Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1751/22.4T8PVZ-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CAUSA PREJUDICIAL
SIMULAÇÃO
Nº do Documento: RP202401161751/22.4T8PVZ-C.P1
Data do Acordão: 01/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Para que a suspensão da instância possa ser decretada, ao abrigo da primeira parte do art.º 272.º, é necessário, em primeiro lugar, que exista uma outra causa/ação pendente e, em segundo lugar, é necessário que exista entre ambas as ações uma relação de dependência ou prejudicialidade.
II - Pode afirmar-se a existência de prejudicialidade quando a decisão de uma causa possa afetar e prejudicar o julgamento de outra, retirando-lhe o fundamento ou a sua razão de ser.
III - A lei estabelece três requisitos, cumulativos, para verificação da simulação:
- o pacto simulatório entre o declarante e o declaratário;
- a divergência intencional entre o sentido da declaração e os efeitos do negócio jurídico simuladamente celebrado;
- o intuito de enganar terceiros (animus decipiendi).
IV - Com a intenção de enganar terceiros pode ou não cumular-se a de prejudicar outrem (animus nocendi). Quando, além da intenção de enganar, haja a de prejudicar, a simulação diz-se fraudulenta. Se existe só animus decipiendi, a simulação é inocente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Processo n.º 1751/22.4 T8PVZ-C.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - Juiz 3
Recorrente – AA
Recorrida - BB
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntos – Desemb. João Proença
Desemb. Maria Eiró

Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ªsecção cível)

I BB intentou no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim a presente ação de processo comum contra AA, pedindo:
a) Ser o réu condenado a reconhecer que a autora, é dona e legitima proprietária de metade do imóvel supra melhor identificado no artigo 2.º desta petição, bem como a reconhecer que a autora sempre teve a posse do referido imóvel, da qual foi indevidamente esbulhada;
b) Ser o réu condenado a reconhecer a posse definitiva da autora sobre o imóvel referido no artigo 2.º da petição inicial, livre de pessoas e bens e a restituir definitivamente a posse á autora;
c) Ser o reu condenado de abster-se de por si ou por terceiros de praticar quaisquer atos que ponham em causa tal posse;
e) Ser o réu condenado a pagar uma indemnização á autora relativamente aos prejuízos causados pelo esbulho pelo mesmo efetuado, em montante nunca inferior a Euros 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), acrescidos dos juros vencidos desde a citação e dos vincendos até integral pagamento (…)”.
Alegou para tanto e em síntese a inscrição registral de aquisição da compropriedade do prédio reivindicado a seu favor, o correspondente contrato de compra e venda de que configura a aquisição derivada do prédio, e o exercício de posse configurando a aquisição originária, por usucapião. Mais alega que o réu substituiu as fechaduras e passou a ocupar tal prédio contra a vontade da autora, causando-lhe diversos danos patrimoniais e não patrimoniais, que especificou.

O réu, pessoal e regularmente citado veio contestar, dizendo e requerendo, além do mais: “1 – Corre termos no Juiz 6 deste mesmo Juízo Central Cível a ação comum 1388/21.5T8PVZ,
2 – apresentada pelo aqui contestante (e sua mãe) contra a ora autora,
3 – em que, a título principal, é peticionado o seguinte:
«1.º - Declarar-se nulo e de nenhum efeito as escrituras públicas supra identificadas em 16 e 17 do presente articulado.
2.º - Ordenar-se o cancelamento no registo predial das inscrições AP... e AP....
3.º Declarar e reconhecer os autores como únicos e exclusivos proprietários e possuidores do prédio identificado em 1 do presente articulado”
4 – sendo o prédio em causa o que também está em discussão nos presentes autos.
5 – Assim pela relevância das questões suscitadas e em discussão, a decisão que vier a ser proferida na mencionada ação comum é suscetível de constituir um elemento decisivo para a decisão dos presentes autos,
6 – porquanto se aqueles pedidos forem julgados procedentes o título formal aqui invocado
pela autora deixará de ter qualquer validade e eficácia.
7 – Nesse sentido, considera o contestante que os presentes autos devem ser suspensos
até ao trânsito em julgado da douta decisão que vier a ser proferida na ação comum supra-
identificada (…)”.
Mais alegou, excecionando, o exercício de posse por si e sua mãe sobre o prédio reivindicado, configurando a aquisição originária, por usucapião, e impugnou diversa factualidade e conclusões de direito, concluindo pela improcedência da ação.

Em articulado de resposta, a autora veio pronunciar-se, além do mais, contra a suspensão da presente instância.

Por despacho de 22.02.2023, foi decidido:
“Da requerida suspensão da instância, por causa prejudicial.
Veio o réu requerer a suspensão da instância por pendência de causa prejudicial, a ação declarativa com processo comum, que neste juízo corre termos sob o n.º 1388/21.5T8PVZ.
Alega em suma que a presente ação tem por objeto a reivindicação de um direito de compropriedade sobre prédio urbano, fundado em inscrição registral que tem por causa um contrato de compra e venda. Naqueloutra ação, o ora réu, demanda a ora autora peticionando a declaração de nulidade de tal compra e venda, o cancelamento das inscrições registrais e a reivindicação do direito de propriedade sobre este mesmo prédio a seu favor.
Nos termos do art.º 272.º, n.º 1, do CPC, o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
Uma causa é prejudicial em relação à outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é, quando a procedência da primeira tira razão de ser à existência da segunda” (Alberto dos Reis in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, p. 206).
Em ambas as ações discute-se o direito de propriedade sobre o mesmo prédio, e é mesmo possível configurar os pressupostos da apensação de ações, por estarem reunidos os pressupostos da reconvenção, nos termos dos art.ºs 266.º, n.º 2, alínea d), e 267.º, n.º 1, do CPC.
A decisão de qualquer uma das ações pode impor a sua autoridade de caso julgado sobre a outra, mas não há uma que seja propriamente prejudicial à outra.
Se a autora baseasse o direito que invoca na presente ação exclusivamente na inscrição registral e no contrato que a informa, a discussão sobre a nulidade de tal contrato e o cancelamento do registo poderia configurar-se como prejudicial à presente, mas a autora invoca também a usucapião como fonte de aquisição do direito de propriedade.
Pelo exposto decide-se indeferir a suspensão da instância requerida pelo réu, por pendência de causa prejudicial”.
Tal decisão, notificada às partes, não mereceu, oportunamente, qualquer censura, sem prejuízo do preceituado no n.º3 do art.º 644.º do C.P.Civil.

Realizou-se em 11.05.2023, audiência prévia e foi depois proferido despacho saneador, no âmbito do qual se julgou improcedentes a invocada ineptidão da p. inicial, da ilegitimidade da autora e da simulação da aquisição do prédio pela autora, de onde consta: “3. Da excecionada simulação da aquisição do prédio pela autora.
Alegou o requerido que o contrato de compra e venda pelo qual a autora adquiriu a compropriedade que invoca sobre o prédio é nulo por simulação, sustentando tal asserção no alegado nos art.ºs 74.º, 75.º, 80.º a 82.º, 95.º e 96.º da contestação.
Os pressupostos da declaração de nulidade de um negócio jurídico, por simulação são enunciados no art.º 240.º, n.º 1, do CC, nos termos do qual se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
O primeiro dos pressupostos em análise é uma divergência entre a vontade declarada e a vontade real do declarante. O sentido objetivo da declaração negocial emitida deve ser assim contrário à vontade de quem a emite.
O segundo pressuposto passa pela intencionalidade de tal divergência, ou seja, o declarante representa o contraste entre o que declara e a sua vontade e quer tal divergência.
Em terceiro lugar tal divergência deve decorrer de acordo entre o declarante e o declaratário. Ou seja, previamente à emissão da declaração, o declarante combinou já com
o destinatário desta a divergência entre a sua vontade e aquilo que declara.
Por último, o intuito deste acordo será o de enganar terceiros. Note-se que a lei não exige que haja uma intenção de prejudicar esse terceiro ao negócio, que não obstante é o que ocorre na maioria das circunstâncias, mas basta-se com a mera intenção de iludir.
Ora o réu alega efetivamente que a autora declarou comprar a quota de compropriedade do prédio em divergência com a sua vontade real, o que fez intencionalmente e com acordo dos declaratários no negócio.
O que não resulta alegado é que tal acordo tivesse por intuito enganar ou prejudicar
terceiros, nomeadamente o Banco 1..., que segundo o alegado pelo réu, impôs mesmo a realização do negócio simulado como condição para conceder financiamento.
Assim, é face à própria factualidade alegada que improcede esta exceção.
Pelo exposto decide-se julgar improcedente a exceção perentória de simulação invocada pelo réu”.
Fixou-se o objeto do litígio e elencaram-se os temas de prova.

Inconformado com a decisão supra, dela veio o réu recorrer de apelação, pedindo a sua revogação e a substituição por outra que relegue para final e após produção de prova a decisão sobre a simulação invocada, sem prejuízo de determinar a suspensão dos presentes autos por pendência de causa prejudicial até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida no processo n.º1388/21.5T8PVZ.
O apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
1. Face à questão controvertida que está a ser discutida no processo n.º 1388/21.5T8PVZ, impunha-se (como ainda se impõe) a suspensão dos presentes autos por pendência de causa prejudicial.
2. Mas, face ao indeferimento dessa suspensão, não podia, nem pode, o Tribunal recorrido julgar improcedente a simulação invocada, sem permitir ao recorrente a produção de prova relativamente à arguida simulação.
3. Ao contrário do que o Tribunal recorrido considera, não há diferenças entre o que é aqui discutido e o que é discutido no mencionado processo n.º 1388/21.5T8PVZ, em que são colocadas em crise as validade e eficácia do título (de propriedade) aqui invocado pela recorrida.
4. Não há base legal (nem factual) para que o Tribunal faça improceder a mencionada simulação, vedando ao recorrente a possibilidade de discutir e provar os requisitos de tal questão.
5. Conforme o Tribunal recorrido não pode deixar de saber (porque consultou o aludido processo n.º 1388/21.5T8PVZ), o facto de este último processo já estar em fase de produção de prova e em pleno julgamento impõe-se aos presentes autos, considerando até a prioridade cronológica do processado e do decidido naqueles autos n.º 1388/21.5T8PVZ.
6. A improcedência ora posta em crise desrespeita (sem base legal) o processado e o decidido naqueles autos n.º 1388/21.5T8PVZ, que já devia ter levado à suspensão da instância por pendência de causa prejudicial e que, pelo menos, deve ainda fazer com que a decisão da invocada simulação seja relegada para a douta sentença a proferir a final.
7. No caso vertente, não se podendo falar (ainda) de caso julgado, não pode deixar de se falar em autoridade de caso julgado, que faz com que o decidido no processo n.º 1388/21.5T8PVZ se imponha com força obrigatória e vinculativa nos presentes autos, para mais quanto foi, ab initio, traduzido ao conhecimento do Tribunal recorrido quer a pendência daquele processo, quer, especialmente, os seus contornos e a forma com foi ali configurada a demanda e a verdadeira questão controvertida, que afeta o núcleo essencial e a sustentação do direito que a aqui recorrida tenta fazer valer.
8. O próprio Tribunal recorrido acaba por reconhecer a relevância daquele processo n.º 1388/21.5T8PVZ para os presentes autos ao ter procedido à sua consulta.
9. Impõe-se, pois, a revogação da improcedência da simulação arguida pelo recorrente e a relegação para final do seu conhecimento, sem prejuízo da suspensão por pendência de causa prejudicial, que, por economia processual e para evitar eventuais contradições, se continua a afigurar a opção mais ajustada ao caso vertente, tanto mais que, estando a última sessão do julgamento do processo n.º 1388/21.5T8PVZ agendada para 10.10.2023, é previsível que, aquando da audiência de julgamento dos presentes autos (em 17.01.2024), já tenha sido proferida sentença.
10. Importa ainda referir que a suspensão por pendência de causa prejudicial pode ser ainda suscitada e reapreciada.
11. O douto despacho saneador recorrido viola o disposto nomeadamente nos art.ºs 272.º, 580.º, 581.º todos do CPC.

Não há contra-alegações.

II – Os factos relevantes para a decisão do presente recurso são os que estão enunciados no supra elaborado relatório, pelo que, por razões de economia processual, nos dispensamos de os reproduzir aqui.
E ainda, consta da contestação do réu, além do mais, que:
“(…) 74 – Acresce que os autores nunca quiseram transferir ou alienar para a ré o prédio em causa,
75 - nem a ré o quis adquirir,
76 – a qual não tem a posse, nem a propriedade efetiva do prédio dos autos,
77 - que nunca considerou, nem considera, como seu,
78 - nem alguma vez foi considerado por quem quer que seja como a dona do mesmo,
79 – pois sempre foi público e notório que o prédio era e é dos autores,
80 – e que só não estava em seu nome devido às exigências do banco financiador para deferir o financiamento contratado.
81 - Nenhum dos intervenientes nas escrituras supra identificadas quis vender o que quer que fosse,
82 - nem a ré quis comprar ou deter o que quer que fosse,
83 - não tendo havido o pagamento efetivo de qualquer um dos preços declarados,
84 - que são de valores muito inferiores aos valores reais e de mercado do dito prédio,
85 - que não passa de um arredondamento do valor patrimonial tributário,
86 - sendo certo que, nos vendedores aparentes, formais e simulados, não entrou a contrapartida em dinheiro,
87 - pois o preço foi declarado a fingir,
88 - tal como o declarado pagamento,
89 - que não saiu efetivamente da esfera jurídica dos vendedores aparentes, formais e simulados.
90 - Nem os autores quiseram vender à ré o dito prédio,
91 – nem esta o quis comprar,
92 – nem, subsequentemente, quis alienar quanto a metade a favor do 1.º autor,
93 – até porque nada tinha efetivamente para alienar,
94 – face à transferência meramente aparente da titularidade a seu favor sem estar acompanhada da titularidade efetiva e material.
95 - Verifica-se, assim, que todos os supostos atos supra descritos que conduziram às transferências do prédio dos autos até à integração no património da ré são simulados,
96 - por evidente e insanável divergência entre a vontade real e a declarada,
97 - sendo que os atos supra descritos são nulos por simulação,
98 – contendo declarações não verdadeiras,
99 – tendo em vista a criação de um cenário artificial e fingido que permitisse contornar as regras de concessão do crédito bancário solicitado,
100 - não deixando de saber que, com os seus atos, estavam a desrespeitar tais regras,
101 – que impunham a concessão de crédito bancário apenas a mutuários pares,
102 – e não a um mutuário isolado, como o 1.º autor.
103 – Todos os intervenientes nos mencionados atos e contratos usaram os serviços notariais e registrais e serviram-se da sua função documentadora das vontades negociais dos cidadãos para criarem a aparência de negócios jurídicos, translativos da propriedade,
104 - quando, na verdade, nenhum negócio foi querido pelos intervenientes em tais atos,
105 - ou seja, ninguém quis transmitir o que quer que fosse,
106 - nem alguém quis adquirir o que quer que fosse.
107 – Assim, todos os atos e contratos supra identificados são nulos e de nenhum efeito,
108 - o que aqui expressamente se alega (…)”

Mais resulta do alegado em sede de contestação, que por via da escritura acima exposta, “3. Pela Ap. ... de 2007/06/15 foi inscrita a “Aquisição” desse prédio a favor da embargada BB por “Compra” à embargante e ao embargado AA.
4. Pela Ap. ... de 2007/06/21 foi inscrita a “Aquisição” de ½ desse prédio a favor do embargado AA por “Compra” a BB”.
Mais alega o réu, na mesma peça processual, que: “10 – O mencionado prédio integrou a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do pai do 1.º A. e cônjuge da 2.ª autora, CC,
11 – falecido em 7.09.2016,
12 – de quem os AA. eram (e são) os únicos e universais herdeiros,
13 – conforme escritura pública de habilitação de herdeiros outorgada em 9.01.2007 no Cartório Notarial da Notária DD em Santo Tirso – doc. n.º 2.
14 – Em face de tal falecimento e por causa dele, os AA. tornaram-se os únicos e legítimos proprietários e possuidores do mencionado prédio urbano.
15 - Posteriormente e de modo mera e exclusivamente formal, foi declarado transmitir o mencionado prédio, sob a forma de compra e venda, para a ré,
16 – por escritura pública de compra e venda outorgada em 15.06.2007, no Cartório Notarial da Notária EE, em Santo Tirso – doc. n.º 3 - tendo a ré registado tal aquisição a seu favor pela AP...,
17 – e subsequentemente, da ré, quanto a metade, para o 1.º autor”,
E ainda, mais alega, que: “18 – por escritura pública de compra e venda outorgada em 20.06.2007, no Cartório Notarial da Notária EE em Santo Tirso – doc. nº 4 - tendo sido registado tal aquisição pela AP....
19 – No dia imediatamente seguinte ao desta última escritura pública – 21.06.2007 - foi ainda requerido registo provisório por natureza de hipoteca sobre o mencionado prédio,
20 – que foi posteriormente convertido em registo definitivo,
21 – titulado pela escritura pública de Mútuo com hipoteca outorgada em 29.06.2007, no Cartório Notarial do Notário FF, em Guimarães – doc. nº 5,
22 – para garantia de um financiamento efetuado pelo Banco 1... do valor de 300.000 euros, quanto a capital,
(…)
27 – Importa ainda dizer que a transferência meramente formal da titularidade do prédio teve como objetivo a necessidade de crédito do 1º A.,
28 – para poder recuperar a casa de seus pais, supra identificada”.
E, por fim, ainda alega que: “33 – considerando o carácter meramente aparente da transferência da titularidade sobre o mesmo (prédio).
34 – O 1º autor ficou descapitalizado (…)
35 – e o viu-se forçado a recorrer ao crédito bancário,
36 – contratando o aludido financiamento com o Banco 1...,
37 – que, por política interna e opção do próprio banco, impôs as mencionadas transferências formais de titularidade (que foram feitas num curtíssimo espaço de tempo, evidenciando adicionalmente o seu carácter exclusivamente formal e nunca como efetiva e verdadeira transmissão),
38 – como condição para deferir o financiamento,
39 – e a 2ª autora não queria contrair qualquer financiamento ou figurar como devedora no que quer que fosse.
40 – Este cenário levou autores e ré a aceitarem formalizar as transferências meramente formais da titularidade do prédio”.
Finalmente, consta do art.º 1.º da p. inicial que:
“A A. e o Réu não são casados entre si, mas viveram juntos maritalmente por um período superior a 18 anos em regime de união de facto, passando a coabitar, com comunhão e leito, mesa e habitação desde Setembro de 2002 até Novembro de 2019, e possuem duas filhas em comum, de nome GG, nascida em .../.../2003 e outra de nome HH, nascida a .../.../2018 (…)”.

III – Como é sabido o objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.

Ora, assim sendo e visto o teor das alegações do autor/apelante são questões a apreciar no presente recurso:
1.ª- Da alegada suspensão da instância por pendência de causa prejudicial.
2.ª - Da alegada simulação e do alegado dever de relegar do seu conhecimento para sede de sentença final.

1.ªquestão - Da alegada suspensão da instância por pendência de causa prejudicial.
Depois de se ler atentamente as alegações e conclusões recursórias, é manifesto que o apelante se insurge diretamente quanto à decisão que julgou improcedente a exceção da simulação contratual invocada, todavia, e no dizer do mesmo, o seu desagrado é feito “…sem prejuízo de determinar a suspensão dos presentes autos por pendência de causa prejudicial até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida no processo n.º 1388/21.5T8PVZ” e, ao longo das suas alegações e conclusões recursórias insurge-se concretamente contra o facto de a 1.ª instância não se ter decidido pela suspensão da presente instância, alegadamente por pendência de causa prejudicial, o invocado processo n.º 1388/21.5T8PVZ.
Ora, como é sabido e resulta do preceituado no n.º1 do art.º 272.º do C.P.Civil, “O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”.
Em suma, para que a suspensão da instância possa ser decretada, ao abrigo da primeira parte do art.º 272.º, é necessário, em primeiro lugar, que exista uma outra causa/ação pendente e, em segundo lugar, é necessário que exista entre ambas as ações uma relação de dependência ou prejudicialidade.
Segundo Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3.º, pág. 268 “uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir ou modificar o fundamento ou a razão da segunda…”, esclarecendo ainda que “sempre que numa ação se ataca um ato ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra ação, aquela é prejudicial em relação a esta”.
Entendemos que se pode afirmar a existência de prejudicialidade quando a decisão de uma causa possa afetar e prejudicar o julgamento de outra, retirando-lhe o fundamento ou a sua razão de ser, o que acontece, designadamente, quando “…na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem que ser considerada para a decisão do outro pleito, quando a decisão de uma ação - a dependente - é atacada ou afetada pela decisão ou julgamento emitido noutra”, como se referiu no Ac. do STJ de 29.09.93, ou quando “…numa ação já instaurada se esteja a apreciar uma questão cuja resolução tenha que ser considerada para a decisão da causa em apreço”, cfr. Ac. do STJ de 6.07.2005, ambos in www.dgsi.pt. Ou dito de outra forma, causa prejudicial é aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia. Neste mesmo sentido, escreveram Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, in CPC Anotado, vol. I, pág. 314, que “o nexo de prejudicialidade define-se assim: estão pendentes duas ações e dá-se o caso de a decisão de uma poder afetar o julgamento a proferir noutra; a razão de ser da suspensão, por pendência de causa prejudicial é a economia e a coerência de julgamentos; uma causa é prejudicial à outra quando a decisão da primeira possa destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda”.
Vendo o caso concreto dos autos, temos que pende com o n.º 1388/21.5T8PVZ ação de processo comum intentada por AA, aqui réu/apelante) e II contra BB (aqui autora/apelada), onde também é interveniente principal o Banco 1..., SA, aí peticiona-se que:
“1.º - Declarar-se nulo e de nenhum efeito as escrituras públicas supra-identificadas em 16 e 17 do presente articulado.
2.º - Ordenar-se o cancelamento no registo predial das inscrições AP... e AP....
3.º Declarar e reconhecer os AA. como únicos e exclusivos proprietários e possuidores do prédio identificado em 1 do presente articulado”.
Dúvidas não há essa ação se reporta ao prédio em causa nos presentes autos e que nessa ação pretendem os aí autores que se julguem nulas as escrituras públicas (por simulação) que transmitiram a propriedade desse bem do ora apelante e sua mãe para a ora apelada e posteriormente a transmissão pela ora apelante de ½ indivisa do mesmo para o apelante e, consequentemente se ordene o cancelamento das respetivas inscrições registrais de aquisição decorrentes desses negócios, declarando-se os aí autores como únicos e exclusivos proprietários e possuidores de tal imóvel.
Mas, como bem se referiu na decisão que indeferiu a requerida suspensão da presente instância por causa prejudicial, na presente ação a autora/apelada, funda o seu pedido reivindicatório de metade indivisa de tal imóvel não só na inscrição de tal direito a seu favor, cfr. art.º 7.º do CRP, fundada na aquisição derivada – contratos de compra e venda referidos) mas ainda na aquisição originária da propriedade do bem fundada na posse, cfr. art.º art.º 1268.º n.º1 do C.Civil, ou usucapião.
Considerando o juízo de prejudicialidade que preside à verificação do pressuposto da suspensão da instância, ou seja, a existência de prejudicialidade que se verifica quando a decisão de uma causa possa afetar e prejudicar o julgamento de outra, retirando-lhe o fundamento ou a sua razão de ser, entendemos que tal não se verifica no caso concreto, pois que a decisão que venha a ser proferida naquela ação, ainda que na sua procedência total, não retira todo o fundamento ou a razão de ser da presente ação.
Logo, e sem necessidade de outros considerandos, nenhuma censura nos merece a decisão proferida em 1.ª instância que não decretou a suspensão da presente instância por existência de causa prejudicial.
Improcedem as respetivas conclusões do apelante.

2.ªquestão - Da alegada simulação e do alegado dever de relegar do seu conhecimento para sede de sentença final.
Como se viu, veio o réu/apelante invocar que o prédio urbano constituído por casa de quatro andares e quintal, sito na Rua ..., da freguesia e concelho de Vila do Conde, inscrito na matriz predial respetiva sob o art.º ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde na descrição ... integrou a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do seu pai - CC - falecido em 7.09.2016 e de foram os únicos e universais herdeiros, ele próprio e sua mãe, conforme respetiva escritura pública de habilitação de herdeiros de 9.01.2007.
Mais alega que, “de modo mera e exclusivamente formal”, ele e a sua mãe outorgaram a escritura pública de compra e venda outorgada em 15.06.2007, no Cartório Notarial da Notária EE, em Santo Tirso, onde declararam transmitir o referido prédio, sob a forma de compra e venda para a ré/apelada, a qual registou tal aquisição a seu favor. Posteriormente, por escritura pública de compra e venda outorgada em 20.06.2007, no mesmo Cartório, a ré/apelada declarou vender, ao apelante, que declarou comprar, metade daquele mesmo imóvel.
Mais alegou o apelante que “as transferências meramente formais da titularidade do prédio teve como objetivo a necessidade de crédito” ou seja, teve como objetivo o mesmo poder dar em garantia de crédito bancário de que estava necessitado aquele seu direito a metade do imóvel, o que aliás se veio a concretizar no dia 29.06.2007 por escritura pública de mútuo com hipoteca e para garantia de um financiamento que lhe foi efetuado pelo Banco 1... no valor de 300.000 euros, mais dizendo ainda que foi “por política interna e opção do próprio banco, impôs as mencionadas transferências formais de titularidade, como condição para deferir o financiamento”. E termina, dizendo que foi por via desta imposição do banco para a concessão do crédito que tanto ele, como a sua mãe e a apelada “aceitarem formalizar as transferências meramente formais da titularidade do prédio”. Sendo certo que a apelada “nada pagou aquando da aquisição de tal prédio, e que apenas disponibilizou o seu nome para deter o prédio em causa devido ao circunstancialismo supra referido”. A apelada “nunca quis comprar o aludido prédio urbano”, sendo que nem o apelante nem a sua mãe “nunca quiseram transferir ou alienar para a apelante o prédio em causa”. Em suma, “nenhum dos intervenientes nas escrituras supra-identificadas quis vender o que quer que fosse, nem a apelada quis comprar ou deter o que quer que fosse”, nem a apelada “subsequentemente, quis alienar quanto a metade a favor do apelante”.
Preceitua o art.º 240,º do C.Civil que:
“1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
2. O negócio simulado é nulo”.
O desvalor jurídico do negócio simulado é a nulidade por não corresponder à vontade das partes, cfr. art.º 240.º n.º 2 do C.Civil, pois que os efeitos que as partes pretendem atingir com o negócio jurídico que celebram, deve estar sempre em sintonia com a vontade de quem desse negócio se serve para satisfazer os seus interesses. Por isso mesmo, quando a declaração de vontade negocial se encontra viciada quer por erro dolo coação ou simulação, conforme a gravidade desse vício a lei prescreve para o mesmo a nulidade ou a anulação do negócio.
A simulação, que é o vício a vontade que aqui interessa analisar, é absoluta ou relativa. Na simulação absoluta as partes não quiseram realizar nenhum negócio.
Tratando-se, porém, de simulação relativa, manda-se aplicar ao negócio dissimulado, que está em harmonia com a vontade das partes, “o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado”, cfr. art.º 241.º n.º1 do C.Civil. Mas se “o negócio dissimulado for de natureza formal, só é válido se tiver sido observada a forma exigida por lei”, cfr. art.º 241.º, n.º 2 do C.Civil.
Refere Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, pág. 413 que: “A vontade negocial, vontade do conteúdo da declaração ou intenção do resultado (Geschäftswille) - consiste na vontade de celebrar um negócio jurídico de conteúdo coincidente com o significado exterior da declaração. É uma vontade efetiva correspondente ao negócio concreto que apareceu exteriormente declarado”.
E como se vê, a lei estabelece três requisitos, cumulativos, para verificação da simulação:
- o pacto simulatório entre o declarante e o declaratário;
- a divergência intencional entre o sentido da declaração e os efeitos do negócio jurídico simuladamente celebrado;
- o intuito de enganar terceiros (animus decipiendi).
Com a intenção de enganar terceiros pode ou não cumular-se a de prejudicar outrem (animus nocendi).
Quando, além da intenção de enganar, haja a de prejudicar, a simulação diz-se fraudulenta. Se existe só animus decipiendi, a simulação é inocente.
In casu”, o réu/apelante invoca a simulação absoluta dos supra aludidos contratos de compra e venda, mas como bem se aponta na decisão recorrida “…o réu alega efetivamente que a autora declarou comprar a quota de compropriedade do prédio em divergência com a sua vontade real, o que fez intencionalmente e com acordo dos declaratários no negócio. O que não resulta alegado é que tal acordo tivesse por intuito enganar ou prejudicar terceiros, nomeadamente o Banco 1..., que segundo o alegado pelo réu, impôs mesmo a realização do negócio simulado como condição para conceder financiamento”.
Em suma, e no dizer do réu/apelante, ele, a sua mãe e a própria autora/apelada não pretenderam vender o prédio em apreço, nem o direito a metade do mesmo, nem a autora/apelada, nem o réu/apelante pretenderam comprar tal imóvel ou metade indivisa do mesmo, nem ninguém pagou ou recebeu qualquer preço pela efetivação de tais negócios. O que todos quiseram foi apenas dar as condições alegadamente impostas ao réu/apelante por determinada instituição bancária para lhe conceder determinado crédito de que necessitava.
Ora, se tal assim sucedeu, ocorreu divergência entre as vontades reais e as vontades declaradas, emergentes de um pacto alcançado entre todos nesse sentido, mas inexistiu um qualquer intuito de enganar terceiros (animus decipiendi), antes a vontade de, ao assim agirem, darem ao réu/apelante as condições que a instituição bancária, alegadamente, lhes impôs para a concessão do almejado crédito àquele.
Pelo que não tendo sido alegada, e antes pelo contrário infirmada pelo que foi invocado, a existência da intenção de enganar terceiros, manifesto é de concluir, neste momento processual, pela manifesta improcedência da invocada simulação absoluta dos supra referidos contratos de compra e venda.
Improcedem as respetivas conclusões do apelante, havendo de se confirmar a decisão recorrida.

Sumário:
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IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar as presentes apelação improcedente, confirmando-se decisão recorrida.
Custas pelo réu/apelante.

Porto, 2024.01.16
Anabela Dias da Silva
João Proença
Maria Eiró