diferendo, os interessados serão remetidos para os meios comuns, onde a questão poderá ser resolvida com maiores garantias proporcionadas pela tramitação autónoma especificamente dirigida a tal matéria. Compulsados os autos constata-se que o Tribunal “a quo”, no seu despacho proferido a 31.01.2024, ordenou o seguinte: “(…) Se bem compreendemos as posições da cabeça-de-casal e da interessada BB, neste momento, apenas se encontram controvertidas as verbas 3 a 6 do passivo constante da relação de bens na quota parte da interessada BB – cfr. Artigo 1108.º do CPC. Assim sendo, importa prosseguir com os autos para verificar o passivo não reconhecido pela interessada reclamante. Em consequência, notifique a cabeça-de-casal para juntar aos autos documentos comprovativos das referidas dívidas.” Tendo o Tribunal a quo notificado a cabeça de casal para juntar documentos, considerando o princípio de que no processo não são praticados actos inúteis (artº 130º, do CPC.) tem de se entender que o Tribunal considerou que era necessária prova documental para reconhecer as dívidas das verbas nºs 3 a 6, pelo que é surpreendente que tenha vindo posteriormente a reconhecer as dívidas, invocando que os interessados GG e HH não impugnaram as ditas verbas, quando no aludido despacho de 31.01.2024, tinha referido e considerado que, face às posições da cabeça de casal e da interessada BB apenas se encontrava em discussão as verbas nºs 3 a 6 e, nessa medida, notificou a cabeça de casal para juntar prova documental. Acresce que a interessada BB foi habilitada no lugar dos interessados GG e HH por sentença de 11.09.2023 e tendo aquela impugnado as aludidas dívidas das verbas nos 3 a 6, tem que se considerar que a defesa no seu conjunto abrange os interessados GG e HH, cuja posição foi habilitada pela aqui Recorrente, pelo que se tem de considerar que o Tribunal a quo apenas podia reconhecer a dívida caso tivesse sido junto prova documental pelo cabeça de casal, tal como ordenado pelo tribunal em 31.01.2024 e não fazendo aplicação do artº 1104º, nº 4, do CPC. Cabe ainda dizer que nem os factos da reclamação são factos que só possam ser objecto de prova por meio de prova plena, nem os documentos mandados juntar são documentos autênticos que façam prova plena. Os factos da reclamação (que destino foi dado à indemnização por morte da mãe) podem perfeitamente ser provados por outra via. Se o tribunal mandou fazer prova (documental) e esta não foi junta então tinha de instruir o incidente antes de o decidir porque o facto podia ser provado por outra via. A necessidade de prova para reconhecer o crédito numa quota não impede que não tendo outros interessados apresentado reclamação da relação de bens e impugnado o passivo este seja reconhecido, pelo que não há qualquer impedimento que o passivo possa ser reconhecido numa parte e não reconhecido na outra, designadamente, aqui, por falta de prova. Sucede que, independentemente da data em que foi habilitada no inventário, a impugnante BB era a titular do quinhão dos interessados GG e HH desde 30.12.2019, data anterior à instauração do inventário, pelo que já era ela que devia ter sido indicada como herdeira, por ter adquirido por doação o quinhão hereditário de dois dos herdeiros, e, por isso, tem de se entender que estes já não tinham legitimidade para o inventário (foi o que o GG veio alias dizer ao ser citado), que quem tinha de ser citada era a BB e que quem podia impugnar o passivo da relação de bens era ela, enquanto titular dos quinhões do GG e da HH (e não do filho CC porque a esse foi nomeado um curador, face ao conflito de interesses com a mãe, concorre com ela à herança). Por outras palavras, do ponto de vista material a impugnação dela deve ser entendida como impugnação que compreende os interesses do GG e da HH. Sendo assim, como ela ofereceu prova testemunha e na resposta a cabeça de casal também, o incidente está por instruir e a decisão deve ser revogada para que se produza a prova arrolada e depois se conheça da existência do passivo impugnado. Assim sendo, ter-se-á de dar provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido nesta parte. * IV. DECISÃOPelos fundamentos expostos decide-se dar parcial provimento ao recurso da Apelante e nesta medida: - Não se reconhece as dívidas das verbas nºs 3 a 6 da relação de bens inicial, revogando-se o despacho recorrido em conformidade, determinando-se a produção de prova testemunhal requerida pela Apelante e pela cabeça de casal; - Determina-se que na parte dos créditos reclamados pela aqui Apelante deve ser produzida a prova testemunhal indicada por esta, seguindo-se os trâmites posteriores. * As custas do recurso serão suportadas de acordo com a decisão final do incidente.Notifique. Porto, 21 de Novembro de 2024. Álvaro Monteiro Manuela Machado Aristides Rodrigues de Almeida |