Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
517/20.0YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AUGUSTO DE CARVALHO
Descritores: PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
CONTRATO DE EMPREITADA
RECONVENÇÃO
INADMISSIBILIDADE
EXCEPÇÃO DO NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO
Nº do Documento: RP20220713517/20.0YIPRT.P1
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O Decreto-Lei 32/2003, de 17 de Fevereiro, ampliou a aplicação do procedimento de injunção a todos os débitos resultantes de transações comerciais.
II - Quando o débito emerge de transação comercial, qualquer que seja o valor daquele, o procedimento de injunção pode ser utilizado. Não revestindo a transação natureza comercial, a injunção só pode ser adotada até ao limite de €15.000,00
III - Tratando-se, ou não, de transação comercial, não atingindo o valor peticionado a quantia de €15.000,00, o procedimento de injunção pode ser adotado, mas a reconvenção não é processualmente admissível.
IV - Nos contratos bilaterais ou sinalagmáticos, que envolvem obrigações para ambas as partes (para o empreiteiro a obrigação de realizar a obra sem vícios e para o dono da obra a obrigação de pagar o preço respetivo – artigo 1207º do C.C.), tais obrigações encontram-se unidas por um vínculo de reciprocidade ou interdependência.
V - Perante uma prestação deficiente, a outra parte pode recusar a sua até que a anomalia seja eliminada ou corrigida, por força do disposto no nº 1 do citado artigo 428º do C.C.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 517/20.0YIPRT.P1


Acordam no Tribunal da Relação do Porto


AA intentou procedimento de injunção contra B... Sociedade Unipessoal, Lda., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia total de €5.868,75, correspondente a €5.557,50 de capital, acrescido de €311,25 de juros.

A fundamentar aquele pedido, o autor alegou que tem uma empresa em nome individual cuja atividade é o comércio de tintas e vernizes e sua aplicação.
No exercício dessa atividade, o requerente foi contactado pela requerida, que lhe adjudicou serviços de pintura do chão do armazém em autonivelante e aumento do mesmo armazém, sito na Rua ..., ..., Paredes.
Os serviços prestados e contratados constam das seguintes faturas: FT2018/.., no valor de €16.837,50, emitida e vencida a 7 de fevereiro de 2019 e FT2018/.. 2018/.., no valor de €8.610,00, emitida e vencida a 13 de março de 2019.
As faturas foram emitidas, enviadas à requerente que as aceitou, pois efetuou pagamentos parciais das facturas, estando atualmente em dívida as seguintes quantias:
– €2,610,00, referente à fatura FT2018/.. 2018/.., emitida e vencida a 13 de março de 2019 - €2.947,50 m referente à FT2018/.. emitida e vencida a 7 de fevereiro de 2019. Apesar de reconhecer a dívida, dado que as faturas não foram devolvidas, e das diversas interpelações feitas pelo requerente, até ao presente momento a requerida não liquidou as quantias em dívida e nos demais termos que aqui se dão por reproduzidos.

A requerida deduziu oposição, por impugnação, alegando não existir razão à requerente pois nunca reconheceu a dívida peticionada de €5.557,00, resultante da diferença de 25.447,50 - 5.55700 = 19 890,50.
No entanto, a requerida pagou à requerente, por transferência bancária, a quantia total de €21.590,00 como resulta dos valores transferidos respetivamente em 15.02.2019; 27.02.2019, 02.04.2019, 14.06.2019, 09.08.2019 e, por isso, confessa dever apenas a quantia de €3.857,50.
Alegou ainda, por exceção, que os trabalhos executados apresentavam vários defeitos não obstante a garantia por escrito atribuída pelo requerente e que prontamente foram comunicados ao requerente.
O requerente reconheceu a existência dos defeitos, tendo procedido à reparação de alguns com o levantamento parcial do piso e com nova reaplicação. A nova reaplicação foi executada num diferente tom e os problemas com a formação das bolhas voltaram a surgir.
O requerente foi instado pela requerida, por diversas vezes, tendo-se deslocado ao local para reparar o trabalho, considerando que os defeitos surgiram dentro do prazo de garantia da obra e tendo sido marcadas várias datas para a reparação dos defeitos, mas sempre que chegavam essas datas o requerente não aparecia.
E, quando em 17 de setembro, a requerente pediu o pagamento da quantia peticionada, por e-mail a requerida respondeu.
Não é exigível à requerente o pagamento integral do preço contratado porque o trabalho contratado não está devidamente executado, apresentando irregularidades, com bolhas de ar e com o pavimento aplicado a destacar da laje de betão, não tendo sido concluídos os trabalhos a reparar que entende ascenderem a €2.000,00, pese embora as várias datas assumidas invoca a seu favor a exceção do não cumprimento do contrato, devendo a requerente ser condenada na reparação dos defeitos, não podendo exigir o pagamento do valor ainda em dívida e nos demais termos que aqui se dão por integralmente por reproduzidos.
Conclui pela improcedência da ação e procedência da reconvenção, pedindo a condenação do autor a eliminar os defeitos que a obra apresenta, ou no pagamento de uma quantia à reconvinte, em montante não inferior a €2.000,00 ou o valor que se vier a apurar em execução de sentença.

Na mesma data da sentença, foi proferida decisão que admitiu o pedido reconvencional, sendo certo que, na ata de audiência final, o autor havia requerido a sua não admissão por falta de fundamento legal.

Procedeu-se a julgamento e, a final, proferida sentença, na qual a ação foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, condenada a requerida B... Sociedade Unipessoal, Lda., no pagamento à requerente do valor de €3.857,50, acrescido de juros de mora e vincendos, à taxa legal aplicável, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento contra o cumprimento, em simultâneo, e sem vícios da prestação por parte do requerente ou da eliminação dos defeitos ou substituição do pavimento por um novo logo após a execução dessas obras.
Julgado procedente o pedido reconvencional deduzido e, por consequência, condenado o requerente AA a reparar os defeitos existentes no pavimento do armazém, situado na Rua ..., em ..., Paredes, eliminando-os, no prazo de 30 dias.

Inconformado, o requerente recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
1. Nos presentes autos, foi o recorrido condenado no pagamento à recorrente do valor de €3.857,50, acrescido de juros de mora e vincendos, à taxa legal aplicável, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento contra o cumprimento, em simultâneo, e sem vícios da prestação por parte do requerente ou da eliminação dos defeitos ou substituição do pavimento por um novo logo após a execução dessas obras.
2. Acontece que o tribunal a quo deu como factos provados os comprovativos de transferências efetuados por parte da requerida, quando esses pagamentos estão relacionados com outros serviços, que não os peticionados.
3. Nomeadamente o Doc. nº 2 porque é referente ao pagamento de casas de banho e não de aplicação de pavimentos, e a transferência não é referente a nenhuma das faturas peticionadas.
4. E o Doc. nº 3 é referente à transferência da fatura 2018/.. e com a seguinte informação para o beneficiário: “emissão 15-02-2019”.
5. O tribunal a quo fez uma errada interpretação e valoração dos comprovativos das transferências, já que as mesmas permitem demonstrar que a requerida não fez os pagamentos referentes às faturas peticionadas, mas sim referente a pagamentos de outros serviços prestados, contrariando assim a prova produzida documentalmente.
6. Pelo que não resulta dos autos qualquer prova que suporte a decisão do tribunal a quo, em considerar que os comprovativos das transferências seriam para pagamento da fatura FT2018/...
7. Assim, deveria o tribunal condenar a requerida no pagamento de €5.557,50, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, e não de €3.857,50.
8. Alterando assim as respostas à matéria de facto dadas como provadas, retirando da matéria provada as transferências referidas no doc. 2 e 3 da oposição, e alterar-se a condenação decidida em primeira instância.
9. No que se refere à exceção de não cumprimento, a mesma não se verifica, apenas pode ser exercida após o credor ter, não só denunciado os defeitos, como também exigido que os mesmos fossem eliminados, que a prestação fosse substituída ou realizada de novo, que o preço fosse reduzido ou que fosse paga uma indemnização pelos danos circa rem.
10. Por fim, o tribunal a quo admitiu o pedido reconvencional deduzido e, por consequência, condenou o requerente/recorrente AA a reparar os defeitos existentes no pavimento do armazém situado na Rua ..., em ..., Paredes, eliminando-os, no prazo de 30 dias.
11. Nos presentes autos, estamos face a procedimento de injunção que segue os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergente de contratos onde não é admissível reconvenção.
12. A tramitação deste processo especial apenas prevê a existência de dois articulados, nomeadamente a petição inicial e a contestação, conforme estatuído no artigo 1º do Decreto-Lei nº 269/98 de 1/9.
13. Não havendo lugar a reconvenção (por ser inadmissível a réplica), é contrário à lei qualquer entendimento que pugne pela admissão da dedução da compensação enquanto defesa por excepção, não admitindo assim a exceção invocada.
14. Assim, deveria o tribunal condenar a requerida no pagamento de €5.557,50, acrescidos de juros de mora, e não de €3.857,50.
15. Alterando assim as respostas à matéria de facto dadas como provadas, retirando da matéria provada as transferências referidas no doc. 2 e 3 da oposição, e alterar-se a condenação decidida em primeira instância.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação de facto:
1. O requerente tem uma empresa em nome individual que tem como atividade comercial, o comércio de tintas e vernizes e sua aplicação.
2. No exercício dessa atividade, foi o requerente contactado pela requerida, que lhe adjudicou serviços de pintura do chão do armazém em autonivelante, e aumento do referido armazém sito na Rua ..., em ..., Paredes.
3. Os trabalhos contratados consistiam na execução de um trabalho pavimentação de um armazém com a colocação de um revestimento denominado Epóxi Autodeslisante C-Floor E400 SL Produto Cin, como resulta da proposta enviada.
4. A requerente obrigou-se, por escrito, a dar garantia do trabalho da aludida pavimentação por um período de um ano a contar da data da conclusão dos trabalhos, conforme documento assinado e carimbado pelo requerente e entregue à requerida (documento 8).
5. Os serviços prestados e contratados constam descritos das seguintes faturas:
- FT2018/.., no valor de € 16.837,50, emitida e vencida a 7 de Fevereiro de 2019; e
- FT2018/.. 2018/.., no valor e 8.610,00, emitida e vencida a 13 de Março de 2019.
6. As faturas foram emitidas, enviadas à requerente que as aceitou e efetuou os seguintes pagamentos parciais, por transferência bancária, por conta das referidas faturas a quantia total de €21.590,00, nas seguintes datas e valores:
- Em 15.02.2019, a requerida transferiu para a conta bancária indicada da requerente a quantia de €10.000,00.
- Em 27.02.2019, a requerida transferiu para a conta bancária indicada pelo requerente a quantia de € 890,00,
- Em 27.02.2019, a requerida transferiu para a conta bancária indicada pelo requerente a quantia de €1700,00,
- Em 02.04.2019, a requerida transferiu para a conta bancária indicada pelo requerente a quantia de €3.000,00,
- Em 14.06.2019, a requerida transferiu para a conta bancária indicada pelo requerente a quantia de €4.000,00,
- Em 09.08.2019, a requerida transferiu para a conta bancária indicada pelo requerente a quantia de €2.000,00,
7. A requerida confessa que ainda se encontra em dívida a quantia de €3.857,50.
8. O pavimento executado deveria apresentar uma textura lisa, regular e uniforme, mas ainda durante a execução dos trabalhos começou a levantar, apresentando bolhas de ar, que acabavam por rebentar, soltando o pavimento aplicado da laje de betão onde havia sido aplicado.
9. A requerida comunicou ao requerente que o pavimento apresentava defeitos, tendo o requerente, que reconheceu os defeitos, procedido à reparação de alguns deles, tendo levantado parcialmente o piso e reaplicado novamente o produto referido em 3).
10. Essa reaplicação, para além de ter sido executada de cor diferente, foi novamente mal aplicada e os problemas de surgimento de bolhas manteve-se.
11. O requerente instado pela requerida, por diversas vezes, deslocou-se ao local para reparar o trabalho, mas foi em vão.
12. Os defeitos dos trabalhos continuaram a surgir, dentro do período de execução da obra.
13. O requerente marcou várias datas para reparar os defeitos, mas o certo é que chegada a data não comparecia.
14. Aliás, no dia 17 de setembro, o requerente solicitou o pagamento à requerida por email, tendo a requerida, no dia seguinte, respondido que “(…) o senhor comprometeu-se a terminar a execução dos trabalhos em várias datas distintas.” “(…) na nossa última reunião foi-lhe transmitido que a empresa encerrava no dia 22 de agosto, mas manteria um trabalhador nas instalações para as abrir de modo a permitir a execução e conclusão das obras. Apesar de se ter comprometido a executar as obras durante o período de férias, não o fez (…)” “(…) mais comunico que este assunto se encontra encerrado e não voltarei a comunicar até que a conclusão dos trabalhos e reparação dos defeitos se encontrem concluídos”.
15. O requerente não executou os trabalhos de acordo com as boas regras da arte.
16. O requerente deveria ter concluído as obras até final de junho de 2019.
17. Na presente data, o pavimento encontra-se irregular, com bolhas de ar, com o pavimento aplicado a destacar da laje de betão, apresentando um aspecto de autênticas crateras abertas por todo lado.
18. O requerente nunca terminou a execução do trabalho que contratou com a requerida.
Facto não provado
O artigo 4º do requerimento injuntivo.


São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do C.P.C.
Questões a decidir: se deve ser admitido o pedido reconvencional; impugnação da matéria de facto no que concerne ao ponto 6 dos factos provados; se a requerida pode opor ao requerente a exceção do não cumprimento do contrato.

I. AA intentou procedimento de injunção contra B... Sociedade Unipessoal, Lda., para cobrança do valor total de €5.868,75.
A requerida apresentou oposição e deduziu reconvenção, pedindo a condenação do requerente a eliminar os defeitos que a obra apresenta, ou no pagamento de uma quantia à reconvinte, em montante não inferior a €2.000,00 ou o valor que se vier a apurar em execução de sentença.
Na mesma data da sentença, foi proferida decisão que admitiu o pedido reconvencional, sendo certo que, na ata de audiência final, o autor havia requerido a sua não admissão por falta de fundamento legal.
O procedimento de injunção introduzido pelo Decreto-Lei nº 404/93, de 10 de Dezembro, posteriormente substituído pelo Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, visou conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias, tal como a ação declarativa especial introduzida por aquele segundo diploma, e aplicava-se a obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância. O artigo 1º do Decreto-Lei nº 107/2005, de 1 de Julho, alterando o artigo 1º do Decreto-lei 269/98, determinou a sua aplicação até ao valor da alçada da Relação. O Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, que atualizou o valor das alçadas dos tribunais, circunscreveu os procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos ao valor de €15.000,00.
Por isso, não se tratando de uma transação comercial, apenas poderá ser utilizado o procedimento de injunção até ao limite de €15.000,00
Nos termos dos artigos 15º a 17º do DL 269/98, sendo deduzida oposição, o procedimento passava a correr no tribunal, após distribuição como ação declarativa, seguindo a tramitação prevista para a ação declarativa especial/simplificada regulada nos artigos 1º, 3º e 4º daquele diploma.
O decreto-lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, estabeleceu o regime especial para os atrasos de pagamento em transações comerciais, transpondo a Directiva nº 2000/35/CE, do Parlamento Europeu, de 29 de Junho, alterando também o artigo 102º do C. Comercial e os artigos 7º, 10º, 12º, 12º-A e 19º do Decreto-Lei nº 268/98.
Aquele Decreto-Lei 32/2003, entre outras medidas, ampliou a aplicação do procedimento de injunção a todos os débitos resultantes de transações comerciais.
O artigo 6º do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, introduziu alterações ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, nomeadamente ao seu artigo 1º, que passou a ter a seguinte redação: «É aprovado o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000,00, publicado em anexo, que faz parte integrante deste diploma».
Daí que, em função da natureza do débito e do valor do pedido, foram criados dois regimes processuais: tratando-se de dívida proveniente de transação comercial, independentemente do respetivo valor, pode ser utilizado o procedimento de injunção. Caso não haja transação comercial, a injunção apenas pode ser utilizada até ao limite de €15.000,00.
Ou seja, o procedimento de injunção destina-se a obrigações pecuniárias emergentes de contratos. Todavia, quando o débito emerge de transação comercial, qualquer que seja o valor daquele, o procedimento de injunção pode ser utilizado. Não revestindo a transação natureza comercial, a injunção só pode ser adotada até ao referido limite de €15.000,00
No caso, tratando-se, ou não, de transação comercial, dado que o valor peticionado não atinge a quantia de €15.000,00, o procedimento de injunção pode ser adotado, mas a reconvenção não é processualmente admissível.
Efetivamente, quando o valor do pedido é inferior a €15.000,00, havendo oposição, o processo segue a forma de ação especial prevista no Decreto-Lei 269/98, ação que apenas admite dois articulados, petição e contestação.
Ora, não sendo admissível a réplica que serve, como se dispõe no artigo 584º do C.P.C., para o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção, do mesmo modo não é possível ao requerido da injunção apresentar reconvenção.
Se o valor da injunção for superior a €15.000,00, «admite-se a reconvenção, uma vez que o procedimento se transforma em processo comum, com possibilidade de apresentação de réplica pelo autor». Edgar Valles, Cobrança Judicial de Dívida, Injunções e Respetivas Execuções, pág. 126.
Deste modo, por inadmissível, deve ser rejeitada a reconvenção deduzida pela requerida.

II. Os casos em que, pela via do recurso, se há-de reapreciar a prova produzida em primeira instância, terão de ser, concretamente, evidenciados pelo recorrente, destacando-os dos demais, indicando os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na ata, nos termos do nº 2, do citado artigo 155º (artigo 640º, nº 2, alínea a), do C. P. C.).
O apelante, mencionando os concretos meios probatórios constantes do processo que, em seu entender, impõem decisão diversa da recorrida, preenche aqueles requisitos legalmente impostos, para que se possa apreciar o alegado erro na apreciação da matéria de facto.
No ponto 6 dos factos provados, o recorrente põe em causa que, em 27.2.2019, a recorrida tivesse transferido, para a conta bancária indicada por aquele, as quantias de €890,00 e de €1.700,00.
No artigo 3º do requerimento de injunção, o recorrente alegou que «o fornecimento dos serviços prestados e contratados consta das seguintes faturas: FT2018/.., no valor de €16.837,50, emitida e vencida a 7 de fevereiro de 2019, e ..., no valor de €8.610,00, emitida e vencida a 13 de março de 2019.
Este facto alegado foi dado como assente no ponto 5 dos factos provados.
Na motivação da decisão sobre a matéria de facto, no que toca ao ponto 6, refere-se que a convicção do tribunal se fundou nos comprovativos das transferências (juntos a fls. 25 a 28).
Dois dos “dados da operação” que constam dos referidos comprovativos das transferências são a “Referência Ordenante” e “Info. p/ Beneficiário”.
Vejamos os comprovativos das transferências juntos:
– Documento nº 1 – Em 15.02.2019, a requerida transferiu para a conta bancária indicada do requerente a quantia de €10.000,00, referente à fatura ... e com a seguinte informação para o beneficiário: “pagamento parcial serviço pavimento no armazém em ...”.
– Documento nº 2 – Em 27.02.2019, a requerida transferiu para a conta bancária indicada pelo requerente a quantia de €890,00, referente ao orçamento ... e com a seguinte informação para o beneficiário: “casas de banho ...”.
– Documento nº 3 – Em 27.02.2019, a requerida transferiu para a conta bancária indicada pelo requerente a quantia de €1700,00, referente à fatura 2018/.. e com a seguinte informação para o beneficiário: “emissão 15-02-2019”
– Documento nº 4 – Em 02.04.2019, a requerida transferiu para a conta bancária indicada pelo requerente a quantia de €3.000,00, referente à fatura ... e com a seguinte informação para o beneficiário: “pagamento parcial fatura de 07/02/2019”
– Documento nº 5 – Em 14.06.2019, a requerida transferiu para a conta bancária indicada pelo requerente a quantia de €4.000,00, referente à fatura ... e com a seguinte informação para o beneficiário: “tranche para liq. do valor ainda em aberto”
– Documento nº 6 – Em 09.08.2019, a requerida transferiu para a conta bancária indicada pelo requerente a quantia de €2.000,00, referente à fatura ... e com a seguinte informação para o beneficiário: “pagamento faseado fatura ...”.
Ou seja, as transferências, datadas de 27 de fevereiro de 2019, constantes dos documentos 2 e 3, não correspondem a pagamentos relativos às faturas ... e ... identificadas no ponto 5 dos factos provadas, como sendo aquelas que descrevem o fornecimento dos serviços prestados e contratados.
É convicção desta Relação de que, face à prova documental junta, não pode ser dado como provado que as transferências constantes dos documentos 2 e 3 correspondam a pagamentos efetuados pela requerida, por conta das faturas peticionadas, e, por consequência, o ponto 6 passará a ter a seguinte redação:
As faturas foram emitidas, enviadas à requerente, que as aceitou e efetuou os seguintes pagamentos parciais, por transferência bancária, por conta das referidas faturas, a quantia total de €19.000,00, nas seguintes datas e valores:
– Em 15.02.2019, a requerida transferiu para a conta bancária indicada do requerente a quantia de €10.000,00.
– Em 02.04.2019, a requerida transferiu para a conta bancária indicada pelo requerente a quantia de €3.000,00.
– Em 14.06.2019, a requerida transferiu para a conta bancária indicada pelo requerente a quantia de €4.000,00,
– Em 09.08.2019, a requerida transferiu para a conta bancária indicada pelo requerente a quantia de €2.000,00.
No sentido de harmonizar esta alteração ao ponto 6, o ponto único dos factos não provados passará a constituir o ponto 19 dos factos provados com a seguinte redação:
19. As faturas foram emitidas e enviadas à requerida, que as aceitou, pois, efetuou pagamentos parciais das mesmas, estando atualmente em dívida, pelo menos, as seguintes quantias:
– €2.610,00, referente à fatura FT2018/.. 2018/.., emitida e vencida a 13 de março de 2019.
– €2.947,50, referente à fatura FT2018/.. 2018/.., emitida e vencida a 7 de fevereiro de 2019.
Diz-se que estão em dívida, pelo menos, as quantias de €2.610,00 e €2.947,50, dado que o total provado no ponto 5 dos factos provados é de €25.447,50 (16.837,50 + 8.610,00); €25.447,50 – €19.000,00 = €6.447,50, ou seja, mais €890,00 do que aquilo que o autor pede – €5.557,50).
Passará a constar um ponto dos factos não provados com o seguinte teor:
As transferências de 27.2.2019, constantes dos comprovativos de transferência juntos como documentos 2 e 3, foram efetuadas por conta das faturas identificadas no ponto 5 dos factos provados.

III. Da exceção do não cumprimento do contrato.
Com fundamento na exceção do não cumprimento do contrato, pretende a requerida que lhe seja reconhecido o direito de recusar o pagamento daquilo que ainda deve ao recorrente.
No artigo 428º, nº 1, do C.C., estabelece-se: «Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo».
Sendo de empreitada o contrato celebrado entre as partes e, respeitando a quantia peticionada a parte do preço da obra realizada, a qual padece de defeitos, como resulta da matéria de facto provada, a requerida podia recusar-se a cumprir a sua prestação de pagamento, enquanto o recorrente não procedesse à eliminação de tais defeitos.
Nos contratos bilaterais ou sinalagmáticos, que envolvem obrigações para ambas as partes (para o empreiteiro a obrigação de realizar a obra sem vícios e para o dono da obra a obrigação de pagar o preço respetivo – artigo 1207º do C.C.), tais obrigações encontram-se unidas por um vínculo de reciprocidade ou interdependência.
Neste contexto, perante uma prestação deficiente, a outra parte pode recusar a sua até que a anomalia seja eliminada ou corrigida, por força do disposto no nº 1 do citado artigo 428º do C.C.
Como refere A. Varela, «o que é justo e o que está conforme com o pensamento subjacente aos contratos bilaterais, espelhado claramente no artigo 428º e noutras disposições mais do C.C., é que o contraente que cumpre defeituosamente a sua obrigação não tem o direito de exigir a respetiva contraprestação enquanto não corrigir o defeito da sua prestação». CJ, Ano XII – 1987, pág. 33.
No caso, tendo resultado demonstrado que a obra foi executada de forma deficiente e que a requerida procedeu à respetiva comunicação ao requerente, deve concluir-se estar verificado o fundamento para que aquela recuse o pagamento da parte do preço que ainda está em dívida – €5.557,50 – até que o ora recorrente, em prazo adequado, proceda à reparação e eliminação dos defeitos verificados.
Por outro lado, podendo a requerida legitimamente recusar a entrega da parte do preço que ainda está em dívida, não haveria lugar à obrigação de pagamento de juros de mora.
Nos termos do artigo 804º, nº 2, do C.C., o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação ainda possível não foi efetuada no tempo devido.
O atraso no pagamento por parte da requerida não lhe é imputável, mas antes ao ora recorrente que, tendo efetuado a sua prestação de forma deficiente, conferiu àquela a faculdade de recusar a sua contraprestação nos termos referidos.
No entanto, atento o objeto do recurso e a circunstância de a requerida não ter recorrido da sentença, não há base legal para a absolvição do pedido de condenação em juros de mora.
Conclui-se, portanto que, cabendo à requerida B... Sociedade Unipessoal, Lda., proceder ao pagamento da parte do preço que ainda está em dívida – €5.557,50 –, é-lhe legítimo recusá-lo até que o ora recorrente, em prazo adequado, proceda à reparação e eliminação dos defeitos provados.

Dispositivo:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:
– Rejeitar, por inadmissível, a reconvenção deduzida pela requerida, revogando a sentença recorrida, na parte em que julgou o pedido reconvencional procedente, por provado.
– Condenar a requerida B... Sociedade Unipessoal, Lda., a proceder ao pagamento ao requerente AA da quantia de €5.557,50, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento, logo que aquele, em prazo adequado, proceda à reparação e eliminação dos defeitos provados.

Custas por apelante e apelada, na proporção dos respetivos decaimentos.

Sumário:
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Porto, 13.7.2022
Augusto de Carvalho
José Eusébio Almeida
Carlos Gil