Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | MENDES COELHO | ||
| Descritores: | DIREITO DE REGRESSO SEGURO OBRIGATÓRIO AUTOMÓVEL PRAZO DE PRESCRIÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP202201246252/18.2T8PRT.P1 | ||
| Data do Acordão: | 01/24/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I – Os casos de admissibilidade do direito de regresso em sede de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel restringem-se às situações previstas nas várias alíneas do nº1 do art. 27º do respectivo regime legal (Dec. Lei 291/2007 de 21/8); têm portanto por fonte a lei e não o contrato de seguro propriamente dito (pois quer este, por si próprio, preveja ou não clausulado idêntico ao previsto naquele art. 27º, esta previsão legal assegura sempre aquele direito de regresso). II – O prazo de prescrição previsto no art. 498º nº2 é o aplicável ao direito de reembolso da seguradora reconhecido nas hipóteses previstas no art. 27º daquele regime legal. III – A tal prazo de prescrição do direito de regresso da seguradora não é aplicável a extensão prevista no nº3 do art. 498º do C. Civil. IV – O direito de regresso da seguradora, tendo por objecto o reembolso da indemnização que satisfez, integra os valores pagos a título de indemnização pelos danos causados ao lesado, neles se incluindo os custos que directamente suportou para a reparação de alguns deles, designadamente despesas médicas e tratamentos, mas já não os custos de organização de serviço e funcionamento interno da própria seguradora com a regularização do sinistro. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo nº6252/18.2T8PRT.P1 (Comarca do Porto – Juízo Central Cível do Porto – Juiz 3) Relator: António Mendes Coelho 1º Adjunto: Joaquim Moura 2º Adjunto: Ana Paula Amorim Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório AA…, SA intentou acção declarativa comum contra BB…, Lda. pedindo que seja condenada a Ré a pagar-lhe a quantia de €102.916,75, acrescida de juros legais de mora, contados a partir da data da citação da Ré, até efectivo e integral pagamento. Alegou para tal, em síntese: que houve um acidente causado por um veículo da Ré, por si seguro, que causou danos na sinistrada CC…; que pagou a esta determinadas despesas e indemnização; que o acidente foi provocado pelo mau acondicionamento da cisterna que era transportada naquele veículo, a qual tombou sobre a sinistrada porque as cintas que amarravam tal carga rebentaram devido ao seu mau estado de conservação; e que pretende que a Ré lhe restitua tudo o que pagou na regularização do referido sinistro, por sobre ela ter direito de regresso à luz do art. 27º nº 1 al. e) do DL nº 291/2007 de 21/8. A Ré apresentou contestação, pugnando pela improcedência do pedido formulado pela Autora. Alegou a excepção da prescrição do direito de regresso, impugnou os factos alegados como fundamento desse direito e, alegando a existência de um seguro de responsabilidade civil de exploração também celebrado com a Ré, sustentou que o acidente dos autos enquadra-se nesse seguro, devendo ser a Autora a suportar os custos e indemnização que reclama nesta acção, não tendo direito ao seu reembolso. Concedido o exercício do contraditório relativamente à matéria de excepção, a Autora deduziu oposição nos seguintes termos: sustentou que o seu direito de regresso não se mostra prescrito por ser aplicável o prazo de prescrição de 20 anos previsto no art.309º, ou então o prazo de prescrição de 10 anos, por o facto ilícito ter constituído crime e ter corrido procedimento criminal que culminou com a condenação do condutor do veículo pertencente à Ré; que, ainda que considerando o prazo de 3 anos de prescrição previsto no art. 498º do C.Civil, como efectuou pagamentos continuados e o último pagamento foi feito em Junho de 2016, ainda não estava prescrito aquele seu direito aquando da instauração da acção; que a Ré, em Outubro de 2015, assumiu perante a Autora a obrigação de pagamento dos danos decorrentes do acidente, assim reconhecendo o direito da Autora; que o seguro de responsabilidade civil de exploração não cobre o caso dos presentes autos, que se traduziu num acidente de viação. Foi realizada audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador – em sede do qual se relegou para a sentença final a excepção de prescrição invocada pela Ré – e, de seguida, identificou-se o objecto do litígio, elencou-se logo a matéria de facto já dada como assente e enunciou-se os temas da prova. Procedeu-se a julgamento, que se desenrolou em duas sessões de produção de prova (em 22/9/2020 e 2/11/2020). Entre a primeira e a segunda sessão de produção de prova, a A., a 31/10/2020, invocando o teor de depoimento da testemunha DD…, por si arrolada, relativamente ao documento nº29 junto com a petição inicial (constante de fls. 24 e integrado por uma factura passada por “EE…, Lda.” no montante de 5.829,02 euros), veio reduzir o seu pedido em 5.749,16 euros. Na sequência de prévio despacho a auscultá-las nesse sentido (invocando-se o regime de suspensão de prazos e diligências processuais introduzido pela Lei 4-B/2021 de 1/2), foram feitas alegações por escrito por ambas as partes. De seguida, foi proferida sentença que, julgando procedente a excepção de prescrição do direito de regresso da Autora invocada pela Ré, absolveu esta do pedido. De tal sentença veio interpor recurso a Autora – agora já sob a veste de “FF…, S.A.” –, tendo na sequência da respectiva motivação apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem: ……………………………… ……………………………… ……………………………… A Ré apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida nos seus precisos termos. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), tendo em conta a lógica e necessária precedência das questões de facto relativamente às questões de direito, são as seguintes as questões a tratar: a) – apurar se há que proceder a alteração do julgamento da matéria de facto efectuado pelo tribunal recorrido relativamente ao pontos dos factos não provados indicado pelo Recorrente; b) – apurar, com base na pretendida alteração da matéria de facto ou independentemente dela, se a decisão recorrida deve ser revogada ou alterada, sendo nesta sede de analisar da verificação ou não da prescrição decidida pelo tribunal recorrido e, em caso negativo, da quantia a reembolsar à Autora. ** II – FundamentaçãoVamos ao tratamento da questão enunciada sob a alínea a). A Recorrente pretende a alteração do julgamento da matéria de facto efectuado pelo tribunal recorrido relativamente ao ponto 22 dos factos provados e relativamente aos pontos 3, 4, 5, 15, 16, 17 e 18 dos factos não provados da sentença recorrida. O ponto 22 dos factos provados tem o seguinte conteúdo: “22. Por força do acidente e ao abrigo do seguro já referido, a autora, desde Novembro de 2009 e até Março de 2015, suportou pelo menos os seguintes custos: - Pagamentos a CC…, a título de indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais: €2.211,40 (em 17/9/2010); €138,95 (em 1/10/2012) e € 70.000,00 (em 2/3/2015); - A título de despesas com tratamentos e deslocações: € 726,54 (em 20/1/2011); -À GG…, por tratamentos a que foi sujeita CC…: € 1.368,23 (2010/2011); -À HH… ou à II…, com consultas médicas a CC…; -À JJ…, Lda, com material ortopédico e fisioterapia: € 1.493,97 (2010); -Ao Hospital …, com exames a CC…: € 190,35 (2009/2010); -A KK… e EE…, Lda., com averiguações relacionadas com o sinistro”. Por sua vez, os pontos 3, 4, 5, 15, 16, 17 e 18 dos factos não provados têm o seguinte conteúdo: -“3. Por força do acidente e ao abrigo do seguro já referido, a autora, desde 11 de Setembro de 2009 e até Junho de 2016, suportou custos contínuos diversos, no montante total de € 102.916,75, tais como: A CC… - €3.866,39 a título de despesas várias; À GG… - € 1.376,23 com custo de tratamentos a que foi sujeita CC…; À HH… - € 318,64 com consultas médicas a CC…; À LL… - Despesas com consultas médicas e tratamentos a CC…: € 521,09; À JJ…, Lda - € 2.070,82 com material ortopédico:; Ao Hospital MM… - Despesas de internamento, médicas e tratamentos a CC…: € 17.276,96; À NN… - Despesas com consultas médicas e tratamentos a CC…: € 301,14; À II… - € 510,65 com consultas médicas a CC…; Ao Hospital … - € 322,85 com tratamentos e consultas médicas a CC…; A OO… - Despesas com tratamentos a CC…: € 182,04; A OO… - Despesas com tratamentos a CC…: € 67,33; A PP…, Lda - Despesas com tratamentos a CC…: € 30,39; À QQ… - Despesas com medicamentos: € 12,10; A KK… - €151,24 de despesas com averiguações relacionadas com o sinistro; A EE…, Lda -€ 5.908,88 de despesas com averiguações relacionadas com o sinistro;” - “4. Desde Outubro de 2015 a ré assumiu perante a autora a obrigação do pagamento dos danos decorrentes do acidente;” - “5. Nessa sequência, a ré apresentou à autora propostas de pagamento que, no entanto, não contemplavam a totalidade das quantias despendidas pela autora, o que a ré justificou alegando não dispor de capacidade financeira para honrar a totalidade da dívida;” - “15.Ainda no decurso do mês de Outubro de 2015 o legal representante da Ré reuniu com um representante da Autora, a quem pediu o discriminativo das despesas e valores reclamados;” - “16. Mais tarde, alegando sempre falta de capacidade financeira, a Ré propôs à Autora o pagamento de uma verba que rondava 10% do valor de €75.164,53, o que a Autora recusou;” - “17. Mais tarde ainda, já no decurso do ano de 2017, a ré apresentou nova proposta de pagamento à Autora, desta feita no valor de €15.232,90 a liquidar em duas prestações de €7.616,45 cada uma, proposta que a Autora recusou;” - “18. Em Setembro de 2016 a Ré propôs à Autora que o montante fosse regularizado ao abrigo da apólice nº ………., sendo que a Ré pagaria à Autora o montante da franquia no valor de €7.516,45.” A Recorrente, com base em depoimentos cujos excertos que entende pertinentes identifica na sua motivação (por referência aos minutos da gravação dos mesmos e transcrevendo o conteúdo atinente ao respectivo período temporal assinalado) e refere sob as conclusões 8 e 18 – das testemunhas SS…, DD…, TT… e UU… –, conjugados, os dois primeiros, com o documento constante de fls. 24 dos autos (documento nº29 junto com a p.i.), pretende, na sequência de análise de tais elementos probatórios a que procede, que sejam alterados aqueles pontos dos factos provados e não provados nos seguintes termos: - que o ponto 22 dos factos provados passe a ter a seguinte redacção: “Por força do acidente e ao abrigo do seguro já referido, a autora, desde Novembro de 2009 e até Junho de 2016, suportou pelo menos os seguintes custos: - Pagamentos a CC…, a título de indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais: €2.211,40 (em 17/9/2010); €138,95 (em 1/10/2012) e € 70.000,00 (em 2/3/2015); - A título de despesas com tratamentos e deslocações: € 726,54(em 20/1/2011); -À GG…, por tratamentos a que foi sujeita CC…: € 1.368,23 (2010/2011); -À HH… ou à II…, com consultas médicas a CC…; -À JJ…, Lda, com material ortopédico e fisioterapia: € 1.493,97 (2010); -Ao Hospital …, com exames a CC…: € 190,35 (2009/2010); -A KK…, com averiguações relacionadas com o sinistro; -A EE…, Lda, com averiguações relacionadas com o sinistro, € 79,86 em Junho de 2016.” - que, na sequência da alteração propugnada ao ponto 22 dos factos provados nos termos ora referidos, seja eliminado do ponto 3 dos factos não provados o item: “A EE…, Lda -€ 5.908,88 de despesas com averiguações relacionadas com o sinistro; - que sejam dados como provados os factos constantes dos pontos 4, 5, 15, 16, 17 e 18 dos factos não provados. Cumpre referir que, nos termos do art. 607º nº5 do CPC, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (essa livre apreciação só não abrange as situações referidas na segunda parte de tal preceito), não se podendo esquecer que o tribunal, nos termos do art. 413º do CPC, “deve tomar em consideração todas as provas produzidas”. Ou seja, a prova deve ser apreciada globalmente, sendo corolário em sede de recurso de tal comando o disposto no art. 662º nº1 e 2, alíneas a) e b), do CPC, quando dali com evidência se conclui que a Relação “tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” (como refere António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª edição, 2018, pág. 287). Tendo presente estes pressupostos, analisemos das referidas pretensões probatórias da Recorrente: por um lado, a atinente ao ponto 22 dos factos provados e ponto 3 dos factos não provados e, por outro, a atinente aos pontos 4, 5, 15, 16, 17 e 18 dos factos não provados. Comecemos pela atinente ao ponto 22 dos factos provados e ao ponto 3 dos factos não provados. Convocando para elas os elementos probatórios indicados pela Recorrente – depoimentos das testemunhas SS… e DD… conjugados com o documento constante de fls. 24 dos autos (documento nº29 junto com a p.i.) –, é desde logo de referir que o depoimento da testemunha DD… (que consta da acta do julgamento como sendo perito averiguador que disse trabalhar para a Autora desde 1997), prestado por videoconferência, é todo ele inaudível para quem escuta a gravação, só se percebendo bem as perguntas dos srs. advogados e bem assim da sra. juíza que presidiu à audiência final e, a espaços, algumas afirmações destes mesmos intervenientes sobre o que a testemunha foi dizendo e que, como é evidente, não suprem a inaudibilidade da gravação do depoimento. Sendo a falta ou deficiência da gravação da audiência final um vício de conhecimento não oficioso, a arguir no prazo de dez dias após a disponibilização da gravação (artigo 155º, nº 4, do CPC), essa patologia reflecte-se negativamente sobre o direito da parte em impugnar a decisão da matéria de facto com base na prova pessoal afectada por aquele vício. Como tal, no caso, não se poderá ter em conta o teor de tal depoimento. Restará assim apurar, relativamente à pretensão em análise, o depoimento da testemunha SS… e sua conjugação com o documento (factura) junto a fls. 24 dos autos. Ouvido o depoimento daquela testemunha, perito averiguador que disse prestar serviços à autora através da sua empresa “EE…, Lda.”, pela mesma foi dito que não efectuou averiguações relativamente ao sinistro dos autos e que a factura da sua empresa junta a fls. 24, emitida em 1/6/2016 e no montante global de 5.829,02 euros, que é relativa a uma globalidade de serviços efectuados no mês de Maio de 2016, integra o valor correspondente a uma diligência a si solicitada pela autora e constituída por uma deslocação sua naquele mês ao tribunal de Gondomar para obter a confiança “do processo” (presume-se que este processo seja o referido sob o nº13 dos factos provados, pois além dele não se faz referência nos autos a mais nenhum e a acção a que respeita o presente recurso foi só instaurada em 2018). Admitiu que o valor integrado naquela factura relativamente a tal deslocação seja o de 79,86 euros, com IVA incluído, o que fez depois da Sra. Juíza lho ter referido (na sequência, tanto quanto nos parece, do requerimento de redução do pedido que a autora fez entrar nos autos a 31/10/2020, onde refere tal valor) e referiu que tal factura lhe foi paga em Junho de 2016. Com base em tal depoimento, efectuado pelo responsável da empresa emitente da factura constante de fls. 24 e cujo conteúdo não foi contrariado por outro meio de prova, parece-nos ser de considerar provado que a autora despendeu aquele valor de 79,86 euros em Junho de 2016, por conta daquela deslocação em Maio de 2016 e que tal valor está integrado naquela factura. A inclusão de tal factualidade, não obstante não expressamente referida nos articulados, decorre do requerimento de redução do pedido efectuado pela autora, traduz concretização de factualidade alegada por esta e a mesma resulta da instrução da causa, tendo as partes tido oportunidade de sobre ela se pronunciar (como ocorreu no âmbito da produção de prova em julgamento). Como tal, tal inclusão é de efectuar face ao disposto no art. 5º 2 b) do CPC. Além disso, e porque aquela testemunha afirmou que não fez averiguações relativamente ao sinistro dos autos, há que retirar a menção a “EE…, Lda.” que consta do último item dos factos provados sob o nº22. Porém, em contrário do que a recorrente/autora pretende – como decorre da expressão constante do corpo inicial do ponto 22 dos factos provados –, não é de dar como provado que o pagamento de tal valor ocorreu “por força do acidente e ao abrigo do seguro já referido”. Efectivamente, aquela deslocação ocorreu por causa de obter a confiança de um processo já há muito findo (a sentença final do mesmo tinha já sido proferida em 20/4/2012, como se vê da certidão desta constante de fls. 63 a 70) e quando a indemnização à sinistrada já estava paga há mais de 1 ano pela própria autora (o último pagamento ocorreu em 2 de Março de 2015, como consta sob o nº24 dos factos provados, não questionado no recurso). Assim, tal deslocação, e o pagamento do seu custo por parte da autora, ocorreu por causa de a autora (naturalmente, na pessoa de um seu responsável), prosseguindo um interesse pessoal e no âmbito de uma sua actuação discricionária, querer consultar, naquela altura, aquele processo, mas não por causa do acidente. Dito de outra forma, a quantia despendida com tal deslocação não foi para pagar qualquer dano ou despesa relacionada com danos decorrentes do acidente. Assim, na sequência do que se veio de referir, mantém-se o nº3 dos factos não provados e introduzem-se as seguintes alterações à matéria de facto: • o nº22 dos factos provados passa a ter a seguinte redacção: “22. Por força do acidente e ao abrigo do seguro já referido, a autora, desde Novembro de 2009 e até Março de 2015, suportou pelo menos os seguintes custos: - Pagamentos a CC…, a título de indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais: €2.211,40 (em 17/9/2010); €138,95 (em 1/10/2012) e € 70.000,00 (em 2/3/2015); - A título de despesas com tratamentos e deslocações: € 726,54 (em 20/1/2011); -À GG…, por tratamentos a que foi sujeita CC…: € 1.368,23 (2010/2011); -À HH… ou à II…, com consultas médicas a CC…; -À JJ…, Lda, com material ortopédico e fisioterapia: € 1.493,97 (2010); -Ao Hospital …, com exames a CC…: € 190,35 (2009/2010); -A KK…, com averiguações relacionadas com o sinistro”. • introduz-se um nº22-A no elenco dos factos provados com a seguinte redacção: “A autora pagou a EE…, Lda., em Junho de 2016, por conta de uma deslocação em Maio de 2016 ao Tribunal de Gondomar para obter a confiança do processo crime referido sob o nº13, a quantia de 79,86 euros, a qual está integrada na factura constante de fls. 24 dos autos.” Passemos agora à pretensão probatória da recorrente atinente aos pontos 4, 5, 15, 16, 17 e 18 dos factos não provados. Ouvidos os depoimentos das testemunhas TT… (funcionário da autora desde 2006, exercendo actualmente funções de perito liquidatário) e UU… (funcionário da autora desde 2006, onde exerceu funções de perito liquidatário e actualmente exerce funções no departamento de acidentes de trabalho), pelos mesmos foi dito o que de seguida se passa a referir e depois a analisar. A testemunha TT… disse: - que começou a tratar deste processo em 2016, o qual estava a ser tratado antes pelo seu colega UU…; - encetou contactos com a empresa corretora de seguros da ré (chamada WW…), na pessoa do Sr. XX…, tendo com este trocado emails e a este procedido a esclarecimentos, facultado comprovativos de pagamento, facultado relatório de averiguação, cópia da decisão proferida no processo crime; - que este Sr. XX… veio depois a apresentar uma proposta, que não veio a ser aceite; - depois disso, aquele Sr. XX… disse-lhe que ia falar com os clientes; - que mais tarde surgiu uma comunicação da advogada da ré, com quem encetou contactos telefónicos e troca de emails, tendo-lhe esta dado conta das dificuldades da empresa e que esta dificilmente teria condições para fazer face ao valor que lhe estava a ser pedido; - disse que o Sr. XX… actuou como representante da ré, pois este até dizia, depois de cada conversação, que tinha de reunir com os clientes, dar-lhes a conhecer a proposta; - referiu que a advogada da ré apresentou uma segunda proposta (de pagamento de 5 mil euros), que também não foi aceite, e que ainda houve uma terceira proposta (de pouco mais de quinze mil euros), já em 2017, que também não foi aceite; - disse ainda, a perguntas da respectiva mandatária, que a ré nunca assumiu a sua responsabilidade pelo sinistro de forma expressa. Por sua vez, a testemunha UU… disse: - que a sua única intervenção no âmbito deste processo foi uma reunião com o legal representante da Ré, um tal Sr. ZZ… (nome este que, dizemos nós, corresponde a nome próprio do legal representante da ré referido na procuração constante de fls. 39-v dos presentes autos, pela qual confere mandato forense à sua advogada), em Outubro de 2015; - a primeira reacção dele foi dizer logo que o pagamento daquele dinheiro (cujo valor em causa não conseguiu precisar) faria fechar a empresa e depois solicitou que a autora remetesse comprovativos dos valores; - que, basicamente, a conversa com ele resumiu-se àquilo e foi muito rápida; - referiu que aquele Sr. ZZ… nunca disse que não pagava; - não houve qualquer conversa consigo por parte daquele Sr. ZZ sobre plano de pagamentos. Analisando tais depoimentos, verifica-se que as conversas e/ou contactos que a testemunha TT… teve não foram com nenhum legal representante da ré, nem as propostas a si apresentadas o foram por algum legal representante da ré ou por pessoa que a representasse por via de uma qualquer procuração para o efeito. Além disso, não foram juntos aos autos quaisquer documentos sobre tais conversações e/ou propostas, sendo de estranhar que não existam tais documentos quando estava em causa valores bastante elevados (como se depreende do valor do pedido formulado na acção). De tal decorre que não se fez prova segura da factualidade referida sob os nºs 4, 5, 16, 17 e 18 dos factos não provados. Daí que seja de os manter como tal. Por outro lado, com atinência para a factualidade referida sob o nº15 dos factos não provados, do depoimento da testemunha UU… resulta a confirmação da ocorrência daquela factualidade. Efectivamente, de tal depoimento decorre o conhecimento directo dos factos ali referidos e o mesmo não foi contraditado por qualquer outra prova produzida em julgamento. Assim, há que dar como provada tal factualidade. Nessa sequência, o conteúdo do nº15 dos factos não provados passará a figurar nos factos provados e em número a acrescentar aos números de factos provados ali já constantes. Deste modo, as alterações à matéria de facto são as que se acabaram de decidir, improcedendo todas as restantes alterações pretendidas pela recorrente. * Passemos para as questões enunciadas supra sob a alínea b).É a seguinte a matéria de facto a ter em conta (no caso, toda a referida na sentença recorrida com as alterações supra decididas e concretizadas): Factos Provados: 1. No dia 10 de Julho de 2009, pelas 14h20m, no …, da freguesia …, concelho de Gondomar, circulava o veículo pesado de mercadorias com atrelado transportando uma cisterna de gás, de matrícula ..-..-QX, conduzido por AAA…; 2. O QX circulava no sentido de marcha …/… e pela hemi-faixa de rodagem da direita, atento o seu sentido de marcha; 3. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar seguia a pé, junto ao muro da casa sita no nº .. do … e junto ao passeio que ladeia pelo lado direito a hemi-faixa por onde circulava o QX, CC…; 4. Ao deparar-se com a presença da CC…, o condutor do QX pretendeu desviar-se dela, para o que guinou a direcção do veículo para a esquerda; 5. Ao efectuar tal manobra, a cisterna de gás transportada pelo QX tombou sobre o lado direito, caiu do veículo e atingiu a CC… e o muro da casa sita no nº .. do …; 6. O local onde ocorreu o acidente configurava, à data, uma curva à esquerda no final de uma recta com descida acentuada, de boa visibilidade, com duas faixas de rodagem, uma para cada sentido de trânsito, piso em paralelepípedo e em bom estado de conservação; 7. Na ocasião do acidente era de dia, o tempo estava bom e o piso estava seco, circulando o QX à velocidade aproximada de 40 km/hora; 8. Ainda por força da queda da cisterna resultaram danos no muro da casa sita no nº .. do …; 9. Foi o condutor do QX quem colocou no veículo as duas cintas de borracha que serviriam de protecção da cisterna e foi ele quem as apertou; 10. No exercício dessa sua actividade e por contrato de seguro titulado pela apólice nº ………., a ré, em 13.02.2009, na qualidade de tomadora do seguro e proprietária do QX, transferiu para a aqui autora, à data denominada de Companhia de Seguros BBB…, S.A., a responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergente da circulação daquele veículo (Doc. junto a fls. 15, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais); 11. Veículo que, na altura do acidente, era conduzido por AAA… no interesse, com conhecimento, sob as ordens e mediante autorização da ré, para quem aquele prestava serviço remunerado; 12. O supra referido contrato de seguro encontrava-se válido e em vigor à data do acidente e a cobertura de capital contratada correspondia ao capital mínimo obrigatório; 13. O referido acidente foi objecto de processo crime que correu termos sob o nº 773/09.5GDGDM, no Juizo Local Criminal de Gondomar-J1, no qual foi proferida sentença, transitada em julgado, de condenação do condutor do veículo propriedade da Ré por um crime de ofensas à integridade física negligente (Doc. junto a fls. 63 a 70, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais); 14. A cisterna de gás estava colocada na carroçaria do QX e encontrava-se amarrada directamente por duas cintas em mau estado de conservação, com visível desfiamento e esfarrapadas nas pontas e no local de fricção com o piso da carroçaria; 15. Por força disso e consequente deficiente acondicionamento da cisterna no QX, o movimento da cisterna fez com que as cintas rebentassem e a cisterna caísse atingindo o muro e a CC…; 16. Por força da queda da cisterna sobre a CC… e como consequência directa e necessária dessa queda, sofreu a CC… graves e extensos danos e lesões, designadamente no crânio e no membro superior direito com limitação funcional grave da mobilidade do antebraço, mão e dedos; 17. As lesões acima descritas resultaram na limitação funcional grave do punho e dos dedos da mão direita, com limitação marcada das mobilidades articulares e diminuição marcada da força muscular, que condiciona a realização dos actos da vida diária, sendo também causa de desfiguração; 18. Ainda em resultado do acidente à CC… foi fixado pela Autora um quantum doloris de 6/7 e um dano estético de 3/7; 19. Foi também fixada pela Autora à CC… uma incapacidade geral permanente de 40 pontos; 20. Apesar de na altura ter dado conta que as mesmas cintas se encontravam com algum uso e desgastadas, e que poderia ter colocado quatro cintas, o condutor do QX optou por colocar apenas duas; 21. Pelo facto de as cintas apresentarem o uso que apresentavam, já havia solicitado à sua entidade patronal, aqui ré, a sua substituição; 22. Por força do acidente e ao abrigo do seguro já referido, a autora, desde Novembro de 2009 e até Março de 2015, suportou pelo menos os seguintes custos: - Pagamentos a CC…, a título de indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais: €2.211,40 (em 17/9/2010); €138,95 (em 1/10/2012) e € 70.000,00 (em 2/3/2015); - A título de despesas com tratamentos e deslocações: € 726,54 (em 20/1/2011); -À GG…, por tratamentos a que foi sujeita CC…: € 1.368,23 (2010/2011); -À HH… ou à II…, com consultas médicas a CC…; -À JJ…, Lda, com material ortopédico e fisioterapia: € 1.493,97 (2010); -Ao Hospital …, com exames a CC…: € 190,35 (2009/2010); -A KK… com averiguações relacionadas com o sinistro; 22-A. A autora pagou a EE…, Lda., em Junho de 2016, por conta de uma deslocação em Maio de 2016 ao Tribunal de Gondomar para obter a confiança do processo crime referido sob o nº13, a quantia de 79,86 euros, a qual está integrada na factura constante de fls. 24 dos autos. 23. O recibo de indemnização, nº. ………., emitido, em 16 de Fevereiro de 2015, pela Autora (à data a Companhia de Seguros BBB…, S.A) refere que o: “Titular da indemnização: CC… O Titular aceita receber a quantia acima indicada como completa indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais passados, presentes e futuros emergentes deste sinistro. Com o recebimento da aludida quantia, considera-se, para todos os efeitos legais, integralmente ressarcido de todos os danos referidos no parágrafo anterior. Consequentemente, declara que tanto à companhia de seguros BBB… como todas as pessoas cuja responsabilidade esteja a coberto do contrato de seguro titulado pela apólice em referência não têm qualquer obrigação civil a cumprir em relação a este sinistro, subrogando-a nos correspondentes direitos ações e recursos contra quaisquer outras pessoas, eventualmente responsáveis pelo sinistro...”; 24. A Ré foi citada para a presente acção em 21 de Março de 2018, passados mais de três anos após o último pagamento parcelar à lesada, que ocorreu em 2 de Março de 2015; 25. No dia 10 de julho, o trabalhador da Ré, AAA…, antes de efetuar o transporte da cisterna e, conforme decorre das suas funções, prendeu a cisterna ao camião com duas cintas de amarração próprias, destinadas para este efeito, como habitualmente fazia; 26. Cada cinta suporta uma carga de 5 toneladas; 27. Como a cisterna se encontrava vazia, pesava no total cerca de 3 toneladas, 2 cintas eram suficientes para fazer o transporte seguro da cisterna; 28. O trabalhador da Ré conduzia o veículo automóvel, pesado de mercadorias, matrícula ..-..-QX, propriedade da Ré, para efectuar a descarga de uma cisterna para reparação, encontrava-se apenas a cerca de 500 metros do estaleiro onde ia descarregar a cisterna, pelo que já tinha percorrido mais de 90% do seu trajeto, e realizado várias manobras no percurso; 29. Para garantir os riscos inerentes à sua atividade, a Ré, também, celebrou, com a Companhia de Seguros BBB…, S.A., um contrato de seguro de responsabilidade civil de exploração, titulado pela apólice número ……….; 30. Das condições particulares, estabeleceram as partes que o objecto seguro é atividade da Ré, cujo âmbito territorial é Portugal Continental e Espanha; 31. A Companhia de Seguros BBB… enviou, em 2015, uma carta à Ré, a solicitar-lhe a quantia de 75.164,53€, referindo que: “… Relativamente ao sinistro acima indicado, de cuja regularização nos ocupámos, procedemos à liquidação dos prejuízos causados aos lesados, no valor de 75.164,53€”. 32. No decurso do mês de Outubro de 2015 o legal representante da Ré reuniu com um representante da Autora, a quem pediu o discriminativo das despesas e valores reclamados; * Factos não provados:1. No local do acidente a faixa de rodagem mede 9,40 metros de largura; 2. Por força da queda da cisterna sobre a CC… e como consequência directa e necessária dessa queda, sofreu a CC… as seguintes lesões: - no crânio: área cicatricial de forma estrela e nacarada, com 9 centímetros por 5 centímetros de maiores dimensões, com rarefacção pilos associada, localizada na região parietal esquerda e interparietal, referindo dor nesta área; na região frontal e próximo da linha de intersecção do cabelo zona cicatricial nacarada com 3 centímetros por 1 centímetro de maiores dimensões, com queixas de dor e hipostesia ao toque; - no ráquis: dor à palpação da região lombar direita; - no tórax: dor à palpação da face lateral do hemitorax esquerdo, sem lesões externas identificáveis; - no membro superior direito: uso de luva elástica recobrindo o antebraço e mão direita; dismorfia grave e ocupando o antebraço com cicatrizes dismórficas extensas e deprimidas, que se estendem desde o cotovelo até à área do punho e face dorsal da mão, com retracção cicatricial desta área; queixas de hipostesia no local das cicatrizes e bordo interno do antebraço; dismorfia dos 2º, 3º, 4º, e 5º dedos da mão; - no membro superior esquerdo: cicatriz resultante da intervenção cirúrgica localizada na face anterior do terço inferior do antebraço (terminado no punho) com 10 centímetros de comprimento; cicatriz vestigial localizada no bordo externo do punho com 1 centímetro de comprimento; queixas subjectivas associadas de hipostesia no local das cicatrizes; mobilidade do punho limitada para o movimento de extensão (0º-40º) para movimento de flexão (0º-40º), para os movimentos de desvio radial e cubital (0º-20º para cada movimento); diminuição da força muscular de preensão; - no membro inferior direito: quatro áreas cicatriciais de tonalidade acastanhada localizadas na face lateral, anterior e medial do terço médio da coxa, com área total de 30 por 13 centímetros de dimensões correspondendo a zonas de colheita de pele para enxerto aplicada no antebraço direito; diminuição de força muscular neste membro inferior, quando comparado com o membro contra-lateral-diminuição da força muscular do hallux e não é capaz de caminhar sobre calcanhares; 3. Por força do acidente e ao abrigo do seguro já referido, a autora, desde 11 de Setembro de 2009 e até Junho de 2016, suportou custos contínuos diversos, no montante total de € 102.916,75, tais como: A CC… - €3.866,39 a título de despesas várias; À GG… - € 1.376,23 com custo de tratamentos a que foi sujeita CC…; À HH… - € 318,64 com consultas médicas a CC…; À LL… - Despesas com consultas médicas e tratamentos a CC…: € 521,09; À JJ…, Lda - € 2.070,82 com material ortopédico:; Ao Hospital MM… - Despesas de internamento, médicas e tratamentos a CC…: € 17.276,96; À NN… - Despesas com consultas médicas e tratamentos a CC…: € 301,14; À II… - € 510,65 com consultas médicas a CC…; Ao Hospital … - € 322,85 com tratamentos e consultas médicas a CC…; A OO… - Despesas com tratamentos a CC…: € 182,04; A OO… - Despesas com tratamentos a CC…: € 67,33; A PP…, Lda - Despesas com tratamentos a CC…: € 30,39; À QQ… - Despesas com medicamentos: € 12,10; A KK… - €151,24 de despesas com averiguações relacionadas com o sinistro; A EE…, Lda -€ 5.908,88 de despesas com averiguações relacionadas com o sinistro; 4. Desde Outubro de 2015 a ré assumiu perante a autora a obrigação do pagamento dos danos decorrentes do acidente; 5. Nessa sequência, a ré apresentou à autora propostas de pagamento que, no entanto, não contemplavam a totalidade das quantias despendidas pela autora, o que a ré justificou alegando não dispor de capacidade financeira para honrar a totalidade da dívida; 6. As cintas utilizadas encontravam-se em bom estado, não apresentando sinais de desgaste; 7. As cintas rebentaram com o fortíssimo impacto da travagem; 8. Ao descrever a curva para a sua esquerda, deparou-se com um peão que se apresentava para atravessar a faixa de rodagem; 9. Por esse motivo, e atendendo ao obstáculo com que se deparou, teve que efetuar uma manobra de travagem de forma brusca, o que provocou o rebentamento das cintas e a queda da cisterna; 10. Foi apenas devido ao peão com que se deparou na sua faixa de rodagem, em que foi obrigado a travar e, após esta manobra brusca de tentar evitar o atropelamento e de salvar a vida do peão e de se desviar da sua trajetória, é que a cisterna tombou na via pública; 11. Se não houvesse esta pressão sobre as cintas, estas, também, não teriam partido; 12. Das condições gerais da apólice, o seguro de responsabilidade civil de exploração tem por objecto a cobertura das responsabilidades legais por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais resultantes de lesões corporais e/ou materiais causados a terceiros, no decurso do exercício da actividade comercial, industrial ou de serviços de uma empresa, até à entrega dos seus produtos ou trabalhos; 13. O transporte de uma cisterna tem um tratamento muito diferente do transporte de mercadorias, como por exemplo, paletes, tijolos, ou outro material, dado possuir um condicionamento tubular e estar assente em pés; 14. De entre as tarefas realizadas para tornar possível este transporte, as operações de carga e descarga são as situações que implicam maiores níveis de risco; 15. Posteriormente a Outubro de 2015, alegando sempre falta de capacidade financeira, a Ré propôs à Autora o pagamento de uma verba que rondava 10% do valor de €75.164,53, o que a Autora recusou; 16. Mais tarde, já no decurso do ano de 2017, a ré apresentou nova proposta de pagamento à Autora, desta feita no valor de €15.232,90 a liquidar em duas prestações de €7.616,45 cada uma, proposta que a Autora recusou; 17. Em Setembro de 2016 a Ré propôs à Autora que o montante fosse regularizado ao abrigo da apólice nº ………., sendo que a Ré pagaria à Autora o montante da franquia no valor de €7.516,45. * Como se vê do recurso, neste questiona-se a prescrição decidida pelo tribunal recorrido ao abrigo do disposto no art. 498º nº2 do C.Civil, defendendo-se:- que o prazo de prescrição aplicável ao caso dos autos é o prazo ordinário de 20 anos previsto no art. 309º do C. Civil; - que os pagamentos realizados pela autora por via do sinistro referido nos autos decorreram entre Novembro de 2009 até Junho de 2016, pelo que decorreram menos de três anos desde esta última data – em que o prazo de 3 anos do art. 498º nº2 do C.Civil se iniciaria – e a data da propositura da acção; - que ao caso se aplica o prazo de prescrição alargado previsto no art. 498º nº3 do C.Civil; - que, com base na sua pretensão de serem considerados como provados os factos não provados referidos sob os nºs 4, 5, 15, 16, 17 e 18, ocorreu reconhecimento do seu direito por parte da ré. Cada uma destas questões encontra-se tratada na sentença recorrida exactamente por aquela ordem. Comecemos por abordar a primeira e a terceira em conjunto. Como se vê da petição inicial da acção, está em causa o exercício por parte da Autora, no âmbito do funcionamento de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel que celebrou com a ré, do direito de regresso previsto no art. 27º, nº1, alínea e) do Dec.Lei nº291/2007, de 21/8 (diploma este que integra o regime legal daquele seguro obrigatório). Preceitua-se naquele nº1 que, satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso nas situações previstas nas várias alíneas ali elencadas, sendo que naquela alínea e) se prevê aquele direito “contra o responsável civil por danos causados a terceiros em virtude de queda de carga decorrente de deficiência de acondicionamento”. Assim, os casos de admissibilidade do direito de regresso em sede de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel restringem-se às situações ali previstas e têm portanto por fonte a lei e não o contrato de seguro propriamente dito (pois quer este, por si próprio, preveja ou não clausulado idêntico ao previsto naquele art. 27º, esta previsão legal assegura sempre aquele direito de regresso). Note-se, a este propósito, que se se considerasse que tal direito de regresso tem por fonte o contrato de seguro, não poderia a seguradora exercer o mesmo, por exemplo e como previsto nas alíneas a), b), c) e d) do nº1 daquele art.27º, contra o condutor do veículo que não é o segurado, pois este é um estranho relativamente ao seguro celebrado. Ora, acompanhando-se a sentença recorrida, decorrendo tal direito de regresso da lei e existindo disposição especial constituída pelo art. 498º nº2 do C.Civil, que prevê o prazo de prescrição de 3 anos para o direito de regresso entre os responsáveis civis – como é o caso da ré e da autora, pois a primeira é responsável por ser a proprietária do veículo causador do acidente e a segunda é responsável, a título de garante, por lhe ter sido transferida essa responsabilidade pelo tomador do seguro no âmbito de contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil –, tal disposição especial afasta a aplicabilidade do prazo ordinário de prescrição, de 20 anos, previsto no art. 309º do C.Civil. Efectivamente, considerando a previsão dos nºs 1 e 2 do art. 498º C.Civil, onde se prevê idêntico prazo de 3 anos para a prescrição dos direitos ali referidos (do lesado, a contar do conhecimento do seu direito, e do direito de regresso entre responsáveis a contar do cumprimento), e existindo um “óbvio paralelismo entre o formato da responsabilidade do segurado e o direito de regresso de que a seguradora é titular”, “não é pela simples circunstância de a [seguradora] ser o garante de uma indemnização para cujo sobrevir não contribuiu com qualquer actuação culposa que se pode concluir da sua submissão a um prazo prescricional distinto. É, inversamente, o próprio facto de a seguradora ser um mero garante do segurado que nos leva a inferir que o seu direito de regresso existe em termos semelhantes à originária responsabilidade deste e não com uma qualquer aporia paradoxal de disciplina jurídica distinta. Isto porque, não obstante o direito de regresso não ser uma forma de transmissão de um crédito primitivo mas antes um direito nascido ex novo na titularidade da seguradora, a verdade é que brota da relação creditória anterior” [citamos o Acórdão do STJ de 27/10/2009 (proc. nº844/07.2TBOER.L1; relator Paulo Sá), aliás referido na sentença recorrida]. Assim, aquele prazo de prescrição previsto no art. 498º nº2 é o aplicável ao direito de reembolso da seguradora reconhecido nas hipóteses taxativamente previstas no art. 27º do regime legal do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, “ainda que o direito ao reembolso, não corresponda, na sua natureza, a um verdadeiro “direito de regresso”, no sentido próprio do conceito, e se possa discutir, quanto a cada caso, se esse direito ao reembolso, em sentido amplo, se encontra, independentemente da concreta designação legal, mais próximo da figura do direito de regresso ou da figura da sub-rogação” – neste sentido, vide, na doutrina, “Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações”, Faculdade de Direito da Universidade Católica, pág. 378, em anotação IV ao art. 498º, assinada por Gabriela Páris Fernandes (de onde extraiu o excerto citado antes) e José Carlos Brandão Proença, “Natureza e prazo de prescrição do “direito de regresso” no diploma do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel”, anotação ao Ac. do STJ de 18/10/2012, in Cadernos de Direito Privado, nº41, 2013, págs. 40-41, e, na jurisprudência, entre outros, além do Acórdão do STJ de 27/10/2009 que supra se referiu, o Acórdão do STJ de 18/2/2021 (proc. nº35/19.0T8ODM-A.E1.S1; relator Manuel Capelo) e o Acórdão da Relação do Porto de 15/6/2020 (proc. nº3481/18.2T8OAZ.P1; relatora Fátima Andrade). Portanto, conclui-se, o prazo de prescrição a ter em conta é o daquele art. 498º nº2 do C.Civil (3 anos a contar do cumprimento). Por outro lado, relativamente a saber se ao exercício do direito de regresso em causa pode aproveitar o prazo previsto no nº3 do art. 498º do C.Civil, por o acidente de viação integrar simultaneamente ilícito criminal sujeito a prazo de prescrição mais longo, quer a doutrina quer a jurisprudência do STJ dos últimos anos, como bem se dá conta na sentença recorrida, são no sentido de que ao prazo de prescrição do direito de regresso da seguradora não é aplicável a extensão prevista naquele nº3 do art. 498º. Aderimos completamente a esta orientação e, além dos acórdãos do STJ referidos na sentença recorrida [acórdãos de 3/7/2018 (proc. nº2445/16.5T8LRA-A.C1.S1), de 18/1/2018 (proc. nº1195/08.0TVLSB.E1.S1), de 18/10/2018 (proc. nº 56/10.8TBCVL-A.C1.S1), de 5/6/2012 (proc. nº32/09.3TBSRQ.L1.S1), de 17/11/2011 (proc. nº 1372/10.4T2AVR.C1.S1), de 15/11/2010 (proc. nº 2119/07.8TBLLE.E1.S1), de 4/11/2010 (proc. nº 2564/08.1TBCB.A.C1.S1) e de 27/10/2009 (proc. nº 844/07.2TBOER.L1)], refira-se ainda os acórdãos do mesmo tribunal de 29/11/2011 (proc. nº1507/10.7TBPNF.P1.S1) e de 2/4/2019 (proc. nº2142/16.1T8PTM-A.E1.S1), todos disponíveis em www.dgsi.pt. Como se refere neste último aresto, a norma do nº3 do art. 498º “encontra a sua justificação na necessidade de adaptar o pedido de responsabilidade civil à acção penal, tendo em atenção os casos em que, por força do princípio da adesão (cfr. artigo 71.º do CPP), aquele é deduzido no contexto desta última. Não faria sentido, com efeito, que o direito do titular à indemnização civil (a exercer no processo criminal) pudesse ser afectado pela prescrição quando estivesse ainda a decorrer o prazo de prescrição do procedimento criminal, que, em certos casos (cfr. artigo 118.º do CP) é mais longo do que o fixado no n.º 1 do artigo 498.º do CC”, acrescentando lodo a seguir, e citando o Acórdão do STJ de 29/11/2011 que acima se referiu, que “estas razões não colhem quando se está perante o direito de regresso da seguradora, realidade jurídica inteiramente distinta e autónoma em relação ao direito de indemnização do lesado; por isso mesmo é que no primeiro caso o prazo de prescrição se conta a partir da data do cumprimento da obrigação e no segundo do conhecimento do direito pelo lesado. Porque o direito de regresso nada tem que ver com a fonte da obrigação que a seguradora extinguiu ao cumprir o contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil celebrado com o lesante não se justifica, em tal eventualidade, o alongamento do prazo de prescrição previsto no nº 3 do artº 498º, antes devendo prevalecer o interesse da lei na rápida definição da situação e na consequente punição da inércia da seguradora num lapso de tempo mais curto, que é o do nº 2 do mesmo preceito”. Na doutrina, e nesse mesmo sentido, vide José Carlos Brandão Proença, ob. cit., pág. 44, e ainda Ana Prata, in “Código Civil Anotado”, Coord. de Ana Prata, Vol. I, 2ª edição, Almedina, 2019, pág. 689, anotação 4 ao art. 498º, onde, em síntese bem clara se dá conta que se tende para a inaplicabilidade do nº3 aos casos em referência “pois a razão de ser da extensão do prazo não procede relativamente à seguradora”. Assim, conclui-se, o prazo de prescrição do direito de regresso em causa não goza da extensão prevista no nº3 do art. 498º Abordemos agora a segunda questão levantada pela recorrente/autora, que defende que tendo os pagamentos por si efectuados por via do sinistro ocorrido até Junho de 2016, terão decorrido menos de três anos desde esta última data – em que o prazo de 3 anos do art. 498º nº2 do C.Civil se iniciaria – e a data da propositura da acção. Não se lhe pode reconhecer razão. A pretensão da autora tem como base o pagamento que naquele mês de Junho de 2016 efectuou a “EE…, Lda.” e que, na sequência de alteração da matéria de facto acima decidida, consta agora vertido sob o nº22-A do elenco dos factos provados. Como deste ponto dos factos provados se vê, está em causa o pagamento da quantia de 79,86 euros por conta de uma deslocação em Maio de 2016 ao Tribunal de Gondomar para obter a confiança do processo crime referido sob o nº13. O direito de regresso da autora, tendo por objecto o reembolso da indemnização que satisfez [diz o nº1 do art. 27º do Dec.Lei nº291/2007, de 21/8, que “Satisfeita a indemnização, a empresa de seguros (…), tem direito de regresso”… vindo depois as várias alíneas], integra os valores pagos a título de indemnização pelos danos causados à lesada, neles se incluindo os custos que directamente suportou para a reparação de alguns deles, designadamente despesas médicas e tratamentos (pois estes últimos, naturalmente, integram também indemnização por prejuízos causados), mas já não os custos de organização de serviço e funcionamento interno da própria seguradora com a regularização do sinistro (que se integram nas suas despesas administrativas). Ora, aquela despesa, como se referiu aquando do tratamento da impugnação da matéria de facto, além de ter como causa uma deslocação ao tribunal para obter a confiança daquele processo quando o mesmo já há muito estava findo e quando a indemnização à sinistrada já estava paga há mais de 1 ano pela própria autora (o último pagamento ocorreu em 2 de Março de 2015, como consta sob o nº24 dos factos provados), apenas visou prosseguir um interesse pessoal da autora e no âmbito de uma sua actuação discricionária, nada tendo a ver com o pagamento de qualquer dano ou despesa relacionada com danos decorrentes do acidente. Como tal, não pode o pagamento daquela referida quantia ser considerado como uma qualquer parcela de pagamento a título de indemnização da sinistrada. Resta a quarta questão levantada pela recorrente, no sentido de ocorrer o reconhecimento do seu direito por parte da ré e, por essa via e como previsto no art. 325º do C. Civil, a interrupção da prescrição. Diz-se neste preceito: 1. A prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido. 2. O reconhecimento tácito só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam. Ora, como resulta dos factos não provados referidos sob os nºs 4, 5, 15, 16 e 17 do elenco factual por nós acima elaborado, não se provaram os factos alegados pela autora no sentido da sua pretensão ora em análise. O facto de resultar provado sob o nº32 do elenco factual, na sequência das alterações à matéria de facto por nós decididas, que no decurso do mês de Outubro de 2015 o legal representante da Ré reuniu com um representante da Autora, a quem pediu o discriminativo das despesas e valores reclamados, não altera em nada aquele raciocínio, pois tal actuação do legal representante da ré, só por si, não traduz um qualquer reconhecimento do direito da autora, mas um mero pedido de informações. Assim, improcede também esta pretensão da autora. Aqui chegados, cumpre concluir exactamente como se faz na sentença recorrida: uma vez que a autora efectuou todos os pagamentos a título de satisfação de indemnização à lesada do acidente entre 2009 e 2015, tendo o último valor da indemnização sido pago em 2/3/2015 (nº24 dos factos provados), quando em 17/3/2018 veio interpor a acção contra a ré havia já decorrido o prazo de 3 anos previsto no art. 498º nº 2 do C.Civil, dentro do qual pode exigir o reembolso dos valores que pagou à lesada no cumprimento da obrigação de indemnização. Deste modo, em conformidade com tudo o que se veio de referir, é de julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida. As custas do recurso são da responsabilidade da Recorrente, que nele decaiu (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). * Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):……………………………… ……………………………… ……………………………… ** III – DecisãoPor tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida. Custa pela Recorrente. *** Porto, 24/1/2022Mendes Coelho Joaquim Moura Ana Paula Amorim |