Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0812691
Nº Convencional: JTRP00041450
Relator: FRANCISCO MARCOLINO
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
Nº do Documento: RP200806110812691
Data do Acordão: 06/11/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 534 - FLS 201.
Área Temática: .
Sumário: I - O art. 61º do Código Penal prevê, para a concessão da liberdade condicional, duas modalidades distintas: a obrigatória e a facultativa.
II - É obrigatório conceder a liberdade condicional ao recluso condenado em pena de prisão superior a seis anos logo que tenha cumprido cinco sextos da pena (n.º 4 do citado art. 61º).
III - Todos os demais casos previstos na lei contemplam situações de concessão facultativa de liberdade condicional. Nestas situações, para além da verificação dos requisitos formais – cumprimento de metade ou dois terços da pena, no mínimo seis meses – tem o Juiz de se certificar de que estão reunidos os denominados requisitos materiais, ou seja, tem de poder concluir que o arguido, uma vez colocado em liberdade, adoptará uma conduta de homem fiel ao direito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso 2691/08
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Processo …./05.6TXPRT-A, do .º Juízo do Tribunal de Execução das Penas do Porto

Por acórdão do STJ de 20 de Abril de 2005 foi o arguido B………., casado, vendedor ambulante/feirante, nascido em 16/12/1981 em ………. - Peso da Régua, filho de C………. e de D………., com residência, antes de preso, no ………., Bloco ., Entrada ., cave, esquerda, ………. - Peso da Régua, condenado na pena unitária de 6 anos e 6 meses de prisão (cfr. fls. 638).
Cumpre pena no EP Regional de Lamego.
Atingiu os 2/3 da pena em 11 de Fevereiro de 2008 (fls. 650).

Com vista à concessão da liberdade condicional foram juntos aos autos os legais relatórios, que se transcrevem, sublinhando-se o que de mais relevante se considerar para aquele efeito:
A) Da Ex.ma Directora do EP
“3. EVOLUÇÃO DA SITUAÇÃO NO DECURSO DO CUMPRIMENTO DA PENA
O recluso foi alvo de uma medida disciplinar em Março de 2007, na sequência da não apresentação de uma saída precária prolongada que lhe foi concedida.
Encontra-se a frequentar o curso ………., as actividades extracurriculares de Educação Física, de Expressão Dramática e de Educação Visual e a Bolsa de Actividade de «Educação para a Saúde».
Neste EPR concluiu os 1º e 2º Ciclos do Ensino Básico e algumas unidades capitalizáveis do 3º Ciclo e frequentou as Bolsas de Actividade de «Encadernação», de «Música» e de «Dinamização de Biblioteca» e o curso «Competências Básicas em Tecnologias da Informação».
Solicita trabalho como faxina.
Segundo o recluso «era consumidor de cocaína e de heroína», mas não frequenta as consultas do CAT, porque «não estava agarrado».
Submetido a testes de detecção de droga, obteve resultados negativos.
Tem recebido visitas, frequentes, da cônjuge e da filha e, esporádicas, do pai e de outros familiares.
Perspectiva, uma vez em liberdade, retornar à sua residência e reintegrar o seu agregado familiar, constituído pela cônjuge e pela filha de 6 anos de idade.
A nível profissional, retomará a sua actividade.
Face ao cometimento dos crimes, nomeadamente o tráfico de droga, refere que «cedia aos amigos» e que estes correspondiam, vendendo pequenas quantidades.
4.CONCLUSÃO
Face à situação atrás descrita, nomeadamente por não ter cumprido as obrigações impostas aquando da concessão da SPP, parece-me que não se encontram reunidas as condições mínimas necessárias para o recluso poder beneficiar de Liberdade Condicional”.
B) Da Ex.ma Técnica do EP
3. Antecedentes pessoais, criminais e prisionais
De um grupo de 4 irmãos B………. é o primeiro na ordem de nascimentos. Integrou o agregado familiar dos progenitores até aos 18 anos de idade, altura em que casou e constituiu agregado familiar autónomo. Tem uma filha de 6 anos de idade. O recluso é primário.
4. Evolução durante o cumprimento da pena
4.1. Atitude face ao crime e reacção à pena
B………. desvaloriza o crime de tráfico de droga em que se encontra condenado. Relativamente à não apresentação aquando da concessão de uma saída precária prolongada, verbaliza que o fez porque o sogro se encontrava doente.
Confrontado com a gravidade do não cumprimento das obrigações que lhe tinham impostas, na referida SPP, considera que após o cumprimento do castigo esta situação ficou ultrapassada.
4.2. Comportamento e disciplina
O recluso foi alvo de uma medida disciplinar em Março do ano em curso, tendo sido punido com 20 dias de internamento em quarto individual, por não apresentação aquando da concessão de uma saída precária prolongada.
4.3. Integração e desempenho laboral
O recluso desempenhou funções de faxina na zona prisional, desde Dezembro de 2004 a Junho de 2006, altura em que beneficiou de uma saída precária prolongada e não se apresentou dentro do limite fixado. Actualmente encontra-se a aguardar colocação para trabalho.
4.4. Qualificação escolar e/ou profissional
No ano lectivo 2002/2003, B………. frequentou sem aproveitamento o 1° ciclo do ensino básico, que veio a concluir com aproveitamento no ano lectivo 2003/2004. No ano lectivo 2004/2005 frequentou sem aproveitamento o 2° ciclo do ensino básico, nível de ensino que veio a concluir com aproveitamento no ano lectivo2005/2006.
No ano lectivo 2006/2007 frequentou o 3° ciclo do ensino básico a partir de Março de 2007 tendo concluído algumas unidades.
No ano lectivo em curso encontra-se a frequentar o curso ………. . Frequentou com aproveitamento as seguintes Bolsas de Actividade:
• Em 2003, «Encadernação»
• Em 2004, «Música»
• Em 2006 - «Dinamização de Biblioteca»
Em 2005, frequentou também com aproveitamento o curso «Competências Básicas em Tecnologias da Informação».
No ano em curso frequenta a bolsa de actividade de «Educação para a Saúde»
4.5. Integração noutras actividades sócioculturais e/ou programas
específicos
Frequenta as actividades extracurriculares de educação física, expressão dramática e educação visual.
4.6. Saúde
Apesar de ter referido aquando da entrada neste EPR, que era consumidor de cocaína e heroína, não solicitou acompanhamento nas consultas do CAT.
4.7. Medidas de flexibilização da pena
Não beneficia.
4.8. Apoios do exterior e relacionamento sócio-familiar
Dispõe de apoio por parte da cônjuge, do pai e irmãos. A mãe encontra-se presa no E. Prisional de Santa Cruz do Bispo. Recebe visitas regulares dos familiares já referidos, bem como da madrasta e irmãos por parte do pai.
5. Perspectivas de reinserção social
5.1. Competências pessoais e sociais
B………. é uma pessoa ansiosa, que reage de forma emotiva e imatura aos problemas, tendo dificuldade em fazer uma reflexão crítica sobre os seus comportamentos.
5.2. Motivação para a mudança
B………. verbaliza intenção de retomar a vida que tinha em liberdade que segundo diz era «normal». Refere ainda que consegue manter-se afastado do problema da droga.
5.3. Enquadramento sócio-familiar e profissional
Em liberdade, B………. irá reintegrar o seu agregado familiar composto pela cônjuge e filha. Pretende retomar a actividade de feirante e vendedor ambulante. Durante o tempo de prisão é a esposa que mantém a actividade de feirante.
6. Avaliação e Parecer
Face à revogação da saída precária prolongada de que beneficiou, por não ter regressado dentro do prazo que lhe foi estipulado, tendo permanecido 8 meses e 9 dias em ausência ilegítima, sou de parecer desfavorável à concessão de Liberdade Condicional nesta fase do cumprimento da pena.
C) Da DGRS
“B………. é originário de uma família de etnia cigana, há muito radicada na cidade de Peso da Régua. A infância decorreu sem incidentes, mas por volta dos 12 anos o pai foi condenado ao cumprimento de uma pena de prisão pelo crime de tráfico de estupefacientes, após o que se deu a ruptura da relação marital, tendo o recluso passado a viver com a mãe. Posteriormente esta também cumpriu pena de prisão pelo crime de tráfico de estupefacientes. Durante a reclusão da progenitora, B………. integrou o agregado da avó materna que se encontrava em liberdade condicional.
Há cerca de 7 anos contraiu matrimónio, autonomizando-se da família de origem, trabalhando regularmente como feirante, actividade que lhe proporcionou rendimentos económicos capazes de suprir as necessidades de todos os membros da família, até que foi condenado à presente pena de prisão.
II — Evolução pessoal durante o cumprimento da pena
B………. começou por adoptar um comportamento prisional positivo. Não se envolveu em problemas, frequentou o ensino de uma forma empenhada e participou activamente nas actividades recreativas do E.P.R.
Apresentou um discurso de grande reflexão sobre o passado, identificando o envolvimento em actividades ligadas aos estupefacientes como o elemento desestrutrador da sua vida, ao mesmo tempo que começou a apresentar projectos de vida centrados no exercício de uma actividade profissional e na família, preocupado como cumprimento das normas consagradas no ordenamento jurídico.
Beneficiou com sucesso da primeira saída precária prolongada, mas no gozo da 2ª saída precária não regressou ao E.P.R. de Lamego, tendo andado em liberdade desde 23.06.2006 a 03.03.2007, altura em que foi detido.
Posteriormente o seu discurso alterou-se significativamente, tentando justificar o facto de não ter regressado voluntariamente ao E.P.R. com problemas familiares e económicos, sem admitir os erros cometidos cem a verdade e rigor que se impunham.
Por outro lado, diminuiu a assertividade das suas reflexões, assumindo-se mais reivindicativo e preocupado com os seus direitos, esquecendo a necessidade de cumprir os deveres.
III - Perspectivas de reinserção social
Se beneficiar de liberdade condicional pretende fixar-se junto da esposa e filho, no apartamento que ocupam no ………., mantendo esperanças de que no futuro lhes seja atribuída um apartamento maior.
Considera ter condições para reiniciar a actividade de feirante, até porque beneficia do apoio de familiares ligados a esta actividade, perspectivando que os proventos auferidos lhe permitirão satisfazer as necessidades da sua família.
A comunidade conhece bem o seu percurso de vida e o crime pelo qual está condenado assumiu grande visibilidade na cidade da Régua Contudo, no ………. onde reside não se registam sentimentos de estigmatização social capazes de pôr em causa a paz social.
Conclusão
Na primeira fase de cumprimento da pena de prisão B………. adoptou uma postura positiva, adaptou-se às normas institucionais, frequentou a escola e participou nas actividades recreativas do E.P.R. Sobretudo adoptou um discurso de grande reflexão sobre o seu passado, arrependimento e projectos de vida consistentes.
Posteriormente à saída precária prolongada de que não regressou, verbalizou um discurso inconsistente, pouco reflectido, reivindicativo e centrado nos seus direitos, mas sem considerar os seus deveres. Tratou-se de uma evolução negativa que revela uma atitude de desconformidade para como ordenamento jurídico que não aconselha a concessão da presente medida de flexibilização da pena de prisão.

Em 7 de Fevereiro de 2008 reuniu o Conselho Técnico.
“Aberta a sessão foi examinada a situação do recluso B………., já identificado nos autos, tendo os membros do Conselho Técnico prestado vários esclarecimentos acerca daquele, bem como os relatórios e parecer juntos aos autos no âmbito da presente fase processual, cujos conteúdos foram mantidos.
Interrompida a sessão, ele, Senhor Juiz, passou a ouvir a sós o recluso, que respondeu a questões pertinentes com a sua situação pessoal e prisional (declarou que cometeu o crime de tráfico por, na altura, ser muito novo e por ver os seus vizinhos e alguns familiares, que a tal actividade se dedicavam, a levarem uma vida muito melhor do que a sua; que na altura desses factos consumia cocaína quando saía com os amigos, consumos que abandonou depois de preso; que não regressou da saída precária com vista a auxiliar economicamente a sua carenciada família, tendo trabalhado, durante a ausência, na venda ambulante; que frequenta a escola, no âmbito do E.P.), propósitos de vida futura (afirmou pretender ir residir com a mulher e a filha, retomando a sua actividade de feirante) e com vista à obtenção do seu consentimento quanto à concessão de Liberdade Condicional, o qual foi expressamente prestado”.

Findo o Conselho Técnico, o Sr. Juiz proferiu o despacho recorrido, junto a fls. 31 destes autos, com o seguinte conteúdo:
“O recluso B………. cumpre a pena única de 6 anos e 6 meses de prisão, à ordem do processo n.° …/00.1, do .° Juízo do Tribunal Judicial de Peso da Régua, no âmbito do qual foram cumuladas penas parcelares atinentes à autoria de um crime de tráfico de estupefacientes, um crime de detenção de arma proibida e um outro de condução de veículo sem habilitação legal.
Atingirá os dois terços da pena em 11.02.2008, os cinco sextos da mesma em 11.03.2009, estando o seu termo previsto para 11.04.2010.
No decurso da execução da pena em presença, o recluso beneficiou de uma saída precária prolongada com início em 23.06.2006, da qual não regressou, tendo sido recapturado em 03.03.2007.
Após esta ocorrência, reveladora de uma personalidade com dificuldades no cumprimento de regras, não lhe foi concedida nova medida de flexibilização da pena. De resto, nem sequer decorreu ainda o prazo a que alude o artigo 38°, do Dec. Lei n.º 783/76, de 29.10.
Estas circunstâncias, só por si, desaconselham a aplicação do regime da liberdade condicional nesta fase do cumprimento da pena.
Pelo exposto, entendo não resultar preenchido o condicionalismo previsto no artigo 61°, n.° 2, alínea a), do Código Penal, razão pela qual decido não colocar o condenado em liberdade condicional”.

Inconformado, o arguido interpôs recurso, tendo extraído da sua motivação as seguintes conclusões:
1. O presente recurso manifesta a discordância do arguido/recorrente com a decisão proferida pelo Tribunal Recorrido que julgou não estar preenchido o condicionalismo previsto no art.º 61º nº 2, al. a) do Código Penal e assim decidiu não o colocar o arguido/recorrente em liberdade condicional.
2. No discernir do recorrente, o M.º Juiz a quo Tribunal a quo não concretizou na sua douta decisão as razões que o conduziram ao entendimento de não se mostrar preenchido o condicionalismo previsto no art. 61º nº 2, al. a), do Código Penal.
3. A única circunstância em que o M.º Juiz a quo funda a sua convicção de que o arguido/recorrente não é merecedor da liberdade condicional, é na violação por parte do arguido da execução da pena de prisão, através da sua ausência do estabelecimento prisional entre 23.06.2006 a 03.03.2007, em virtude de não ter regressado de uma saída precária prolongada.
4. Nenhuma outra condição prevista no citado preceito legal é focada pelo Tribunal a quo como impeditiva da concessão da liberdade condicional do arguido.
5. Uma vez que nos encontramos na presença de dispositivo legal que carece de preenchimento por parte do Julgador, face à indeterminação dos conceitos que o integram, impunha-se ao Tribunal recorrido uma maior concretização e exactidão nos motivos que, no seu entender, obstam à concessão da liberdade condicional do arguido.
6. Pois que, o simples facto de ainda não ter decorrido o prazo de um ano previsto no art. 38º do D.L. nº 783/76 de 29.10 (à data da decisão recorrida faltava menos de um mês), só por si, não desaconselha a aplicação do regime da liberdade condicional nesta fase do cumprimento da pena.
7. Pelo que, salvo o devido respeito, não andou bem o Tribunal recorrido, já que não tendo apreciado o 1/2 da pena, invoca agora aos 2/3 da pena a simples violação de uma saída precária prolongada para a não concessão da liberdade condicional.
8. A violação da saída precária tem como consequência o previsto nos arts. 37º, 38º do citado DL 783/76 de 29.10, com as alterações introduzidas pela Lei Nº 59/98 de 25.08 ou art. 53º do DL 265/79.
9. Equivale por dizer que se a lei quisesse prever a violação da saída precária como condição para a não concessão da liberdade condicional certamente o teria feito, o que de todo não fez.
10. Assim sendo e não tendo o Tribunal a quo concretizado de forma expressa os motivos que no seu entender impediam à data da decisão a concessão da liberdade condicional, decidiu de foram precipitada e legalmente infundada.
11. Atenta a proximidade, à data da prolacção da decisão recorrida com a data em que perfaz um ano após a revogação da saída precária prolongada, podia e devia o M.º Juiz a quo, com base na informação dos autos, designadamente dos mais recentes relatórios e pareceres, relegar a liberdade condicional do arguido para o momento em que este completasse um ano da sanção prevista no citado art.º 38º do DL 783/76 de 29.10.
12. De facto, a execução da pena já cumprida, as consequências que sofreu em virtude da violação da saída precária prolongada, os propósitos sempre manifestados de melhor vida futura, a frequência do ensino e da formação “Novas Oportunidades”, foram suficientes para fazer sentir ao arguido o peso do mal cometido e fazê-lo agarrar uma oportunidade de reintegração na vida comunitária.
13. Assim não tendo sido concedida a liberdade condicional ao arguido/recorrente, violou a douta decisão em crise, entre outras, as disposições conjugadas dos artigos dos 61º, nº 2 al. a) e segs do Código Penal e 38º DL 783/76 de 29.10 e 28º e 32º da CRP.

Respondeu o M.º P.º com as seguintes conclusões:
1. A douta decisão recorrida está suficientemente fundamentada, porquanto o simples facto de o recorrente ter andado em ausência ilegítima durante mais de oito meses, por não ter regressado duma saída precária prolongada, cria fundadas dúvidas sobre o seu comportamento positivo, se colocado em liberdade.
2. Por outro lado, se num caso destes, o art.º 38° do Dec. Lei 783/76, de 29.10, impede a concessão de nova saída precária prolongada antes de decorrido um ano, por maioria de razão deve obstar à concessão da liberdade condicional.
3. Finalmente, as informações fornecidas aos autos pelos técnicos de educação e de reinserção social, bem como o parecer da directora do E.P., apontam no sentido de que tal liberdade condicional não deveria, de facto, ser concedida.
4. Nestes termos, deve manter-se a douta decisão recorrida, por improcedência do recurso.

Nesta Relação, o Ex.mo PGA emite douto parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

A única questão do presente recurso é a de apurar se ao Recorrente deveria ter sido concedida a liberdade condicional, atingidos que foram os 2/3 da pena.

Para podermos responder, teremos de previamente convocar as normas legais aplicáveis.
Dispõe o artigo 61º do C. Penal, sob a epígrafe “Liberdade condicional”, “Pressupostos e duração”:
1. A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.
2. O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.
3. O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.
4. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.
5. Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.
Por sua vez, o Código de Processo Penal regulamenta a aplicação da liberdade condicional:
Artigo 484º “Início do processo da liberdade condicional”
1. Até dois meses antes da data admissível para a libertação condicional do condenado ou para efeitos de concessão do período de adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, os serviços prisionais remetem ao Tribunal de Execução das Penas:
a) Relatório dos serviços técnicos prisionais sobre a execução da pena e o comportamento prisional do recluso;
b) Parecer fundamentado sobre a concessão de liberdade condicional, elaborado pelo director de estabelecimento.
2. Até quatro meses antes da data admissível para a libertação condicional do condenado ou para efeitos da concessão do período de adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, o Tribunal de Execução das Penas solicita aos serviços de reinserção social:
a) Plano individual de readaptação;
b) Relatório social contendo uma análise dos efeitos da pena; ou
c) Relatório social contendo outros elementos com interesse para a decisão sobre a liberdade condicional ou a concessão do período de adaptação à liberdade condicional.
3. Oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou do condenado, o tribunal solicita quaisquer outros relatórios ou documentos ou realiza diligências que se afigurem com interesse para a decisão sobre a liberdade condicional, nomeadamente a elaboração de um plano de reinserção social, pelos serviços de reinserção social. O pedido de elaboração do plano é obrigatório sempre que o condenado se encontre preso há mais de cinco anos.
Artigo 485.º, “Decisão”
1. Até 10 dias antes da data admissível para a libertação condicional, o Ministério Público emite, nos próprios autos, parecer sobre a concessão.
2. Antes de proferir despacho sobre a concessão da liberdade condicional, o Tribunal de Execução das Penas ouve o condenado, nomeadamente para obter o seu consentimento.
3. O despacho que deferir a liberdade condicional ou deferir a adaptação à liberdade condicional, além de descrever os fundamentos da sua concessão, especifica o respectivo período de duração e as regras de conduta ou outras obrigações a que fica subordinado o beneficiário, sendo este dele notificado e recebendo cópia antes de libertado.
4. O despacho que negar a liberdade condicional ou negar a adaptação à liberdade condicional é notificado ao recluso.
5. Do despacho sobre a liberdade condicional ou a adaptação à liberdade condicional é remetida cópia, pelo meio de comunicação mais expedito, para os serviços prisionais, serviços de reinserção social e outras instituições que o tribunal determinar.
6. O despacho que negar a liberdade condicional é susceptível de recurso.
7. É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 1 do artigo 495.º

In casu, não se põe em crise a observância do formalismo legal atinente à concessão da liberdade condicional.
Antes, defende o recorrente que estão verificados os requisitos da concessão da liberdade condicional.
O artigo 61º do C. Penal prevê, para a concessão da liberdade condicional, duas modalidades distintas: a obrigatória e a facultativa.
É obrigatório conceder a liberdade condicional ao recluso condenado em pena de prisão superior a seis anos logo que tenha cumprido cinco sextos da pena – n.º 4 do citado art.º 61º.
Nesta situação, a simples verificação dos requisitos formais – cumprimento de cinco sextos da pena por recluso condenado em pena de prisão superior a seis anos, desde que, naturalmente, se tenha obtido o seu consentimento (n.º 1 do art.º 61) – o recluso beneficiará, sem mais, da liberdade condicional.
Todos as demais casos previstos numa lei contemplam situações de concessão facultativa da liberdade condicional.
Nestas situações, para além da verificação dos requisitos formais – cumprimento de metade ou dois terços da pena, no mínimo seis meses – tem o Juiz de se certificar de que estão reunidos os denominados requisitos materiais.
Para o caso em análise – concessão da liberdade aos dois terços da pena – diz a lei (n.º 3 do citado art.º 61º) que o tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.
Trata-se de lei expressa e clara.
A alínea a) preceitua que a liberdade condicional só pode ser concedida se e quando “for fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”.
Ou seja, em juízo de prognose antecipada, tem de poder concluir-se que o arguido, uma vez colocado em liberdade, adoptará conduta de homem fiel ao direito; que o arguido se vai integrar normalmente na sociedade, na qual tem as condições necessárias para que, no futuro, não volte a cometer crimes.
Este juízo de prognose assenta, inevitavelmente, nos relatórios juntos aos autos e nos elementos de facto que o recluso queira carrear.
Os relatórios juntos, supra transcritos, apontam para que o juízo de prognose seja negativo.
O arguido nada de novo trouxe e, por isso, não os infirmou.
Com esses elementos, concluiu o Sr. Juiz – e bem - que o Recorrente tem “uma personalidade com dificuldades no cumprimento de regras”, o “que, só por si, desaconselha a aplicação do regime da liberdade condicional nesta fase do cumprimento da pena”.
É certo que a fundamentação do despacho recorrido não é exaustiva.
Mas também, convenhamos, não haveria muito mais a dizer.
De resto, tendo o Recorrente focado ao de leve a questão da falta de fundamentação da decisão recorrida (conclusões 2ª, 3ª e 4ª), não extraiu daí qualquer consequência, assim impedindo este tribunal de a retirar.
Aliás, as conclusões apresentadas, na sua maioria, ou nada têm a ver com o despacho recorrido - chegando ao ponto de dizer-se que não deveria ter sido apreciada a medida naquele momento, quando tal resulta de imposição legal (!) – ou não estão suportadas na motivação.
Ou, mais grave, na motivação não fez um esforço, mínimo que fosse, para tentar demonstrar que, uma vez colocado em liberdade, o Recorrente teria uma postura de homem socializado.
Sem tal demonstração, não vemos como quer se faça o juízo de prognose positivo. Ou seja, o Recorrente omitiu um ónus que era absolutamente imprescindível ao provimento do recurso.
Limitou-se a afirmar que o Juiz devia ter decidido no sentido da concessão da liberdade condicional sem indicar qual a factualidade que conduz a essa decisão.
Certamente porque inexiste nos autos.

A favor do recluso apenas a frequência dos cursos referidos nos relatórios juntos.
Trata-se de comportamento intramuros, que não é sinónimo de fidelidade ao direito.
Embora seja um bom indício nesse sentido, que deveria ter sido complementado.
E não o foi.
Sibi imputed.

As alusões que faz aos preceitos constitucionais não têm qualquer suporte na motivação.
Também não se enxerga porque é que foram violados.

Improcedem, pois, todas as conclusões da motivação.

DECISÃO:
Termos em que, na improcedência do recurso, se mantém e confirma o douto despacho recorrido.
Fixa-se em 6 Ucs a tributação.

Porto, 11 de Junho de 2008
Francisco Marcolino de Jesus
Ângelo Augusto Brandão Morais