Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
11839/20.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISOLETA DE ALMEIDA COSTA
Descritores: DECISÕES JUDICIAIS
TRÂNSITO EM JULGADO
RECORRIBILIDADE
Nº do Documento: RP2024101011839/20.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 10/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Para efeitos do disposto no artigo 628 º do Código de Processo Civil a decisão só pode considerar-se irrecorrível depois de definitivamente fixada na ordem jurídica essa irrecorribilidade.
II - Uma decisão, ainda que legalmente irrecorrível só pode considerar-se transitada em julgado com o trânsito da decisão proferida sobre a reclamação apresentada nos termos do artigo 643º do Código de Processo Civil, pois só nessa data se consolidou na ordem jurídica que a decisão “não é suscetível de recurso ordinário ou de reclamação”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 11839/20.0T8PRT.P1





Sumário (artigo 663º nº 7 do Código de Processo Civil)
……………………………………………….
……………………………………………….
……………………………………………….







ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

Nos presentes autos de despejo em que são partes CLUBE ..., e A..., LDA, por sentença de 21 de março de 2021, a ré foi condenada no pedido formulado de «resolução do contrato de arrendamento dos autos com a consequente entrega ao Autor do locado, livre e desocupado de pessoas e bens, completamente limpo e asseado, com todas as paredes, portas, vidros e chaves e mais pertenças, em bom estado de funcionamento e sem deteriorações, com todas as legais e devidas consequências e ainda no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de €500,00 por cada dia em que mantenha o locado ocupado após ter sido decretada a resolução do contrato de arrendamento»,
Por requerimento de 23/02/2024 veio a Autora reclamar dos termos da certidão emitida pela Secretaria a 8/01/2024 e na qual se atesta que (…) “a sentença ora acima certificada transitou em julgado a 16/11/2023”.
Invocou em síntese que:
O A. foi notificado (em 15 de fevereiro de 2024), nos termos e para os efeitos do nº 2 do artº 699º CPC, do recurso extraordinário de revisão interposto pela Ré, em 09/01/2024, o qual corre por apenso aos presentes autos.
Tendo tomado então conhecimento de que com esse requerimento de interposição de recurso, foi junta a certificação do trânsito em julgado, da sentença emitida em 08/01/2024 na qual se atesta que o trânsito em julgado da sentença ocorreu em 16/11/2023.
(…) Está errada a data do trânsito em julgado da sentença proferida nestes autos;
A sentença que decretou a resolução do contrato de arrendamento foi proferida em 21/03/2021, notificada às partes em 22/03/2021 e por ela recebida – presumivelmente – no dia 25/03/2021;
Já depois de decorrido o prazo legal a Ré veio efetivamente recorrer;
O recurso foi rejeitado por ser intempestivo.
Este despacho de não admissão do recurso foi alvo de reclamação apresentada pela Ré, nos termos do artº 643º do C.P.Civil;
Por Acórdão em Conferência foi confirmada a decisão de não admissão do recurso da sentença, de que a Ré interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça;
Em Acórdão proferido em Conferência do Supremo Tribunal de Justiça de 31/10/2023, foi decidida a não admissibilidade do recurso de revista do Acórdão da Relação proferido no âmbito da reclamação a que alude o artº 643º do Código de Processo Civil, o qual transitou em julgado em 16/11/2023.
O trânsito em julgado da sentença que decretou o despejo ocorreu em momento muito anterior, nomeadamente, 30 dias após a notificação da sentença às partes (por via eletrónica, em 21/03/2021, pelo que presume-se efetivamente realizada em 25/03/2021).
A Ré tinha 30 dias para recorrer da aludida sentença o que, descontando as férias judiciais ocorridas entre 28/03/2021 e 05/04/2021, significa que esse prazo se exauriu no dia 03/05/2021;
(…) E, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que transitou em julgado a 16/11/2023 não tinha por objeto a sentença que decretou o despejo, mas sim o despacho que não admitiu o recurso daquela – sendo proferido em sede do apenso de reclamação do artº 643º do C.P.Civil!
Pelo que, a data do trânsito em julgado do Acórdão do STJ em nada contende com a data de trânsito em julgado da sentença, que ocorreu, nos termos da lei, logo que a mesma deixou de ser suscetível de recurso ordinário, ou seja, decorrido o prazo para a sua interposição.
Requereu, anulação do ato de secretaria e a sua substituição por outro que ateste que a data do trânsito em julgado da sentença ocorreu no dia 04/05/2021, com todas as consequências legais.
*
Sobre este requerimento foi proferido o seguinte despacho:
“O exposto já se mostra antecipadamente apreciado no despacho proferido em 29/11/2023, esclarecendo-se que a sentença só se pode considerar transitada em julgado quando em definitivo for decidida a reclamação apresentada sobre o despacho que não admitiu o recurso interposto, pois até lá, em hipótese, o recurso poderá vir a ser sempre admitido, ainda que esteja apenas em causa uma reclamação para o STJ que acabou por ser julgada inadmissível.
Desta feita, está, pois, correta a certidão emitida pela secretaria.
DESTE DESPACHO APELOU A REQUERENTE TENDO FORMULADO AS SEGUINTES CONCLUSÕES.
IA certidão, passada pela secretaria, a atestar o trânsito em julgado da sentença em 16/11/2023, está errada;
II. A sentença transitou em julgado logo que se exauriu o prazo de recurso ordinário, ou seja, a 04/05/2021 ou, caso assim não se entenda, pelo menos a 24/02/2022, isto é, 10 dias depois da notificação do acórdão que julgou improcedente a reclamação do despacho que não admitiu o recurso.
III. Neste último sentido já decidiu o Juízo de Execução do Porto –Juiz 6, no processo n.º 7513/22.1T8PRT-A, onde a questão do trânsito foi suscitada em sede de embargos de executado e ali apreciada e decidida.
Nestes termos e nos mais e melhores de Direito deve o presente recurso ser provido, sendo revogado o despacho recorrido e substituído por outro que determine a anulação do ato de secretaria praticado e ordenando-se a sua substituição por outro que ateste que a data do trânsito em julgado da sentença ocorreu no dia 04/05/2021 ou, pelo menos e caso assim não se entenda, a 24/02/2022.

Não houve resposta.

Nada obsta ao mérito.


O OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil).
Atentas as conclusões da recorrente a única questão a decidir é a de saber qual a data do trânsito da sentença proferida nos autos, em face das vicissitudes processuais posteriores à mesma.

O MÉRITO DO RECURSO:

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Nos autos for proferida sentença de condenação da Ré a 21/03/2021.
Desta sentença, pela Ré, foi interposto recurso a 7/05/2021
Foi proferido despacho de não admissão do recurso a 28/05/2021
A Ré recorrente reclamou do despacho de não admissão do recurso nos termos do disposto no artigo 643º do Código de Processo Civil em 11/06/2021
Foi proferida decisão singular de indeferimento da Reclamação mantendo-se o despacho recorrido a 11/12/2021.
Foi apresentada Reclamação para a Conferência a 10/01/2022.
Foi proferido Acórdão que confirmou a Decisão Singular em Conferência de 08/02/2022.
A Ré apresentou Revista do Acórdão do TRP, a qual não foi admitida no STJ por Decisão Singular do Relator proferida a 11/05/2023.
A Ré Reclamou desta Decisão para a Conferência, tendo sido proferido Acórdão que indeferiu a reclamação, na Conferência de 31/10/2023.
Este Acórdão foi notificado às partes a 2/11/2023

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
I A única questão a resolver é a de saber em que data transitou a sentença proferida nos autos.
A noção do trânsito em julgado da sentença está impressa no atual artigo 628º do Código de Processo Civil que tem o seguinte teor: “A decisão considera-se transitada em julgado, logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação”.
Esta norma tem a sua correspondente no anterior artigo 677º do Código de Processo Civil que estabelecia que: “A decisão considera-se passada ou transitada em julgado, logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação nos termos dos artigos 668º e 669º”.
O trânsito em julgado da sentença prende-se com a produção dos seus efeitos jurídicos donde que só ocorre na data em que ela se fixa definitivamente na ordem jurídica, ou seja, quando ultrapassadas todas questões da sua interpretação ou de nulidades existentes, ela se torne compreensível para os sujeitos processuais e assim insuscetível de recurso.
Para que a sentença se possa considerar irrecorrível terão por consequência que estar definitivamente decididas, ainda, as questões relacionadas com a sua própria irrecorribilidade, ou seja terá de ter transitado ainda a decisão sobre a reclamação que eventualmente seja apresentada do despacho que indeferiu o recurso que da mesma foi apresentado.
A Recorrente vem sustentar que no caso tendo sido confirmado em definitivo pelo Tribunal Superior, no caso o STJ, o despacho que não admitiu o recurso, não é a data do trânsito desta decisão que releva mas a do limite do prazo estabelecido pela lei para recorrer.
A posição da Recorrente é quanto a nós indefensável. Traduzir-se-ia na prática, na admissibilidade da retroatividade do trânsito em julgado da sentença, pois, é fora de duvida que apresentada Reclamação ao abrigo do disposto no artigo 643º do Código de Processo Civil, não se poderia estabelecer definitivamente que a sentença era irrecorrível, sem uma decisão definitiva sobre a questão.
É pois com essa decisão definitiva proferida sobre a reclamação interposta nos termos do artigo 643º do Código de Processo Civil que a sentença se torna irrecorrível.
Com efeito a decisão, só pode considerar-se irrecorrível, depois de definitivamente fixada na ordem jurídica essa irrecorribilidade.
Portanto proferida uma decisão, ainda que legalmente irrecorrível a mesma só pode considerar-se transitada em julgado com o trânsito da decisão proferida sobre a reclamação apresentada nos termos do artigo 643º do Código de Processo Civil.
Só nesta data se consolidou na ordem jurídica que a sentença “não é suscetível de recurso ordinário ou de reclamação”, conforme dispõe o artigo 628º do Código de Processo Civil supra citado.
Neste sentido (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, págs. 311 e 32): “Podem ocorrer vicissitudes suscetíveis de determinar tanto a antecipação como o diferimento da data do trânsito em julgado.
(…) Quanto à dilação do trânsito em julgado, (…) há efeitos que forçosamente se produzem mesmo quando o recurso é rejeitado, tendo em conta a necessidade de aguardar a definitividade do despacho de não admissão, sujeito a reclamação para o tribunal superior, nos termos do artigo 643º.”
Lebre de Freitas e outra, in CPC, anotado, Volume 3º, pág. 20, referem: “(…) Sendo interposta a reclamação prevista no art.º 643º, a inadmissibilidade do recurso ordinário só se verifica depois de ser confirmado o despacho de não admissão pelo relator ou, eventualmente pela conferência (abstrai-se da eventual interposição de recurso de constitucionalidade do acórdão proferido pela conferência no tribunal superior, quando tal seja admissível.”
Ou seja, e como se refere no acórdão da Relação de Guimarães, de 12/10/23, proferido no processo 5613/19.4 T8VNF-A.G3, “ainda que à luz da lei, o Acórdão não seja suscetível de recurso de revista, o apuramento do trânsito em julgado, não prescinde da análise das concretas vicissitudes, sob pena de se desconsiderar a realidade e se cair numa ficção e, nomeadamente, não prescinde de verificar se foi interposto tal recurso, se o mesmo não foi admitido, se houve reclamação dessa decisão, se da decisão do Relator foi pedida a conferência, pois se tal suceder, o Acórdão só se torna definitivo, quando se tornar definitiva a última decisão”.
No mesmo sentido decidiu o STJ, no acórdão de 22/02/2017, processo 659/12.6TTMTS.P2-A.S1. Aí se escreveu o seguinte: “Efetivamente, não é o facto puro e simples da sentença ou acórdão não admitirem recurso à face da lei, que acarreta o trânsito em julgado na data da respetiva prolação (…) O trânsito só ocorre depois de esgotados todos os meios de reação legalmente previstos ou o decurso do respetivo prazo, seja a interposição de recurso nos termos gerais ou excecionais, seja a reclamação do despacho de não admissão do recurso, seja o pedido de reforma ou a arguição de nulidades.


II
No caso dos autos, conforme resulta da fundamentação de facto supra, que no mais, por comodidade de escrita aqui se dá por reproduzida, foi apresentada reclamação, nos termos do art. 643º, nº 1 do Código de Processo Civil, do despacho que não admitiu o recurso a qual apenas viria a ser definitivamente julgada em Acórdão em Conferência do STJ de 31/11/2023 que não admitiu o recurso da decisão que indeferiu a Reclamação, pelo que o trânsito da sentença ocorreu com a data do trânsito deste acórdão ou seja no décimo dia posterior à notificação do mesmo que conforme resulta dos autos e não está em causa é 16/11/2023 (art. 643º, nº 4 e 652º, nº 3 do CPC)
Improcedem, assim, as conclusões da alegação do presente recurso, negando-se provimento ao mesmo.





SEGUE DELIBERAÇÃO:
NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA.

Custas pela Recorrente.






Porto, 10 de outubro de 2024
Maria Isoleta de Almeida Costa
Francisca Micaela Fonseca da Costa Vieira
Ana Luísa Gomes Loureiro