Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FRANCISCA MOTA VIEIRA | ||
Descritores: | CONSTITUIÇÃO DA SERVIDÃO POR DESTINAÇÃO DE PAI DE FAMÍLIA PRÉDIO SEPARAÇÃO NULIDADE | ||
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Nº do Documento: | RP202405234270/23.8T8VNG.P1 | ||
Data do Acordão: | 05/23/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - São requisitos normativos de constituição da servidão por DPF: (a constituição da servidão por destinação do pai de família): 1º- Os dois prédios - tanto podem ser rústicos como urbanos ---, ou as duas frações do mesmo prédio tenham pertencido ao mesmo dono. 2º- É necessária a existência de sinais visíveis ou aparentes e permanentes, reveladores da serventia de um prédio para com outro. 3º Exige-se, por último, que os prédios ou frações do prédio se separem quanto ao seu domínio, por qualquer título negocial (compra e venda, doação, troca, partilha, testamento, etc.) ou por outro título de transmissão (expropriação, usucapião, etc.) e que não haja no documento respetivo nenhuma declaração oposta à constituição do encargo. II - Se os factos apurados não revelam a identidade do prédio mãe, nem a forma, nem o momento em que os dois prédios ou frações se separam quanto à sua titularidade, porque qualquer forma negocial de proceder à separação de um prédio do prédio mãe está sujeito a forma escrita, no caso, ignorando-se como foi feita a alegada separação, concluímos que não obedeceu a forma legal, estando, por isso, ferida de nulidade que pode ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado e declarada de ofício pelo tribunal (artº 220º do Código Civil). III - Por isso, não serve para o efeito de com base nela se retirar qualquer conclusão quanto à vontade dos últimos titulares do prédio-mãe. IV - Assim, a invocada divisão, não operou, por si, a transferência do domínio, nem, por maioria de razão, a constituição da servidão por destinação do pai de família. V - E não estando também demonstrada a existência de sinais visíveis e permanentes, que mostrem de forma inequívoca a alegada relação de serventia entre os dois prédios, reportada aos atos de venda dos prédios operada pela mesma pessoa, não estão demonstrados fatos reveladores da verificação dos pressupostos normativos da constituição de uma servidão por destinação de pai de família | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 4270/23.8T8VNG.P1
Tribunal judicial da comarca do porto- juízo local cível de Vila Nova de Gaia – Juiz 3
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I. RELATÓRIO 1.Os autores AA, e mulher BB, residentes na Rua ..., ... ..., Vila Nova de Gaia, intentaram a presente ação de processo comum contra os réus CC, e marido DD, com domicílio profissional na Rua ..., ... ..., Vila Nova de Gaia, pedindo que: a) Os réus sejam condenados a procederem, a expensas suas, ao emparedamento da porta que abriram para acesso ao prédio dos autores, sita na parede confinante com os prédios de um e outro; b) Os réus sejam condenados a absterem-se de qualquer ação ou omissão que prejudique ou coloque em causa o direito de propriedade dos autores. Alegaram para o efeito e em síntese que são proprietários de um prédio urbano confinante com um prédio urbano pertencente aos réus onde existe uma escadaria construída há cerca de 30 anos pelo então proprietário dos dois prédios e que permite o acesso ao terraço do prédio dos réus. Sucede que os réus, pretendendo instalar uma esplanada no terraço do seu prédio abriram uma porta na parede confiante com o prédio dos autores para ter acesso à escadaria e, consequentemente, ao terraço. Sucede que os réus não têm direito a qualquer servidão de passagem pelo prédio dos autores, não podendo, por isso, invadi-lo pelo que devem ser condenados a fechar a referida porta. 2.Citados, os réus apresentaram contestação invocando, a título de exceção, a constituição de uma servidão por destinação do pai de família, alegando, para o efeito, que a porta em questão sempre existiu tendo sido temporariamente fechada, que por essa porta que sempre se acedeu ao terraço do prédio dos réus, pelo que lhes assiste o direito de manterem a porta aberta para aceder ao terraço do prédio onde pretende construir uma esplanada. Terminam, com os seguintes dizeres: “Nestes termos e nos melhores de direito deverá V. Exa, julgar provada e procedente a exceção perentória invocada e, por via disso, ser reconhecida a servidão por constituição do pai de família e, em consequência disso, julgar não provada e improcedente a presente ação, absolvendo-se os RR. do pedido.” 3.Os autores nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do CPC vieram num articulado de resposta responder à exceção invocada, pugnando pela improcedência da mesma. 4.Foi proferido despacho saneador tendo sido dispensada a fixação do objeto e temas da prova. 5.Realizou-se audiência de discussão e julgamento com observância de todo o formalismo legal e foi proferida sentença que julgou a ação totalmente procedente e, em consequência: a)condenou os réus CC e DD a procederam, a expensas suas, ao emparedamento da porta que abriram na parede confinante com o logradouro do prédio descrito em 1.; e b)condenou os réus CC e DD a absterem-se de qualquer ação ou omissão que prejudique ou coloque em causa o direito de propriedade dos autores AA e BB referente ao prédio descrito em 1. 6.Inconformados, os réus apelaram e concluíram nos termos que se reproduzem: 1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida (ref.ª 454702686), através da qual o Tribunal a quo condenou os RR “ao emparedamento da porta que abriram na parede confinante com o logradouro do prédio descrito em 1” e “a absterem-se de qualquer ação ou omissão que prejudique ou coloque em causa o direito de propriedade dos autores AA e BB referente ao prédio descrito em 1”. 2. Impugna-se, desde já, nos termos do CPC-640-1, a matéria de facto dada como assente nos pontos 15 e 18 dos factos provados. 3. O ponto 18 dos factos provados deverá ser alterado aditando-lhe o seguinte: “no entanto a mesma [escada interior em caracol] foi destruída antes dos RR. adquirirem o prédio motivo pelo qual não conseguiam aceder ao terraço pelo interior do prédio”, situação que deriva, expressamente, do depoimento da testemunha EE, minutos 2:50 a 3:33 e do depoimento da testemunha FF, minutos 3:42 a 3:58, ambos constantes na ata (ref.ª 454517430) da audiência de julgamento, realizada em 29 de novembro de 2023, pelas 14h30 min. 4. Assim, o ponto 18 deverá ser alterado e passar a ter a seguinte redação: “No interior do prédio referido em 6. foi construída, em 1993, uma escadaria em caracol para aceder ao terraço, no entanto a mesma foi destruída antes dos RR. adquirirem o prédio motivo pelo qual não conseguiam aceder ao terraço pelo interior do prédio”. 5. Deve ser incluído no ponto 15 dos factos provados que a escadaria em cimento, confinante com a parede norte do prédio dos RR., é a única forma de aceder ao terraço dos RR, situação essa que resulta do depoimento da testemunha FF, que consta na ata (ref.ª 454517430), minutos 6:26 a 6:50 da audiência de julgamento, realizada em 29 de novembro de 2023, pelas 14h30 min. 6. Aliás, através do depoimento das testemunhas GG, min 16:50 a 17:12 e HH, min 15:40 a 15:45, constantes na ata (ref.ª 454301258) da audiência de julgamento, realizada em 23 de novembro de 2023, pelas 14h, denota-se que, a escadaria exterior em cimento era, recorrentemente, utilizada para aceder ao terraço porquanto não havia outra forma de o fazer. 7. Por via disso, o ponto 15 deverá ter a seguinte redação “Esta escadaria é a única forma de acesso ao terraço do prédio referido em 6”. 8. Sem prescindir, mal andou o Tribunal a quo, devendo ser dado como provado que na parte exterior do prédio dos RR., havia uma saliência que evidenciava a existência de um local que permitia a passagem do interior do prédio dos RR. para o logradouro dos AA. e, consequentemente, para a escadaria que dá acesso ao terraço. 9. É isso que decorre dos depoimentos de GG, min 11:53 a 13: 03 e 22:00 a 23:46, II, min 04:39 a 05:32 e min 07:30 a 07:54, constantes na ata (ref.ª 454301258) da audiência de julgamento, realizada em 23 de novembro de 2023, pelas 14h e do depoimento da testemunha FF minutos 04:22 a 04:52 e 05:11 a 05:20 constante na ata (ref.ª 454517430), da audiência de julgamento, realizada a 29 de novembro de 2023, pelas 14h30. 10. Por ter provas suficientes, e pelo facto de os depoimentos das testemunhas terem merecido a sua confiança, o Tribunal a quo deveria ter-se apercebido da factualidade supra descrita. 11. Acresce que, o Tribunal a quo deu como não provado o ponto A) segundo o qual: “No ano de 2009 havia uma porta no prédio referido em 6. que dava acesso ao logradouro do prédio referido em 1”. 12. Sucede que, o documento 4 da contestação (ref.ª 36032953), que consiste numa fotografia do imóvel dos AA., do ano de 2009, demonstra, com precisão, que existia, no local, nessa data, uma porta branca e, por via disso, se conseguia aceder ao logradouro e às escadas de cimento exteriores, que permitiam subir ao terraço. 13. Nos termos do disposto no CC-368, se não tiverem sido impugnadas pela parte contrária à qual foram apresentadas, as fotografias fazem prova plena dos factos e das coisas que representam. 14. Atendendo a que os AA. não impugnaram tal documento, o Tribunal a quo errou na conclusão a que chegou quanto a esse documento. 15. Por sua vez, pugnamos que se verificam in casu os pressupostos para a existência da servidão por destinação do pai de família, nos termos do CC-1549. 16. Do primeiro pressuposto resulta que ambos os prédios tenham pertencido ao mesmo dono. No caso em apreço, os prédios pertencentes aos AA. e aos RR. pertenciam ao património comum do casal JJ e KK. 17. Contrariamente ao que defende o Tribunal a quo, pugnamos que existem sinais visíveis e permanentes, que revelam, inequivocamente, uma relação estável de serventia de um prédio para com o outro. 18. Não advêm da prova produzida factos concretos que demonstrem que os anteriores proprietários de ambos os prédios quisessem terminar a ligação estabelecida entre eles, pois, apesar de ter construído uma escadaria interior, que permitia o acesso ao terraço, e ter, provisoriamente, tapado a porta, o certo é que não procedeu à destruição da escadaria em cimento encostada à parede norte do prédio dos RR, através da qual se acede ao terraço. 19. É pacífico na doutrina e na jurisprudência dominantes que a servidão por destinação do pai de família não se extingue por desnecessidade. 20. Ademais, conforme decorre dos diversos depoimentos das testemunhas e da fotografia do local, que se juntou sob a forma de documento 4 da contestação, sempre existiu, no local, uma abertura, onde foi colocada uma porta, que estabelecia a ligação entre o interior do prédios dos RR., o logradouro dos AA. e as escadas em cimento que dão acesso ao terraço. 21. Qualquer pessoa, sabendo da existência de um terraço e verificando que junto ao prédio dos RR, existia uma porta/abertura e uma escadaria em cimento que fazia a ligação ao terraço, concluía, inequivocamente, que seria a única forma de aceder ao mesmo. 22. O terceiro e quarto requisitos estão preenchidos porquanto, conforme referido supra, os prédios dos AA. e dos RR, pertenciam aos mesmos proprietários, todavia, tendo por base a matéria de facto provada, nomeadamente, os pontos 1 a 11, houve a separação dos prédios em relação ao domínio e não existe em nenhum documento qualquer declaração oposta à constituição da servidão por destinação do pai de família 23. Resulta da Caderneta Predial Urbana descreve o prédio dos RR. como “Prédio Urbano de r/c com terraço a servir de cobertura, destinado a estabelecimento comercial. Divisões – salão amplo, 2 casas de banho e vestíbulo com acesso ao terraço”. 24. Se o proprietário de ambos os prédios tivesse como intenção terminar, definitivamente, qualquer tipo de possibilidade de ligação entre ambos teria alterado a matriz predial do prédio dos RR. dado que continua a constar na caderneta predial que existe um vestíbulo com acesso ao terraço e bem assim teria demolido a escadaria de acesso ao terraço. 25. A circunstância de não ter sido alterada a caderneta predial do imóvel dos RR e bem assim a não demolição da escadaria exterior são sinais inequívocos e evidentes de que o anterior proprietário não quis extinguir a relação de servidão entre os prédios. 26. Em suma, o Tribunal a quo, ao proferir a douta sentença em crise permite que os AA. acedam, sem limitações, ao terraço dos RR., mas, por outro lado, limita os RR., enquanto proprietários, de aceder a um espaço, que lhes pertence. 27. A decisão em crise viola as disposições conjugadas dos artigos 368º e 1549º, todos do Código Civil. Termos em que se requer a V. Exa. que o presente recurso seja julgado totalmente procedente e, por via disso, ser alterada a matéria de facto e reconhecida a existência da servidão por destinação do pai de família, substituindo-se a decisão proferida por outra que julgue improcedente a ação, com o que se fará inteira e sã justiça 7.Foi apresentada resposta. 8.Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II.As questões a decidir são as seguintes: .Apreciação e decisão da impugnação da decisão de facto: .Do Mérito do Recurso.
III.FUNDAMENTAÇÃO: 3.1. Na primeira instância foram julgados provados e não provados os seguintes fatos: 1.Na CRP de Vila Nova de Gaia, e sob o n.º ..., encontra-se descrito o prédio urbano na Rua ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, composto por casa de rés-do-chão e andar, dependência e quintal, inscrito na matriz predial sob o artigo .... 2.Mediante a Ap. ... de 13/09/1994, por compra, foi a aquisição de tal prédio inscrita a favor de LL e mulher MM, e AA e mulher BB, aqui autores. 3.Nessa Ap. ... de 13/9/1994 constam como sujeitos passivos: JJ e KK. 4.Mediante a Ap. ... de 3/03/2011, por permuta, foi a aquisição de 1/2 de tal prédio inscrita a favor dos autores. 5.O prédio referido em 1) consubstancia-se numa habitação que, até ao fim do ano 2022 se encontrava a ser utilizada por NN (já falecido) e esposa OO (atualmente num lar de idosos), sendo agora o local utilizado pelos autores para guardar peças de automóvel relacionadas com a sua atividade profissional. 6.Encontra-se descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, com o n.º ..., o prédio urbano na Rua ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, composto por casa térrea destinada a comércio, inscrito na matriz predial sob o artigo .... 7.Mediante a Ap. ..., foi inscrita a aquisição a favor de JJ e mulher KK, por partilha. 8.Mediante a Ap. ... e posteriormente convertida pelo Av. ..., foi inscrita a aquisição, por compra, a favor de GG e PP. 9.Mediante a Ap. ... de 16/1/2000, por compra, foi a aquisição de tal prédio inscrita a favor de QQ e RR. 10.Mediante a Ap. ... de 23/3/2017, por compra, foi a aquisição de tal prédio inscrita a favor de EE e FF. 11.Mediante a Ap. ... de 15/1/2018, por compra, foi a aquisição de tal prédio inscrita a favor dos réus. 12.No prédio referido em 6) funciona um café aberto ao público. 13. O prédio referido em 6) é confinante a norte com o logradouro do prédio referido em 1). 14.JJ e esposa KK, em data não concretamente apurada mas anterior a 1993, construíram uma escadaria em cimento no prédio referido em 1, encostada à parede norte do prédio referido em 6. 15.Esta escadaria dá acesso ao terraço do prédio referido em 6. 16.Antes do ano de 1993, existia uma porta que dava acesso do prédio referido em 6) para o logradouro do prédio referido em 1). 17.Em data não concretamente apurada, mas antes de 1993, a mencionada porta foi tapada por JJ. 18.No interior do prédio referido em 6. foi construída, em 1993, uma escadaria em caracol para aceder ao terraço. 19.A escadaria mencionada em 18) foi construída por GG e JJ. 20.Em data não concretamente apurada, mas no ano de 2023, os réus, sem autorização dos autores, abriram uma porta na parede norte confinante com o logradouro do prédio referido em 1). 21.É intenção dos réus instalar no terraço do prédio referido em 6. uma esplanada que sirva o café. 22.Consta na Caderneta Predial Urbana do prédio referido em 6. na parte da “Descrição do prédio” que “Prédio Urbano de r/c com terraço a servir de cobertura, destinado a estabelecimento comercial. Divisões – salão amplo, 2 casas de banho e vestíbulo com acesso ao terraço. Participado em 8/8/94. Concluído em 2/6/94”. 23.No âmbito do processo n.º 5122/1993, que correu termos no 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia em que eram autores NN e OO e réus JJ e KK, transitado em julgado em 14.1.1995 foi proferida sentença homologatória sobre a seguinte transação: “1.º: Os autores desistem do pedido formulado contra os réus. 2.º: Os réus comprometem-se, no prazo de 12 meses, a contar desta data a vedar por intermédio de materiais opacos, até à altura de pelo menos 2 metros, o terraço do prédio de que atualmente é proprietário GG, descrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., sito na Rua ..., em ..., desta comarca, na parte em que confina com o logradouro do prédio habitado pelos autores, de que são arrendatários, de modo a impedir que este logradouro seja devassado a partir do referido terraço. 3.º: Os réus comprometem-se a pagar aos autores, a título de compensação pela desistência do pedido no que respeita à utilização do terraço, a importância de 500 000,00 (quinhentos mil escudos) (…).” Factos não provados Com relevo para a boa decisão da causa, não se provaram os seguintes factos: A) No ano de 2009 havia uma porta no prédio referido em 6. que dava acesso ao logradouro do prédio referido em 1.
3.2. Da Impugnação da decisão de facto: 3.2.1.Nas alegações recursórias os recorrentes impugnam os itens 18º e 15 dos fatos provados. Para tanto, convocam os depoimentos das testemunhas EE e FF e GG e com base nesses depoimentos pedem a alteração da redacção dos itens 18º e 15ª. Mais pretendem que este Tribunal adite aos fatos provados o seguinte fato: “Na parte exterior do prédio dos Autores havia uma saliência que evidenciava a existência de um local que permitia a passagem do interior do prédio dos RR para o logradouro dos AA e, consequentemente, para a escadaria que dá acesso ao terraço “. Nesta parte convocam os depoimentos das testemunhas GG, II, FF, HH. E na resposta os recorridos na parte em que impugnam a alegação recursória 12ª na qual os recorrentes alegam que o depoimento da testemunha SS não foi credível, por alegadamente confuso e duvidoso, convocam também o depoimento testemunha SS. Os recorrentes impugnam ainda o facto julgado não provado no item A). Para tanto, convocam que juntaram na contestação uma fotografia do imóvel dos AA do ano de 2009, a qual, alegam, demonstra com precisão que exisia no local nessa data uma porta branca e por via disso se conseguia aceder ao logradouro dos AA e às escadas de cimento exteriores que permitiam subir ao terraço dos Autores. Porque os recorrentes deram cumprimento mínimo aos requisitos do art 640º do CPC admitimos a impugnação da matéria de facto. Apreciando e decidindo: a.Quanto ao facto julgado não provado na al. A). Alegam que não está impugnado pelos recorrentes o documento nº4 junto com a contestação, o qual, consiste numa fotografia do imóvel dos AA do ano de 2009 que demonstra com precisão que existia nesse local uma porta branca e, por via disso se conseguia aceder ao logradouro e às escadas de cimento exteriores que permitiam aceder ao terraço dos AA , concluindo que essa fotografia faz prova plena das coisas a que respeitam. Todavia, compulsados os autos, concretamente a contestação, a referida fotografia junta como documento nº4, bem como a resposta apresentada pelos AA, importa assinalar que no artigo 8º daquela contestação os Réus alegaram : «Existem fotografias, do ano de 2009, que se juntam sob a forma de documento 4 (…), que comprovam que havia nesse local uma porta».( sublinhado e negrito nosso) E foi essa alegação que não foi impugnada pelos Autores, isto é, estes não impugnaram que no ano de 2009 existiam marcas nesse local de um dia ter existido uma porta, o que, é bem distinto, de terem aceite que : «Tais características são coincidentes com a porta que aparece na fotografia, que se juntou aos autos, sob a forma de documento 4 (…)» (cf. artigo 41.ᵒ das alegações de recurso). A revelar que na realidade no artigo 8.ᵒ da contestação os réus alegam que o documento 4 prova que «havia nesse local uma porta», e que no artigo 41º das alegações de recurso dizem que a porta, afinal, «aparece na fotografia», querendo-se fazer valer de os autores não terem impugnado o que os réus não disseram. Assim, porque a alegação contida nas conclusões recursórias 12ª a 14ª não correspondem à realidade processual verificada, concluímos que o tribunal a quo não cometeu o invocado erro de julgamento traduzido em julgar não provado o facto vertido em A) dos factos não provados.
b. Quanto aos fatos provados vertidos nos itens 18º e 15º e ao requerido aditamento de um facto, reapreciamos na totalidade os depoimentos convocados, isto é, os depoimentos das testemunhas EE, FF, GG, HH, II e SS.
E revisitados esses depoimentos resulta que EE, FF de forma desinteressada e aparentemente isenta, por isso credível, referiram que estiveram a explorar o café situado no prédio dos réus desde 2014 a 2017 como inquilinos. Depois adquiriram a propriedade em 2017 e venderam o prédio aos réus em final de 2017. Mais referiram que antes de darem início à exploração do café, visitaram o imóvel e verificaram que existia no interior do café uma escada em caracol para aceder ao terraço, que, mais tarde, quando foram explorar o café, a referida escada já não existia, pois tinha sido demolida pela anterior proprietária. Mais referiram que no interior do estabelecimento de café, não existiam vestígios quanto ao modo como anteriormente a eles se acedia ao prédio dos autores, que nunca ninguém lhes transmitiu que tinham acesso ao terraço pela alegada porta e que quando venderam o prédio aos réus não mencionaram a existência de qualquer passagem. Aliás, a testemunha FF precisou que um dia precisaram de aceder ao terraço e subiram pela parte da frente do prédio, uma vez que não existia outra forma de aceder ao terraço. A este propósito, porque o tribunal a quo nesta matéria de facto convocou a caderneta predial do prédio dos Réus junta aos autos com a petição inicial, também nós reapreciamos os dizeres deste documento e verificamos que aí consta: “(…) Divisões – salão amplo, 2 casas de banho e vestíbulo com acesso ao terraço. Participado em 8/8/94. Concluído em 2/6/94”. Ora, resulta assim deste documento que o vestíbulo com acesso ao terraço foi participado em 8/8/94, tendo sido concluído em 2/6/94, ou seja, é perfeitamente coincidente com a versão das várias testemunhas que referem a sua construção no ano de 1993.” E desse documento, caderneta predial, juntamente com o depoimento da testemunha EE, resulta que o referido vestíbulo com acesso ao terraço a que se refere a caderneta predial junta pelos com a contestação como documento nº2 , situa-se no interior do imóvel dos réus, vestíbulo esse antes apetrechado com a escadaria interior referida no depoimento da testemunha EE . A testemunha GG revelou conhecer o autor AA e mostrou ter conhecimento direto dos factos por ter sido proprietário do prédio que agora pertence aos réus. Explicou que começou por adquirir o estabelecimento comercial no ano 1993 tendo em 1994 adquirido ao Sr JJ o prédio onde o estabelecimento se encontra instalado e do qual, até então, era arrendatário. Afirmou perentoriamente que o prédio que no arrendamento era descrito como tendo área de 50 m2 com terraço, não tinha teto, tinha terraço com placa de cimento. Revelou que na altura em que era arrendatário com autorização do senhorio, JJ, construíram no interior do café uma escada em caracol, com escadas em cimento, revelando que não tinham passagem no logradouro do vizinho. Para aceder ao terraço usaram uma escada na rua. A escada foi construída essencialmente para colocar grades no terraço e não para clientes. Referiu ainda que fizeram um tapamento no terraço com vedação em chapa e vidro martelado, na parte em que confinava com o prédio dos autores.Foi ao terraço mais de uma vez pela dita escada. Assim, convenceu-nos que quando começou a explorar o café inexistia qualquer sinal que evidenciasse que ali tinha existido uma porta. Esclareceu ainda que a parede confinante dos prédios, vista do exterior, evidenciava que em tempos ali terá existido uma abertura, pela diferença de cor na parede. Mais referiu que JJ (anterior proprietário dos prédios) em momento algum lhe disse que existia uma passagem pelo prédio dos autores para aceder ao terraço e que até ao ano 2000 (altura em que deixou de ser proprietário) nunca usou qualquer porta ou escadaria para aceder ao terraço. Assim esta testemunha revelou que nos anos em que esteve a explorar o café nunca acedeu ao logradouro dos AA. A testemunha HH, filho do anterior inquilino do prédio dos autores, revelou que a sua família viveu no prédio durante mais de 60 anos, que residiu no prédio durante 26/27 anos tendo saído em 1990.Pelo conhecimento directo revelado convenceu que em tempos existiu uma abertura com uma porta de chapa na parede norte do prédio dos réus. Contudo, esclareceu que essa porta nunca foi sequer usada e que essa porta dava acesso a uma garagem mas nunca lá entrou. E mais referiu que por volta de 1992/1993 a referida porta já não existia, revelando que nessa altura frequentava o café situado no prédio dos réus, conhecendo bem o seu proprietário, o senhor GG, que dentro do café, no ano de 1993, foi construída uma escada interior em caracol para aceder ao terraço. Mais referiu que o terraço, no seguimento da ação intentada pelos pais (facto 23) foi vedado.
A testemunha SS, contabilista, referiu ser funcionário da empresa do autor desde 1986, esclarecendo que por essa razão conhece bem o local e que frequenta muitas vezes o café, conhecendo por isso os réus, revelando que “por lá passaram outras pessoas a explorar o café”. Relatou que nunca viu ninguém a usar a referida porta, nem as escadas exteriores. Referiu que em tempos existiam umas escadas situadas no interior do café e no lado direito ao fundo que eram usadas para subir com grades para o terraço. Mais tarde, do que se apercebeu as escadas interiores deixaram de existir.
A testemunha II, engenheiro, revelou conhecer os autores, a oficina do autor. Revelou que no dia a dia passa pelo local. Disse que esteve no café uma ou duas vezes, que nunca viu lá uma escadaria interior, que nunca viu pessoas a passar do café para o logradouro do prédio dos autores ou no sentido inverso. No que se reporta à porta do café revelou que soube que recentemente foi aberta uma porta e que desconhece as motivações. Mais disse que antes dessa recente abertura de porta a configuração-textura exterior da fachada norte do prédio dos réus indiciava que teria havido ali qualquer coisa antes. Disse que não se apercebeu no interior do café de qualquer porta nessa fachada.
Aqui chegados, assinalamos que sentimos necessidade de reapreciar as declarações de parte do Réu DD, prestadas na sessão de julgamento de 29.11.2023 porquanto, na motivação da decisão de facto, o Mmo juiz a quo escreveu: “Em relação às declarações de parte do réu DD o mesmo referiu que sabe da existência da porta que terá sido fechada por volta de 1993, porém afirmou que essa informação lhe adveio da leitura do processo referido no facto 23.”
E feita essa reapreciação, comprovamos que efectivamente o réu trabalha no café há cerca de seis ( 6) anos juntamente com a esposa e que efectivamente referiu que em 1993 foi tapada a porta e que recentemente, há meia dúzia de meses, “reabriu a dita porta” para aceder ao terraço e justificou a sua conduta com os dizeres da caderneta predial .Esclareceu ainda que no ano de 2023 decidiu, sem qualquer autorização, abrir a porta na parede confinante com o logradouro do prédio dos autores e que é sua intenção instalar uma esplanada no terraço.
Finalmente, reapreciamos as declarações de parte do autor AA. Este, apesar do seu natural interesse direito no desfecho do processo, prestou declarações convergentes com os meios de prova atras reapreciados, referindo que adquiriu o seu prédio (1993), que nessa altura a mencionada porta estava fechada e que viu o Sr. JJ e o Sr. GG a construírem a escada interior do café para aceder ao terraço. Posto isto, revisitados os meios de prova convocados, este colectivo de juízes relativamente aos factos impugnados, vertidos nos itens 18º e 15º dos factos provados, não logrou alcançar convicção distinta daquela que foi alcançada pelo tribunal a quo, a revelar que a impugnação da decisão de facto não merece provimento, mantendo-se inalterada a decisão de facto. E relativamente à pretensão dos recorrentes de aditamento aos factos provados do facto acima enunciado, trata-se de facto instrumental que não releva para a decisão de causa, indeferindo-se, assim, essa pretensão.
3.3. Enquadramento Jurídico. 3.3.1.Resulta da apreciação e decisão da impugnação da decisão de facto que os recorrentes não lograram provar nesta sede a alteração que pretendiam introduzir no item 15 dos factos provados, o qual, se refere à escadaria referida no item 14ª. Assim, a redacção do item 14 é a seguinte: «4. JJ e esposa KK, em data não concretamente apurada mas anterior a 1993, construíram uma escadaria em cimento no prédio referido em 1, encostada à parede norte do prédio referido em 6.» E a redacção original do item 15 que foi mantida é a seguinte: «Esta escadaria dá acesso ao terraço do prédio referido em 6» .Os recorrentes pretendiam ainda que fosse alterada a redacção do item 15 por forma constar o seguinte: «Esta escadaria é a única forma de acesso ao terraço referido em 6º» Pretensão que não obteve provimento. .E pretendiam também que fosse aditado aos factos provados que “ na parte exterior do prédio dos AA, havia uma saliência que evidenciava a existência de local que permitia a passagem, do interior do prédio dos réus para o logradouro do prédio dos AA e, consequentemente, para a escadaria que dá acesso ao terraço” Também essa pretensão não obteve provimento. .Mais pretendiam que fosse alterado o item 18 dos fatos provados ( 18.Em data não concretamente apurada, mas antes de 1993, a mencionada porta foi tapada por JJ) de modo a ter a seguinte redacção: « No interior do prédio referido em 6 foi construída uma escadaria em caracol para aceder ao terraço, no entanto a mesma foi destruída antes dos RR adquirirem o prédio, motivo pelo qual não conseguiriam aceder ao terraço pelo interior do prédio.» .Finalmente, pretendiam que fosse julgado provado o facto não provado vertida na al. a) cuja redacção é: «A. No ano de 2009 havia uma porta no prédio referido em 6. que dava acesso ao logradouro do prédio referido em 1.» Também estas pretensões não obtiveram provimento. Assim, considerando que nenhuma alteração foi introduzida nos factos julgados provados e não provados na decisão de facto proferida pelo tribunal de 1ª instância, impõe-se apreciar o mérito da decisão recorrida.
3.3.2 Argumentam os réus que contrariamente ao entendimento vertido na sentença recorrida os factos provados revelam a existência de sinais visíveis e permanentes que revelam uma relação estável de serventia de um prédio para outro e que os factos apurados não revelam que os anteriores proprietários de ambos os prédios quisessem terminar a ligação estabelecida entre os prédios, alegando que a construção no ano de 1993 no prédio agora pertencente aos réus da escadaria interior para permitir aceder ao terraço e o tapamento feito nesse ano da porta que existia na parede norte confinante com o logradouro do prédio referido em 1, desacompanhado da destruição da escadaria em cimento encostada à parede norte do prédio dos RR, através da qual se acede ao terraço, não permitem concluir pela extinção da servidão por destinação de pai de família de que beneficia o seu prédio relativamente ao prédio dos autores. Mais alegam que não existe em qualquer documento declaração oposta à constituição da servidão por destinação de pai de família. Quid Iuris? Os Autores, com a presente lide, visam defender o seu direito de propriedade, alegando a violação por parte dos ora Recorrentes do disposto no art. 1305º do CC, isto é, alegam que os réus-recorrentes, donos de um prédio contíguo ao deles, abriram uma parte que deita directamente sobre o logradouro do prédio dos autores. E, no caso em apreço, com referência às pretensões dos autores importa apreciar e decidir se a abertura pelos réus da porta na parede confinante com o prédio dos autores é legítima, sendo que os réus invocaram a título de exceção a constituição de uma servidão por destinação do pai de família. A revelar que a procedência do recurso impõe que se aprecie e decida se deve ou não ter-se por constituída, por destinação de pai de família, uma servidão de passagem sobre o prédio dos autores-recorridos em benefício do prédio dos Apelantes /Réus, sendo certo que, não se discute que tanto os autores como os réus beneficiam da presunção derivada do registo prevista no artigo 7º do Código do Registo Predial , pelo que, não restam dúvidas que são, respetivamente, proprietários dos prédios referidos em 1 e 6 da matéria de facto. As servidões são direitos reais de gozo, definindo-as o art.º 1543.º do Código Civil (C.C.) como o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente, dizendo-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o prédio que dela beneficia. A servidão constitui, pois, uma limitação ao direito de propriedade do prédio onerado. As utilidades das servidões podem ser as mais variadas, futuras ou eventuais, mesmo que não aumentem o valor do prédio dominante, nos termos do disposto no art.º 1544.º do C. C.. De acordo com o disposto no art.º 1547.º, n.º 1 do C.C., as servidões podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação de pai de família. A constituição das servidões prediais pode fazer-se pelas diversas formas previstas no nº 1 do art.º 1547º do Código Civil, estando aqui em causa saber se foi, ou não, constituída a servidão aqui invocada pelos A.A., por DPF. O tribunal recorrido negou a constituição da servidão. Um dos modos de constituição das servidões prediais é a destinação de pai de família (artigo 1547.º do CCiv). Segundo o art.º 1549º do Código Civil, “se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas fracções de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para com outro, serão esses sinais havidos como prova da servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas fracções do mesmo prédio, vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento.”. Dá-se tal constituição se em dois prédios ou em duas fracções de um só prédio houver sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para com outro, quando em relação ao domínio os dois prédios ou as duas fracções vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento (artigo 1549.º do CCiv). Enquanto a propriedade se mantiver num único titular, apesar da serventia de um prédio para o outro, não há qualquer consequência jurídica. Se um dos prédios for alienado ou o único prédio se dividir, a manutenção dos sinais visíveis e permanentes dessa serventia é havida como prova da servidão. Está porém na disponibilidade das partes declarar outra coisa no respectivo documento. É esta possibilidade de impedir a transformação de uma situação material ou fáctica numa consequência jurídica que qualifica a servidão como “servidão voluntária”. O que não equivale necessariamente a ter por certo que ela resulta de uma declaração negocial, designadamente de um acordo tácito[1]- A constituição de servidão por DPF[2] resulta, tradicionalmente, da necessidade de fazer face a determinados estados de necessidade objetiva, decorrentes de relações de vizinhança e, tal como as demais servidões, pressupõe uma ligação entre prédios, traduzindo uma utilidade real de um prédio a favor de outro (e não de uma pessoa a favor de outrem independentemente de relações prediais – servidão pessoal), permitindo, objetivamente, a transferência das qualidades naturais de um prédio para o outro. No entanto, tem uma forma específica de constituição: esta dá-se nos precisos termos em que, por decisão do anterior proprietário comum, havia transferência de utilidades de um parte para a outra ou de um prédio para o outro. Salvo se, na separação, se decidir outra coisa [3] E conforme se escreveu no ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Março de 2010: “(…)A servidão constituir-se-á desde que exista uma relação de serventia entre os dois prédios que deixam de ter o mesmo dono, sendo indiferente o título (servidão, mera tolerância, licença administrativa, contrato com eficácia obrigacional, etc.) em que assenta a utilização dos prédios ou terrenos intermédios (v. Antunes Varela, RLJ, ano 115º, pág. 222). Na base desta figura encontra-se uma presunção de acordo tácito – uma presunção de intenções imputáveis tanto ao alienante como ao adquirente (Mota Pinto, in Dir. Est. Sociais, Ano XXI, pag. 141). O fundamento jurídico da destinação reside na presunção de que por parte do transmitente e do adquirente houve a intenção de que se perpetuasse a situação de facto existente ao tempo da separação (v. Prof. Pires de Lima, Lições de Direitos Reais, pág. 332). A servidão assim constituída não tem qualquer elo de identidade com o conceito de servidão legal. As servidões legais têm sempre um, carácter coactivo, o que não acontece naquelas, que são sempre voluntárias. A servidão por destinação do pai de família representa um encargo predial não qualificável como servidão legal, mas antes como uma servidão voluntária, que se constitui no preciso momento em que os prédios ou fracções de determinado prédio passam a pertencer a proprietários diferentes e assenta num facto voluntário, consistente na colocação ou aposição do sinal ou de sinais permanentes. Esta servidão assenta, pois, num facto voluntário, sendo certo que, como decorre do citado art. 1549.º, para que se forme uma verdadeira servidão, se exige que os prédios, ou as fracções do prédio, se separem quanto ao seu domínio e não haja no documento respectivo, como no caso ajuizado aconteceu, nenhuma declaração oposta à constituição do encargo.”
Conforme tem sido assinalado na jurisprudência dos tribunais superiores[4], são requisitos normativos de constituição da servidão por DPF: 1º- Os dois prédios --- tanto podem ser rústicos como urbanos ---, ou as duas frações do mesmo prédio tenham pertencido ao mesmo dono. Assim, é essencial que os dois prédios ou as duas frações tenham sido pertença da mesma pessoa --- não bastando para tal que tenham sido possuídos apenas ou que tenham pertencido a pessoas ligadas por vínculos de parentesco ou de casamento. 2º- É necessária a existência de sinais visíveis ou aparentes e permanentes, reveladores da serventia de um prédio para com outro. Trata-se do mesmo tipo de sinais que denunciam uma servidão aparente, ou seja, uma prestação de utilidade não transitória, mas estável (como se exige nas situações em que os dois prédios pertencem a donos diferentes). Os sinais têm que revelar a serventia de um prédio para o outro, o que significa que hão de ter sido postos ou deixados com a intenção de assegurar certa utilidade a um à custa ou por intermédio do outro. É este pressuposto que permite concluir que a DPF é fonte de servidões aparentes e contínuas. E embora baste que os sinais existam num dos prédios, eles devem revelar uma profunda interdependência entre os prédios, de modo a que se conclua pela necessidade de assegurar certas utilidades que um deles é suscetível de fornecer ao outro. 3º- Exige-se, por último, que os prédios ou frações do prédio se separem quanto ao seu domínio, por qualquer título negocial (compra e venda, doação, troca, partilha, testamento, etc.) ou por outro título de transmissão (expropriação, usucapião, etc.) e que não haja no documento respetivo nenhuma declaração oposta à constituição do encargo. Não é exigível qualquer relação negocial ou manifestação de vontade para a constituição da servidão, bastando tão só a verificação objetiva dos requisitos legais. Esta surge no momento em que os prédios ou frações se separam quanto à sua titularidade, isto é, não é líquido que seja exigível a prova de uma vontade subjectiva do proprietário ou proprietários de constituição da relação de serventia mas não se dispensa a prova de sinais que revelem “a vontade ou consciência de criar uma situação de facto estável e duradoura, uma situação que objectivamente corresponda à de uma servidão aparente”. A serventia [5] ( laço de interdependência predial anterior à separação dos imóveis) dá então lugar à servidão por DPF, enquanto direito real de gozo, como que por presunção iuris tantum, ilidível por manifestação contrária das partes, como decorre do próprio art.º 1549º do Código Civil, na expressão “salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento” [6] Analisemos o caso sub judice à luz daqueles requisitos. O primeiro requisito: Os dois prédios --- que tanto podem ser rústicos como urbanos ---, ou as duas frações do mesmo prédio tenham pertencido ao mesmo dono. Como resulta da factualidade apurada, nos itens 3 e 7, relativamente a este requisito, apenas se provou que os dois prédios pertenceram a JJ e mulher KK, que, posteriormente os venderam a distintas pessoas, tendo sido alegado na contestação que: “29ºOra, no caso dos autos, os prédios integravam o património comum do casal de JJ e KK, conforme reconhecem os AA., no ponto 3 da petição inicial por eles intentada. 30.ºApós a morte destes foram efetuadas partilhas motivo pelo qual passaram a pertencer a diferentes proprietários. 31.ºÉ neste ato de partilha que ocorre a separação da titularidade do domínio sobre os dois prédios, dado que entre o decesso dos seus anteriores proprietários e o ato de partilha mantém-se uma titularidade coincidente, uma vez que os prédios integram o mesmo património hereditário, pelo que, as serventias existentes se convertem em direitos de servidão.”
Contudo, não foi alegada, nem está provada, a concreta descrição do prédio -mãe do qual foram separados os prédios dos autores e dos réus, sendo certo que a alegação contida na petição e na contestação não servem para identificar o prédio -mãe, evidenciando os autos que as partes não sentiram necessidade de o fazerem. Tão pouco foi alegado por qualquer das partes, a forma como o prédio – mãe deu origem a dois prédios separados quanto ao seu domínio, seja por qualquer título negocial (compra e venda, doação, troca, partilha, testamento, etc.) ou por outro título de transmissão (expropriação, usucapião, etc.) , nem tão pouco foi alegado que no documento respetivo (que não existe) não foi invocado qualquer declaração oposta à constituição do encargo. A revelar que os factos apurados não revelam a identidade do prédio mãe, nem a forma, nem o momento em que os dois prédios ou frações se separam quanto à sua titularidade, sendo certo que só a partir da separação jurídica se pode falar em servidão por DPF, enquanto direito real de gozo, como que por presunção iuris tantum, ilidível por manifestação contrária das partes, como decorre do próprio art.º 1549º do Código Civil, na expressão “salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento” . A divisão de coisa comum pode ser feita amigavelmente ou nos termos da lei de processo; a divisão amigável está sujeita á forma exigida para a alienação onerosa da coisa (artº 1413º, nºs 1 e 2 do Código Civil). Por isso, ao tempo em que se procedeu à divisão material do prédio – anteriormente a 1992 – era exigível, para essa divisão, escritura pública (artº 80º, j) do Código de Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei nº 47 619, de 31 de Março de 1967, já então alterado pelos Decretos-Leis nºs 513-F/79, de 24 de Dezembro, 193-A/80, de 18 de Junho e 194/83, de 17 de Maio, entretanto revogado pelo artº 7º do Decreto-Lei nº 207/95, de 14 de Agosto). De resto, porque qualquer forma negocial de proceder à separação de um prédio do prédio mãe está sujeito a forma escrita, no caso, ignorando-se como foi feita a alegada separação, concluímos que não obedeceu a forma legal, estando, por isso, ferida de nulidade que pode ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado e declarada de ofício pelo tribunal (artº 220º do Código Civil)e por isso não servindo para o efeito de com base nela se retirar qualquer conclusão quanto à vontade dos últimos titulares do prédio-mãe. A destinação do pai de família é nula quando nulo for o acto de divisão ou de separação. É essa, de resto, a razão pela qual a lei postula a existência de documento (artºs 1549º do Código Civil).[7] Assim, a invocada divisão, não operou, por si, a transferência do domínio, nem, por maioria de razão, a constituição da servidão por destinação do pai de família. Contudo, não é necessário que a separação de domínios se dê por título negocial; a divisão pode perfeitamente dar-se por qualquer outro título, designadamente por usucapião. Por esta razão simples – mas sólida - é que não está demonstrada a verificação, no caso, do segundo dos requisitos de que a lei faz depender esse título de constituição da servidão: a existência de sinais visíveis e permanentes que revelem serventia de uma parte do prédio para a outra, ao tempo da separação de domínios. Para que a servidão se tivesse por constituída por este título era necessário demonstrar que a serventia foi aberta pelo anterior proprietário do prédio ou, pelo menos, que tinha existência actual no momento – retroagido à data do início da posse - em que se operou a divisão do imóvel. Mais. Ainda que tivessem sido alegados factos reveladores que existia serventia dada pelo anterior proprietário do prédio ou, pelo menos, que tinha existência actual no momento – retroagido à data do início da posse - em que se operou a divisão do imóvel, afigura-se-nos, tal como ao tribunal a quo, que “que não ficou demonstrada a existência de sinais visíveis e permanentes, que mostrem de forma inequívoca a alegada relação de serventia entre os dois prédios, reportada aos atos de venda dos prédios que ocorreram em 1994. Pelo contrário, de tais atos resulta sim uma vontade, uma consciência e um fim objetivo de terminar com qualquer tipo de possibilidade de ligação entre os prédios. Tal conclusão pode retirar-se pela conduta daquele que tinha o domínio dos dois prédios – JJ – que, enquanto proprietário dos dois prédios, fechou a porta que existia na parede, construiu uma escadaria no interior do prédio dos réus para aceder ao terraço e outorgou uma transação no âmbito de um processo judicial onde de obrigava a vedar o terraço na parte confinante com o prédio dos autores [8]- conforme factos vertidos nos itens 14º a 20ª.
Nestes termos, não tendo ficado demonstrados fatos reveladores da verificação dos pressupostos normativos da constituição de uma servidão por destinação de pai de família, importa concluir que não assiste razão aos réus- recorrentes. Importa assinalar que os réus recorrentes não alegaram factos reveladores da constituição da alegada servidão por usucapião, isto é, não alegaram factos reveladores de uma posse pública e pacífica, correspondente ao direito real menor de servidão de passagem por um período superior a 20 anos, sedo certo que a usucapião não é automática, mas potestativa (artºs 1251º, 1255º, 1261º, 1262º, 1287º, 1288º, 1296º e 303º, ex-vi artº 1292º, do Código Civil).
Finalmente, (last but not least) importa assinalar que os réus não formularam um pedido reconvencional pelo qual pedem o reconhecimento da servidão por constituição do pai de família, sendo certo que se nos afigura que a invocação de factos alegadamente reveladores da constituição de um servidão por destinação de pai de família, sendo um facto constitutivo, deveria ser veiculada através da formulação de um pedido reconvencional. A violação do princípio do pedido sempre ditaria também o insucesso da defesa preconizada[9]
Pelo exposto, com fundamento na fundamentação de fato e jurídica exposta impõe-se a improcedência do recurso de apelação, mantendo-se a sentença recorrida.
Sumário. ……………………………… ……………………………… ……………………………....
IV.DELIBERAÇÃO: Considerando quanto acima fica exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, consequentemente, confirmando a sentença recorrida. Custas pelos recorrentes. |