Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3542/23.6T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DUARTE TEIXEIRA
Descritores: COMPENSAÇÃO
FACTOS ILÍCITOS DOLOSOS
Nº do Documento: RP202405233542/23.6T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO PARCIAL
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A compensação é uma forma de extinção das obrigações que depende da vontade do credor e deve ser invocada antes de se completar o prazo de prescrição.
II - Mas, nos termos do art. 850º, do CC o momento inicial desse prazo só se inicia quando a compensação puder ser exercida.
III - A compensação não pode ser invocada quanto a factos ilícitos dolosos.
IV - A condenação como litigante de má fé, desde que dolosa, assume essa natureza pelo que a quantia resultante dessa multa não pode ser compensada com um crédito de custas anterior.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 3542/23.6T8PRT-A

Sumário

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1. Questão prévia

Invocou a embargante a questão da inadmissibilidade do recurso com o argumento de que o valor da sucumbência é de apenas 2.244,00€.

Respondeu a apelante no sentido negativo e o recurso foi admitido no tribunal a quo.

E bem, porque o valor da sucumbência corresponde à determinação da medida em que uma decisão judicial é desfavorável, aferida pelo valor económico processualizado nos autos.

Ora, se é certo que a parte perdeu a sua pretensão apenas no valor de 2.244,00 euros, desse mesmo valor retirava logo consequências no seu requerimento inicial pretendendo que (art.  d) requerimento inicial[1]) a título de juros já vencidos, lhe fosse liquidada uma quantia superior a 900 euros.

Logo, o valor económico pedido implica um decaimento superior a metade da alçada do tribunal recorrido, ou seja, 2500,00 euros, a título de capital e juros vencidos antes da instauração da acção.

Pois, neste caso os juros referidos assumem a natureza de vencidos e por isso não estamos perante a previsão do artº 297º nº2 2ª parte CPC que dispõe “quando, como acessório do pedido principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos”. [2]

E, por isso, o recurso é admissível, nos termos do art. 629.º, n.º 1, do CPC, que dispõe “O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa”.


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2. Relatório

Nos autos principais intentados por AA E BB contra CC e mulher, foi alegado, no requerimento executivo que:

1.º- Por sentença proferida a 08/06/2020 no âmbito do processo 3690/19.7T8VNG – Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 3 (Tribunal Judicial da Comarca do Porto), foi a Executada condenada na ação e, consequentemente, nas respetivas custas de parte e encargos processuais conforme resulta do mesmo, tendo posteriormente tal sentença sido confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, e Supremo Tribunal de Justiça em 28/01/2021 e 17/06/2021 respetivamente.

2.º- Em conformidade com os doutos arestos os Exequentes apresentaram tempestivamente a respetiva nota discriminativa de custas de parte nos termos do Regulamento das Custas processuais, em 29/06/2021 com o requerimento com a ref.ª 29335274.

3.º- As custas de parte da responsabilidade dos Executados somam o total de 2.805,00€, que não mereceram qualquer oposição por parte dos Executados CC e DD.

5.º- De igual modo foram os Executados condenados por sentença judicial transitada em julgado como litigantes de má-fé.

6.º- Por despacho de 11/10/2021 registado no Citius sob a ref.ª 428726662, foi liquidada pelo valor de 3.000,00€ a título de indemnização por litigância de má-fé, tendo transitado a 25/10/2021.

7.º- Até à presente data os responsáveis pelas custas de parte e indemnização por litigância de má-fé, que totaliza o valor global de 5.805,00€ não procederam ao pagamento, por isso, os Exequentes intentam a presente ação executiva para reclamar coercivamente as custas de parte e indemnização, sendo este o meio próprio para o fazer.

8.º- Assim, o crédito dos exequentes é legitimo, exigível e líquido no valor 5.805,00€.

9º- A este montante acrescem juros de mora e compulsórios vencidos e vincendos à taxa legal.

            Os executados vieram deduzir requerimento de oposição à execução nos termos do qual, invocaram que : “os executados têm créditos a título de custas de parte doutros processos que nunca foram pagos pelos exequentes, anteriores à NOTA destes autos, invocando desde já o instituto da compensação, usando-o, sendo que, é de ser aplicado o disposto na alínea h) do artigo 729.º do Código de Processo Civil, a compensação de créditos pode ser invocada na oposição à execução até ao limite do crédito exequendo, sendo bastante para o efeito que estejam satisfeitos os requisitos materiais do artigo 847.º do Código Civil, sem que se exija, porém, que o contracrédito invocado esteja judicialmente reconhecido.

Nesta matéria a título de Capital + juros são credores da quantia de €4.903,76, pelo que pedem que seja verificada a inexigibilidade/extinção-compensação parcial da obrigação exequenda.

Regularmente notificados vieram os requeridos invocar o decurso do prazo de prescrição.

Foi proferido saneador sentença que, após sanear o processo, julgou parcialmente procedentes os presentes embargos de executado, determinando a procedência parcial da excepção, sendo o capital em dívida fixado na quantia de €3.895,51, prosseguindo agora a execução apenas para pagamento da quantia de €3.895,51 (de capital), acrescida dos respetivos juros moratórios vencidos e vincendos, à referida taxa legal, até integral pagamento, bem como os respetivos juros compulsórios.

Inconformados vieram os executados interpor recurso, o qual foi admitido como de apelação autónoma, a subir imediatamente, nos próprios autos deste apenso e com efeito meramente devolutivo, por não haver justificação para o efeito suspensivo - cfr. os arts. 139.º, n.º 5, 627.º, 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 637.º, 638.º, n.º 1, 639.º, 640.º, 641.º, 644.º, n.º 1, al. a), 645.º, n.º 1, al. a), 647.º, n.ºs 1 e 4, 852.º e 853.º, n.º 1, todos do CPC.


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2.1 Foram apresentadas as seguintes conclusões

a) O Tribunal a quo fez uma análise dos factos e inerente aplicação da lei de feição certa, todavia só PARCIALMENTE, razão do presente recurso.

b) Da ANÁLISE DOS FACTOS e APLICAÇÃO da LEI O Tribunal a quo teve de decidir se os aqui executados/embargantes são responsáveis ou não pelo pagamento das quantias pedidas e, na afirmativa, em que termos, desde logo devendo ter-se em conta que os exequentes/embargados invocaram o instituto da PRESCRIÇÃO para que a COMPENSAÇÃO invocada e àqueles declarada não vingasse.

c) Os exequentes liquidaram a quantia de capital em dívida de €5.805,00, pediram também os juros de mora e compulsórios legais, sendo que, os executados/embargantes vieram dizer que queriam compensar parte de tal valor com um contra crédito global de €4.029,00 (capital: €408,00+€1.836,00+€1.785,00), por custas de parte em três processos diversos já referidos supra e com as datas de consolidação assentes, crédito que tinham sobre os exequentes, sendo os juros decorrência, não se deixa de referenciar, sabendo-se que a compensação de créditos verifica-se por simples declaração de uma das partes à outra, o que pode suceder por via extrajudicial ou por via judicial, sendo um negócio jurídico unilateral, com a natureza de um direito potestativo extintivo.

d) Decidiu o Tribunal a quo que se verifica uma causa impeditiva do direito alegado pelos exequentes no requerimento executivo/título, executivo – a compensação de créditos a favor dos executados, impondo-se apenas o pagamento do remanescente que for devido. É igualmente de considerar que a exceção da compensação invocada pelos executados carecia necessariamente de ser invocada para poder ser aqui atendida, não estando precludido tal meio de defesa/exceção. O crédito invocado pelos executados baseia-se em válido título executivo (por custas de parte-notificadas, reclamadas e consolidadas), estava já vencido e foi reconhecido no citado processo judicial e era já judicialmente exigível. É também de referir que a compensação de créditos a favor dos executados operou e consumou-se pelo menos com a notificação para a contestação destes embargos, tornando-se há muito efetiva. Por força da compensação de créditos invocada e há muito consumada, estando verificados os pressupostos legais, verifica-se um facto extintivo da obrigação aqui exigida, nos termos do disposto nos arts. 729.º, als. e), g) e h), do CPC, acarretando a inexigibilidade da obrigação exequenda, quanto ao valor do contracrédito.

e) O Tribunal a quo reconheceu apenas o contracrédito invocado pelos executados de €1.785,00 (capital), acrescido dos respetivos juros moratórios (4%) e juros compulsórios (2,5%-parte dos executados)-ambos desde 18/01/2022 e até 13/02/2023-, num total de €124,48, operando a respetiva compensação entre os mesmos, em termos similares ao que foi já antes efetuado pelos executados, deve o crédito exequendo considerar-se extinto em tal parte e até tal valor global de €1.909,48 (€1.785,00+€124,48), tal como em parte foi invocado nestes embargos de executado, impondo-se apenas o pagamento da quantia remanescente de €3.895,51 (capital), 06/10/2021, ou seja, admitiu decidindo estar o demais invocado pelos executado prescrito, sendo  o prazo de prescrição de 5 anos, conseguindo os embargantes apenas que lhes fosse dada razão no processo n.º 864/18.1T8VFR, no qual os aqui Executados/Embargantes apresentaram a sua nota discriminativa de custas de parte onde peticionavam o pagamento de 1785,00€ aos Exequentes/Embargados, ficando tal nota de custas de parte consolidada em tal processo a partir de 18/01/2022, acrescida dos respetivos juros moratórios e dos juros compulsórios às taxas legais.

B) Uma vez declarada, a compensação produz efeitos não a partir da data da declaração, mas sim a partir da data em que os créditos se tornaram compensáveis, ou seja, desde a data em que se verificaram os requisitos da compensação, o artigo 854.º do C.C. é claro a esse respeito, ao prescrever que "feita a declaração de compensação, os créditos consideram-se extintos desde o momento em que se tornaram compensáveis". Em consonância com a regra da retroatividade dos efeitos da declaração de compensação contida no artigo 854.º, o artigo 850.º do C.C. estabelece que "o crédito prescrito não impede a compensação, se a prescrição não podia ser invocada na data em que os dois créditos se tornaram compensáveis". Deste modo, o momento relevante para efeitos de prescrição (no que à compensação diz respeito) não é a data em que a declaração de compensação emitida por uma das partes chega ao conhecimento ou é conhecida da outra, mas sim a data em que os dois créditos se tornaram compensáveis, como ainda recentemente foi decido pelo STJ no acórdão de 24.5.2006, e esse momento não é, a data em que o crédito compensante é exigido em juízo, mas sim, e como já foi dito, a data em que o seu crédito e o crédito da ré se tornaram compensáveis. Como decorre do disposto no n.º 1 do artigo 847.º do C.C., os créditos tornam-se compensáveis quando duas pessoas se tornam reciprocamente credor e devedor, verificados que sejam os outros requisitos previstos nas alíneas a) e b) do referido n.º 1, ou seja, desde que o crédito do compensante seja exigível judicialmente, desde que contra ele não proceda exceção, perentória ou dilatória, de direito material (alínea. a)), e desde que as duas obrigações tenham por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade (alínea b)). Por outras palavras, os créditos tornam-se compensáveis quando as duas partes ficam simultaneamente credoras e devedoras uma da outra e esse momento tem a ver com a data de constituição dos respetivos direitos e não com a data em que os mesmos são judicialmente reclamados.

C) O crédito dos executados/embargantes com respeito ao processo 4374/09.0TBVFR, a título de custas de parte no montante de €408,00 apesar de estar prescrito não obsta a que a compensação possa operar, dado que, termos do artigo 850.º do C.C., "[o] crédito prescrito não impede a compensação, se a prescrição não podia ser invocada na data em que os dois créditos se tornaram compensáveis", a tal não obstando a iliquidez dos créditos nem a circunstância de não serem do mesmo montante (art.º 847.º, n.os 2 e 3 do C.C.),

b) O crédito dos executados/embargantes com respeito ao processo 1368/14.7, a título de custas de parte no montante de €1.836,00 apesar de estar prescrito não obsta a que a compensação possa operar, dado que, termos do artigo 850.º do C.C., "[o] crédito prescrito não impede a compensação, se a prescrição não podia ser invocada na data em que os dois créditos se tornaram compensáveis", a tal não obstando a iliquidez dos créditos nem a circunstância de não serem do mesmo montante (art.º 847.º, n.os 2 e 3 do C.C.),

D) Normas jurídicas violadas artigos 847.º e 848.º do C. Civil.


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2.2. A parte contrária contra-alegou nos seguintes termos, cujo restante teor se dá por reproduzido: (…)

7.º Entendem os Embargantes/Recorrentes, que deverá ser aplicado aos autos o art. 850º do C.C., o que não se concorda.

8.º Efetivamente, desde 2013 e 2017 (datas dos créditos não compensados pelo Tribunal a quo, e que considerou prescritos) que os Recorrentes nada fizeram para cobrar os seus créditos, nada exigiram, não instauraram qualquer acção executiva e apenas quando os Recorridos instauraram acção executiva para cobrar os seus créditos vieram alegar a existência de créditos contra os Recorridos.

9.º O instituto da prescrição visa sancionar exatamente a inércia do credor na obtenção do seu crédito, pelo que, o alegado crédito de 408,00€ remonta a 2013, e o alegado crédito de 1.836,00€ remonta a 2017 há muito que se encontram prescritos ainda antes de a compensação poder ser operada.

10.º Pelo que, não assiste razão aos Recorrentes neste entendimento, devendo, por isso, de improceder as suas alegações de recurso por falta de fundamento legal e de facto.

11.º E execução da qual os presentes Embargos são apensos dizem respeito à cobrança de um crédito de custas de 2.805,00€ de parte e outro de indemnização por litigância de má-fé de 3.000,00€, ambos acrescidos de juros de mora e compulsórios, ditados no âmbito no mesmo processo.

12.º Basta uma análise à génese dos créditos dos Embargantes/Recorrentes para perceber que o seu crédito de custas de parte não tem a mesma espécie e qualidade que o crédito dos Embargados/Recorridos, nomeadamente, o crédito de indemnização por litigância de má-fé, requisito essencial para que a compensação pudesse operar (conforme dispõem o art. 847/1/b do CC)


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3. questões a decidir:

1. determinar se os créditos invocados, na parte improcedente da compensação, se encontram ou não prescritos.

2. Caso necessário determinar se mesmo assim a compensação pode produzir efeitos.


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5. Motivação de facto

1. Por sentença proferida a 08/06/2020 no âmbito do processo 3690/19.7T8VNG – Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 3 (Tribunal Judicial da Comarca do Porto), foi a Executada condenada na ação e, consequentemente, nas respetivas custas de parte e encargos processuais conforme resulta do mesmo, tendo posteriormente tal sentença sido confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, e Supremo Tribunal de Justiça em 28/01/2021 e 17/06/2021 respetivamente.

2. Os Exequentes apresentaram tempestivamente a respetiva nota discriminativa de custas de parte nos termos do Regulamento das Custas processuais, em 29/06/2021 com o requerimento com a ref.ª 29335274.

3.  As custas de parte da responsabilidade dos Executados somam o total de 2.805,00€,

4. Os Executados condenados por sentença judicial transitada em julgado como litigantes de má-fé e por despacho de 11/10/2021 registado no Citius sob a ref.ª 428726662, foi liquidada pelo valor de 3.000,00€ a título de indemnização por litigância de má-fé, tendo transitado a 25/10/2021.

5. A conduta que deu causa a essa condenação assume natureza dolosa “Deve ser condenado como litigante de má fé o réu que comparticipou na prática dos factos constitutivos da simulação negocial e que, contra a verdade, alegou, conscientemente, matéria de facto diferente, em ordem a evitar a procedência da ação” (extracto da decisão do TRP constante das certidões juntas ao apenso execução de setença, cujo restante teor se dá por reproduzido).

5. Correu o processo 4374/09.0TBVFR, no 4.º Juízo Cível do extinto Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, os ora executados foram absolvidos, foram os ora exequentes notificados através do seu mandatário, nesses autos, o Ex.mo Sr. Dr. EE, advogado, com procuração com poderes gerais e especiais para receber custas de parte, através de fax c/sucesso no relatório, enviado para o ...90, no dia 6.12.2013, nota discriminativa e justificativa no montante de €408,00.

6. Correu o processo 1368/14.7TJVNF no extinto Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, 2.ª Seção Cível – J2, os ora executados foram absolvidos, foram os ora exequentes notificados da nota discriminativa e justificativa por carta de 7.09.2017, no montante de €1.836,00.

7. Correu o processo 864/18.1T8VFR no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira, os ora executados foram absolvidos, foram os ora exequentes notificados da nota discriminativa e justificativa por cartas registadas (simples) de 6.10.2021, no montante de 1785 euros, conforme certidões juntas em 7.12.23, cujo restante teor se dá por integralmente reproduzido.

8. A presente oposição foi intentada em 18.4.23, na qual os apelantes invocaram a existência do direito de compensação.


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6. Motivação de direito

A primeira questão suscitada diz respeito ao momento em que a compensação deve ser efectuada.

Esta questão merece uma clara resposta da letra da lei e já foi objecto de várias decisões deste tribunal.[3]

A compensação é uma forma de extinção das obrigações em que, no lugar do cumprimento o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor (art. 847.º do CC).

         Conforme é pacifico entre nós este instituto não é automático mas potestativo, porque depende de uma declaração de vontade do titular do crédito secundário[4].

         Isso é o que decorre do art. 848º, nº1, do CC nos termos do qual, uma vez preenchidos todos os requisitos da compensação e não se verificando nenhuma causa legal de exclusão da mesma, é ainda necessário para que a compensação legal produza os seus efeitos, que o credor que pretende compensar manifeste essa vontade mediante uma declaração (artigo 848.º, n.º1 do Código Civil), que pode ser feita judicialmente, através de notificação avulsa (artigos 219.º, n.º2 e 256.º do Código do Processo Civil), ou extrajudicialmente (artigo 217.º do Código Civil), e que esta chegue ao conhecimento do compensado (artigo 224.º, n.º1 primeira parte do Código Civil).

A exigência de uma declaração de vontade para que a compensação se efective significa que esta não opera automaticamente[5]. Mas uma vez efectuada essa comunicação a compensação produz efeitos de forma retroactiva nos termos do art. 854.º do Código Civil.

Logo, é evidente que apesar de operar retroactivamente é necessário não apenas que seja invocada, mas que essa invocação ocorra antes de se ter completado o prazo da prescrição.

Isso é o decorre expressamente do artigo 847.º, n.º 1, a) do CC).

Nestes termos (a compensação) “só produz efeito se o crédito for exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção, peremptória ou dilatória, de direito material”.[6]

Ora, in casu, quanto aos dois créditos sob recurso, vemos que estes se constituíram em 2013 e 2017, e que os mesmos só foram invocados em 2023.

Logo muito para lá do decurso do prazo de prescrição aplicável de 5 anos (art.º 37.º, n.º 1, do RCP).

Improcedem, pois, as conclusões quanto a esta questão.


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2. Da aplicação do art. 850º, do CC.

O art. 850º, do CC dispõe que “O crédito prescrito não impede a compensação, se a prescrição não podia ser invocada na data em que os dois créditos se tornaram compensáveis”.

A data em que os créditos se tornaram compensáveis é “o momento em que as partes se tornaram simultaneamente credora e devedora uma da outra”[7], conforme decorre do art. 854º, do CC.

Por isso, “o crédito prescrito só não pode ser objeto de compensação quando a prescrição já podia ser invocada no momento em que se tornou compensável (art.º 850º do Código Civil), pelo que não estando prescrito o crédito quando o contrato de trabalho cessou, embora estivesse prescrito quando foi apresentada reconvenção em que é pretendida a compensação de créditos, a prescrição entretanto ocorrida não obsta à compensação[8]

A razão teleológica dessa norma é apenas deslocar o termo inicial do prazo de prescrição da data do nascimento de um dos créditos, para a data em que a compensação nasceu e poderia ser invocável.

Basta dizer que o nosso código adotou, um modelo de compensação o qual depende da vontade da parte.[9]

Como salienta Menezes Cordeiro[10], “Enquanto que no sistema ipso iure (matriz francesa) a compensação opera automaticamente sem atender à vontade das partes, o nosso sistema (matriz alemã) atribui relevância à vontade do credor, permitindo-lhe decidir com base na gestão do seu património se pretende ou não compensar, sem que isso signifique retirar ao momento da compensabilidade o marco para a aplicação do instituto”.

Daí decorre, portanto, que neste modelo é necessário efectuar uma adequação entre o início do prazo de prescrição e o momento em que a compensação pode ser exercida, a qual por congruência sistemática implica que, de facto, o prazo inicial da prescrição (se ainda não se tiver iniciado), se inicie dessa segunda data.

Isto, porque as razões especificas do instituto assim o exigem.

Bastará referir que efectuada a declaração de compensação, os créditos consideram-se extintos desde o momento em que se tornaram compensáveis (art. 854.º do Código Civil). A declaração de compensação tem efeitos retroactivos desde o momento em se encontraram preenchidos todos os requisitos necessários à compensação.

Temos, pois, que no caso presente que a data do inicio do prazo de prescrição é pois, a da apresentação do requerimento na primeira acção e a da data do trânsito da condenação relativa à litigância com má fé, ou seja:

a) 29/06/2021 com o requerimento com a ref.ª 29335274.

b) e do despacho de 11/10/2021 quanto à litigância de má fé.

Portanto, o crédito relativo ao processo 1368/14.7TJVNF foi constituído em 7.09.2017, e era compensável apenas em 2021, pelo que nessa data ainda não se tinha completado o prazo de prescrição de 5 anos.

Deste modo, a pretensão dos apelantes seria parcialmente procedente quanto a esse crédito no valor de 1.836,00€.


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3. Da excepção quanto à quantia relativa à condenação como litigante de má fé.

Porém, o art. 853.º, do CC dispõe que “1. Não podem extinguir-se por compensação:

a) Os créditos provenientes de factos ilícitos dolosos”.

Esta norma não impõe que o facto ilícito seja de natureza extra-contratual ou neste caso processual.[11]

O Tribunal Constitucional, (ac. nº 535/01, de 5/12) já se pronunciou positivamente sobre a adequação dessa norma com o artigo 13º, nº 1, da CRP,

In casu, os apelantes foram condenados como litigantes de má fé, sendo que o Ac da RP (último que apreciou materialmente essa questão) e que consta dos factos provados escreveu: “As ações dos 2ºs RR. preenchem claramente, a título de dolo, os fundamentos da  litigância de má fé previstos nas al.s a) e b) do nº 2 do art.º 542º do Código de Processo Civil: a dedução de oposição cuja falta de fundamento não deviam ignorar, assim como a alteração da verdade relativamente a factos relevantes, mesmo essenciais e pessoais, para a decisão da causa”.

Acresce que essa sanção visa, precisamente sancionar um comportamento ilícito gerador de danos praticado no âmbito processual e por isso com natureza delitual, extra-contratual[12]. Porque, note-se a simples invocação da compensação iria dificultar o pagamento da indemnização e  obstar ao seu conteúdo sancionatório que visa, também proteger valores sociais.[13]

         Logo, não podem os apelantes, quanto a essa verba, exercer qualquer direito de compensação ainda que não prescrito.


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         4. Conclusão

          Pelo exposto, conclui-se que se completou o prazo de prescrição quanto ao crédito resultante do processo 374/09.0TBVFR.

         O crédito do processo nº 1368/14.7TJVNF não pode ser compensado nos termos expostos quanto à quantia relativa à condenação como litigante de má fé.

         Operando a sua compensação quanto à restante quantia exequenda temos que o valor desse crédito é de €1.785,00 + 2142 = 3926 euros e que a quantia exequenda compensável é de apenas 2.805,00€, e que a mesma implica a extinção do capital, juros e acessórios na parte compensada.

A apelação é, pois, procedente, nesta parte e nenhum efeito na restante, pois, essa indemnização não poderá ser objecto de compensação.


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         6. Deliberação

         Pelo exposto este tribunal julga o recurso parcialmente provido e, por via disso, determina que a quantia exequenda excutível seja reduzida a três mil euros relativa à condenação como litigante de má fé, acrescida de juros de mora e compulsórios vencidos e vincendos à taxa legal, desde a data peticionada.


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         Custas a cargo de ambas as partes na proporção do seu decaimento que se fixa em 1/3 para os apelados e 2/3 para os apelantes, tendo em conta que o ganho de causa destes é de 895, 51 euros de capital.

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Porto, 23/5/2024
Paulo Teixeira
António Carneiro
Paulo de Vasconcelos


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[1] Onde se alega: “PROCESSO 4374/09.0TBVFR JUROS DE MORA (4%) – DESDE 20.12.2013 ATÉ 13.02.2023 - €408,00 = €149,43 JUROS COMPULSÓRIOS (2,5% + 2,5%) – DESDE 29.09.2013 ATÉ 13.02.2023 – €408,00= €191,37 PROCESSO 1368/14.7TJVNF JUROS DE MORA (4%) – DESDE 21.09.2017 ATÉ 13.02.2023 = €402,21 JUROS COMPULSÓRIOS (2,5% + 2,5%) – DESDE 21.09.2017 ATÉ 13.02.2023 – €1.836,00 = €495,72 PROCESSO 864/18.1T8VFR JUROS DE MORA (4%) – DESDE 18.10.2021 ATÉ 13.02.2023 - €1.785,00 = €257,29 JUROS COMPULSÓRIOS (2,5% + 2,5%) – DESDE 29.09.2021 ATÉ 13.02.2023 – €1.785,00 = €121,75 TOTAL: €874,76.
[2] Neste sentido Ac do STJ de 20.9.23, nº 1268/06.4TBEPS.G1-A.S1 (Maria José Tomé), Ac da RL de 14.12.17, nº 78383/15.3YIPRT-A.L1-6 (Maria Correia).
[3] Ac da RP de 125.2.2021, nº 4770/14.5T8PRT (Paulo Teixeira), mesmo relator que nesta parte seguimos de perto; Ac da RP de 8.7.2015 nº 19412/14.6YIPRT-A.P1 (Carlos Querido); Ac da RP de 18.1.2021, nº 324/14.0TTVNG-D.P1 (Nelson Fernandes).
[4] Cfr entre outros, Ac STJ de 1.7.2014, nº 11148/12.9YIPRT-A.L1.S1.
[5] Cfr. Isabel Moutinho de Figueiredo, A compensação como garantia das obrigações, “O Direito”, Ano 139.º, 2007, II, Almedina, p. 403.
[6] Supra citado aresto da RP de 8.7.2015.
[7] Ac do STJ de 6.7.2006, nº 06S1067 (Sousa Peixoto), Ac do STJ de 15.3.2012, nº 653/08.1TTLSB.L1.S1 (Pinto Espanhol)/laboral.
[8] Ac da RP/laboral de 29.1.2024, nº 546/23.2T8OAZ.P1 (António Carvalhão).
[9] Cfr. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, Tomo IV, 2010, Almedina, Pág. 423-425.
[10] Desta vez em, Da Compensação no Direito Civil e no Direito Bancário, Almedina, 2003, p. 133.
[11] Ac do STJ de 11.1.21, 2226/07 – 7TJVNF.P1.S1 (Sebastião Póvoas).
[12] Entre vários o Ac do STJ de 13.7.21, nº 1255/13.6TBCSC-A.L1-A.S1 (Luís Espírito Santo). Defendendo a integração da figura na modalidade de “processualização da noção de abuso de direito”, obtemos o mesmo resultado referente à ilicitude da conduta que aliás é pluriofensiva por lesar fins privados e estaduais referentes à boa administração da justiça.
[13] O Ac do TRG de 30.10.08, nº 1541/08-1 (Rosa Tching) chegou a diferente conclusão, mas apenas, porque concluiu, que no caso concreto, não se podia determinar se a conduta da litigância tinha sido dolosa.