Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1211/14.7TBMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: ACÇÃO DE ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS
ÓNUS DA PROVA A CARGO DO AUTOR
ACTAS DAS ASSEMBLEIAS DE CONDÓMINOS
SUBSCRIÇÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
MOMENTO DO SEU CONHECIMENTO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Nº do Documento: RP202112151211/14.7TBMTS.P1
Data do Acordão: 12/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Na acção de anulação de deliberações de condóminos, é do autor o ónus da prova dos factos necessários ao preenchimento das normas legais que cominam as deliberações com a sanção da invalidade concretamente arguida.
II - O artigo 1.º, n.º 1, do DL 268/94, de 25.10, estipula que das assembleias de condóminos sejam lavradas actas redigidas e assinadas por quem nelas tenha servido de presidente e subscritas por todos os condóminos que nelas hajam participado, subscrição que não exige a aposição da assinatura e pode ser feita através da leitura e aprovação da acta.
III - Se a questão da litigância de má fé está colocada, oficiosamente ou a requerimento, no momento da sentença, é nessa peça que a mesma deve ser decidida, só podendo ser relegada para momento posterior a fixação do montante da indemnização a favor da parte contrária.
IV - Proferida sentença sem aquela questão ter sido decidida, a decisão que vier a ser proferida sobre a mesma depois da sentença é nula por excesso de pronúncia por já se encontrar esgotado o poder jurisdicional do juiz.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
ECLI:PT:TRP:2021:1211/14.7TBMTS.P1
*
Sumário:
………………….
………………….
………………….

Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:
B…, contribuinte fiscal n.º ………, instaurou a presente acção declarativa de anulação de deliberações sociais contra C…, D…, E…, F…, G…, H…, I…, J…, K…, L…, M…, N…, O… P…., Q…, S…, T…, U…, V… e X…, W…, Y…, P…, todos residentes na Rua …, n.º … …, e Z… e BA…, residentes em … …, França, pedindo que se declarem nulas e de nenhum efeito as deliberações tomadas na Assembleia de Condomínio reunida em 05.06.2013 do edifício constituído em propriedade horizontal sito na rua … números .., … e …, na freguesia de …, concelho de Matosinhos, ou se assim não se entender, anuladas.
Alegou, em suma, que é dono e legítimo proprietário das fracções que identifica integrantes de um prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, relativamente ao qual recebeu, em 09.05.2013, por carta registada, uma convocatória a indicar dia, hora e local da Assembleia de Condóminos Geral Ordinária. Nessa convocatória não consta a ordem de trabalhos da reunião e a Administração do Condomínio não enviou ao autor a ordem de trabalhos antes da realização da assembleia de condóminos como mencionava na convocação enviada.
Mais alega que o autor foi impedido pela Exma. Administradora do Condomínio de participar na Assembleia de Condóminos que ocorreu em 05.06.2013. Com efeito, ao ser confrontado pela Exma. Administradora com a assinatura da lista de presenças para os condóminos presentes o aqui condómino referiu que “só assino se não abandonar a assembleia”. Esse impedimento à participação na assembleia gera a nulidade das deliberações tomadas.
O autor foi notificado em 09.07.2013 do teor da acta n.º 22 e documentos anexos à mesma, sendo que na mesma não é indicado nem comprovado que todos os condóminos foram regularmente convocados para comparecerem à Assembleia em questão. Na acta não são indicadas as permilagens de cada uma das fracções presentes e dos votos correspondentes e, apesar da presença dos condóminos na Assembleia, verifica-se que os mesmos não assinaram a ata em questão.
As deliberações da assembleia de condóminos devem ser redigidas e assinadas por quem tenha servido de presidente e subscritas por todos os condóminos que nela hajam participado e devem ser comunicadas aos condóminos ausentes por carta registada com aviso de recepção no prazo de trinta dias. A acta deve conter, entre outras coisas, a indicação expressa das permilagens de cada uma das fracções presentes e dos votos correspondentes, bem como a assinatura de todos os condóminos presentes na mesma. Incumbiria, pois, à administração, após redacção da acta recolher as assinaturas dos condóminos que efectivamente estiveram presentes na assembleia, a fim dos mesmos lerem a redacção final da ata e conferirem o que foi deliberado e o que foi inscrito na ata. Estes requisitos não foram salvaguardados pela Administração do Condomínio.
A ré E… deduziu contestação, excepcionando a caducidade do direito do autor de impugnar as deliberações da assembleia e impugnando os factos alegados pelo autor. Alega que o autor recebeu a ordem de trabalhos juntamente com a convocatória para a assembleia, que não foi impedido de participar na assembleia, que apenas lhe foi dito que os assuntos que ele queria ver tratados seria apreciados após os vários pontos da ordem de trabalhos, o que o autor não aceitou porque queria que a assembleia começasse pelos seus assuntos, tendo-se recusado a assinar a lista de presenças e abandonado a assembleia. A acta da assembleia é composta por vários anexos, entre os quais o anexo nº 1, o mapa de presenças da assembleia geral ordinária de 05.06.2013, e nesse documento são indicadas as permilagens de cada uma das fracções e constam as assinaturas dos condóminos presentes.
Após julgamento, foi proferida[1] sentença julgando a acção improcedente e absolvendo os réus do pedido.
No final da sentença foi ordenado o seguinte: «Ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, determina-se a notificação do autor para, em 10 dias, se pronunciar quanto a uma eventual condenação do mesmo como litigante de má-fé nos termos do at. 542.º do Código de Processo Civil
O autor pronunciou-se sobre essa eventualidade, recusando que tenha litigado de má-fé e sustentando que de todo o modo o poder jurisdicional do juiz se esgotou com a prolação da sentença não sendo mais possível decidir sobre essa questão. Na oportunidade requereu a reforma da sentença.
Foi proferida decisão a indeferir a reforma da sentença e a condenar o autor como litigante de má-fé na multa de 5 UC’s.
O autor interpôs recurso de apelação da sentença, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1- Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou totalmente improcedente por não provada a acção de anulação das deliberações tomadas em Assembleia de Condóminos ocorrida em 05 de Junho de 2013 intentada pelo Autor, absolvendo-se os Réus do pedido.
2- O Recorrente não pode, pois, conformar-se com a sentença recorrida, que deu como não provados os factos: de que i) o Autor não recebeu com a convocatória a ordem de trabalhos e de que ii) foi impedido de participar na referida Assembleia; e ainda notificou o Autor para ao abrigo do disposto no artigo 3º, nº3 do C.P.C se pronunciar no prazo de 10 dias, quanto a uma eventual condenação do mesmo como litigante de má fé nos termos do artigo 542º do C.P.C.
3- O Autor por requerimento com referencia 39075812 respondeu àquela notificação e alegou que o mesmo não pode ser condenado como litigante de má fé, primeiro porque, depois de esgotado o poder jurisdicional, a juiz a quo já não o pode condenar como litigante de má fé; segundo, porque o mesmo não agiu com má fé e, terceiro, porque não assiste qualquer razão ao douto tribunal em dar como não provados os factos 1) e 2) dos factos não provados na sentença.
4- O recorrente interpôs o presente recurso que versa sobre a matéria de facto e de direito, com pedido de reforma da sentença ao juiz a quo.
5- Com efeito, o Recorrente considera que os seguintes pontos de facto foram incorrectamente julgados:
6 - O facto dado como provado “4. O autor recebeu, por carta registada, a convocatória a indicar dia, hora e local da Assembleia de Condóminos Geral Ordinária cuja cópia se encontra junta a fls. 207” deve ser alterado para “4. O autor recebeu carta registada a indicar dia, hora e local da Assembleia de Condóminos Geral Ordinária cuja cópia se encontra junta a fls. 85";
7- E, ainda, deve ser aditado ao elenco dos factos provados o facto não provado: “1. A ordem de trabalhos da assembleia geral convocada para o dia 5/6/2013 não foi remetida ao autor aquando do envio da convocatória para a assembleia".
8- 9- (nota: segue-se transcrição do depoimento de parte)
10- O Autor confirmou que recebeu a carta junta a fls. 85, mas não recebeu a carta com a Ordem de trabalhos junta a fls. 207, corroborando assim a posição assumida na petição inicial, bem como no documento junto aos autos a fls. 66/72.
11- Por outro lado, da análise do depoimento da testemunha arrolada pela Ré, que se encontra gravado com início ao minuto 12:17h e fim ao minuto 08:41h, ainda que muito pouco perceptível, ouvimos (nota: segue-se transcrição de passagens do depoimento).
12- A testemunha da Ré contestante trabalhava para a empresa responsável pela Administração de condomínio, pelo que não iria afirmar em Tribunal que poderia ter ocorrido um lapso e a carta junta a fls. 207 poderia não ter sido enviada ao aqui Recorrente.
13- Sendo certo que também não decorre do seu depoimento a certeza de que o Autor, aqui Recorrente, tenha recebido a convocatória com a ordem de trabalhos, junta a fls. 207.
14- Por isso, se analisarmos os documentos juntos aos autos, designadamente o próprio documento a fls. 207, e os documentos a fls. 42/61, a fls. 66/72, verificamos que o Autor não recebeu a convocatória a fls. 207.
15- No que diz respeito ao documento a fls. 207, junto pela Ré, verificamos que não vem acompanhado de qualquer registo comprovativo de CTT ou recibo assinado pelo Autor, pelo que não se faz prova de que o mesmo recebeu aquela carta.
16- Daí que, e sem prejuízo de outras questões sobre a forma como são efectuadas as convocatórias da assembleia pela administração de condomínio e com todo o respeito, pensamos que da prova resultam dúvidas e muitas, quanto à forma como ocorreu a “convocação” para a assembleia de 5 de Junho de 2013 (e o cumprimento do prazo legal?) e que ao Autor tenha sido enviada a invocada convocatória junta com a contestação (doc. a fls. 207).
17- A par da não existência de qualquer prova documental, existem outras vicissitudes a ponderar, pois, certamente por lapso, a suposta convocatória que a Ré junta, reportar-se-ia à convocatória da Assembleia Geral de Condóminos do ano de 2013, mas da mesma resulta que se irá realizar no dia 5 de Junho de 2012”?? (para o ano anterior), com pontos de uma ordem de trabalhos da acta n.º 22 (do ano de 2013). Nunca se aperceberam do lapso da data da reunião?... Como é que uma empresa de condomínio com experiência regular antes de imprimir todas as convocatórias de mais 40 condóminos não se apercebeu, nem tão pouco a manuscrito rectificou a data?...
18- Além disso, o facto da carta a fls. 85 mencionar que a “documentação relativa à ordem de trabalhos seguirá o mais breve possível”, não pode levar de per si a concluir como se concluiu, que o Autor recebeu a convocatória com a ordem de trabalhos; pois, se é certo para o Autor que, a convocatória que a Ré junta, não seguiu com a carta que recebeu, nada existe nos autos que infirme que a mesma lhe foi enviada com a carta que o Autor juntou aos autos, nem a Ré (simples condómina) e também a administração, por falta de comprovativo do registo CTT pode ter conhecimento directo da carta que foi ou não enviada ao Autor.
19- Porém, uma coisa é certa o facto de no documento a fls. 85 mencionar que a “documentação relativa à ordem de trabalhos seguirá o mais breve possível”, demonstra que a documentação para análise e deliberação da Assembleia (pelo menos, relatório de contas e Orçamento) não seguiu com aquela carta a fls. 85, o que evidencia uma falha por parte da Administração, já que por norma esta documentação deve seguir com a convocatória, de forma a que os condóminos com a devida antecedência se possam inteirar dos assuntos que irão ser postos a votação.
20- Quanto ao escrito a fls. 208 e 209 junto pela Ré, nada se poderá retirar desse documento, nomeadamente, a conclusão a que o Tribunal a quo chegou, pois tal documento não está assinado pelo Autor, nunca foi discutido, nem foi feito qualquer confronto com o mesmo em sede de audiência de julgamento, pelo que, nenhum relevo probatório poderá dele ser retirado.
21- Por outro lado, sempre se falou numa pen tendo sido afirmado pela testemunha da Ré, em audiência de julgamento a sua existência, e que continha um ficheiro word, o que significa que apenas fará prova o ficheiro Word, para se aferir da sua origem e inviolabilidade (dado que um ficheiro word é um documento editável). Logo, também por este motivo esse documento nenhum relevo pode assumir para prova nos presentes autos, por estar desacompanhada do ficheiro informático e no decurso da Audiência de Julgamento, não ter sido aberto à confrontação para o aqui Autor. Além de que, o ficheiro foi entregue à Administração e não à Ré.
22- No seu depoimento a testemunha BB…, referiu com início ao minuto 03:16 e fim ao minuto 04:32, o seguinte (nota: segue transcrição de passagens do depoimento)
23- Ainda se diga, que não é correto inferir-se como o douto Tribunal a quo inferiu que por constar no ponto 6 do documento a fls. 67 dos autos, “deveriam os pontos apresentados pelo impugnante terem sido admitidos e colocados à consideração da assembleia de condóminos para apreciação e deliberação no item “outros assuntos de carácter geral”, que o Autor recebeu a ordem de trabalhos.
24- Ora, a interpretação do ponto 6 da carta, a fls. 67 dos autos, deve ser conjugada com o referido nos pontos 14 e 25 dessa mesma carta, onde o Autor afirma peremptoriamente que o “por desconhecer a Ordem de Trabalhos até ao dia da reunião, pretendia ver discutidos assuntos do seu próprio interesse e também do interesse geral do condomínio”.
25- Ademais, esta carta a fls. 66/72 é a resposta à ata nº 22, junta a fls. 42, onde vem enunciada a ordem de trabalhos discutida naquela Assembleia e que o Autor impugna dizendo expressamente que não teve acesso à Ordem de trabalhos, conforme ponto 25 do documento a fls. 67/72, pelo que, face a estas circunstâncias, falece a argumentação da Mm.- Juiz a quo, para a conclusão a que chegou sobre a factualidade quanto à recepção da ordem de trabalhos.
26- Depois, não podemos deixar de referir que em regra, a convocatória com indicação de dia, hora, local e ordem de trabalhos é feita numa única folha, até por uma questão de contenção de custos.
27- A verdade é que o Recorrente não recebeu a carta junta aos autos a fls. 207, nem teve conhecimento da ordem de trabalhos com, pelo menos, 10 dias antes da Assembleia.
28- Pelo que, o facto dado como provado “4. O autor recebeu, por carta registada, a convocatória a indicar dia, hora e local da Assembleia de Condóminos Geral Ordinária cuja cópia se encontra junta a fls. 207" deve ser alterado para “4. O autor recebeu carta registada a indicar dia, hora e local da Assembleia de Condóminos Geral Ordinária cuja cópia se encontra junta a fS 85".
29- E, por outro lado, o facto dado como não provado “1. A ordem de trabalhos da assembleia geral convocada para o dia 5/6/2013 não foi remetida ao autor aquando do envio da convocatória para a assembleia", deve ser dado como facto provado.
30- Depois, entende o Recorrente que da instrução da causa resultou provado o seguinte facto: “Antes do início da Assembleia, o Autor e a administradora discutiram, tendo sido dito ao Autor “Você até nem vai participar".
31- Ainda considera que o facto “10. A administração do condomínio referiu-lhe que os assuntos que o mesmo pretendia ver discutidos seriam discutidos depois daqueles que constavam na ordem de trabalhos, quando chegassem ao ponto 6 que dizia respeito a “Outros assuntos de interesse geral", não é verdadeiro, devendo ser dado como não provado.
32- E, o facto “11. Perante tal resposta, o autor recusou-se a assinar a lista de presenças e ausentou-se do local onde decorria a assembleia, não participando nesta”, deve ser alterado para “O Autor não assinou a lista de presenças porque não lhe foi dito que assuntos que levava na Pen poderiam ser discutidos e saiu do local da Assembleia, antes do seu início”.
33- Entre a propositura da acção (03 de Março de 2014) e a prolação da sentença (19 de Maio de 2021) decorreram mais de 7 anos e, entre a ocorrência da Assembleia (05 de Junho de 2013) e a realização da audiência em que foram prestados os depoimentos (18 de Setembro de 2019) decorreram mais de 6 anos.
34- E é sabido que, o hiato de tempo decorrido entre a ocorrência dos factos e a prestação de declarações é um factor a ter em consideração na valoração da prova, sendo certo que o Autor, apesar de todas as suas fragilidades conseguiu de forma coerente, firme e directa esclarecer o Tribunal sobre o que ocorreu, tendo inclusivamente repetido por várias vezes que lhe foi dito pela Administradora “Você até nem vai participar”; ao passo que a testemunha da Ré apresentou um discurso desmemoriado, comprometido, contraditório e parcial sobre a totalidade dos factos, pois nem se recordava em concreto do envio das convocatórias, nem do ocorrido - diga-se discussão - entre o autor e a então administradora.
35- Ou seja, mediante isto, o Tribunal a quo deveria apreciar e valorar as declarações de parte e o depoimento da testemunha tendo em consideração, por um lado, o hiato de tempo decorrido entre a data da Assembleia e a data da audiência de julgamento, que naturalmente entorpeceu a memória, quer do Autor quer da testemunha e, por outro, em conjugação com os documentos redigidos à data em que ocorreu a Assembleia, designadamente a ata nº22 junta a fls. 42 e a impugnação da ata a fls. 66/72, que se diga não foi impugnada pela Ré e ou pela Administração.
36- Nas declarações de parte gravadas, com início ao minuto 02:26 e fim ao minuto 06:07, o Autor disse o seguinte: (nota: segue transcrição de passagens do depoimento).
37- Por sua vez, a testemunha BB…, no seu depoimento gravado com início ao minuto 02:10 e fim ao minuto 10:47, referiu o seguinte: (nota: segue transcrição de passagens do depoimento).
38- Sucede que, resulta do texto da ata nº22, junta a fls. 42 e que foi elaborada pela Administradora logo a seguir à realização da Assembleia o seguinte: “Antes de se ter dado início à Assembleia de condómino, como habitual a administradora solicitou a assinatura dos condóminos presentes no mapa de presenças. O condómino proprietário das fracções G2 e BO - Garagem 13 recusou-se a assinar de imediato o referido mapa, informando que só o iria fazer após aprovação em Assembleia Geral de uma série de pretensões descritas num ficheiro gravado numa “pen”. A administradora informou que quando os condóminos pretenderem colocar à discussão algum assunto apenas o poderão fazer após assinatura do mapa de presenças e depois de se ter dado o início da Assembleia. Assim, após acesa discussão entre o referido condómino e a administradora, este decidiu retirar-se da Assembleia geral antes do seu início”.
39- Com base no teor da Ata, redigida pela Administradora em data próxima dos acontecimentos, se percebe que era condição para assistir a Assembleia a assinatura do mapa de presenças, e que os assuntos só poderiam ser discutidos após a assinatura do mapa de presenças, daí que não seja verdade que tenha sido dito ao Autor que ele poderia ver os assuntos que levava na Pen tratados no ponto “outros assuntos de carácter geral”.
40- Acresce que, também não pode deixar se de ser relevado o documento a fls. 66/72, junto aos autos, em que o Autor, assim que recebe a ata, a impugna e expõe os motivos que levam à sua nulidade, tendo aí referido o que realmente aconteceu, dizendo mesmo que disse à Administradora “só assino se não abandonar a Assembleia” e que a Administradora lhe disse “Você até nem vai participar”. Aliás, neste documento o Autor refere que a administradora lhe poderia ter dado oportunidade de ver os assuntos discutidos no ponto “outros assuntos de carácter geral” (Vide ponto 6º deste documento), mas não significa que ela efectivamente lhe tenha dito isso, pois não disse.
41- A postura do Autor, aqui Recorrente, ao dizer “só assino se não abandonar a Assembleia”, reflecte a resposta à posição da Administradora, que só lhe permitia apresentar os assuntos depois de assinar o mapa de presenças. Mas, o Autor, Recorrente queria a confirmação de que de facto os assuntos iriam ser debatidos, mas Administradora em vez de lhe dizer que sim, disse-lhe “você até nem vai participar”.
42- O Autor foi verdadeiro no seu depoimento esclarecendo que, “directamente” não o colocaram fora da assembleia, mas “indirectamente” sim, porque sentiu que não tinha condições para permanecer na reunião e porque a administradora lhe disse que até nem ia participar, o que o Autor declarou em sede de audiência de julgamento, corroborando assim a impugnação por si feita a fls. 66/72.
43- Há que ter em consideração que o Autor é uma pessoa idosa e a Administradora sendo mais jovem e estando no seu trabalho deveria ter sido mais tolerante e contornado a situação de outra forma, por isso, somos do entendimento que a actuação da Administradora, relatada em Audiência de Julgamento pelo Autor e também pela testemunha, é susceptível de provocar ao homem médio/ bonus pater familia o sentimento de não ser desejado no local, e tendo ocorrido como ocorreu, geraram de forma natural o comportamento do Autor, um comportamento totalmente normal para a sua idade à luz das regras da experiência comum.
44- Depois, a verdade é que a Ré Contestante não assistiu à Assembleia, porquanto conferiu poderes de representação à Administradora, conforme se pode aferir pelo mapa de presenças junto à ata nº 22, a fls. 42, o que significa que a mesma não viu, nem ouviu o que aconteceu no dia e hora da Assembleia, pelo que a sua contestação não versa sobre factos sobre os quais a Ré teve conhecimento presencial, pessoal e directo.
45- Por tudo isto, não restam dúvidas de que “Antes do início da Assembleia, o Autor e a administradora discutiram, tendo sido dito ao Autor “Você até nem vai participar”, devendo este facto ser incluído no elenco dos factos dados como provados.
46- Por seu turno, o facto “10. A administração do condomínio referiu-lhe que os assuntos que o mesmo pretendia ver discutidos seriam discutidos depois daqueles que constavam na ordem de trabalhos, quando chegassem ao ponto 6 que dizia respeito a “Outros assuntos de interesse geral”, não é verdadeiro, devendo ser dado como não provado.
47- E o facto “11. Perante tal resposta, o autor recusou-se a assinar a lista de presenças e ausentou-se do local onde decorria a assembleia, não participando nesta", deve ser alterado para “O Autor não assinou a lista de presenças porque não lhe foi dito que assuntos que levava na Pen poderiam ser discutidos e saiu do local da Assembleia, antes do seu início".
48- Por fim, a verdade é que o facto não provado “2. O autor foi impedido pela administração de condomínio de participar na assembleia mencionada no ponto 5 dos factos provados", deve ser dado como provado nos seguintes termos “O autor sentiu-se impedido pela administração de condomínio de participar na assembleia mencionada no ponto 5 dos factos provados, porque lhe foi dito pela Administradora você até não vai participar".
49- O Autor é uma pessoa simples e com a escolaridade mínima e perante afirmação “você até nem vai participar” compreendeu face às regras da experiência comum e como o homem médio também compreenderia que a administradora o estava a impedir de participar.
50- Sendo que o impedimento também se traduziu na impossibilidade de os assuntos que ele levava na Pen serem discutidos naquela Assembleia, aliado ao facto de se ter gerado uma “acesa discussão”.
51- Convenhamos que qualquer pessoa normal que num dado espaço verifica que não é bem recebido, nem sente o apoio de outras pessoas, se sentirá constrangido em permanecer no local, ainda para mais, quando há uma discussão na qual está envolvido.
52- Resulta do texto da ata nº 22, junta a fls. 42, que, por um lado, só era permitida a colocação de assuntos a debater após a assinatura do mapa de presenças e, por outro, que o Autor só assinava se lhe dessem a oportunidade de esses assuntos serem discutidos naquela Assembleia, tendo a discussão ocorrido por falta de entendimento quanto a isto.
53- Sendo certo que nada obriga ou impõe que os condóminos assinem o mapa de presenças, podendo no caso de o condómino não assinar o mapa fazer-se constar em ata, sem prejuízo de o mesmo assistir e participar na Assembleia.
54- Não obstante, todas as circunstâncias e limitações, como pessoa simples, reformado, motorista de profissão e com 77 anos de idade à data do julgamento, o Recorrente não faltou à verdade, explicando a troca de palavras com a administradora e os motivos que para si, o levaram a não assistir à Assembleia, o que a testemunha da Ré não conseguiu.
55- E, depois ainda com toda a verdade, o Autor, esclareceu o Tribunal, que “directamente” não foi colocado fora da reunião, mas “indirectamente” sentiu que não tinha condições para permanecer no local para assistir à reunião, por a administradora referir ao A. que, “até na vai participar”!
56- Por tudo isto, o facto não provado “2. O autor foi impedido pela administração de condomínio de participar na assembleia mencionada no ponto 5 dos factos provados”, vai impugnado e deve ser dado como provado nos seguintes termos “O autor sentiu-se impedido pela administração de condomínio de participar na assembleia mencionada no ponto 5 dos factos provados, porque lhe foi dito pela Administradora você até não vai participar”.
57- Verifica-se que o Tribunal a quo, apreciou e valorou os factos não tendo em consideração todos os documentos juntos aos autos, designadamente a acta da assembleia de condomínio, assentando a sua fundamentação no depoimento da testemunha da Ré e em partes de documentos, que no seu todo não influem no sentido preconizado pelo Tribunal, designadamente o documento a fls. 66/73 e o documento a fls. 208/209.
58- Os documentos devem ser apreciados com respeito pelo Principio da unidade do documento, ou seja, devem ser apreciados no seu conjunto e não só em partes como fez o Tribunal a quo. Ao aproveitar-se de partes de documentos, sem o analisar globalmente, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento.
59- Pelo que, análise da prova documental conjugada com os depoimentos, verificamos que os factos acima indicados foram incorrectamente valorados e erradamente julgados.
60- Relativamente à matéria de direito: a sentença é nula por ter notificado o Autor quanto a uma eventual condenação do mesmo como litigante de má-fé
61- No caso, o Tribunal a quo tinha que fundamentar, por que motivo e de acordo com a instrução da causa conclui pela eventual condenação de litigância de má fé, isto é, deveria na sentença expor os pressupostos da litigância de má fé, o que não o tendo feito, violou o disposto na alínea b) do nº1, do artigo 615º do C.P.C.
62- Para além disso, a condenação por litigância de má fé, só pode ocorrer na sentença que decide a causa e aprecia o comportamento das partes e nunca em momento posterior. Não tendo feito, a Mm- Juiz a quo não o poderá fazer em momento posterior à prolação da Sentença, por esgotamento do poder jurisdicional, e que terá como consequência a nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, cfr. artigo 615º, nº1, al. d) do C.P.C.
63- Por isso, com o devido respeito, não tem qualquer cobertura legal notificar o Autor, aqui Recorrente, para exercer o contraditório quanto a uma eventual condenação como litigante de má fé na própria sentença que julgou a causa.
64- Tendo sido proferida sentença, a verdade é que já não é possível aferir da eventual Litigância de Má Fé do aqui Recorrente, por via do esgotamento do poder jurisdicional, nos termos dos artigos 608º, nº2 e 613º, nº 1 do C.P.C.
65- A douta sentença ao concluir com “Ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, determina-se a notificação do autor para, em 10 dias, se pronunciar quanto a uma eventual condenação do mesmo como litigante de má-fé nos termos do art. 542.º do Código de Processo Civil”, violou o disposto nos artigos 542º, 608º, nº2 e 613º do CPC.
66- Por outro lado, o objecto da presente acção é saber se as deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos de 05 de Junho de 2013 são anuláveis. Sendo este o problema que o Tribunal a quo teria de decidir.
67- Porém, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre todas as questões, justificando da seguinte forma: “Com efeito, o autor vem levantar a questão da assembleia em causa nesta acção ter sido convocada para Junho e não para Janeiro, que só estavam 28% dos condóminos e que a Ré não indicou outra data caso não houvesse quórum. Tais questões não foram suscitadas na petição inicial pelo autor, estando o Tribunal limitado pelo pedido e causa de pedir, pelo que as mesmas não poderiam ser apreciadas”.
68- Porém, o Autor na petição inicial, em que pediu a anulação das deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos realizada em 05 de Junho de 2013, no seu artigo 8º, alegou que “Por carta registada com aviso de recepção, o A. impugnou a referida acta da Assembleia de Condóminos nº22, nos termos e com os fundamentos constantes do Doc. 8, que se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido”; e no artigo 27 da P.I. foi alegado que “Nessa acta não são indicadas as permilagens de cada uma das fracções presentes e dos votos correspondentes”, tendo o Tribunal a quo considerado tais factos provado no ponto 14 e 42 da factualidade dada como provada.
69- Naquele documento 8, a fls. 66/72, no seu ponto 12 é suscitada a questão da Assembleia ter sido realizada em Junho, quando deveria ter sido em Janeiro e no ponto 13 daquele documento remete para o artigo 1432º do Código Civil, cuja norma se pode subsumir ao facto “Nessa acta não são indicadas as permilagens de cada uma das fracções presentes e dos votos correspondentes.”
70- Por isto, competiria ao Tribunal a quo, pronunciar-se do ponto de vista jurídico sobre a consequência de por um lado, a Assembleia se ter realizado em Junho, quando por lei determina que deve ser em Janeiro; e por outro, quanto à consequência jurídica de na Ata não constar “as permilagens de cada uma das fracções presentes e dos votos correspondentes”, designadamente quanto à consequência de se apurar se existia ou não quórum deliberativo.
71- Até, porque, salvo opinião diversa opinião, estamos diante factos essenciais alegados que segundo o direito substantivo aplicável têm influência sobre o conteúdo da relação material controvertida, isto é, sobre a anulabilidade das deliberações peticionada pelo Autor, aqui Recorrente.
72- Contrariamente, ao que entendeu o Tribunal a quo, tal situação não se encontra sanada pelo facto de junto à Ata estar anexo o mapa de presenças, pois, salvo melhor opinião, deve constar no texto da ata a permilagem das fracções presentes exactamente para se apurar da existência de quórum deliberativo, sendo que se verifica que apenas estavam presentes 28% dos votos, ou seja, não estavam presentes a maioria dos votos representativos, violando dessa forma o disposto no nº 3 e 4 do artigo 1432º do Código Civil.
73- Em face disto, verificou-se, por um lado, um erro na qualificação jurídica quanto ao facto “Nessa acta não são indicadas as permilagens de cada uma das fracções presentes e dos votos correspondentes e, por outro, omissão de pronúncia pelo facto do Tribunal a quo não se ter debruçado sobre estas questões, o que é susceptível de enquadrar nulidade de sentença nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 615 º do C.P.C.
74- O princípio do dispositivo impede que o tribunal decida para além ou diversamente do que foi pedido, mas não obsta a que profira decisão que se inscreva no âmbito da pretensão formulada e com isto quer-se dizer que o Tribunal tinha que declarar a anuladas as deliberações tomadas na Assembleia realizada em 05 de Junho de 2013.
75- Deste modo, o douto Tribunal a quo violou o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 607º do CPC, bem como no nº 2 e 3 do artigo 1432º do Código Civil.
76- Além de tudo isto, o Tribunal a quo violou o regime estatuído nos artigos 342º e 344º do Código Civil ao julgar como provado que Recorrente recebeu a convocatória a fls. 207.
77- Ora, o nº 1 do artigo 1432º do Código Civil exige que a convocatória das Assembleias seja efectuada por meio de carta registada ou mediante recibo de recepção assinado pelos condóminos.
78- O registo de carta ou comprovativo assinado faz presumir que o seu destinatário provavelmente a recebeu ou teve condições de a receber, por isso consubstanciando o artigo 1432º, nº 1 do Código Civil uma exigência legal que se destina a facilitar a prova de que a notificação chegou ao conhecimento do condómino, presunção, que tendo por base o registo postal ou comprovativo assinado, só existe quando se prove que o registo foi efectuado ou o condómino assinou comprovativo de recepção.
79- Deste modo, conjugado o regime do 1432º e o artigo 344º, ambos do Código Civil, e havendo exigência legal de que exista comprovativo de envio da Convocatória, competiria à Ré Contestante, da mesma forma que juntou o carta a fls. 207, juntar o respectivo comprovativo de entrega ao aqui Recorrente, o que não aconteceu.
80- No caso dos presentes autos, não há qualquer prova do registo CTT ou comprovativo assinado pelo Autor, relativo à convocatória com a ordem de trabalhos, pelo que não poderia o Tribunal a quo dar como provado que o Autor, aqui Recorrente, recebeu a convocatória a fls. 207.
81- Por outro lado, o facto de existir comprovativo CTT ou recibo assinado pelo Autor, seria a favor dos Réus e Administração de Condomínio, pelo que, se ainda assim, o Tribunal tivesse dúvidas, deveria ao abrigo do artigo 414º do C.P.C. decidir contra os Réus, que não fizeram prova de que a convocatória com a ordem de trabalhos foi enviada ao aqui Recorrente.
82- Por tudo isto, ao decidir, como decidiu o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 1432º, nº 1 e 2 e o artigo 344º do Código Civil, bem como o artigo 414º do C.P.C.
83- Por fim, resulta provado que as deliberações tomadas na Assembleia de 05 de Junho de 2013 são contrárias à lei, na medida em que se verifica que a convocatória com a ordem de trabalhos não foi enviada ao Autor com pelo menos 10 dias de antecedência; não resulta da ata a verificação de mais de 50% dos votos representativos do capital social para a Assembleia se constituir e deliberar validamente, e ainda quanto ao facto de ser marcada para Junho em vez de Janeiro, o que o Tribunal a quo deveria em conformidade com o disposto no nº 1433º do Código Civil declarar as deliberações anuladas.
84- O Tribunal a quo ao não declarar anuladas as deliberações tomadas na Assembleia de 05 de Junho de 2013 violou o disposto no artigo 1432º, nº 1, 2, 3 e 4, bem como o artigo 1433º do Código Civil.
85- É, pois, pelas razões acima expostas, de facto e de direito, que o Autor interpôs o presente recurso com vista à revogação da decisão em crise e consequente procedência do pedido do Autor, para o que mui respeitosamente requer a reapreciação da matéria de facto, e em consonância sejam declaradas anuladas as deliberações tomadas em Assembleia de condóminos realizada no dia 05 de Junho de 2013.
O recorrida contestante respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
A seguir, o autor interpôs recurso de apelação da decisão sobre a litigância de má fé, apresentando para o efeito as seguintes conclusões das alegações de recurso:
1 – O recurso ora interposto visa atacar a decisão que condenou o Autor, aqui Recorrente, como litigante de má fé, por via de despacho proferido após sentença que julgou a causa principal e que não fez qualquer apreciação sobre a conduta processual do Autor, mas que o notificou para exercer o contraditório quanto a uma eventual condenação por litigância de má fé.
2 - O Recorrente, por requerimento com a referência nº 39075812, exerceu o contraditório relativamente à sua eventual condenação como litigante de má fé, e recorreu da sentença, conforme Alegações e pedido de Reforma, juntas aos autos com a referência 39366454, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
3 – Por um lado, o despacho ora recorrido é nulo nos termos do disposto no art. 615º, n.º 1 al. d), por referencia aos artigos 613º, nº 1, 2 e 3 e artigo 542º, nº 1 e 2 todos do C.P.C. Isto porque,
4 – A respeito da questão da litigância de má fé verifica-se que na sentença datada de 19/05/2021, que julgou a causa principal e que notificou o aqui recorrente para o exercício do contraditório não existe uma qualquer declaração decisória ou indicação dos motivos que levam o Tribunal a quo a indiciar a litigância de à má fé por parte do Autor, o que significa que não esta devidamente fundamentada.
5 - Assim, não é o facto de na sentença que põe termo à causa se notificar o Autor para exercer o contraditório e, desse modo, evitar uma decisão surpresa, que legitima o Tribunal a quo, a por via de despacho emitido posteriormente à sentença condenar o Autor numa multa como litigante de má fé pela sua actuação na lide na fase que antecedeu a sentença.
6 – Nos presentes autos, a matéria atinente à litigância de má fé está conexionada com a causa de pedir e com a actuação do Autor na fase da lide que antecede a prolação de sentença, uma vez que o Tribunal a quo condena o Autor como litigante de má fé, por entender que o Autor não fez prova dos factos constitutivos por si alegados na petição inicial e por considerar que nos autos se provou a versão contrária alegada pela Ré.
7 – A ser assim, o julgamento que se faz sobre o mérito da causa, tem influência directa na forma como o Tribunal a quo, no despacho que ora se recorre, justificou a condenação do Autor como litigante de má fé, ainda que não tenha concretizado com factos os elementos objectivo e subjectivo do artigo 543º, nº2 do C.P.C.
8 – Por isso, ao relegar para momento posterior à prolação de sentença a condenação do aqui Recorrente como litigante de má fé, o Tribunal a quo violou o estatuído no art. 613º, nº1 e 3 do C.P.C., cujo nº 1 dispõe “proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”.
9 – Existindo a conexão de questões (causa principal e matéria da litigância de má fé) implica que o Autor para demonstrar que não agiu de má fé nos presentes autos, tem de fazer prova dos factos constitutivos do seu direito alegado em sede de petição inicial, logo não pode haver duas decisões, porque uma é dependente da outra.
10 – Verificando-se esta situação nos autos, o douto despacho é nulo por ter sido praticado pelo Tribunal a quo um acto que a lei não consentia (art. 615, nº1, al. d), 2ª parte, do C.P.C) sendo evidente que cessou o poder jurisdicional do Tribunal quo, pois, de acordo com o caso concreto, foi ultrapassado o momento processual para conhecer da (eventual) litigância de má fé da parte (Autor, aqui Recorrente) por via da sua actuação na lide na fase que antecedeu a sentença (cfr. arts. 613º, nº 1 e 3 e 542º, nº 2 do C.P.C.) e que só na sentença poderia relevar.
11 - Até porque o facto de haver uma sentença e um despacho que versa sobre a mesma matéria, resulta na “instabilidade” da decisão jurisdicional e viola o Principio da Economia Processual e o Principio da extinção do poder jurisdicional.
12 – Por isso, não sendo a matéria da litigância de má fé superveniente à prolação da sentença, não será de admitir o despacho ora recorrido, por violação do disposto no artigo 613º, nº 1 e 3 do C.P.C.
13 - Mais, decorre do artigo 543º, nº3 do C.P.C. que o momento apropriado para a decisão atinente à questão da litigância de má fé coincide com a sentença final ou qualquer outra decisão que põe termo ao processo, podendo o juiz, apenas relegar a fixação da importância da indemnização para momento posterior, sempre que no momento não tem elementos para fixar o quantitativo (vide a título de exemplo, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 02-06-2016, relatado por Jorge Seabra, no processo nº 12/12.4TBVLN.G2 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08 de Setembro de 2020, relatado por Fonte Ramos, no âmbito do processo nº 197/17.0T8ND.C2, in www.dgsi.pt).
14 - Por tudo isto, o despacho que ora se recorre deve ser declarado nulo por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1 al. d) do C.P.C.
15 – O despacho recorrido é ferido de nulidade por infringir, entre outros, o artigo 613º, nº 1 e 3 do C.P.C., porém à cautela, sempre se afirma que no caso não estão preenchidos os pressupostos da litigância de má fé.
16 – Na realidade, o douto Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento, por se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se para fundamentar a decisão final, conforme o recorrente teve oportunidade de explanar nas alegações de recurso apresentadas em 05/07/2021 e que ora, por questões de economia processual, aqui se dá por integralmente reproduzido.
17 – É evidente que a incapacidade de demonstrar em Tribunal o que de facto aconteceu não tem como consequência directa o sancionamento/enquadramento da conduta do autor, aqui recorrente, como litigante de má fé (a este respeito Vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14/06/2016, relatado por Barateiro Martins, processo nº 2566/14.9TBLRA-A.C1, in www.dgsi.pt).
18 – O Tribunal a quo não pode alicerçar um juízo sobre a má-fé no que se fez constar na motivação da decisão de facto, assim como não pode extrair um juízo de má-fé dum facto não provado, uma vez que, todos o sabemos, num processo, um facto não provado não é sinónimo da prova positiva do facto contrário.
19 – Até porque, dos autos não constam provas suficientes, infalíveis e inatacáveis que permitam sustentar a apreciação dos factos feita pelo Tribunal a quo sem margem para dúvidas. Vejamos,
20 – A Ré E… que apresentou contestação e na qual o Tribunal a quo se baseou para fundamentar a decisão, não assistiu à Assembleia, porquanto conferiu poderes de representação à Administradora, conforme se pode aferir pelo mapa de presenças junto à ata nº 22, a fls. 42, o que significa que a mesma não viu, nem ouviu o que aconteceu no dia e hora da Assembleia, pelo que a sua contestação não versa sobre factos sobre os quais a Ré teve conhecimento presencial, pessoal e directo.
21 – Não está provado que o documento 2 junto com a contestação seja da autoria do autor. O que resulta provado é que o autor no dia da Assembleia entregou uma pen, com um ficheiro em word, à Administradora de Condomínio – Vide facto provado nº 8 da sentença de 19/05/2021.
22 - A ré não fez prova da autenticidade daquele documento, que nem se quer está datado e assinado, nem o Autor confessou que aquele documento é da sua autoria. Ademais, não sendo documento autêntico, o autor não precisava de o impugnar especificamente, pois de forma antecipada, na petição inicial e nos documentos juntos, o autor sempre afirmou que não recebeu a convocatória com a ordem de trabalhos. Por outro lado, a ré não provou que o autor recebeu a convocatória com a ordem de trabalhos, uma vez que não juntou o comprovativo de registo CTT.
23 - Pelo que, a apreciação de tal documento deve obedecer às regras da prova livre, e que obviamente conjugada com a restante prova e demais circunstancias não poderá levar à conclusão de que o autor recebeu a convocatória com a ordem de trabalhos. Aliás, se esse documento tivesse a essencialidade que o Tribunal a quo quer atribuir por que motivo em sede de despacho saneador não foi proferida sentença?
24 - O Tribunal a quo no seu despacho não identifica os concretos meios de prova em que se baseou para concluir pelo facto de que o autor se recusou a assinar a lista de presenças e ausentou-se do local onde decorria a Assembleia” para depois concluir pela litigância de má fé.
25 – Assim, o tribunal a quo violou o disposto no artigo 607º, nº4 do C.P.C.
26 – Segue-se que, o tribunal a quo extraiu um juízo de má-fé por via dum facto não provado, o que não será de admitir à luz do regime estatuído no artigo 542º do C.P.C.
27 - O tribunal a quo também não demonstra por meio de factos concretos de que o autor tenha litigado a título de dolo ou de negligência grave, ou seja, que o autor tenha alterado intencional ou, pelo menos, consciente e voluntária a verdade dos factos (dolo) ou uma culpa grave (culpa lata).
28 - A verdade é que o autor não actuou, nem com dolo, nem com negligência grave, nem cometeu qualquer comportamento que configure a litigância de má fé, nomeadamente, não deduziu pretensão ou oposição cuja falta de fundamentos não devia ignorar.
29 – O douto despacho viola o disposto nos artigos 542º, 607º, nº3, 4 e 5 do C.P.C
30 – Analisados criticamente os meios de prova juntos aos autos não se alcança provada qualquer conduta do Autor que preencha qualquer um dos comportamentos das alíneas do artigo 542º, nº2 do CPC, pelo que, não poderá ser condenado como litigante de má fé.
31 - O autor é uma pessoa simples, reformado, de boa fé e recorreu à Justiça por causa de lhe estar a ser vedado o seu direito de poder ver discutidas questões do seu interesse e dos restantes condóminos, e por entender que a Administração actuou de forma incorrecta, por não cumprir com todas as formalidades a que por lei está obrigada.
32 - Por tudo isto, deve a decisão de condenação por litigância de má fé ser declarada nula ou quando assim não se entenda, o autor, aqui recorrente absolvido, julgando-se assim procedente o presente recurso com consequente revogação do despacho recorrido que condenou o autor como litigante de má fé e respectiva multa.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
A] Recurso da sentença:
i) Se a sentença é nula.
ii) Se a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada.
iii) Se estão preenchidos os pressupostos da invalidade das deliberações impugnadas.
B] Recurso da decisão relativa à litigância de má fé:
i) Se a decisão recorrida é nula por conhecer de uma questão de que já não podia conhecer face ao esgotamento do poder jurisdicional decorrente da prolação da sentença.
ii) Se o autor litigou de má fé.

III. Recurso da sentença:
A] da nulidade da sentença:
Na conclusão 60 o recorrente defende que a sentença recorrida «é nula por ter notificado o autor quanto a uma eventual condenação do mesmo como litigante de má-fé».
Tendo presente que as nulidades da sentença são apenas as previstas no artigo 615.º do Código de Processo Civil, cujo elenco é reconhecidamente taxativo, não se vê como pode haver nulidade da sentença por referência a um despacho que embora formalmente proferido a seguir à sentença se limita a mandar notificar uma das partes para o exercício do contraditório sobre uma questão sobre a qual o tribunal irá depois pronunciar-se, isto é, sobre a qual não se decidiu na sentença.
Não é, seguramente, intenção do recorrente sustentar que a sentença é nula por omissão de pronúncia porque devia ter conhecido dessa questão em vez de relegar o seu conhecimento para momento ulterior; se assim fosse o resultado seria a anulação da sentença e a sanação do vício pela Relação, isto é, o aditamento à sentença, a fazer pela Relação (artigo 665.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), da tomada de decisão sobre a litigância de má fé que é, afinal, o resultado que o recorrente pretende … evitar.
O recorrente afirma na conclusão que o tribunal a quo «tinha que fundamentar por que … conclui pela eventual condenação de litigância de má fé, isto é, deveria na sentença expor os pressupostos da litigância de má fé, o que não o tendo feito, violou o disposto na alínea b) do nº1, do artigo 615º do C.P.C
Em primeiro lugar, se na sentença o tribunal não conheceu da questão da litigância de má fé (como o recorrente reconhece ao dizer que não podia tê-lo feito depois) o tribunal não tinha de fundamentar uma decisão que não existe.
Em segundo, o tribunal não concluiu pela litigância de má fé, apenas decidiu ouvir as partes sobre essa questão, naturalmente suscitando a eventualidade de a questão merecer resposta positiva, sem o que, por um lado, não se justifica exercer o contraditório e, por outro lado, este não seria exercido materialmente já que para o exercer a parte necessita de estar alertada para a decisão que o tribunal antevê como possível.
Em terceiro, parece manifesto que um despacho que se limita a ordenar uma notificação da parte para exercer querendo o contraditório é um despacho de mero expediente que não carece de fundamentação, a qual só é exigida para os despachos decisórios (artigo 154.º do Código de Processo Civil).
Finalmente, a questão de saber se a decisão sobre a litigância de má fé podia ser proferida depois de prolatada a sentença só pode motivar um vício daquela decisão, não da sentença onde a decisão não foi tomada (a não ser, como já aventado, que o vício em causa fosse a omissão de pronúncia da sentença sobre questão de que deveria conhecer, situação que o recorrente não deseja e não suscita).
O recorrente torna à questão das nulidades na conclusão 73 ao afirmar que a sentença é nula por omissão de pronúncia na medida em que o tribunal a quo não se pronunciou sobre as seguintes questões (as indicadas, infere-se, nas conclusões 70 a 72): a Assembleia ter-se realizado em Junho quando devia legalmente ter-se realizado em Janeiro, a acta não mencionar as permilagens das fracções de cada um dos presentes e o número correspondente de votos, a ausência de quórum deliberativo.
Lida a sentença é manifesto que o recorrente não tem razão: estas questões foram abordadas na sentença a qual tomou posição sobre as mesmas, ainda que num dos casos para afirmar que a mesma está excluída do objecto do processo e, por conseguinte, do poder de cognição do tribunal, razão pela o tribunal não podia conhecer da mesma.
Com efeito, afirma-se na sentença recorrida.
«Diz o autor, igualmente, que nessa acta não são indicadas as permilagens de cada uma das fracções presentes e dos votos correspondentes e, apesar da presença dos condóminos na Assembleia, verifica-se que os mesmos não assinaram a acta em questão.
Efectivamente da factualidade dada como provada resulta que a ata da assembleia em causa nesta acção não foi assinada por todos os condóminos presentes na assembleia e/ou pelos que se fizeram representar, sendo que dispõe o art. 1.º, n.º 1, do DL 268/94, 94, de 25/10, que “São obrigatoriamente lavradas actas das assembleias de condóminos, redigidas e assinadas por quem nelas tenha servido de presidente e subscritas por todos os condóminos que nelas hajam participado.”.
A verdade é que “a lei não comina com qualquer sanção (nulidade, anulabilidade, inexistência) a falta de assinatura dos condóminos presentes”, sendo que “a falta de assinatura constitui uma mera irregularidade que terá que ser oportunamente reclamada, e, não o tendo sido, mostra-se sanada, não afectando a deliberação tomada nem a exequibilidade do título.” – Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25/1/2018, processo 1011/11.6TBSTR-A.E1. Acresce que no caso em apreço, os condóminos presentes assinaram a lista de presenças anexa a tal ata.
[…] Em consequência, dessa falta de assinatura da ata não resulta qualquer invalidade das deliberações aprovadas nessa assembleia.
O mesmo se diga quanto ao facto de a acta não conter a indicação das permilagens das fracções presentes. É que à acta em causa foi anexada a lista de presenças que indica quem foram os condóminos presentes e/ou que se fizeram representar e as permilagens das suas fracções. A acta não pode ser lida sem se atender a todos os anexos que dela fazem parte integrante.
Assim, embora no seu conteúdo a ata não discrimine as permilagens das fracções dos condóminos presentes, o autor – uma vez que recebeu a ata e os documentos anexos à mesma – pôde perceber quem foram os condóminos presentes e/ou representados e as permilagens das suas fracções e os votos correspondentes (fazendo o necessário cálculo matemático).
[…] Gostaríamos de salientar que nas alegações proferidas em sede de audiência de julgamento o autor levantou uma série de questões que não foram apreciadas nesta acção. Com efeito, o autor vem levantar a questão da assembleia em causa nesta acção ter sido convocada para Junho e não para Janeiro, que só estavam presentes 28% dos condóminos e que a ré não indicou outra data caso não houvesse quórum.
Tais questões não foram suscitadas na petição inicial pelo autor, estado o tribunal limitado pelo pedido e pela causa de pedir, pelo que as mesmas não poderiam ser apreciadas
É, pois, inequívoco que as questões foram abordadas na sentença, logo esta não enferma de omissão de pronúncia, sendo certo que não existe omissão de pronúncia quando o tribunal enuncia uma questão e considera estar impedido de conhecer da mesma, ainda que não esteja e que essa decisão enferme de erro de julgamento.
Em suma, a sentença não enferma das nulidades … alegadas.

B] Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
O recorrente impugna a decisão de julgar provados os factos dos pontos 4, 10 e 11, defendendo que o primeiro e o último deverão ver a sua redacção modificada e o segundo ser julgado não provado, e a decisão de julgar não provados os factos das alíneas 1 e 2 do respectivo elenco, defendendo que os mesmos deverão ser julgados provados.
Mostram-se cumpridos os requisitos específicos desta impugnação, nada obstando ao conhecimento da mesma.
Os factos que a 1.ª instância julgou não provados têm a seguinte redacção:
«1. A ordem de trabalhos da assembleia geral convocada para o dia 5/6/2013 não foi remetida ao autor aquando do envio da convocatória para a assembleia.
«2. O autor foi impedido pela administração de condomínio de participar na assembleia mencionada no ponto 5 dos factos provados».
A 1.ª instância julgou provado no ponto 4 que «o autor recebeu, por carta registada, a convocatória a indicar dia, hora e local da Assembleia de Condóminos Geral Ordinária cuja cópia se encontra junta a fls. 207». O recorrente pretende que se julgue provado apenas que o autor recebeu a carta a indicar a realização da Assembleia que se encontra junta a fols. 85.
O que está em causa é saber se a carta que a Administração do Condomínio enviou ao autor a comunicar-lhe a realização da Assembleia e a respectiva data e hora, carta essa que tinha pelo menos o conteúdo do documento junto pelo próprio autor com a petição inicial a fols. 85 e cujo recebimento este confessa, incluía ainda o documento denominado «convocatória» que a ré juntou com a contestação e se encontra junto a fols. 207.
No fundo, portanto, se o autor foi convocado para a Assembleia sem a indicação da respectiva Ordem de Trabalhos (a carta só tinha uma folha, a de fols. 85) ou se essa convocatória foi acompanhada da indicação da Ordem de Trabalhos constante da outra folha que ia na carta para além daquela que o autor apresenta (a carta tinha duas folhas, a de fols. 85 e a de fols. 207).
A prova produzida nos autos é escassa, já que se limita aos depoimentos do próprio autor e do funcionário da Administradora do Condomínio que secretariou a reunião com vista à elaboração da acta. Face ao tempo decorrido estes depoimentos possuem um valor probatório reduzido, sendo certo que à acusação do recorrente de que a testemunha referida «não iria afirmar em Tribunal que poderia ter ocorrido um lapso e a carta junta a fls. 207 poderia não ter sido enviada ao aqui Recorrente» pode responder-se que tal como isso é possível também é possível que o autor, por ser interessado na acção e o único dos muitos condóminos que impugnou as deliberações em causa, não iria fazer afirmações contrárias à tese que serve de fundamento à sua acção, tese que aproveita a circunstância de a Ordem de Trabalhos constar de uma folha anexa, facilitando que o destinatário conserve uma das folhas e escamoteie a outra impedindo a demonstração do que efectivamente recebeu.
Nesse contexto os depoimentos são pois imprestáveis porque se o depoimento do autor mostrou uma personalidade ensimesmada, teimosa e com pouca capacidade para ouvir, o depoimento da testemunha evidenciou haver já algum distanciamento em relação aos factos que se repercute na falta de segurança das afirmações, sendo certo que face ao número de comunicações a enviar por uma empresa que faz administração de condomínios também é fácil de compreender que a testemunha não possa fazer mais do que remeter para os comportamentos normalmente adoptados.
Acresce que mesmo que a Administração de Condomínio tivesse enviado a comunicação por carta registada, o registo postal apenas comprovaria o envio de um envelope, não o respectivo conteúdo, razão pela qual, ao contrário do defendido pelo recorrente, do ponto de vista probatório é absolutamente irrelevante se a carta foi ou não enviada sob registo postal.
Vejamos então o que os documentos nos revelam porque é neles que importa sobretudo fazer fé para formar a convicção.
No texto que constitui a missiva junta a fols. 85 afirma-se expressamente: «Vimos pela presente enviar a V. Exas. a convocatória para a Assembleia Geral …». Daqui resulta que a carta conteria, segundo aquele texto, o documento de fols. 85 e algo mais designado por «Convocatória». O documento de fols. 207 tem precisamente a epígrafe de «Convocatória» e apresenta uma «Ordem de Trabalhos», pelo que tudo aponta que seja o documento a que se refere o texto de fols. 85.
Como refere o recorrente, a Convocatória apresenta um erro no ano da data, 2012 em vez de 2013, mas trata-se certamente de um lapso de escrita (porventura do aproveitamento de uma convocatória usada anteriormente) uma vez que não só a Assembleia se realizou no dia e mês indicado (isso o autor aceita), como aquela Ordem de Trabalhos aparece depois repetida e reflectida na Acta da Assembleia, sinal de que ela tinha efectivamente a Ordem de Trabalhos mencionada no texto de fols. 207.
A Administração de Condomínio podia ter cometido outro lapso e ter-se esquecido de inserir a folha com o texto de fols. 207 no envelope onde foi enviado o texto de fols. 85. Trata-se de um facto indemonstrável, mas pouco provável uma vez que a Administração do Condomínio não tinha nenhum interesse em escamotear esse dado precisamente do aqui autor e, pelo contrário, tinha interesse que Assembleia se realizasse de forma regular e pacífica para saber como devia proceder à administração e os recursos financeiros com que iria contar.
A carta datada de 17/7/2013 que o autor enviou à Administração em resposta ao recebimento da acta da Assembleia (fols. 62 e seguintes) também não tem o relevo que lhe foi atribuído em 1.ª instância para efeitos de demonstrar que o autor conhecia a Ordem de Trabalhos da Assembleia por duas razões essenciais.
A primeira é a de que a carta não foi redigida pelo autor já que é manifesto que a mesma foi redigida por quem tem conhecimentos jurídicos e usa uma linguagem desnecessariamente fastidiosa e uma construção gramatical de quem tem habilitações académicas, quando a profissão do autor é a de motorista. O que significa que a carta tem uma redacção que obedece a uma estratégia jurídica clara e um conteúdo pré-orientada que obriga a que ela seja lida cum grano salis.
A segunda é que embora num ponto (n.º 6) a redacção pareça indiciar que «o autor» conhecia a Ordem de Trabalhos já que se refere a um dos seus itens, a verdade em que noutros pontos (n.ºs 14 e 25) «o autor» afirma de modo expresso que a Ordem de Trabalhos não lhe foi enviada, pelo que no mínimo haveria que considerar que a carta apresenta conteúdos aparentemente contraditórios (dizemos aparentemente porque sendo a carta uma resposta à acta recebida, a menção constante do n.º 14 pode resultar do conhecimento da Ordem de Trabalhos que resulta da leitura da acta recebida, não do recebimento da Ordem de Trabalhos com a carta a informar a realização da Assembleia) que se anulam reciprocamente e que para os efeitos que se estão a analisar arruínam o valor probatório deste documento.
Resta-nos o documento junto pela ré e alegadamente correspondente ao print do ficheiro electrónico constante da pen que o autor exibiu quando esteve na Assembleia e que supostamente correspondia à descrição dos assuntos que ele queria ver analisados e decididos na Assembleia (fols. 208/209).
Ao juntar o documento a ré alegou tratar-se (do print) de um ficheiro que se encontrava gravado numa “pen” que o autor entregou à administração do condomínio para que a assembleia começasse com a discussão de assuntos nele indicados. Notificado da junção deste documento, o autor apresentou um requerimento a tomar posição sobre os mesmos e, quanto a este documento em particular, apenas afirmou que o «impugnava», «por não ser inteiramente verdadeiro/correcto ou deles se pretender retirar um sentido e alcance que não corresponde à realidade», abordando depois de modo especificado apenas os demais documentos juntos.
Daqui resulta, portanto, que o autor não impugnou a origem do documento e não arguiu a respectiva falsidade ou a falsidade da respectiva reprodução mecânica, limitando-se a “impugnar” a leitura e interpretação do documento feita pela ré, o que, apesar de comum, é processualmente irrelevante porque a interpretação dos documentos e do respectivo valor probatório (se ele tem o sentido e alcance pretendidos) cabe ao tribunal, o qual não está vinculado pela interpretação que o apresentante tenha feito mesmo que ela não seja questionada (na gíria forense, impugnada) pela parte contrária, da mesma forma que pode concordar com aquela interpretação ainda que a parte contrária a haja questionado (impugnado).
Este documento só apresenta contudo uma passagem que indicia que o autor conhecia a Ordem de Trabalhos. Trata-se do artigo 12 que diz o seguinte: «Deve eliminar-se os pontos 3 e 4 da Ordem de Trabalhos». Ignorando-se em que circunstâncias a carta foi elaborada, designadamente se a mesma é aproveitamento de alguma carta ou texto elaborado antes para outro fim ou oportunidade (a Convocatória da Administração também tem lapsos que desprezámos), cremos que não se deve dar a este elemento um valor probatório decisivo.
Com efeito, é preciso ter em conta que o que está em causa não é se o autor tinha conhecimento, é sim, em bom rigor, se a Ordem de Trabalhos foi enviada ao autor com a carta a informá-lo da realização da Assembleia. O conhecimento é pois aqui apenas um facto indiciário, não um facto revelador do envio. Ora o autor podia ter conhecimento por exemplo por ver a convocatória afixada no Edifício, como é costume acontecer nos condomínios, razão pela qual aquele facto indiciário carecia de alguma confirmação por outra via.
Neste contexto probatório, afigura-se-nos forçoso concluir que existem meios de prova que apontam no sentido de o autor ter conhecimento prévio da Ordem de Trabalhos, mas que esses indícios não são, pelas razões expostas, suficientes para que se julgue sem mais provado esse facto. A análise dos meios de prova que escalpelizámos gera dúvidas sérias sobre esse facto, as quais devem ser decididas contra o autor por ser a ele que o facto parte aproveita (artigo 414.º do Código Civil).
Por isso decidimos manter a decisão da 1.ª instância de julgar não provado que não foi enviada ao autor a convocatória com a Ordem de Trabalhos (alínea 1). E decidimos alterar a decisão de julgar provado o ponto 4 da fundamentação de facto da sentença, o qual passa a ter a seguinte redacção:
«4. O autor recebeu uma carta registada a informá-lo da convocação da Assembleia de Condóminos Geral Ordinária, carta que continha, pelo menos, o texto cuja cópia se encontra junta a fls. 85.»
O recorrente defende de seguida que seja acrescentado à fundamentação de facto da sentença um facto alegadamente resultante da audiência de discussão e julgamento relativo a uma afirmação que a Administradora terá feito ao autor no decurso da conversa/discussão que travaram antes do início da assembleia. Esta pretensão não deve ser acolhida porque se trata de um facto sem qualquer relevo.
Com efeito, a afirmação que se atribui à Administradora não encerra qualquer proibição à participação do autor na Assembleia; aliás, a administradora nenhum interesse tinha nesse facto porque o mesmo só iria contribuir para a suscitação de questões quanto à legalidade da assembleia e das deliberações nela tomadas.
Basta ouvir o depoimento de parte do autor para concluir com facilidade que a afirmação que ele diz que a administradora proferiu consistiu na verbalização do que ela suspeitava que ia suceder, isto é, ela estava convencida que o autor de qualquer modo não iria participar na assembleia porque (está implícito nessa conjectura) o seu objectivo era arranjar problemas e obter argumentos para questionar a assembleia e as suas deliberações, e foi isso que ela manifestou e que o autor compreendeu como tal, razão pela qual o mesmo reconhece que não foi (directamente! - sic) impedido de participar na assembleia.
O recorrente discorda ainda da decisão de julgar provados os factos dos pontos 10 e 11, nos quais se julgou provado que a administração do condomínio referiu ao autor que os seus assuntos seriam discutidos quando chegassem ao ponto 6 da ordem de trabalhos que dizia respeito a “outros assuntos de interesse geral” e que perante essa resposta o autor se recusou a assinar a lista de presenças e ausentou-se do local onde decorria a assembleia, não participando nesta.
Perscrutada a prova produzida, concluímos que o recorrente não tem razão.
No seu depoimento o próprio autor revela que o problema que lhe foi criado foi o de só se admitir a discussão dos assuntos que ele pretendia ver discutidos depois de discutidos os assuntos elencados na ordem de Trabalhos, ou seja, quando se entrasse no tema «outros assuntos» («isso seria depois» afirmou, com esse sentido, quando a sua pretensão era a de que os seus assuntos fossem imediatamente apreciados pela assembleia).
Aliás, não podia deixar de ser assim: se na Ordem de Trabalhos constava o tema «outros assuntos», quando se chegasse a esse ponto não podiam deixar de ser apreciados os assuntos que qualquer condómino pretendesse colocar, designadamente o autor, pelo que não faria sentido a administradora proibir tal coisa.
A questão da assinatura da lista de presenças não passou de um pretexto a que o autor se agarrou uma vez que se estava presente no local da assembleia e quis mesmo introduzir na respectiva Ordem de Trabalhos os assuntos do seu interesse ele estava a participar na assembleia (é apodíctico que quem não se estiver a participar na assembleia não pode requerer a alteração da ordem de trabalhos a quem preside à reunião!) e, por isso, devia assinar a lista de presenças, sendo certo que esta é apenas uma formalidade destinada a registar os condóminos que se encontram na assembleia para efeitos de elaboração da acta e posterior notificação dos condóminos não presentes que não constitui uma exigência desproporcionada, desadequada ou excessiva, sendo ao invés, perfeitamente aceitável e compreensível por qualquer pessoa minimamente sensata, razoável e interessada.
A discussão surgiu porque, apesar de se encontrar presente, o autor se recusou a assinar a lista de presenças dado que queria relegar para depois decidir se participava na assembleia ou não, consoante visse satisfeita a sua vontade quantos aos assuntos a abordar. A acta faz esse relato, o secretário da reunião que a elaborou confirma-o e as regras da experiência apontam nesse sentido, pelo que a prova produzida é suficiente para que se julgue provado o facto, embora a sua redacção deva ser corrigida para estar em conformidade com a sucessão de eventos.
Assim, decide-se manter a decisão de julgar provados os pontos 10 e 11, mas alterar a redacção do ponto 10 que passa a ser a seguinte:
«10. A administração do condomínio referiu-lhe que os assuntos que o mesmo pretendia ver discutidos apenas podiam ser discutidos quando se chegasse ao ponto 6 da ordem de trabalhos que dizia respeito a “outros assuntos de interesse geral”.»
Por fim, o recorrente impugna a decisão de julgar não provado (alínea 2) que «foi impedido de participar na assembleia», mas não requer que se dê como provado esse facto, reclamando somente que se dê como provado que ele «sentiu-se impedido de participar».
Estamos perante o reconhecimento óbvio pelo recorrente de que não fez prova do que alegou pois o que este alega nos artigos 5.º, 20.º e 23.º da petição inicial é que «foi impedido de participar», não que se tenha sentido impedido.
Aliás, como já referido, o autor não afirmou no seu depoimento que tenha sido impedido e embora haja pretendido que esse era o sentido «indirecto» (directamente, não) da afirmação «você até nem vai participar», a verdade é que qualquer homem médio colocado na pessoa do autor compreenderia o sentido dessa afirmação e só mesmo quem já estivesse predisposto a abandonar a assembleia se não lhe fosse feita a vontade de colocar as questões que entendia e quando entendia se aproveitaria desse pormenor irrelevante para tentar justificar a sua atitude de abandonar a assembleia.
Nenhuma pessoa normalmente razoável, sensata e ponderada veria naquela afirmação um impedimento à participação, pelo que não se pode aceitar aquela afirmação do autor para julgar provado o facto correspondente que não obteve confirmação de absolutamente nenhum outro meio de prova.
Por esse motivo e ainda porque, como referido, não se trata sequer do facto alegado e, em si mesmo, o facto pretendido é absolutamente anódino do ponto de vista jurídico, decide-se manter a decisão de julgar não provado o facto da alínea 2 que vem de se analisar.

C] Fundamentação de facto:
Estão agora definitivamente julgados provados os seguintes factos:
1. O autor é dono e legítimo proprietário da fracção autónoma designada pela letra “G2” do prédio urbano sito na Rua …, n.º …, descrito na Conservatória de Registo Predial de … com o n.º 2120-G2, registado a favor do A. pela Ap. 14 de 1995/10/04 e inscrito na respectiva matriz sob o art.º 3981, da freguesia da … e concelho de Matosinhos.
2. O autor é ainda dono e legítimo proprietário de 3/78 da fracção autónoma designada pela letra «BO» do mesmo prédio urbano, correspondente a uma garagem identificada pelo n.º 13, descrito na competente Conservatória de Registo Predial com o n.º 2120-BO, registado a favor do A. pela Ap. 31 de 2008.08.12 e inscrito na respectiva matriz sob o art.º 3981, da freguesia da … e concelho de Matosinhos.
3. O referido prédio urbano encontra-se constituído no regime de propriedade horizontal.
4. O autor recebeu uma carta registada a informá-lo da convocação da Assembleia de Condóminos Geral Ordinária, carta que continha, pelo menos, o texto cuja cópia se encontra junta a fls. 85.
5. No dia 05.06.2013 decorreu uma Assembleia Geral Ordinária de Condóminos do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, ns.º .., … e …, na …, onde estiveram presentes ou representados todos os Réus.
6. O autor compareceu a essa assembleia.
7. A administração do condomínio comunicou aos condóminos presentes, entre os quais ao autor, que necessitava que assinassem a lista de presenças.
8. O autor entregou, então, à administração do condomínio uma pen com vários assuntos que pretendia ver discutidos por todos os condóminos em assembleia, pretendendo que a assembleia iniciasse com a discussão de tais assuntos.
9. E disse que só assinaria a lista de presenças referida em 8 se não abandonasse a assembleia.
10. A administração do condomínio referiu-lhe que os assuntos que o mesmo pretendia ver discutidos apenas podiam ser discutidos quando se chegasse ao ponto 6 da ordem de trabalhos que dizia respeito a “outros assuntos de interesse geral”.
11. Perante tal resposta, o autor recusou-se a assinar a lista de presenças e ausentou-se do local onde decorria a assembleia, não participando nesta.
12. O autor foi notificado do teor da Acta n.º 22 cuja cópia se encontra junta a fls. 42/46 e do relatório de contas, orçamento e mapas e anexos.
13. Na referida ata não é indicado nem comprovado que todos os condóminos foram regularmente convocados para comparecerem à Assembleia em questão.
14. Nessa ata não são indicadas as permilagens de cada uma das fracções presentes e dos votos correspondentes.
15. À referida acta foi anexada a lista de presenças dos condóminos, constando da mesma as permilagens das fracções e tendo assinado tal lista os condóminos presentes e/ou que se fizeram representar.
16. A aludida acta não foi assinada pelos condóminos presentes.
17. A 1ª R. é proprietária da fracção “J5” do prédio id. em 1 e 2.
18. O 2º R. é proprietário da fracção “I5” do prédio id. em 1 e 2.
19. A 3ª R. é proprietária da fracção “F5” do prédio id. em 1 e 2.
20. A 4ª R. é proprietária da fracção “K4” do prédio id. em 1 e 2.
21. O 5º R. é proprietário da fracção “I4” do prédio id. em 1 e 2.
22. O 6º R. é proprietário da fracção “H4” do prédio id. em 1 e 2.
23. A 7ª R. é proprietária da fracção “F4” do prédio id. em 1 e 2.
24. O 8º R. é proprietário da fracção “K3” do prédio id. em 1 e 2.
25. A 9ª R. é proprietária da fracção “J3” do prédio id. em 1 e 2.
26. A 10ª R. é proprietária da fracção “I3” do prédio id. em 1 e 2.
27. A 11ª R. é proprietária da fracção “H3” do prédio id. em 1 e 2.
28. O 12º R. é proprietário da fracção “F3” do prédio id. em 1 e 2.
29. A 13ª R. é proprietária da fracção “I2” e “BO” do prédio id. em 1 e 2.
30. O 14º R. é proprietário da fracção “K1” do prédio id. em 1 e 2.
31. O 15º R. é proprietário da fracção “J1” do prédio id. em 1 e 2.
32. O 16º R. é proprietária da fracção “I1” do prédio id. em1 e 2.
33. O 17º R. é proprietário da fracção “H1” do prédio id. em 1 e 2.
34. A 18ª R. é proprietária da fracção “G1” do prédio id. em 1 e 2.
35. Os 19ºs RR. são proprietários da fracção “H” do prédio id. em1 e 2.
36. Os 20ºs RR. são proprietários da fracção “G” do prédio id. em 1 e 2.
37. O 21º R. é proprietário da fracção “BO-Garagem 37” do prédio id. em1 e 2.
38. O 22º R. é proprietário da fracção “BO-Garagem 38” do prédio id. em 1 e 2.
39. O condómino da fracção K3 fez-se representar pelo condómino da fracção J3.
40. O condómino da fracção f3 fez-se representar pela Sra. BC….
41. Todos os pontos levados à discussão pela Assembleia de Condomínio, realizada em 05.06.2013, foram aprovados por unanimidade dos presentes, isto é, de todos os Réus.
42. O autor remeteu à administração do condomínio a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 66/72 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

D] da matéria de direito:
Como sabemos, no nosso sistema processual civil vigora a chamada teoria da substanciação da causa de pedir. O demandante não pode limitar-se a alegar a norma jurídica de que dimana o direito que pretende ver reconhecido, antes necessita de alegar de modo específico ou concreto os factos jurídicos constitutivos desse direito. O demandante apenas poderá alcançar a tutela almejada demonstrando esses factos e permitindo ao tribunal fazer a correspondência entre os factos alegados e demonstrados e a estatuição das normas jurídicas substantivas que resultará o reconhecimento do direito invocado (cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, págs. 23 e seguintes e 604 e seguintes).
A causa de pedir (causa petendi) consiste no ato ou facto jurídico ou no específico vício invalidante que constituem a fonte de que procede a pretensão deduzida, de que dimana o direito que o autor pretende fazer valer em juízo, que condiciona ou a produz o efeito jurídico que pedido encerra (cf. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, 2015, Vol. II, pág. 69 e seguintes).
O conceito legal de causa de pedir encontra-se definido no artigo 581.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, que todavia carece de ser lido em função do que se dispõe nos artigos 552.º, n.º 1, alín. d), e 5.º, n.º 1, do mesmo diploma.
Nos termos daquele preceito, como já assinalado, a causa de pedir é o facto jurídico que serve de fundamento à pretensão deduzida. O artigo 552.º acentua que a causa de pedir é constituída apenas pelos factos essenciais que servem de fundamento à acção. E a mesma ideia resulta do artigo 5.º ao acentuar que ao autor cabe apenas alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir, podendo o juiz, não obstante levar em consideração, além desses factos, ou seja, para além dos que servem para delimitar a causa de pedir, os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, os factos notórios e ainda aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
Como afirma Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil, 3.ª edição, 67, a referência fundamental do conceito de causa de pedir são «as normas de direito substantivo em cuja previsão se contém o facto para o qual estatuem o efeito jurídico pretendido», o que leva a identificar «a causa de pedir com o Tatbestand ou fatispécie duma determinada norma substantiva», «matizado porém com a ideia de que o acontecimento da vida narrado pelo autor é susceptível de redução a um núcleo fáctico essencial, tipicamente previsto por uma ou mais normas materiais como causa do efeito pretendido», sendo que essa redução aos factos essenciais «é adequada à função individualizadora da causa de pedir: a identificação desta permite verificar se a petição inicial é apta (ou inepta) para suportar o pedido formulado e se há ou não repetição da causa para efeito de litispendência ou de caso julgado. Mas não é suficiente para que se tenha por realizada uma outra função da causa de pedir, que é a de fundar o pedido, possibilitando a procedência da acção».
Este autor acrescenta que «a parte que invoca o direito tem, pois, de alegar os respectivos factos constitutivos, isto é, todos aqueles que integram a previsão da norma ou das normas materiais que estatuem o efeito pretendido» e, em nota, acentua que «a esses factos chama o artigo 5-1, tal como o artigo 552-1-d, essenciais: todos eles integram (necessariamente) a causa de pedir (artigo 62-b). Prefiro designá-los como factos principais … reservando o qualificativo “essencial” para aqueles, de entre eles, que cumprem a função individualizadora da causa de pedir.»
Nos termos do artigo 581.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, a causa de pedir difere consoante a natureza da acção, nas acções reais é o facto jurídico de que deriva o direito real, nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o direito pretendido. Por conseguinte, nas acções anulatórias a causa de pedir é constituída pelo facto jurídico concreto que consubstancia o vício (a falha de procedimento) gerador da invalidade (nulidade, anulabilidade, inexistência) do concreto acto jurídico (a declaração negocial, o negócio jurídico) impugnado.
A causa de pedir interliga-se com o princípio do dispositivo na medida em que a sua função é não só a de individualizar e fundamentar o pedido mas também a de conformar o objecto do processo e delimitar o poder de decisão do tribunal. Ao apreciar o pedido, o tribunal não pode basear a decisão de mérito numa causa de pedir que o autor não invocou ou diferente da que o autor invocou (artigos 608.º e 609.º do Código de Processo Civil), sob pena de nulidade da sentença por excesso de pronúncia (artigo 6l5.º, alínea d) do Código de Processo Civil).
Dito isto vejamos qual é a causa de pedir da acção tal como o autor a configurou, isto é, de acordo com a alegação na petição inicial.
O autor começa o seu articulado por justificar a instauração da acção referindo que é proprietário de uma fracção de um prédio em propriedade horizontal, que se realizou uma Assembleia Geral de Condóminos do referido prédio no qual o autor foi impedido de participar e não participou, que depois disso recebeu a acta da reunião, que mandou uma carta à administração a impugnar as deliberações, que a administração nada fez, que pediu apoio judiciário para instaurar a presente acção, que esse benefício lhe foi concedido e por isso está em prazo para instaurar a acção.
Depois disso, o autor começa finalmente por fundamentar a sua pretensão (artigo 15.º: «Isto posto»). Nos artigos 16.º a 19.º alega por fim que a convocatória que recebeu não continha a indicação da Ordem de Trabalhos da Assembleia. Nos artigos 20.º a 24.º que foi impedido de participar na Assembleia. Nos artigos 26.º, 27.º e 27.º que da acta não consta que todos os condóminos foram regularmente convocados, as permilagens e o número de votos, nem as assinaturas dos condóminos presentes na Assembleia. Nos artigos 30.º a 34.º do autor transcreve ou cita normas legais, isto é, alega pura matéria de direito. Depois, no artigo 35.º formula a conclusão de ter sido convocado de forma irregular e no artigo 36.º precisa que irregularidade é essa: a carta não indicar a Ordem de Trabalhos e esta não lhe ter sido enviada depois mas ainda antes da realização da Assembleia, conforme a carta deixava antever. Nos artigos 37.º a 39.º o autor tona a alegar matéria de direito. A seguir, nos artigos 40.º a 43.º, o autor repete de forma conclusiva a alegação de que a acta não indica as permilagens dos condóminos presentes na Assembleia e não contém as assinaturas destes. Depois o autor especifica a fracção que pertence a cada um dos réus demandados. E, finalmente, nos artigos 71.º e seguintes alega que possui um direito de crédito sobre a Administração do Condomínio, o que faz de modo absolutamente desnecessário e irrelevante para o objecto da acção já que a essa alegação não corresponde a dedução de qualquer pedido que permitisse ao tribunal apreciar tal matéria.
Sendo assim, é manifesto que a causa de pedir da acção é constituída apenas pelos seguintes factos jurídicos: i) a convocatória que recebeu não continha a indicação da Ordem de Trabalhos da Assembleia; ii) o autor foi impedido de participar na Assembleia; iii) a acta da Assembleia não menciona que todos os condóminos foram regularmente convocados, as permilagens e o número de votos, e não contém as assinaturas dos condóminos que lena estiveram presentes.
Todas as demais questões que a ilustre mandatária do autor depois mencionou nas alegações na audiência de julgamento e que agora reitera nas conclusões do recurso não se integram naquela causa de pedir e por isso não apenas não podem ser conhecidas pelo tribunal, como este não pode proferir qualquer decisão baseada nelas.
Para contornar esse obstáculo o autor argumenta que essas questões foram suscitadas na carta que enviou à Administração do Condomínio a impugnar as deliberações e exigir a realização de uma nova Assembleia para reparação das ilegalidades cometidas, carta essa que foi junta com a petição inicial. Este argumento não colhe porque uma coisa é aquilo que o autor entendeu opor directamente à Administração do Condomínio e outra coisa aquilo que ele elegeu como causa de pedir da acção.
A carta apenas revela o que o autor comunicou à Administração, não que tenha decidido usar exactamente os mesmos argumentos para fundamentar a acção, o que tinha de resultar como suficiente clareza da petição inicial designadamente para que os réus soubessem exactamente de que factos tinham que se defender. O documento constituído pela carta até podia ser uma forma de alegação de factos (deficiente, porque a alegação deve constar da narração do articulado, mas por alguns aceite), mas para o ser era necessário que resultasse expressamente do articulado que o autor pretendia fazer-se valer desses factos para fundamentar a acção. E isso, como vimos pela sequência da construção do articulado, não resulta dos autos.
Em suma, o que o tribunal a quo tinha que decidir era se as deliberações aprovadas pela Assembleia de Condóminos são inválidas por i) a convocatória que recebeu não continha a indicação da Ordem de Trabalhos da Assembleia; ii) o autor foi impedido de participar na Assembleia; iii) a acta da Assembleia não menciona que todos os condóminos foram regularmente convocados, as permilagens e o número de votos, e não contém as assinaturas dos condóminos que nela estiveram presentes.
O tribunal a quo entendeu e decidiu que estes vícios não se verificaram, o recorrente defende o oposto. Vejamos.
O ónus da prova dos factos necessários ao preenchimento das normas legais que cominam as deliberações com a sanção da invalidade é do autor (artigo 342.º do Código Civil). Era, portanto, o autor que tinha de provar que a carta que a Administração lhe enviou a informar da realização da Assembleia não continha a indicação da Ordem de Trabalhos; aos réus não cabia o ónus de demonstrar o contrário, isto é, que a carta continha essa indicação, bastava-lhes impugnar esse facto e produzir contraprova para o tornar duvidoso (artigo 346.º do Código Civil).
O autor não fez essa prova. Apenas se demonstrou que a carta continha pelo menos a folha com o texto de fols. 85, não se provou que não contivesse o texto de fols. 207 onde surge a Ordem de Trabalhos e que segundo aquele primeiro texto seguia a acompanhá-lo. Por essa razão, o vício fundado nesse erro de procedimento da convocação da Assembleia improcede.
Quanto ao impedimento à participação, igualmente resultou não demonstrado. Ao invés, o autor esteve presente iniciando a participação e só depois, não vendo acolhidas as suas pretensões quanto ao decurso dos trabalhos, abandonou voluntariamente a Assembleia.
O facto de a acta da Assembleia não mencionar que todos os condóminos foram regularmente convocados é absolutamente despiciendo do ponto de vista legal. A acta não tinha de o referir e ainda que o referisse tal indicação não tinha qualquer valor ou serventia legal.
No que concerne à assinatura da acta pelos condóminos presentes, estamos perante uma exigência formal que não consta da norma legal atinente. O que o artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, estabelece é que são obrigatoriamente lavradas actas das assembleias de condóminos, redigidas e assinadas por quem nelas tenha servido de presidente e subscritas por todos os condóminos que nelas hajam participado.
Se a norma legal pretendesse impor a assinatura de todos os condóminos não necessitava de usar um termo diferente do de assinatura e que, aliás, já usava na sua redacção. Bastaria portanto que a norma estabelecesse que a acta é redigida por quem tenha servido de presidente da assembleia e assinada por este e por todos os condóminos presentes. Não foi essa a opção do legislador, o que bem se compreende porque as reuniões podem compreender um número alargado de participantes e/ou uma extensão de assuntos tratados em resultado do que essa exigência seria praticamente impossível de cumprir e redundaria num aumento de conflitos que a norma pretende evitar.
A norma legal distingue, portanto, a redacção e assinatura da acta, as quais são responsabilidade da pessoa que preside à assembleia, da subscrição da mesma pelos condóminos presentes, ou seja, a aceitação do respectivo conteúdo narrativo, a qual não se confunde com a aposição da assinatura manuscrita e pode resultar pura e simplesmente da leitura da acta e sua aprovação pelos presentes, situação que na acta se menciona ter tido lugar.
Por fim, quanto à indicação na acta das permilagens e do número de votos dos condóminos presentes, não existe norma legal que imponha que a acta apresente esse conteúdo formal. Naturalmente que quem preside aos trabalhos deve proceder a essa verificação para ver se pode realizar a Assembleia e para cujos assuntos existe quórum deliberativo, mas legalmente não é exigido que a acta faça essa especificação.
De todo o modo, o texto da acta compreende no caso não apenas a narração individualizada nos acontecimentos da Assembleia, como ainda os documentos anexos à mesma e para os quais aquele texto remete onde consta a especificação das presenças e das permilagens, donde se extrai por mera operação aritmética o número de votos. Também este vício é, por isso, manifestamente improcedente.
Podemos agora concluir que todos os fundamentos apresentados pelo autor para fundamentar a invalidade das deliberações impugnadas, isto é, como causa de pedir, resultaram não provados e/ou são improcedentes.
Não se vá sem responder às demais objecções do autor que extravasam a causa de pedir.
A realização da Assembleia Ordinária não «na primeira quinzena em Janeiro», conforme estabelecido no artigo 1431.º, n.º 1, do Código Civil, mas no mês de Junho, é uma mera irregularidade cuja verificação permitirá a qualquer condóminos exigir a convocação da Assembleia para a data mais próxima, mas não motiva a invalidade das deliberações tomadas pela Assembleia, até pela simples razão de que se assim fosse jamais as deliberações necessárias poderiam ser tomadas já que o tempo não anda para trás e esse espaço temporal não podia mais ser recuperado.
A antecedência de 10 dias da convocação da Assembleia em relação à sua realização, assinalada no artigo 1432.º, n.º 1, do Código Civil, é um argumento estranho. Com efeito, na petição inicial o autor alegou expressamente que recebeu a carta da Administração em 9 de Maio (artigo 16.º: «O A. recebeu em 09.05.2013, por carta registada, convocatória a indicar dia, hora e local da Assembleia de Condóminos Geral Ordinária, que se junta como DOC. 13.») e que a Assembleia teve lugar em 5 de Junho!
E se o autor está errado (como está, porque a carta tem data de 24 de Maio), cabia-lhe alegar exactamente em que dia recebeu a carta, sendo certo que entre a data desta e a data da realização da Assembleia decorreram 12 dias, o que é perfeitamente compatível com a recepção da carta com a antecedência legal.
A questão da inexistência do quórum deliberativo não foi suscitada sequer na carta que dirigiu à Administração do Condomínio a exigir a realização de uma nova Assembleia para revogar as deliberações inválidas, pelo que nem na hipótese de se admitir que a junção desta era uma forma válida de alegação desse facto este podia integrar a causa de pedir da acção e ser conhecido pelo tribunal.
Em suma, improcede o recurso da sentença.

IV. Recurso da decisão sobre a litigância de má fé:
A] da nulidade da decisão:
O recorrente defende que a decisão que o condenou como litigante de má fé é nula por excesso de pronúncia na medida em que conheceu de uma questão (a litigância de má fé) de que já não podia tomar conhecimento uma vez que tinha sido proferida sentença onde a questão não foi decidida e com esse acto esgotou-se o poder jurisdicional do juiz.
Cremos que lhe assiste razão, conforme, aliás, foi decidido no Acórdão desta Relação de 24-01-2018, Filipe Caroço, no proc. n.º 1299/16.6T8AGD-B.P1, inédito, em que o ora Relator interveio como Adjunto, subscrevendo tal entendimento.
Assim foi decidido igualmente na decisão sumária da Relação de Coimbra de 21-12-2010, no proc. n.º 54/05.3TBMDA-C.C1, Falcão de Magalhães, no Acórdão da Relação de Guimarães de 02-06-2016, no proc. n.º 128/12.4TBVLN.G2, Jorge Seabra, e no Acórdão da Relação de Coimbra de 08-09-2020, no proc. n.º 197/17.0T8TND.C2, Fonte Ramos, todos in www.dgsi.pt.
Nos termos do artigo 613.º do Código de Processo Civil, com a prolação da sentença ocorre o esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, a qual apenas não impede o juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas da sentença ou reformá-la, tudo nos termos dos artigos 617.º e seguintes do mesmo diploma.
O que significa que se no momento da sentença se suscitar alguma questão de que o juiz pode conhecer, quais sejam todas as que forem de conhecimento oficioso e todas as que tiverem sido suscitadas pelas partes (sem que lhe esteja vedado o seu conhecimento, v.g. por já ter sido conhecida, o seu conhecimento se ter tornado supervenientemente inútil ou consistir numa excepção sanada) o juiz deve conhecer da mesma porque com a prolação da sentença o seu poder jurisdicional esgota-se e se não conheceu da questão nessa oportunidade deixa de poder conhecer da mesma posteriormente.
Não há dúvidas de que a questão da litigância de má fé é matéria do conhecimento oficioso, o que bem se compreende porque se trata de um mecanismo que visa regular a disciplina processual e o bom aproveitamento dos recurso afectos ao funcionamento da justiça e à prossecução da verdade que naturalmente não podia ficar dependente da vontade das partes.
Chegado o momento de proferir a sentença, se as partes tiverem suscitado questão da litigância de má fé e/ou se entender oficiosamente que tal forma de litigância teve lugar, o juiz deve pronunciar-se sobre a nessa ocasião, condenando a parte que litigou de má fé em multa. O juiz só deve deixar de se pronunciar se ninguém lhe colocou a questão e entender que não houve litigância de má fé, não carecendo de justificar, pela negativa, que tal forma de litigância não ocorreu.
Se a litigância de má fé respeita à actuação processual anterior à sentença ela já se encontra evidenciada nos autos; trata-se nesse caso de uma questão a decidir e que não poderá deixar de o ser em virtude do esgotamento do poder jurisdicional subsequente à pronúncia da sentença.
O mais que pode suceder é não ser ainda possível decidir o “quantum” indemnizatório que o litigante de má fé deve pagar à parte contrária. Só nessa eventualidade e para essa finalidade estrita a lei processual admite no n.º 3 do artigo 543.º do Código de Processo Civil que a fixação desse segmento da condenação como litigante de má fé seja relegada para momento posterior.
Já Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, 3ª edição, 1981, Vol. II, pág. 281, em anotação ao artigo 466º do Código de Processo Civil de 1939, se pronunciava nesse sentido afirmando: «A apreciação da má fé e a condenação em multa e indemnização não pode o juiz relegá-las para depois da sentença; é nesta que há-de decidir se o litigante procedeu de má fé; é aí que, em caso afirmativo, há-de condená-lo em tal multa e indemnização; o que pode e deve deixar para depois da sentença é a fixação do quantitativo da indemnização…».
No mesmo sentido, Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 2001, pág. 200, onde refere: «Havendo elementos suficientes para tanto, deve ser fixada a indemnização que deles resulte. Não havendo, o juiz, ouvidas as partes, fixará, já depois da sentença em que profira a condenação por má fé, mas nos autos da acção, aquilo que, no seu prudente arbítrio, lhe pareça razoável, não havendo assim lugar para a condenação no se liquidar em execução de sentença
Diferentemente se passam as coisas se após a prolação da sentença ou despacho que pôs termo ao processo for deduzido algum incidente (p. ex. reclamação da conta, reforma da sentença, fixação do efeito do recurso, prestação de caução, etc.) em cuja dedução ou oposição venha a existir litigância de má fé. Nessa situação, a conduta enquadrável como litigância de má fé deriva de uma actuação processual posterior à sentença e a apreciação da mesma terá de ser feita na decisão final do incidente no qual ela tenha sido praticada e, ainda assim, com fundamento apenas na actuação posterior à sentença, não sendo, mesmo nessa situação, admissível que o juiz revisite a tramitação anterior à sentença para a qualificar e sancionar como litigância de má fé.
A pergunta que se pode colocar é se o juiz pode anular esta obrigação (de decidir na sentença todas as questões que é mister conhecer) e contornar o impedimento decorrente da prolação da sentença (de, por via do esgotamento do seu poder jurisdicional, não poder mais tarde proferir decisão sobre as questões que deixou por conhecer), determinando, imediatamente a seguir a esta, a notificação das partes para se pronunciarem sobre a eventualidade de uma delas ser condenada como litigante de má fé.
Cremos que a resposta deve ser a mesma, se tivermos presente uma ideia inultrapassável: a obrigação do juiz na sentença não é a de levantar as questões, de aventar a possibilidade de elas virem a ser decididas, é sim, a de as decidir (é por isso que discordamos da decisão sumária antes citada onde se considera que por dessa forma a questão ter sido suscitada na sentença ainda pode ser decidida mais tarde).
As normas processuais têm natureza imperativa e o processo está subordinado ao princípio da legalidade das formas de processo e dos actos processuais. É certo que o juiz tem presentemente poderes de simplificação ou de gestão processual (artigo 6.º) e de adequação formal (artigo 547.º), poderes que, não obstante, só podem ser exercidos para as finalidades que lhe estão assinaladas e cujo exercício carece de ser justificado mediante a invocação dos respectivos.
Inexiste, porém, norma processual que permita ao juiz modificar o conteúdo da sentença ou definir caso a caso as questões de que pode ou deve conhecer na sentença. Da mesma forma que não lhe é consentido por despacho excluir ou limitar as consequências do artigo 613.º do Código de Processo Civil, sendo certo que no caso concreto nenhum daqueles poderes foi invocado para justificar a tramitação seguida.
Admitir que chegado à sentença, o juiz anteveja a possibilidade de condenar a parte como litigante de má fé e, mesmo assim, em vez de fazer o que a lei processual determina (que cumpra previamente o contraditório e depois na sentença profira decisão sobre essa questão), ordene a notificação das partes para se pronunciarem sobre essa eventualidade, relegando a decisão sobre a litigância de má fé para um momento em que o seu poder jurisdicional já se encontra esgotado, seria, bem vistas as coisas, permitir-lhe alterar o objecto da sentença e excluir uma das causas de nulidade desta.
Portanto, se se der essa circunstância, o que o juiz tem de fazer é sobrestar a prolação da sentença e exercer o contraditório que estiver por cumprir e sem o qual ainda não pode decidir a questão. Não o fazendo, a decisão que, depois da sentença, vier a proferir sobre a litigância de má fé não deixa de enfermar de nulidade por conhecer de questão de que nesse momento o juiz já não pode conhecer.
Em suma, não tendo conhecido da questão da litigância de má fé na sentença, a Mma. Juíza a quo não podia conhecer dessa questão depois da sentença, por tal lhe estar vedado pelos artigos 607.º, ns.º 1 e 2, 608.º, n.º 2, 613.º, ns.º 1 e 2, 543.º, n.º 3, e 615.º, n.º 1, alínea d), segunda parte, do Código de Processo Civil, pelo que a decisão proferida depois da sentença sobre essa questão é nula por conhecer de questão de que o juiz já não podia tomar conhecimento.
Procede assim a questão da nulidade da decisão recorrida, a qual é insanável por se fundar na impossibilidade de conhecer da questão nela decida.
Esta conclusão inutiliza a apreciação de fundo da questão de saber se o autor litiga de má fé. De todo o modo sempre se dirá que nesse aspecto a decisão teria de ser revogada.
Com efeito, por um lado, não se provou que o autor tenha faltado à verdade relativamente ao conteúdo da convocatória para a assembleia que recebeu; por outro lado, o insucesso do esforço probatório para demonstrar os pressupostos de um dos fundamentos da acção não pode determinar sem mais que se qualifique a litigância de má fé, sobretudo quando a prova produzida por ambas as partes é muito escassa e não possui a consistência necessária para motivar uma convicção inequívoca sobre os pressupostos de facto; por fim, o fundamento do impedimento à participação na assembleia está exposto e explicado na petição inicial em termos similares ao autor revelou no seu depoimento e se veio a provar, não sendo possível afirmar que quanto a esse aspecto o autor faltou à verdade ou pretendeu induzir o tribunal em erro.

V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso da sentença improcedente, confirmando a sentença recorrida, e julgar o recurso da decisão proferida sobre a litigância de má fé procedente, anulando a dita decisão e absolvendo o autor da respectiva condenação.
Custas do recurso da sentença pelo autor, o qual vai condenado a pagar à recorrida, a título de custas de parte, a taxa de justiça por esta suportada e eventuais encargos.
Tendo a questão sido suscitada oficiosamente pelo tribunal e não tendo a parte contrária tomado qualquer partido na mesma ou respondido ao recurso, as custas do recurso da decisão sobre a litigância de má fé são da responsabilidade do recorrente por tirar benefício da decisão, não havendo lugar a outro pagamento para além da taxa de justiça já suportada pelo recorrente.
*
Porto, 15 de Dezembro de 2021.
*
Os Juízes Desembargadores
Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 653)
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva

[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]_______________________________________
[1] De referir que numa prática a que se vem, de forma surpreendente, assistindo cada vez mais, em resultado de medidas de reafectação de processos a sentença acabou por ser proferida por juiz que não presidiu à audiência de julgamento depois de as partes terem sido chamadas a pronunciar-se sobre essa possibilidade e nada terem declarado. Esta prática elimina em definitivo o princípio da imediação consagrado nas leis de processo e, a juntar à eliminação da intervenção do colectivo no julgamento da matéria de facto, deteriora significativamente as condições em que se processa esse julgamento., com prejuízo para a descoberta da verdade e a realização da justiça, devendo ser evitada, não fazendo sentido confrontar as partes com a necessidade de optarem pelo mal menor.