Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7906/00.5TVPRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALEXANDRA PELAYO
Descritores: ABUSO DO DIREITO
PRESCRIÇÃO
ILIQUIDEZ DO CRÉDITO
Nº do Documento: RP202311217906/00.5TVPRT-B.P1
Data do Acordão: 11/21/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Por razões de segurança e de certeza jurídicas, em princípio, o prazo prescricional não pode ser interrompido por mais do que uma vez.
II - Ocorre uma situação típica de abuso do direito (art. 334º do C.Civil) quando alguém, detentor de um determinado direito, consagrado e tutelado pela ordem jurídica, o exercita no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante.
III - Atua em abuso de direito ao invocar a prescrição, o devedor que, sendo titular de um contra crédito ilíquido sobre o credor, cuja compensação foi determinada por decisão judicial, invoca nas sucessivas ações judiciais intentadas por aquele para exigir a prestação, a iliquidez do crédito, impeditiva do exercício do direito daquele, não podendo dessa forma beneficiar da proteção conferida pela prescrição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 7906/00.5TVPRT-B.P1

Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Central Cível do Porto - Juiz 1

Juíza Desembargadora Relatora:
Alexandra Pelayo
Juízes Desembargadores Adjuntos:
Artur Dionísio Oliveira
Alberto Eduardo Taveira

SUMÁRIO:
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Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO:
AA, veio deduzir INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO contra BB e CC, pedindo que seja liquidado o pedido genérico baseado na condenação por decisão já transitada em julgado, proferida na ação declarativa de condenação com processo ordinário (anterior Proc.nº928/00, 3ª Secção, 1ª Vara Cível do Porto), contra os RR. em pedido líquido no valor de € 32.181,69.
Mais deve ser considerado que, em conformidade com tal decisão judicial, deve ser o mencionado valor de € 32.181,69 acrescido ainda do valor de juros moratórios vencidos desde 11 de julho de 1998 até efetivo e integral pagamento, o qual, até à presente data (23 de junho de 2022) se cifra em € 36.219,84.
Os Réus BB, e CC, que aderiu ao articulado daquele, vieram deduzir OPOSIÇÃO, tendo invocado a exceção da Prescrição dos juros de mora, requerendo que seja conhecida e declarada a prescrição dos juros requeridos pelo Autor, vencidos há mais de 5 anos, nos termos do artigo 310º al. d) do Código Civil, com as devidas consequências legais.
O autor respondeu às oposições, pugnando pela sua improcedência.
Veio a ser proferido despacho saneador, tendo o tribunal proferido despacho saneador, tendo julgado improcedente a prescrição dos juros, nestes termos:
“(…)
Ora, a sentença proferida nos presentes autos que condenou os aqui RR. Ao pagamento dos juros de mora desde 11 de julho de 1998 até efetivo e integral pagamento, transitou em 29/04/2004, iniciando-se aí a contagem do prazo de prescrição.
Ou seja, são devidos juros desde 11 de julho de 1998 (condenação) até ao trânsito da sentença (29/04/2004), sendo que, nesta data, iniciou-se o prazo de prescrição dos juros (de cinco anos) devidos a partir daqui.
Em 06/11/2006 o aqui A. instaurou uma ação executiva que teve por base a sentença proferida nos presentes autos, e que correu termos pelos Juízos de Execução do Porto, 2º Juízo, 3ª Secção, sob o nº 12847/06.0YYPRT, sendo que nessa data (06/11/2006) ainda não tinha decorrido um novo prazo de cinco anos desde a data do trânsito em julgado (29/04/2004), não se encontrando, assim, prescritos quaisquer juros, revelando a entrada em juízo em 06/11/2006 contra os aqui RR. da ação executiva supra aludida uma manifestação inequívoca de exigência da prestação, cuja sentença, proferida em 30/01/2009, transitou em julgado em 16/03/2009, pelo que se reiniciou novo prazo de prescrição a partir desse dia (16/03/2009), ficando inutilizado para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente.
Do mesmo modo, revela manifestação inequívoca de exigência da prestação a entrada em juízo do incidente de liquidação nos presentes autos por banda do aqui A. Em 15/02/2010, cuja sentença, proferida em 26/11/2019, que transitou em julgado em 20/01/2020, sendo que nessa data (15/02/2010) ainda não tinha decorrido um novo prazo de cinco anos desde a data do trânsito em julgado da sentença proferida nos autos executivos que correram seus regulares termos pelos Juízos de Execução do Porto, 2º Juízo, 3ª Secção, sob o nº 12847/06.0YYPRT, que transitou em julgado em 16/03/2009 não se encontrando, assim, prescritos quaisquer juros. Por via deste incidente de liquidação, reiniciou-se novo prazo de prescrição de juros a partir do dia 20/01/2020 (data do trânsito em julgado da sentença que lhe pôs termo), ficando inutilizado para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, sendo certo que desde a referida data (20/01/2020) até à presente data ainda não decorreu o prazo de cinco anos.
Acresce que a reclamação de créditos apresentada pelo aqui A. nos autos de inventário para partilha de bens comuns do casal que correu termos pelo Tribunal de Família e Menores (2º Juízo - 1ª Secção), sob o nº 158/04.0TMPRT-A em 21/10/2008, cuja a respetiva sentença homologatória, proferida em 01/07/2019, transitou em julgado em 20/09/2019, bem como a ação executiva que se lhe seguiu, instaurada em 09/12/2019 Processo: 7906/00.5TVPRT, cuja sentença respeitante aos embargos de executado deduzidos pelos aqui RR., proferida em 21/06/2022, transitou em julgado em 07/07/2022.
A atuação do aqui Autor, supra descrita, revela manifestações inequívocas de exigência da prestação, cujas respetivas datas de entrada e trânsito em julgado quase que coincidem no lapso temporal das outras duas ações judiciais antes mencionadas, interrompendo os prazos de prescrição em curso.
Pelo exposto, entende-se que não ocorreu, qualquer prescrição de juros de mora da quantia liquidada pelo Autor.”
Inconformado, o Réu BB, veio interpor o presente recurso, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
“A. O Tribunal a quo, por despacho saneador proferido em 06/02/2023, decidiu que não se verificou a exceção da prescrição dos juros de mora vencidos, pretendidos liquidar pelo Autor/Recorrido nos presentes autos;
B. O Réu/Recorrente jamais pode concordar com tal decisão, motivo pelo qual interpõe o presente recurso, o qual tem por objeto: a impugnação da matéria de facto dada como provada - erro na apreciação da prova; o erro de julgamento; a errada subsunção dos factos dados como provados ao direito;
C. Entende o Réu/Recorrente que se encontram prescritos os juros de mora vencidos há mais de 5 anos, nos termos do artigo 310° al. d) do CC, prescrição que o Recorrente pretende ver conhecida e declarada;
D. Para o efeito, impugna a factualidade dada como provada em 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7 dos factos provados, uma vez que da prova documental constante dos autos, aquela factualidade terá de ter outra redação, o que se demonstra relevante para a boa decisão sobre a verificação ou não da prescrição dos juros de mora vencidos há mais de 5 anos;
Ora vejamos,
E. No que respeita aos factos descritos em 1 e 2 dos factos provados, resulta do doc.2 (junto aos autos pelo A./Recorrido através do requerimento com Ref.ª 43291463) que a ação executiva foi intentada pelo Autor/Recorrido, em 15/11/2006, dando origem ao Processo n.° 12847/06.0YYPRT (Juízos de Execução do Porto, 2º Juízo, 3ª Secção), tendo O Autor/Recorrido apresentado como título à execução a sentença proferida, nos presentes autos, em 30/09/2003, (à data, Processo n.° 928/2000); quando, na data em que intentou a sobredita execução já havia sido proferido o Acórdão da Relação do Porto, de 31/03/2004, transitado em julgado em 22/04/2004, o qual revogou, parcialmente, aquela sentença dada como título à execução, decisão de que o Autor/Recorrido tinha pleno conhecimento;
F. Bem sabia o Autor/Recorrido que não poderia lançar mão da ação executiva, tendo como título uma sentença, parcialmente, revogada por um Acórdão já transitado em julgado e que reconheceu o seu crédito como ilíquido;
G. Aquele Juízo de Execução apenas tomou conhecimento daquele Acórdão com a Oposição apresentada pelo Réu/Recorrente, decidindo, então, julgar extinta a execução por iliquidez da obrigação exequenda - conforme doc.2 e doc.3 juntos aos autos pelo A./Recorrido através do requerimento com Ref.a 43291463;
H. Assim, face à prova documental e por ser relevante para a boa decisão da exceção da prescrição, entendemos que os factos descritos em 1. e 2. deverão passar a ter a seguinte redação, o que se requer:
1. O A. intentou contra os ora réus, no dia 15/11/2006, uma ação executiva, dando como título à execução, a sentença proferida, em 30/09/2003, nos presentes autos (doc. n°2 junto aos autos pelo A./Recorrido através do requerimento com Ref.a 43291463) - execução que correu os seus termos pelos Juízos de Execução do Porto, 2º Juízo, 3ª Secção, sob o n° 12847/06.0YYPRT -, mesmo sabendo que tal sentença havia sido, parcialmente, revogada pelo Acórdão da Relação do Porto proferido no âmbito dos presentes autos, em 31/03/2004, e transitado em julgado em 22/04/2004, conforme fls... dos autos e doc. 1 junto pelo Réu à sua Oposição ao incidente de liquidação;
2. O aqui R. deduziu a competente oposição à execução, tendo sido proferida sentença em 30/01/2009 que julgou extinta a execução por iliquidez da obrigação exequenda (doc. n°3), com fundamento no Acórdão da Relação do Porto proferido em 31/03/2004, tendo a decisão no referido processo de execução, transitado em julgado, em 16/03/2009;
I. Por sua vez, e quanto à factualidade dada como provada em 3. e 4., e já impugnada, entendemos que a mesma também deverá ser alterada, porquanto, quando o A. intentou o incidente de liquidação (15/02/2010) já corria termos o processo de inventário - Processo n.° 158/04.0TMPRT-A, Tribunal de Família e Menores (2º Juízo – 1ª Secção) -, no qual o Réu/Recorrente, também já havia relacionado o crédito ilíquido do Autor/Recorrido, por referência à sentença que viesse a ser proferida no processo executivo n. 12847/06.0YYPRT, assim como, relacionou o crédito que os Réus tinham e têm sobre o Autor/Recorrido, pretendendo aí liquidá-lo e compensá-lo;
J. Por tal motivo, os autos do incidente de liquidação ficaram suspensos, a aguardar a decisão que resultasse do processo de inventário, mormente da conferência de interessados — veja-se o despacho com Ref.a 7974240 proferido nos presentes autos, em 13/10/2010;
K. Contudo, da conferência de interessados realizada naqueles autos de inventário, em 12/10/2010, - cfr. Doc. 10 junto aos autos pelo A./Recorrido através do requerimento com Ref.a 43291463 - conferência realizada em data anterior ao despacho que suspendeu os autos de liquidação (de 13/10/2010), apenas foi aprovado o crédito do Autor/Recorrido, enquanto crédito ilíquido, tendo nesse momento, deixado de ser possível proceder-se à liquidação do crédito do Autor e dos Réus naqueles autos;
L. Deveria o Autor/Recorrido ter dado conhecimento aos autos do incidente de liquidação, que, nessa data, não se havia logrado obter a liquidação do seu crédito nos autos de inventário, requerendo o prosseguimento do incidente de liquidação; ao invés de, em resposta ao despacho com Ref.a 366414307, de 13/04/2016, proferido nestes autos, em 27/04/2016, por requerimento com Ref.a 22503691, ter requerido a manutenção da suspensão do processo, até que fosse proferida sentença homologatória da partilha, alegando, ainda não se ter verificado a inutilidade superveniente da lide; sendo que, por despacho proferido nestes autos em 19/05/2016, com Ref.a 368098927, foi mantida a suspensão da instância;
M. Por tal matéria se afigurar relevante para o conhecimento da prescrição, deverá a matéria de facto descrita no ponto 3. e 4. dos factos provados, passar a ter a seguinte redação, o que se requer:
3. O aqui A., em 15/02/2010, intentou contra os aqui RR. o incidente de liquidação (doc. n°4), a que estes se opuseram, tendo sido decretada a suspensão da instância por despacho de 13/10/2010, a qual se manteve suspensa atento o requerimento do Autor, de 27/04/2016, e o despacho de 19/05/2016, tendo sido proferida sentença em 26/11/2019 que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (doc.n°5) e que transitou em julgado em 20/01/2020.
4. Em data anterior à instauração do incidente de liquidação descrito em 3., foi instaurado pelos Réus, ação de Inventário para partilha de bens comuns do casal, a qual correu termos no Tribunal de Família e Menores (2º Juízo -1ª Secção), sob o n° 158/04.0TMPRT-A, na qual o cabeça de casal (aqui R.) relacionou como dívida do casal o crédito do A. em causa nos presentes autos, enquanto crédito ilíquido, por referência à sentença a proferir no processo executivo supramencionado, assim como relacionou o crédito dos Réus sobre o A., também em causa nos presentes autos, tendo o aqui A. sido citado para os autos de inventário, em 18/09/2008 (doc. n°6);
N. No que diz respeito ao facto dado como provado em 5., vai o mesmo impugnado, pois se é certo que o Autor/Recorrido apresentou reclamação de créditos, em 21/10/2008, naqueles autos de inventário, também é certo, que antes de ser proferida sentença naqueles autos, foi efetuada uma tentativa de conciliação, em 12/10/2010 - doc. 10 junto aos autos pelo Recorrido através do requerimento com Ref.a 43291463 na qual O Autor/Recorrido e Réu/Recorrente não reconheceram a liquidação do crédito pretendida por cada uma das partes, e por tal motivo, nesse mesmo momento, tornou-se impossível efetuar a liquidação do crédito Autor/Recorrido e do crédito do Réu/Recorrente e da Ré, naqueles autos de inventário.;
O. O Autor/Recorrido, ao invés de aguardar a sentença homologatória do processo de inventário, deveria ter requerido o prosseguimento dos autos de liquidação, por ser essa a ação própria para poder ver liquidado o seu crédito, liquidação que se encontra dependente do apuramento do quantum do crédito do Réu/Recorrente e da Ré;
P. Motivo pelo qual, deverá ser alterada a matéria de facto constante do ponto 5. dos factos provados, passando a mesma a ter a seguinte redação, o que se requer: 5. O aqui A. apresentou a competente reclamação de créditos, em 21/10/2008 (doc. n°7); em 12/10/2010, efetuou-se a conferência de Interessados, tendo sido aprovado o crédito do Autor como ilíquido, cfr. ata constante do doc. 10 junto aos autos pelo A/Recorrido através do requerimento com Ref.a 43291463. A sentença homologatória de partilha foi proferida, em 01/07/2019 (e despacho que se lhe seguiu a condenar os aqui RR. no pagamento do passivo) (docs. n°s 8, 9 e 10) e que transitou em julgado em 20/09/2019.
Q. Relativamente, ao facto dado como provado em 6. também este facto se encontra desconforme com a prova junta aos presentes autos, pois, em nenhum momento, poderia haver qualquer pagamento voluntário por parte dos RR. ao Autor, dado que, em nenhum momento, o Autor/Recorrido reconheceu a quantia que os RR. pretendem ver liquidada pelos serviços prestados e despesas realizadas em vista da aquisição do terreno para o Autor, nos termos da condenação do Acórdão da Relação do Porto de 31/03/20204;
R. Por sua vez, o Réu/Recorrente, também pretendeu ver o seu crédito compensado para resolver esta situação com o Autor, tanto mais que, relacionou ambos os créditos no processo de inventário, e, por não ter logrado liquidar o seu crédito, em Novembro de 2019, interpôs ação de prestação de contas, conforme doc.3 junto aos autos pelo Réu/Recorrente através do requerimento com Ref.a 43747686;
S. Acresce, ainda que, o Autor/Recorrido nunca se poderia ver obrigado a lançar mão de uma execução, quando não tinha título para o efeito, conforme resulta do Acórdão da Relação do Porto, de 10/01/2022, confirmado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, em 21/06/2022, transitado em julgado em 07/07/2022 (doc. 12 junto aos autos pelo AVRecorrido através do requerimento com Ref.a 43291463);
T. Motivo pelo qual, deverá o ponto 6. da matéria de facto dada como provada, ser alterado, passando a ter a seguinte redação, o que se requer:
6. O aqui A., intentou ação executiva, em 09/12/2019 (doc. n°11) apresentando como título executivo a sentença homologatória da partilha descrita em 5.;
U. Por último, também o ponto 7. da matéria de facto provada terá de ser alterado atenta a efetiva decisão do Tribunal da Relação do Porto, de 10/01/2022 e, do Supremo Tribunal de Justiça, de 21/06/2022, que julgou os embargos de executado deduzidos pelos Réus procedentes, por considerarem a obrigação exequenda como ilíquida, o que determinou a inexequibilidade do título executivo e a extinção da execução;
V. Sendo tal matéria relevante para a boa decisão sobre a exceção da prescrição, deverá a redação dada ao ponto 7. da matéria de facto dada como provada, ser alterada, passando o mesmo a ter a seguinte redação, o que se requer:
7. Os aqui RR. deduziram oposição, mediante embargos de executado, os quais foram julgados procedentes pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 10/01/2022, o qual julgou ilíquida a obrigação exequenda, o que determinou a inexequibilidade do título executivo, com consequente extinção da execução; decisão que foi confirmada pelo Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 21/06/2022, transitado em julgado, em 07/07/2022 (do. n°12).
W. Face à factualidade que deveria ter sido dada como provada, entendemos que os juros de mora vencidos há mais de 5 anos encontram-se prescritos nos termos dos artigos 300°, 310° al. d), 327° n.° 2, 561° do Código Civil (CC) e artigo 20º da CRP;
Porquanto,
X. A obrigação de juros, ainda que seja acessória da obrigação de capital, uma vez que nasce com esta, o certo, é que goza de uma certa autonomia relativamente à do capital, o que se encontra consagrado no artigo 561° do CC; por ser uma obrigação autónoma da obrigação de capital, entendemos, ao contrário do Tribunal a quo, que a prescrição dos juros de mora reconhecidos por sentença ou por outro título executivo estão também abrangidos pelo prazo de prescrição de cinco anos;
Y. A obrigação de juros de mora renasce, diariamente, no seu vencimento, sendo que a prescrição ocorre sempre que sobre os mesmos decorram mais de cinco anos - artigo 310° al. d) do CC -, sem que tenha havido causa de interrupção ou suspensão da prescrição - artigos 318° e 323° n.° 1 e 2 do CC;
Z. Como resulta do vasto rol de documentos juntos pelas partes aos autos, o Autor/Recorrido interpôs sucessivas ações contra o Réu/Recorrente e a Ré, nas quais peticionou o pagamento do crédito que pretende liquidar nos presentes autos, inclusivamente, dos juros de mora vencidos e vincendos;
AA. No entanto, entendemos que as sucessivas ações em causa e citações efetuadas nas referidas ações, não produziram o efeito interruptivo pretendido pelo Autor/Recorrido e, na nossa modesta opinião, erradamente reconhecido, no despacho saneador, pelo Tribunal a quo\
BB. Em 15/11/2006, o Recorrido lançou mão de uma ação executiva, apresentando como título executivo a sentença proferida nos presentes autos, em 30/09/2003, (cfr. doc.2 junto aos autos pelo A./Recorrido através do requerimento com Ref.a 43291463), mesmo sabendo que tal sentença não poderia servir de título executivo, pois que havia sido, parcialmente, revogada pelo Acórdão da Relação do Porto proferido nestes autos, em 31/03/2004, transitado em julgado em 29/04/2004, que considerou o crédito do Autor/Recorrido como ilíquido;
CC. Requerimento Executivo que deu origem ao Processo n.° 12847/06.0YYPRT, que correu os seus termos nos Juízos de Execução do Porto - 2° Juízo, 3a Secção, tendo O Réu/Recorrente, em sede de Oposição, invocado a exceção da iliquidez da obrigação exequenda, nos termos do Acórdão da Relação do Porto, de 31/03/2004, julgando aquele Tribunal procedente a invocada exceção, declarando, assim, extinta a execução, conforme sentença junta como dOC.3 pelo A./Recorrido através do requerimento com Ref.a 43291463;
DD. A prescrição dos juros de mora interrompeu-se, cinco dias depois da instauração da aludida ação executiva, isto é, em 21/11/2006, de acordo com o entendimento maioritário da jurisprudência;
EE. Analisada a sentença proferida naqueles autos, entendemos que a interrupção da prescrição ocorrida em 21/11/2006 não pode beneficiar do efeito duradouro previsto no artigo 327° n° 1 do CC, pois que a referida sentença absolveu o Executado, aqui Recorrente, da instância, por motivo imputável ao Exequente, aqui Recorrido;
FF. Pois que, à data em que intentou a referida execução, o aqui Recorrido, bem sabia que o título executivo de que se serviu, a sentença proferida em 30/09/2003 (Doc.2 junto aos autos pelo A./Recorrido através do requerimento com Ref.a 43291463), tinha sido parcialmente revogada, pelo Acórdão da Relação do Porto, transitado em julgado, em 29/04/2004, o qual reconheceu o crédito do Recorrido como ilíquido, ao fazê-lo depender da compensação do crédito do Recorrente, também ele ilíquido;
GG. Ora, havendo absolvição da instância, por motivo processual imputável ao titular do direito, o novo prazo de prescrição começa a correr logo após o ato interruptivo, conforme dispõe o n.° 2 do artigo 327° do CC;
HH. Motivo pelo qual, a douta decisão, de que se recorre, não se pode manter, pois que a interrupção da prescrição operada pela instauração da ação executiva, embora tenha interrompido o prazo da prescrição, o certo é que, o novo prazo prescricional de 5 anos iniciou-se, logo após o ato interruptivo, isto é, em 21/11/2006;
II. Por sua vez, entendeu o Tribunal a quo, que a prescrição em causa foi, novamente, interrompida com a interposição do incidente de liquidação, nos presentes autos, em 15/02/2010; entendimento com o qual jamais podemos concordar;
JJ. Desde logo, porque, o prazo da prescrição apenas se interrompe uma vez, atentos os motivos de certeza e segurança jurídica subjacentes a este instituto - princípio da segurança jurídica consagrado no artigo 2° da Constituição da República Portuguesa e artigo 300° do CC -, e à própria proteção do devedor, dado que sucessivas interrupções do prazo fariam com que os juros de mora se avolumassem de tal forma que poderiam, mesmo, exceder o crédito de capital, o que, aliás, ocorrerá nestes autos, caso a liquidação pretendida pelo Autor/Recorrido venha a proceder, o que não se concede, pondo em causa a própria solvência do devedor, o que, o instituto da prescrição pretende evitar;
KK. Neste sentido, leiam-se os excertos transcritos nas alegações deste recurso, os quais aqui se dão integralmente reproduzidos por uma questão de economia processual, do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/07/2003, Processo n.° 253/02; do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 07/11/2002; do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Acórdão de 26/02/2014 - Processo 76/04.1TTVFX-b.l1-4; do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05/11/2013, proferido no âmbito do Processo n.° 7624/12.1TBMAI.S1; do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 29/06/2017, proferido no âmbito do Processo n.° 4211/15.6T8VCT.G1;
LL. Assim, o incidente de liquidação instaurado pelo Recorrido, em 15/02/2010, não interrompeu, novamente, o prazo de prescrição, o qual já se havia interrompido uma vez, com a instauração do processo executivo; prescrição que se interrompeu em 21/11/2006, tendo nessa mesma data começado a correr o novo prazo de prescrição, conforme o supra exposto - artigo 327° n.° 2 do CC;
MM. E o mesmo se diga quanto às sucessivas ações interpostas pelo Autor/Recorrido com vista à cobrança do seu crédito; nenhuma das demais ações tem a virtualidade de fazer interromper, novamente, o prazo da prescrição; sendo que em todas essas ações a conduta do Autor/Recorrido é manifestamente dilatória;
NN.Pois, mesmo sabendo que não se havia operado a liquidação do seu crédito no processo de Inventário - veja-se a ata da conferência de interessados, de 12/10/2010 -, aguardou que, nesse processo, fosse proferida sentença homologatória da partilha para a executar, tentando, mais uma vez, cobrar um crédito, por via da ação executiva, crédito cuja iliquidez não desconhecia, execução que, também, foi extinta por força da iliquidez da obrigação exequenda;
OO. E não pretenda o Tribunal a quo sustentar a sua decisão no argumento que "A atuação do aqui Autor, supra descrita, revela manifestações inequívocas de exigência da prestação(...)", pois, não pode o ordenamento jurídico tolerar que um credor possa instaurar sucessivas ações, sobre o mesmo objeto, até acertar, e assim fazer interromper, sucessivamente, o prazo de prescrição; tal seria permitir que, no caso concreto, quer a obrigação, quer os juros, nunca prescrevessem até que o Autor acertasse, ou pretendesse acertar, na ação própria para ver liquidado o seu crédito;
PP. Pelo que, considerar o prazo da prescrição interrompido, mais do que uma vez, com a interposição de sucessivas ações, seria premiar o Autor/Recorrido que, fazendo um mau uso e uma incorreta utilização do processo e dos Tribunais, de forma a locupletar-se às custas do Réu/Recorrente, veria a obrigação de juros a aumentar, sem qualquer limite, de tal modo que o crédito de juros se tornaria superior ao crédito de capital, como é o caso dos autos, nos termos da pretensão deduzida pelo Autor/Recorrido; o que é chocante e intolerável ao direito;
QQ. Desde logo, porque tal atuação processual configura uma clamorosa violação do princípio da economia processual, e do dever de diligência a que as partes processuais estão obrigadas, devendo o instituto da prescrição servir para evitar que situações como as dos presentes autos se repitam, de forma ao credor se ver obrigado a diligenciar de forma célere e eficaz pelo exercício dos seus direitos, não protelando o seu exercício
RR.Acresce, ainda, que ao contrário do que pretende fazer crer o Autor/Recorrido, também o Réu/Recorrente tentou liquidar o seu crédito, de forma a pôr termo a esta questão; e fê-lo, por diversas vezes, conforme resulta das alegações, para as quais se remete, por uma questão de economia processual;
SS. Motivo pelo qual, foi a inércia do Autor/Recorrido em interpor a ação própria para poder ver liquidado o seu crédito (pois só com o presente incidente de liquidação "acertou" no meio processual correto), fez com que o decurso do tempo fizesse prescrever os juros de mora vencidos há mais de cinco anos, nos termos do artigo 310° al. d) do CC, dado que a prescrição apenas se interrompe uma vez, o que sucedeu em 21/11/2006, tendo começado a correr novo e último prazo nessa mesma data;
TT. Pelo que se encontram prescritos os juros de mora vencidos há mais de 5 anos, cuja liquidação é reclamada pelo Autor/Recorrido, prescrição que se pretende ver conhecida e declarada; motivo pelo qual, terá de ser revogada a douta decisão recorrida;
UU. A douta decisão recorrida violou o disposto nos artigos artigo 300°, 310° n.° d), 327° n.° 2 e 561° do Código Civil e artigo 2° da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que, requer a V. Ex.as se dignem conceder provimento ao presente recurso, revogando a douta decisão recorrida, fazendo assim Inteira e Sã JUSTIÇA.”
Contra-alegou o Autor AA, pugnando ela improcedência do recurso, concluindo da seguinte forma:
“1. O douto despacho saneador recorrido não merece qualquer reparo ou censura, pois fez uma correta avaliação da matéria de facto e aplicação do Direito.
2. Toda a matéria dada como provada pelo Tribunal a quo assenta nos documentos juntos aos autos pelo aqui Recorrido quando se pronunciou sobre a exceção da prescrição alegada pelo aqui Recorrente e representam todas as ações judiciais instauradas pelo aqui Recorrido contra o aqui Recorrente (e contra a outra R.) e respetivas decisões judiciais que lhe puseram termo, e exprimem diretamente a intenção do aqui Recorrido em exercer o seu direito.
3. A matéria dada como provada sob os pontos 1., 2., 3., 4., 5., 6. e 7 do douto despacho saneador, porque resultante objetivamente dos documentos que a suportam, deve-se manter inalterada.
4. As citações ocorridas nas sucessivas ações judiciais que envolveram o aqui Recorrido e o aqui Recorrente interromperam a prescrição dos juros de mora.
5. Primeiramente há que distinguir os juros de mora vencidos até ao trânsito em julgado da decisão condenatória e os juros vencidos posteriormente a essa data.
6. A decisão condenatória proferida nestes autos em 30/09/2003, que condenou o aqui Recorrente (e a outra R.) no pagamento dos juros desde o dia 11 de julho de 1998 até efetivo e integral, pagamento transitou em julgado em 29/04/2004, com a prolação do Acórdão da Relação do Porto, proferido em 31/03/2004.
7. Sobre a quantia liquidada, os juros de mora vencidos desde o dia 11 de julho de 1998 até ao dia 29/04/2004 (data do trânsito em julgado da decisão condenatória) são devidos ao aqui Recorrido, não sendo aplicável quanto a estes o regime da prescrição.
8. Relativamente aos juros vincendos contabilizados desde a data do trânsito em julgado da decisão condenatória (29/04/2004) até 5 anos antes da instauração do incidente de liquidação em apreço nos autos, existem dois entendimentos na doutrina e na jurisprudência.
9. Há quem entenda que os juros vincendos, porque emergem duma sentença transitada em julgado, prescrevem no prazo máximo de 20 anos nos termos do artigo 311º, do Código Civil, pelo que são devidos desde o trânsito em julgado da sentença até ao pagamento da obrigação.
10. Sendo este o entendimento deste Tribunal, a exceção da prescrição dos juros de mora suscitada pelo Recorrente será inevitavelmente julgada improcedente, uma vez que ainda não decorreu o prazo de 20 anos desde o trânsito em julgado da decisão condenatória (29/04/2004) até à data da entrada em juízo do incidente de liquidação (23/06/2022), nem sequer até à presente data.
11. O segundo entendimento vai no sentido de que quando estão em causa prestações vincendas emergentes da sentença, estas estão sujeitas ao regime prescricional de curto prazo, previsto no artigo 311º nº2, do Código Civil, que é uma exceção ao regime consignado no nº 1 do mesmo artigo.
11. Aderindo este Tribunal ao segundo entendimento, também a exceção da prescrição dos juros de mora suscitada pelo Recorrente será julgada improcedente, sendo necessário, para tal desígnio, chamar à colação as regras da interrupção da prescrição, mercê das citações e notificações judiciais ocorridas em vários processos judiciais que envolveram os aqui Recorrido, Recorrente e a outra R..
12. Como decorre dos documentos juntos aos autos, em 15/11/2006, o aqui Recorrido instaurou contra o aqui Recorrente (e a outra R.) uma ação executiva que teve por base a sentença proferida nos presentes autos e que correu seus regulares termos pelos Juízos de Execução do Porto, 2? Juízo, 3^ Secção, sob o n? 12847/06.0YYPRT, tendo sido proferida sentença em 30/01/2009 que julgou extinta a execução por iliquidez da obrigação exequenda e que transitou em julgado em 16/03/2009.
13. Em consequência deste processo executivo, a prescrição tem-se por interrompida no dia 21/11/2006 (52 dia após a data de entrada do requerimento executivo), reiniciando-se novo prazo de prescrição a partir do dia 16/03/2009 (data do trânsito em julgado da sentença que lhe pôs termo), sendo certo que com a sobredita interrupção ficou inutilizado para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, ou seja, a partir de 16/03/2009 (cfr. artigo 3262 do Código Civil).
14. Como igualmente decorre dos documentos juntos aos autos, o aqui Recorrido, em 15/02/2010, intentou contra o aqui Recorrente (e a outra R.) o incidente de liquidação nos presentes autos, tendo sido proferida sentença em 26/11/2019 que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide e que transitou em julgado em 20/01/2020.
15. Também por via deste incidente de liquidação, a prescrição tem-se por interrompida no dia 21/02/2010 (52 dia após a data de entrada do requerimento inicial), reiniciando-se novo prazo de prescrição a partir do dia 20/01/2020 (data do trânsito em julgado da sentença que lhe pôs termo), sendo certo que com a sobredita interrupção ficou inutilizado para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, ou seja, a partir de 20/01/2020 (cfr. artigo 3262 do Código Civil).
16. Ao mesmo tempo que corria termos o sobredito incidente de liquidação, corria termos pelo Tribunal de Família e Menores (22 Juízo - Ia Secção), sob o nº 158/04.0TMPRT-A, os autos de Inventário para partilha de bens comuns do casal, na qual o cabeça de casal (aqui Recorrente) havia relacionado como dívida do casal o valor em causa nos presentes autos, ou seja, o crédito do aqui Recorrido, por referência ao processo executivo supra mencionado.
17. O aqui Recorrido foi citado em 18/09/2008 para estes autos de Inventário para partilha de bens comuns do casal, tendo apresentado a competente reclamação de créditos em 21/10/2008 e tendo sido proferida a respetiva sentença homologatória de partilha em 01/07/2019 (e despacho que se lhe seguiu a condenar o aqui Recorrente e da outra R. no pagamento do passivo) e que transitou em julgado em 20/09/2019, sendo certo que, em virtude de não existir pagamento voluntário por banda dos aqui Recorrente e da R. do passivo que reconheceram dever ao aqui Recorrido, este viu-se obrigado a intentar a competente ação executiva em 09/12/2019 (que correu seus regulares termos pelo Tribunal de Família e Menores - Juiz 4, sob o ns158/04.0TMPRT.3) à qual os aqui Recorrente e a outra R. deduziram oposição, mediante embargos de executado, os quais foram julgados procedentes pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 10/01/2022 e confirmado pelo Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 21/06/2022 e transitado em julgado em 07/07/2022.
18. Também por via da reclamação de créditos, a prescrição tem-se por interrompida no dia 18/09/2008, reiniciando-se novo prazo de prescrição a partir do dia 20/09/2019 (data do trânsito em julgado da sentença que lhe pôs termo), ficando inutilizado para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, ou seja, a partir de 20/09/2019 (cfr. artigo 3263 do Código Civil).
19. O mesmo sucedendo por via da sobredita ação executiva que correu seus regulares termos pelo Tribunal de Família e Menores-Juiz 4, sob o n2158/04.0TMPRT.3, pela qual a prescrição tem-se por interrompida no dia 15/12/2019 (5^ dia após a data de entrada do requerimento executivo), reiniciando-se novo prazo de prescrição a partir do dia 07/07/2022 (data do trânsito em julgado da sentença que lhe pôs termo), ficando inutilizado para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, ou seja, a partir de 07/07/2022 (cfr. artigo 3263 do Código Civil).
20. São causas interruptivas de efeito permanente, duradouro ou continuado a citação, notificação ou ato equiparado em processo pendente e o compromisso arbitral, causas interruptivas a que alude o n9l, do artigo 327s, do Código Civil.
21. O efeito é permanente, duradouro ou continuado porque o novo prazo prescricional não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termos ao processo onde se dá o facto interruptivo.
22. Sempre que a nova interrupção pertença a um processo em que o titular do direito quer exercê-lo de algum modo, seja por via de ação declarativa seja por via de uma ação executiva, processo em que a citação tem o efeito de interrupção permanente ou continuada do nº 1, do artigo 327º, do Código Civil, não há justificação para se negar a sucessão de interrupções.
23. A citação do Recorrente (e da R.) para os autos executivos que correram seus regulares termos pelos Juízos de Execução do Porto, 22 Juízo, 35 Secção, sob o n9 12847/06.0YYPRT não era, como não é, obstáculo à intervenção de novas causas interruptivas, como foram as citações e notificações ocorridas nos demais processos judiciais supra aludidos.
24. Mesmo que outro fosse o entendimento, o que não se concebe nem concede, sempre a citação do aqui Recorrente (e da outra R.) para os sobreditos autos executivos e autos de incidente de liquidação consubstanciam causas de interrupção da invocada prescrição dos juros de mora, contando-se o novo prazo prescricional desde os atos interruptivos, ou seja, desde o dia 21/11/2006 (59 dia após a data de entrada do requerimento executivo) e 21/02/2010 (5 dia após a data de entrada do incidente de liquidação), pelo que, mesmo assim, não tinha decorrido ainda o prazo de 5 anos entre o dia 29/04/2004 (data do trânsito em julgado da sentença condenatória) e o dia 21/11/2006, nem entre esta data e o dia 21/02/2010.
25. Para além disso, como supra se alegou, em 21/10/2008, o aqui Recorrido reclamou o crédito resultante dos presentes autos no inventário para partilha de bens comuns do casal que correu termos pelo Tribunal de Família e Menores (2º Juízo -13 Secção), sob o n? 158/04.0TMPRT-A, cuja a respetiva sentença homologatória, proferida em 01/07/2019, transitou em julgado em 20/09/2019, bem como a ação executiva que se lhe seguiu, instaurada em 09/12/2019, cuja sentença respeitante aos embargos de executado deduzidos pelos aqui Recorrente e a outra R., proferida em 21/06/2022, transitou em julgado em 07/07/2022, revelam manifestações inequívoca de exigência da prestação e interromperam os prazos de prescrição em curso.
26. Todas as ações judiciais supra aludidas, porque reveladoras de manifestação inequívocas de exigência da prestação, interromperam os prazos de prescrição em curso, não ocorrendo, deste modo, qualquer prescrição de juros de mora da quantia liquidada pelo aqui Recorrido, pelo que deve a exceção de prescrição de juros de mora alegada pelo Recorrente ser julgada improcedente e mantido o douto despacho saneador proferido nos presentes autos, com as legais consequências.
27. Os Acórdãos invocados pelo Recorrente para efeitos de defesa da sua tese, não têm qualquer enquadramento no caso que nos ocupa, uma vez que os mesmos têm por base unicamente a utilização sucessiva de notificações judiciais avulsas para efeitos de interrupção da prescrição do direito invocado.
28. O douto despacho saneador recorrido fez uma correta interpretação e aplicação da matéria de facto constante dos autos e aplicou corretamente o disposto no artigo 3102, alínea d) e no artigo 3232, nº2, ambos do Código Civil.
29. Deve, assim, ser julgado improcedente o recurso apresentado, mantendo-se na íntegra o douto despacho saneador recorrido.
Termos em que requer a V.Exas se dignem julgar improcedente o recurso interposto pelo Recorrente, confirmando o douto despacho saneador recorrido, fazendo, assim, a acostumada, JUSTIÇA!”.
Foram as partes notificadas para querendo, se pronunciarem quanto à eventual ocorrência de abuso de direito na invocação da prescrição.
Apenas o Apelante se pronunciou, defendendo em suma que “o Recorrido age com abuso de direito ao peticionar juros de mora que apenas se foram acumulando devido à sua própria conduta processual – culpa in agendo -,sendo assim ilegítimo o exercício de tal direito, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico desse direito, nos termos do disposto no artigo 334º do Código Civil.”
Admitido o recuso e colhidos os vistos, cumpre decidir.

II-OBJETO DO RECURSO
Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.
As questões a dirimir, delimitadas pelas conclusões do recurso são as seguintes:
-modificação da matéria de facto.
-saber se ocorre a prescrição dos juros de mora.
-conhecimento oficioso de eventual abuso de direito.
Desde já importará clarificar que das conclusões de recurso não consta que o Apelante tenha mostrado discordância do despacho saneador que apreciou a prescrição dos juros de mora, na parte em que distinguiu os juros de mora vencidos desde 11 de Julho de 1998 até ao transito em julgado da sentença condenatória, em 29.4.2004, dos juros vencidos após o transito em julgado desta sentença, referindo que o prazo de prescrição refere-se apenas aos juros de mora vencidos nessa data, ao afirmar: “Ou seja, são devidos juros desde 11 de julho de 1998 (condenação) até ao trânsito da sentença (29/04/2004), sendo que, nesta data, iniciou-se o prazo de prescrição dos juros (de cinco anos) devidos a partir daqui.”
O Recorrente não mostrou discordância da decisão, na parte em que conta o início do prazo de prescrição de 5 anos, com base no art. 310º al d) do Código Civil, na data do trânsito em julgado do acórdão.
Se dúvidas houvesse, bastaria ler as conclusões DD e SS do recurso, em que o Apelante reconhece que a prescrição dos juros de mora interrompeu-se, cinco dias depois da instauração da aludida ação executiva, isto é, em 21/11/2006, tendo começado a correr novo prazo nessa data, resultando do exposto que a discordância do Apelante reside na contagem de novos prazos de prescrição a partir do momento daquela interrupção, que reconhece ter ocorrido em 21.11.2006.
Aquele outro segmento decisório não se mostra abrangido no objeto do recurso, delimitado pelas conclusões de recurso apresentadas pelo recorrente, considerando que nenhuma discordância dessa parte decisória, nomeadamente com observância dos ónus impostos pelo art. 639º nº 2 do C.P.C. foi feita, pelo que nessa parte, tem-se por transitada em julgado a decisão (art.628º do C.P.C.).

III-FUNDAMENTAÇÃO:
Na decisão foram julgados provados os seguintes factos, com base na prova comprovados documental:
1. O A. intentou contra os ora réus, no dia 15/11/2006, uma ação executiva que teve por base a sentença proferida nos presentes autos (doc. nº2), e que correu seus termos pelos Juízos de Execução do Porto, 2º Juízo, 3ª Secção, sob o nº 12847/06.0YYPRT;
2. O aqui R. deduziu a competente oposição, tendo sido proferida sentença em 30/01/2009 que julgou extinta a execução por iliquidez da obrigação exequenda (doc. nº3) e que transitou em julgado em 16/03/2009.
3. O aqui A., em 15/02/2010, intentou contra os aqui RR. o incidente de liquidação (doc. nº4), a que estes se opuseram, tendo sido preferida sentença em 26/11/2019 que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (doc. nº5) e que transitou em julgado em 20/01/2020.
4. Ao mesmo tempo que corria termos o sobredito incidente de liquidação, corria termos pelo Tribunal de Família e Menores (2º Juízo - 1ª Secção), sob o nº 158/04.0TMPRT-A, os autos de Inventário para partilha de bens comuns do casal, na qual o cabeça de casal (aqui R.) havia relacionado como dívida do casal o valor em causa nos presentes autos, por referência ao processo executivo supramencionado para os quais o aqui A. foi citado em 18/09/2008 (doc. nº6);
5. O aqui A. apresentou a competente reclamação de créditos em 21/10/2008 (doc. nº7) e tendo sido proferida a respetiva sentença homologatória de partilha em 01/07/2019 (e despacho que se lhe seguiu a condenar aqui RR. no pagamento do passivo) (docs.nºs 8, 9 e 10) e que transitou em julgado em 20/09/2019;
6. Em virtude de não existir pagamento voluntário por banda dos aqui RR. Do passivo que reconheceram dever ao aqui A., este viu-se obrigado a intentar a competente ação executiva em 09/12/2019 (doc. nº11);
7. Os aqui RR. deduziram oposição, mediante embargos de executado, os quais foram julgados procedentes pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 10/01/2022 e confirmado pelo Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 21/06/2022 e transitado em julgado em 07/07/2022 (doc. nº12).

IV-IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
O apelante impugna a matéria julgada provada na sua totalidade (factos 1 a 7), com o argumento de que, da prova documental constante dos autos, aquela factualidade terá de ter outra redação.
Decorre do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que "A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa." (sublinhado nosso).
A “Exposição de Motivos” que acompanhou a Proposta de Lei nº 113/XII salientou o intuito do legislador de reforçar os poderes da 2ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada ao referir que “para além de manter os poderes cassatórios – que lhe permitem anular a decisão recorrida, se esta não se encontrar devidamente fundamentada ou se mostrar insuficiente, obscura ou contraditória – são substancialmente incrementados os poderes e deveres que lhe são conferidos quando procede á reapreciação da matéria de facto, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material”.
O Tribunal da Relação deve, pois, exercer um verdadeiro e efetivo segundo grau de jurisdição da matéria de facto, sindicando os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos impugnados diversa da recorrida, e referenciar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Porém, a possibilidade que o legislador conferiu ao Tribunal da Relação de alterar a matéria de facto não é absoluta pois tal só é admissível quando os meios de prova reanalisados não deixem outra alternativa, ou seja, em situações que, manifestamente, apontam em sentido contrário ao decidido pelo tribunal a quo, melhor dizendo, “imponham decisão diversa”.
Assim sendo, se a decisão do julgador se mostra devidamente fundamentada, segundo as regras da experiência e da lógica, não pode ser modificada, sob pena de inobservância do princípio da livre convicção.
No caso em apreço, a totalidade dos factos impugnados foram julgados provados com base na prova documental junta aos autos.
As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (art.341º CC).
E o documento, como meio de prova, é constituído por qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto (art. 362º CC).
O documento, portanto, na sua aceção mais ampla, é qualquer objeto, de autoria humana, destinado a fazer as vezes de uma pessoa, coisa ou facto, mas, na sua aceção mais restrita, é um escrito, normalmente em papel (mas atualmente cada vez mais também em suporte magnético e eletrónico) que representa factos.
Estão em causa documentos autênticos, na veste de decisões judiciais, devidamente certificadas.
Assim o seu valor probatório é aquele que resulta do disposto no art. 371º do Código Civil.
Tratam-se ainda de factos extraídos de processos judicias, que por isso mesmo admitem apenas prova documental.
Dessa forma, o erro de julgamento invocado apenas poderá ter por objeto a eventual desconformidade do facto provado com o teor documento.
Já no caso de o apelante pretender ver selecionados outros factos resultantes daquela prova documental, terá que justificar o interesse e relevância concreta de tal facto na questão a apreciar, sem prejuízo naturalmente da possibilidade de, tratando-se de documentos juntos aos autos, o respetivo teor poder ser consultado. Ou seja, na seleção dos factos assentes, o tribunal não necessita de reproduzir a totalidade da sentença, cuja cópia certificada foi junta aos autos, por ter interesse para a decisão.
Isto posto, apreciemos a pretensão do Apelante em ver alterada a matéria de facto que serviu de fundamento á decisão ora impugnada:
Pretende o apelante que, com base na documentação junta, os factos 1 e 2, passem a ter a seguinte redação, constando em itálico a alteração pretendida:
1. O A. intentou contra os ora réus, no dia 15/11/2006, uma ação executiva, dando como título à execução, a sentença proferida, em 30/09/2003, nos presentes autos (doc. n°2 junto aos autos pelo A./Recorrido através do requerimento com Ref.a 43291463) - execução que correu os seus termos pelos Juízos de Execução do Porto, 2º Juízo, 3ª Secção, sob o n° 12847/06.0YYPRT -, mesmo sabendo que tal sentença havia sido, parcialmente, revogada pelo Acórdão da Relação do Porto proferido no âmbito dos presentes autos, em 31/03/2004, e transitado em julgado em 22/04/2004, conforme fls... dos autos e doc. 1 junto pelo Réu à sua Oposição ao incidente de liquidação;
2. O aqui R. deduziu a competente oposição à execução, tendo sido proferida sentença em 30/01/2009 que julgou extinta a execução por iliquidez da obrigação exequenda (doc. n°3), com fundamento no Acórdão da Relação do Porto proferido em 31/03/2004, tendo a decisão no referido processo de execução, transitado em julgado, em 16/03/2009;
É de indeferir a pretensão do apelante, porquanto apesar de resultar da factualidade assente que a execução foi instaurada já depois do trânsito em julgado do Acórdão da Relação do Porto proferido no âmbito dos presentes autos, o que faz pressupor naturalmente tal conhecimento, o certo é que tal será uma conclusão que o tribunal poderá tirar da análise da documentação junta, mas não constitui um facto autónomo, já que não foi produzido qualquer meio de prova relativo ao facto de cariz subjetivo que o apelante pretende ver retratado na factualidade assente.
No demais, encontram-se juntas aos autos, o teor integral das decisões proferidas mencionadas nos aludidos factos, pelo que se mostra desnecessário proceder à sua transcrição.
Quanto aos factos 3 e 4, pretende o apelante que passem a ter a seguinte redação, com base na documentação junta:
3. O aqui A., em 15/02/2010, intentou contra os aqui RR. o incidente de liquidação (doc. n°4), a que estes se opuseram, tendo sido decretada a suspensão da instância por despacho de 13/10/2010, a qual se manteve suspensa atento o requerimento do Autor, de 27/04/2016, e o despacho de 19/05/2016, tendo sido proferida sentença em 26/11/2019 que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (doc.n°5) e que transitou em julgado em 20/01/2020.
4. Em data anterior à instauração do incidente de liquidação descrito em 3., foi instaurado pelos Réus, ação de Inventário para partilha de bens comuns do casal, a qual correu termos no Tribunal de Família e Menores (2o Juízo -1a Secção), sob o n° 158/04.0TMPRT-A, na qual o cabeça de casal (aqui R.) relacionou como dívida do casal o crédito do A. em causa nos presentes autos, enquanto crédito ilíquido, por referência à sentença a proferir no processo executivo supramencionado, assim como relacionou o crédito dos Réus sobre o A., também em causa nos presentes autos, tendo o aqui A. sido citado para os autos de inventário, em 18/09/2008 (doc. n°6);
O facto 4, mostra-se provado com a seguinte redação:
4. Ao mesmo tempo que corria termos o sobredito incidente de liquidação, corria termos pelo Tribunal de Família e Menores (2º Juízo - 1ª Secção), sob o nº 158/04.0TMPRT-A, os autos de Inventário para partilha de bens comuns do casal, na qual o cabeça de casal (aqui R.) havia relacionado como dívida do casal o valor em causa nos presentes autos, por referência ao processo executivo supramencionado para os quais o aqui A. foi citado em 18/09/2008 (doc. nº6).
Uma vez mais, não se vê necessidade, de alterar a redação dos factos 3 e 4, uma vez que dos documentos mencionados, é possível aferir a demais factualidade, mostrando-se trabalho inútil e inglório reproduzir e sumariar todos os factos retratados naquelas ações e incidentes a que respeitam os documentos juntos aos autos.
Quanto ao facto 5, dir-se-á a mesma coisa, já que o apelante pretende que seja dada a seguinte redação:
5. O aqui A. apresentou a competente reclamação de créditos, em 21/10/2008 (doc. n°7); em 12/10/2010, efetuou-se a conferência de Interessados, tendo sido aprovado o crédito do Autor como ilíquido, cfr. ata constante do doc. 10 junto aos autos pelo A/Recorrido através do requerimento com Ref.a 43291463. A sentença homologatória de partilha foi proferida, em 01/07/2019 (e despacho que se lhe seguiu a condenar os aqui RR. no pagamento do passivo) (docs. n°s 8, 9 e 10) e que transitou em julgado em 20/09/2019.
Quanto ao facto 6, pretende o apelante que passe a ter a seguinte redação:
6. O aqui A., intentou ação executiva, em 09/12/2019 (doc. n°11) apresentando como título executivo a sentença homologatória da partilha descrita em 5.
No mesmo ficou a constar: “6. Em virtude de não existir pagamento voluntário por banda dos aqui RR. Do passivo que reconheceram dever ao aqui A., este viu-se obrigado a intentar a competente ação executiva em 09/12/2019 (doc. nº11).”
Como vimos, a alteração da matéria de facto só se mostra permitida quando o meio de prova indicado imponha decisão diversa, o que não é seguramente o caso.
Não se vislumbra necessidade de alterar a redação do facto provado 6, em face do documento junto e do valor peticionado na execução.
Finalmente, o apelante requer que o facto 7, passe a ser o seguinte:
7. Os aqui RR. deduziram oposição, mediante embargos de executado, os quais foram julgados procedentes pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 10/01/2022, o qual julgou ilíquida a obrigação exequenda, o que determinou a inexequibilidade do título executivo, com consequente extinção da execução; decisão que foi confirmada pelo Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 21/06/2022, transitado em julgado, em 07/07/2022 (do. n°12).
Encontrando-se junto aos autos certidão do identificado acórdão, mostra-se desnecessário reproduzir a decisão, acessível ao julgador, mediante consulta do documento.
Improcede, pelo exposto a impugnação da matéria de facto.

V-APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS:
O autor AA intentou contra os Réus BB e CC a presente ação declarativa de condenação com processo ordinário, no âmbito da qual foi proferida sentença, em 30.9.2003, com o seguinte dispositivo: “Face ao exposto, julgo a ação parcialmente procedente e, consequentemente, condeno os Réus a pagarem ao Autor a quantia de € 41.758,61 euros, referente a capital, acrescida de juros de mora, á taxa legal, a partir de 11 de Julho de 1998 até efetivo e integral pagamento, julgando assim improcedente a invocada exceção de compensação invocada pelos Réus”.
Por Acórdão, proferido no âmbito dos presentes autos, em 31/03/2004, e transitado em julgado, em 22/04/2004, o Tribunal da Relação do Porto julgou, parcialmente, procedente a apelação daquela sentença e, consequentemente, decidiu:
"a) Relegar-se para execução de sentença o apuramento da remuneração devida ao réu pelos serviços prestados e despesas realizadas em vista da aquisição do terreno para o autor;
b) Declarar compensado este crédito do réu com o do autor, na parte correspondente;
c) Condenar os réus no pagamento dos juros moratórios, a partir de 11 de Julho de 1998, mas apenas relativamente ao crédito do autor não extinto por compensação.".
Em 23.6.2022, foi reaberta a instância, nesta ação declarativa, uma vez que o Autor/Recorrido, deduziu INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO, pedindo a liquidação do seu crédito, alegando que o mesmo deverá ser liquidado no montante de 32.181,69 euros, e os juros de mora vencidos, contados desde 11 de Julho de 1998 até à data em que intentou o presente incidente de liquidação (23/06/2022), no montante de 36.219,84 euros, e os vincendos até efetivo e integral pagamento.
Na contestação, o Réu invocou a prescrição, alegando que o Autor pretende que lhe seja reconhecido o direito a juros de mora vencidos há mais de 5 anos, o que o aqui Réu jamais aceita, por entender que os juros vencidos há mais de cinco anos se encontram prescritos.
Pede que seja conhecida e declarada a prescrição dos juros requeridos pelo Autor, vencidos há mais de 5 anos, nos termos do artigo 310º al. d) do Código Civil, com as devidas consequências legais.
Na apreciação da prescrição, efetuada no despacho saneador, o tribunal a quo, entendeu que “a dívida de juros renasce periodicamente no termo de cada período ou dia, pelo que quanto à dívida de juros correspondente à mora, a prescrição se conta dia a dia, considerando-se prescritos os juros na medida em que sobre a respetiva obrigação vão decorrendo os cinco anos previstos no art.º 310º, alínea d), do Código Civil.”
Porém, não julgou verificada a prescrição, uma vez que, depois de reconhecer que “ tratando-se de uma situação de prescrição extintiva, não pode ela deixar de estar submetida às regras da suspensão e interrupção indicadas nos artigos 318º e seguintes, nomeadamente, a norma do art. 323º, nºs 1 e 2, do Código Civil”, considerou terem ocorrido sucessivas interrupções do cômputo daquele prazo, nestes termos, que passamos a reproduzir:
“(…) Ou seja, são devidos juros desde 11 de julho de 1998 (condenação) até ao trânsito da sentença (29/04/2004), sendo que, nesta data, iniciou-se o prazo de prescrição dos juros (de cinco anos) devidos a partir daqui.
Em 06/11/2006 o aqui A. instaurou uma ação executiva que teve por base a sentença proferida nos presentes autos, e que correu termos pelos Juízos de Execução do Porto, 2º Juízo, 3ª Secção, sob o nº 12847/06.0YYPRT, sendo que nessa data (06/11/2006) ainda não tinha decorrido um novo prazo de cinco anos desde a data do trânsito em julgado (29/04/2004), não se encontrando, assim, prescritos quaisquer juros, revelando a entrada em juízo em 06/11/2006 contra os aqui RR. da ação executiva supra aludida uma manifestação inequívoca de exigência da prestação, cuja sentença, proferida em 30/01/2009, transitou em julgado em 16/03/2009, pelo que se reiniciou novo prazo de prescrição a partir desse dia (16/03/2009), ficando inutilizado para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente.
Do mesmo modo, revela manifestação inequívoca de exigência da prestação a entrada em juízo do incidente de liquidação nos presentes autos por banda do aqui A. Em 15/02/2010, cuja sentença, proferida em 26/11/2019, que transitou em julgado em 20/01/2020, sendo que nessa data (15/02/2010) ainda não tinha decorrido um novo prazo de cinco anos desde a data do trânsito em julgado da sentença proferida nos autos executivos que correram seus regulares termos pelos Juízos de Execução do Porto, 2º Juízo, 3ª Secção, sob o nº 12847/06.0YYPRT, que transitou em julgado em 16/03/2009 não se encontrando, assim, prescritos quaisquer juros. Por via deste incidente de liquidação, reiniciou-se novo prazo de prescrição de juros a partir do dia 20/01/2020 (data do trânsito em julgado da sentença que lhe pôs termo), ficando inutilizado para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, sendo certo que desde a referida data (20/01/2020) até à presente data ainda não decorreu o prazo de cinco anos.
Acresce que a reclamação de créditos apresentada pelo aqui A. nos autos de inventário para partilha de bens comuns do casal que correu termos pelo Tribunal de Família e Menores (2º Juízo - 1ª Secção), sob o nº 158/04.0TMPRT-A em 21/10/2008, cuja a respetiva sentença homologatória, proferida em 01/07/2019 , transitou em julgado em 20/09/2019, bem como a ação executiva que se lhe seguiu, instaurada em 09/12/2019 , cuja sentença respeitante aos embargos de executado deduzidos pelos aqui RR., proferida em 21/06/2022, transitou em julgado em 07/07/2022.
A atuação do aqui Autor, supra descrita, revela manifestações inequívocas de exigência da prestação, cujas respetivas datas de entrada e trânsito em julgado quase que coincidem no lapso temporal das outras duas ações judiciais antes mencionadas, interrompendo os prazos de prescrição em curso.
Pelo exposto, entende-se que não ocorreu, qualquer prescrição de juros de mora da quantia liquidada pelo Autor.”
A discordância do apelante reside, como já tivemos ocasião de referir, no facto daquele defender que se encontram prescritos os juros de mora vencidos há mais de 5 anos, cuja liquidação é reclamada pelo Autor/Recorrido, baseando-se no entendimento que as sucessivas citações e notificações efetuadas nas referidas ações e incidentes, não produziram o efeito interruptivo pretendido pelo Autor/Recorrido, tal como foi reconhecido no despacho saneador.
Alega para tanto que, o Autor/Recorrido interpôs sucessivas ações contra o Réu/Recorrente e a Ré, nas quais peticionou o pagamento do crédito que pretende liquidar nos presentes autos, inclusivamente, dos juros de mora vencidos e vincendos. No entanto, as sucessivas ações em causa e citações efetuadas nas referidas ações, não produziram o efeito interruptivo pretendido pelo Autor/Recorrido.
Reconhece que o prazo de prescrição de 5 anos ficou interrompido com a ação Executiva - Processo n.° 12847/06.0YYPRT, intentada pelo Apelado, que correu os seus termos nos Juízos de Execução do Porto - 2° Juízo, 3a Secção, tendo a prescrição dos juros de mora ficado interrompida cinco dias depois da instauração da aludida ação executiva, isto é, em 21/11/2006.
Tendo sido proferida sentença naqueles autos, que absolveu o Executado, aqui Recorrente, da instância, por motivo imputável ao Exequente, aqui Recorrido, a prescrição não pode beneficiar do efeito duradouro previsto no artigo 327° n° 1 do CC.
Isto porque, à data em que intentou a referida execução, o aqui Recorrido, bem sabia que o título executivo de que se serviu, a sentença proferida em 30/09/2003 (Doc.2 junto aos autos pelo A./Recorrido através do requerimento com Ref.a 43291463), tinha sido parcialmente revogada, pelo Acórdão da Relação do Porto, transitado em julgado, em 29/04/2004, o qual reconheceu o crédito do Recorrido como ilíquido, ao fazê-lo depender da compensação do crédito do Recorrente, também ele ilíquido;
Havendo absolvição da instância, por motivo processual imputável ao titular do direito, o novo prazo de prescrição começa a correr logo após o ato interruptivo, conforme dispõe o n.° 2 do artigo 327° do CC.
A interrupção da prescrição operada pela instauração da ação executiva, embora tenha interrompido o prazo da prescrição, o certo é que, o novo prazo prescricional de 5 anos iniciou-se, logo após o ato interruptivo, isto é, em 21/11/2006.
Ora, o Tribunal a quo, entendeu que a prescrição em causa foi, novamente, interrompida com a interposição do incidente de liquidação, nos presentes autos, em 15/02/2010, entendimento com o qual o Apelante não concorda, pelas seguintes razões:
-A primeira, porque, o prazo da prescrição apenas se interrompe uma vez, atentos os motivos de certeza e segurança jurídica subjacentes a este instituto - princípio da segurança jurídica consagrado no artigo 2° da Constituição da República Portuguesa e artigo 300° do CC -, e à própria proteção do devedor, dado que sucessivas interrupções do prazo fariam com que os juros de mora se avolumassem de tal forma que poderiam, mesmo, exceder o crédito de capital, o que, aliás, ocorrerá nestes autos, caso a liquidação pretendida pelo Autor/Recorrido venha a proceder, o que não se concede, pondo em causa a própria solvência do devedor, o que, o instituto da prescrição pretende evitar.
-A segunda, porque, considerar o prazo da prescrição interrompido, mais do que uma vez, com a interposição de sucessivas ações, seria premiar o Autor/Recorrido que, fazendo um mau uso e uma incorreta utilização do processo e dos Tribunais, de forma a locupletar-se às custas do Réu/Recorrente, veria a obrigação de juros a aumentar, sem qualquer limite, de tal modo que o crédito de juros se tornaria superior ao crédito de capital, como é o caso dos autos, nos termos da pretensão deduzida pelo Autor/Recorrido; o que é chocante e intolerável ao direito
Desde logo, porque tal atuação processual configura uma clamorosa violação do princípio da economia processual, e do dever de diligência a que as partes processuais estão obrigadas, devendo o instituto da prescrição servir para evitar que situações como as dos presentes autos se repitam, de forma ao credor se ver obrigado a diligenciar de forma célere e eficaz pelo exercício dos seus direitos, não protelando o seu exercício.
Vejamos.
A primeira questão, terá que ser apreciada, por aplicação e interpretação das regras da prescrição.
A prescrição assenta no reconhecimento da repercussão do tempo nas situações jurídicas, visando, no essencial, tutelar o interesse do devedor.
É um ponto discutido, mas segundo a doutrina dominante o fundamento específico da prescrição reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo tido como razoável pelo legislador e durante o qual seria legítimo esperar o seu exercício, se nisso estivesse interessado. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de proteção jurídica.
De acordo com o disposto no nº 1 do art. 298º do Cód. Civil estão sujeitos à prescrição “todos e quaisquer direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos dela”, sendo que, uma vez completado o prazo prescricional, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer forma, ao exercício do direito prescrito (art. 304º, n.º 1, do Cód. Civil), desse modo, bloqueando e paralisando a pretensão do credor, na configuração de exceção perentória (art. 576º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil).
A dívida de juros, tal como todas as prestações que constituem o correspetivo do gozo de coisas fungíveis, (o que ocorre também na mora, já que o decurso do tempo sem a disponibilização do capital beneficia o devedor e prejudica o credor), detém certa autonomia em relação à dívida de capital que corresponde à prestação obrigacional do contrato celebrado, pelo que cada uma essas dívidas, com alguma independência entre si está sujeita também a prescrição própria.
Prescrevem no prazo de cinco anos, os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades art. 310º, al. d), do Código Civil.
A prescrição constitui um mecanismo legal que impede o normal exercício do direito, transformando obrigações jurídicas em meras obrigações naturais.
Ela representa o sacrifício do valor da justiça em favor do valor da certeza e segurança, na medida em que impede o credor de exigir o cumprimento do seu direito para além de um certo período de tempo.
Conforme refere Antunes Varela[1] a prescrição não é uma verdadeira causa de extinção das obrigações, mas apenas um meio, para além das causas extintivas propriamente ditas, de o credor se livrar da obrigação.
"Estão sujeitos a prescrição - diz-nos o art.º 298º, nº 1 do CC pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição".
A prescrição consiste na faculdade de o beneficiário recusar o cumprimento da prestação ou de se opor ao exercício de um direito decorrido certo prazo- art.º 304º nº 1.
O fundamento do instituto reside, como dissemos, na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o prazo; a negligência faz presumir que ele tenha querido renunciar ao direito ou, pelo menos, o torna não merecedor da tutela jurídica.
A razão da lei é a adaptação da situação de direito à situação de facto de não exercício do direito durante certo tempo pelo seu titular.
A prescrição é, como diz o Professor Vaz Serra, temperada por razões de negligência do credor ou sujeito ativo do direito e a disponibilidade da outra parte quanto a valer-se dela. A prescrição é determinada no interesse do devedor ou do sujeito passivo da relação jurídica e supõe a negligência ou a inércia do titular do direito, o que inculca a sua renúncia e o torna por isso indigno de proteção jurídica.[2]
A lei visa essencialmente duas finalidades complementares, com o regime prescricional: proteger a segurança jurídica e sancionar a negligência do titular do direito.
É certo que, tratando-se de uma situação de prescrição extintiva, não pode ela deixar de estar submetida às regras da suspensão e interrupção indicadas nos artigos 318º e seguintes, nomeadamente, a norma do art. 323º, nºs 1 e 2, do Código Civil.
A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente art. 323º, nº 1, do CCivil.
Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias art. 323º, nº 2, do CCivil.
Dispõe o art. 326º do C.Civil o seguinte:
1.A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte.
2. A nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311.º
Vindo a lei, desde logo, a estabelecer um regime especial – o da interrupção duradoura do prazo da prescrição, no art. 327.º nº 1, prescrevendo que:
“Se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo”.
O nº 2, por seu turno dispõe que:
“Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo processual começa a correr logo após o ato interruptivo”.
No caso de o réu ser absolvido da instância, o novo prazo de prescrição começará a contar-se desde a interrupção.
No caso em apreço, na ação executiva movida pelo Apelado, no processo nº 12847/06.0YYPRT veio a ser proferida decisão da primeira instância em 30.01.2009 que julgou procedente a Oposição e em consequência julgou extinta a execução por iliquidez da obrigação exequenda.
Resulta da factualidade provada que, na data em que intentou a referida execução, o aqui Recorrido, bem sabia que o título executivo de que se serviu, a sentença proferida em 30/09/2003 tinha sido parcialmente revogada, pelo Acórdão da Relação do Porto, transitado em julgado, em 29/04/2004, o qual reconheceu o crédito do Recorrido como ilíquido, ao fazê-lo depender da compensação do crédito do Recorrente, também ele ilíquido.
Temos de concordar assim com o Apelante, no sentido em que, havendo absolvição da instância, (neste caso por motivo processual imputável ao titular do direito), o novo prazo de prescrição começa a correr logo após o ato interruptivo, conforme dispõe o n.° 2 do artigo 327° do CC.
Assim sendo, embora tenha havido interrupção do prazo da prescrição, com a instauração da ação executiva, o certo é que, o novo prazo prescricional de 5 anos iniciou-se, logo após o ato interruptivo, isto é, em 21/11/2006.
Na sentença sob recurso, porém, não se atendeu àquele nº 2 do artigo 327º do C.Civil, mas à data do trânsito em julgado da decisão proferida na ação executiva - processo nº 12847/06.0YYPRT (decisão proferida em 30.01.2009 que transitou em julgado em 16.03.2009), para considerar que então se iniciou novo prazo de prescrição, prazo esse interrompido com a dedução do presente Incidente de Liquidação, em 15.02.2010.
Quer numa ou outra data a questão que urge dar resposta é a de saber se corre novo prazo de prescrição (de cinco anos) após aquela interrupção, isto porque, de seguida o Apelante intentou as seguintes ações, conforme excerto retirado do despacho recorrido:
“(…)Do mesmo modo, revela manifestação inequívoca de exigência da prestação a entrada em juízo do incidente de liquidação nos presentes autos por banda do aqui A. Em 15/02/2010, cuja sentença, proferida em 26/11/2019, que transitou em julgado em 20/01/2020, sendo que nessa data (15/02/2010) ainda não tinha decorrido um novo prazo de cinco anos desde a data do trânsito em julgado da sentença proferida nos autos executivos que correram seus regulares termos pelos Juízos de Execução do Porto, 2º Juízo, 3ª Secção, sob o nº 12847/06.0YYPRT, que transitou em julgado em 16/03/2009 não se encontrando, assim, prescritos quaisquer juros. Por via deste incidente de liquidação, reiniciou-se novo prazo de prescrição de juros a partir do dia 20/01/2020 (data do trânsito em julgado da sentença que lhe pôs termo), ficando inutilizado para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, sendo certo que desde a referida data (20/01/2020) até à presente data ainda não decorreu o prazo de cinco anos.
Acresce que a reclamação de créditos apresentada pelo aqui A. nos autos de inventário para partilha de bens comuns do casal que correu termos pelo Tribunal de Família e Menores (2º Juízo - 1ª Secção), sob o nº 158/04.0TMPRT-A em 21/10/2008, cuja a respetiva sentença homologatória, proferida em 01/07/2019 , transitou em julgado em 20/09/2019, bem como a ação executiva que se lhe seguiu, instaurada em 09/12/2019 Processo: 7906/00.5TVPRT , cuja sentença respeitante aos embargos de executado deduzidos pelos aqui RR., proferida em 21/06/2022, transitou em julgado em 07/07/2022.(…)”
O Tribunal recorrido entendeu desta forma que podem ocorrer sucessivas interrupções da prescrição, já o Apelado defende que não.
A lei não é clara, já que não proíbe expressamente que um prazo de prescrição interrompido possa vir ser objeto de sucessivas interrupções, verificado que seja o evento interruptivo.
Porém a jurisprudência, que pensamos, ser maioritária (pelo menos quando está em causa a interrupção por via de notificação judicial avulsa), rejeita a possibilidade de ocorrência de sucessivas interrupções do prazo prescricional.
Na verdade, vem sendo seguida a jurisprudência plasmada no Acórdão desta Relação do Porto de 14.7.2003[3] com o seguinte sumário: “A prescrição só pode ser interrompida uma vez”.
É a seguinte a fundamentação utilizada: “Como é sabido, o fundamento específico da prescrição reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo que o legislador considerou razoável para tal. O não exercício do direito dentro do prazo legal faz presumir que o titular do direito quis renunciar ao mesmo, ou pelo menos, como diz Manuel de Andrade (Teoria Geral, I, Almedina, 2.ª reimpressão, pag. 446), a negligência torna-o indigno de proteção jurídica (dormientibus non succurrit ius). Todavia, outras razões se costuma invocar para justificar o instituto da prescrição. A certeza ou segurança jurídica é uma delas, “a qual exige que as situações de facto que se constituíram e prolongaram por muito tempo, sobre a base delas se criando expectativas e se organizando planos de vida, se mantenham, não podendo ser atacadas por anti-jurídicas” (autor, obra e local citado). Outras razões são a necessidade de proteger os devedores contra as dificuldades de prova e exercer uma pressão educativa sobre o titular do direito para que não descure o seu exercício.
Ora, permitir sucessivas interrupções da prescrição seria atentar contra todas aquelas as razões que constituem o fundamento daquele instituto jurídico. Como bem observou o Ex.mo Conselheiro Martins da Costa no seu voto de vencido, lavrado no citado acórdão de uniformização de jurisprudência, “em face dos interesses visados pelo instituto da prescrição: a regra geral é a prescrição dos direitos, destinada a evitar o seu exercício depois de decorrido certo período de tempo; a sua interrupção da prescrição reveste carácter excecional e só é, por isso, admitida em circunstâncias especiais.”
É claro que a proibição de sucessivas interrupções não resulta diretamente da letra da lei, mas da letra da lei também não resulta o contrário. Por isso, temos de lançar mão do elemento teleológico e esse aponta, claramente, no sentido de que a interrupção da prescrição só pode ocorrer uma vez. Tal conclusão não é repudiada pela letra da lei e podemos mesmo dizer que nela tem algum apoio, uma vez que a interrupção a que a lei se refere parece ser inequivocamente a interrupção do prazo inicial e não a interrupção do novo prazo de prescrição (vide artigos 323.º a 327.º do CC). No mesmo sentido, veja-se o acórdão da Relação do Porto, de 7.11.2002 (CJ, V, 167).”
Por sua vez, o acórdão do STJ de 5.11.2013[4] tem o seguinte sumário: “O prazo prescricional previsto no art. 498.º do CC apenas pode ser interrompido, através de notificação judicial avulsa, por uma vez, não tendo as eventuais e sucessivas notificações judiciais avulsas subsequentes qualquer eficácia interruptiva da prescrição.”
Na respetiva fundamentação pode ler-se: “Mas, sabendo-se que a interrupção do prazo prescricional inutiliza todo o que decorre antes do ato interruptivo, iniciando-se novo prazo igual ao primitivo, não será difícil de perceber que não pode admitir-se sucessivas interrupções através de notificação judicial avulsa, sob pena de se criar enorme insegurança na ordem jurídica, e, sobretudo, sem se destruir a razão de ser do próprio instituo da prescrição.
A ser como quer o recorrente, estava descoberta a maneira de defraudar a lei, ignorando-se os prazos prescricionais, que, por via de sucessivas notificações judiciais avulsas, se renovariam periodicamente, à vontade do titular do direito, sem nunca se esgotarem.
Uma tal interpretação, além de violar o Art.º 300º do C.C., contrariaria o espírito da lei, sem encontrar qualquer apoio na sua letra.”
Acontece que, reconhecendo ser esta a melhor interpretação da lei, sem dúvida quando a prescrição é interrompida por via de notificação judicial avulsa, já não sendo tão evidente quanto a interrupção é feita no âmbito de ações judiciais interpostas, afigura-se-nos que no caso em apreço, atentas as circunstâncias concretas do mesmo, a invocação da prescrição pelo Réu, mostra-se desconforme às regras da boa-fé e á finalidade do direito. Se não vejamos.
De acordo com o art. 334º do C.Civil, é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social desse direito.
“A nota típica do abuso do direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um fim que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que deve ser exercido.”[5]
Dir-se-á, em conformidade, que a noção de abuso de direito assenta no exercício legal de um direito, que, no entanto, é feito em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito.
O Professor Menezes Cordeiro,[6] sintetiza em seis tipologias as situações em que tem sido colocada a ocorrência do abuso do direito, sendo que estas tipologias suscetíveis de enquadrar parâmetros de atuação aptos a concretizar os conceitos jurídicos indeterminados em que está ancorado o instituto do abuso do direito.
As referidas tipologias são as seguintes: a exceptio doli, o venire contra factum proprium, as inalegabilidades formais, a supressio e a surrectio, o tu quoque e o desequilíbrio no exercício de posições jurídicas.
Podemos afirmar que ocorre uma situação típica de abuso do direito quando alguém, detentor de um determinado direito, consagrado e tutelado pela ordem jurídica, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante.
Com efeito, uma das modalidades que se tem considerado configurar abuso do direito é o desequilíbrio no exercício de posições jurídicas, que se pode definir como o exercício de um direito que devido a circunstâncias extraordinárias dá origem a resultados totalmente estranhos ao que é admissível pelo sistema, quer por contrariar a confiança ou aquilo que o outro podia razoavelmente esperar, quer por dar origem a uma desproporção manifesta e objetiva entre os benefícios recolhidos pelo titular ao exercer o direito e os sacrifícios impostos à outra parte resultantes desse exercício.
É que na situação em apreço, constata-se que o Autor, perseguindo o objetivo inequívoco, (como se reconheceu na sentença), de exigir a prestação do Réu - o pagamento da quantia de € 41.758,61 euros, acrescida de juros de mora à taxa legal a partir de 11.7.1998 até efetivo e integral pagamento, direito de crédito que lhe foi reconhecido na ação declarativa de condenação com processo ordinário (anterior Proc.nº928/00, 3ª Secção, 1ª Vara Cível do Porto), foi sendo confrontado, nos processos judiciais que instaurou tendo em vista tal desiderato, com a iliquidez do pedido.
A iliquidez resultou da alteração da sentença proferida pela 1ª instância naquele processo pelo Tribunal da Relação do Porto, o qual, em acórdão de 31/03/2004, com transito em julgado, em 22/04/2004, manteve a condenação do Réu a pagar ao Autor aquele valor, mas reconhecendo ao ora Apelante um contra crédito, decidiu:
"a) Relegar-se para execução de sentença o apuramento da remuneração devida ao réu pelos serviços prestados e despesas realizadas em vista da aquisição do terreno para o autor;
b) Declarar compensado este crédito do réu com o do autor, na parte correspondente;
c) Condenar os réus no pagamento dos juros moratórios, a partir de 11 de Julho de 1998, mas apenas relativamente ao crédito do autor não extinto por compensação.",
Ou seja, a revogação parcial da decisão que reconheceu o direito de crédito do ora Apelado sobre o Apelante converteu uma condenação em quantia líquida numa condenação ilíquida.
Decorre ainda daquela decisão que a iliquidez da obrigação tem como causa o reconhecimento dum contra crédito do ora Apelante sobre o Apelado, também ele ilíquido, sendo que a iliquidez do direito de crédito do Apelado tem apenas como causa a iliquidez daquele contra crédito de que é titular o ora apelante.
Significa isto, a nosso ver, que todas as diligencias judiciais levadas a cabo pelo ora Apelado, (discriminadas não despacho recorrido), para exigir a prestação que lhe foi reconhecida por sentença transitada em julgado em 2004 “esbarraram” sempre na iliquidez da obrigação, causada, ou com origem na iliquidez do contra crédito, crédito este titulado pelo ora Apelante.
A iliquidez do crédito do Apelado obstaculizou o exercício do seu direito junto do ora Apelante, nas múltiplas ações processuais que intentou tendo em vista o objetivo da cobrança do crédito.
É o contra crédito deste ora Apelante que está na origem de tal iliquidez.
Ora o Apelante não pode desconhecer esta realidade, pois pois é isto que resulta das múltiplas decisões judiciais juntas aos autos.
Desta forma, é de afastar a interpretação feita pelo apelante no sentido que as sucessivas ações foram feitas sem “acerto” pelo credor, no sentido que nenhuma lhe reconheceu o direito a ver executado o seu crédito, “(...)", pois, não pode o ordenamento jurídico tolerar que um credor possa instaurar sucessivas ações, sobre o mesmo objeto, até acertar, e assim fazer interromper, sucessivamente, o prazo de prescrição; tal seria permitir que, no caso concreto, quer a obrigação, quer os juros, nunca prescrevessem até que o Autor acertasse, ou pretendesse acertar, na ação própria para ver liquidado o seu crédito”
Ou que “considerar o prazo da prescrição interrompido, mais do que uma vez, com a interposição de sucessivas ações, seria premiar o Autor/Recorrido que, fazendo um mau uso e uma incorreta utilização do processo e dos Tribunais, de forma a locupletar-se às custas do Réu/Recorrente, veria a obrigação de juros a aumentar, sem qualquer limite, de tal modo que o crédito de juros se tornaria superior ao crédito de capital, como é o caso dos autos, nos termos da pretensão deduzida pelo Autor/Recorrido; o que é chocante e intolerável ao direito”
Porquanto, resulta do teor das decisões judiciais juntas aos autos, que o único obstáculo à exigência coerciva da prestação (com exceção da primeira execução instaurada, baseada em título executivo não transitado em julgado, mas que teve por efeito, interromper a prescrição nos moldes já supra analisados) é a iliquidez do contra crédito do Réu/Apelante, que está na origem da iliquidez do crédito do ora Apelado e que o vem impedindo do exercício do seu direito ao longo de todo este tempo.
Porque foi determinada a compensação de créditos, enquanto tal iliquidez subsistisse, nunca poderia o Apelado ver satisfeito o seu crédito, não obstante os esforços que desenvolveu judicialmente para o efeito.
O obstáculo ao exercício do direito do autor tem origem no próprio comportamento do devedor.
Ao manter ilíquido o seu contra crédito atuou o réu de forma contrária aos ditames da boa-fé, invocando sempre a iliquidez do crédito do autor, de molde a impedir aquele de exercer o seu direito, nos inúmeros processos por este intentados para tal.
Desta forma, sabendo ainda que o autor nunca protelou o exercício do seu direito, ao instaurar as ações supra identificadas, pelo contrário foi sempre diligente na tentativa de o cobrar, ao invocar no presente incidente de liquidação a exceção da Prescrição, atua a nosso ver, em abuso de direito.
Afirmar, como afirma o Apelante que “foi a inércia do Autor/Recorrido em interpor a ação própria para poder ver liquidado o seu crédito (pois só com o presente incidente de liquidação "acertou" no meio processual correto), fez com que o decurso do tempo fizesse prescrever os juros de mora vencidos há mais de cinco anos, nos termos do artigo 310° al. d) do CC”, excede manifestamente os limites da boa-fé, pelo que, por força do disposto no art. 334º do Código civil, tudo se deve passar como se não tivesse o direito de invocar a prescrição.
Do exposto resulta que, deve ser julgado improcedente o recurso e confirmada a sentença, se bem que com diversa fundamentação.

VI-DECISÃO
Pelos exposto e em conclusão, acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso, e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo Apelante.

Porto, 21 de novembro de 2023
Alexandra Pelayo
Artur Dionísio Oliveira
Alberto Taveira
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[1] In Obrigações em Geral, 2ª ed., Vol. II, pg. 133.
[2] A Caducidade na Doutrina, na Lei e na Jurisprudência de Aníbal de Castro, 3ºa edição pg 43
[3] Relatado por Manuel Joaquim Sousa Peixoto e proferido no processo 0313320, disponível in www.dgsi.pt.
[4] Relatado por Moreira Alves, no processo 7624/12.1TBMAI.S1 e disponível no mesmo loc.
[5] Antunes Varela e PL I vol pg 297,
[6] In Tratado de Direito Civil Português”, Parte Geral, Tomo I, 2ª ed., Coimbra, Livª Almedina, pgs. 249-269.