Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MANUEL DOMINGOS FERNANDES | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE POR ACIDENTE DE VIAÇÃO CULPA CONCORRENTE DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
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Nº do Documento: | RP202405061141/23.1T8VLG.P1 | ||
Data do Acordão: | 05/06/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA PARCIAL | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O Tribunal da Relação goza no âmbito da reapreciação da matéria de facto dos mesmos poderes e está sujeito às mesmas regras de direito probatório que se aplicam ao juiz em 1ª instância, competindo-lhe proceder à análise autónoma, conjunta e crítica dos meios probatórios convocados pelo recorrente ou outros que os autos disponibilizem, introduzindo, nesse contexto, as alterações que se lhe mostrem devidas. II - Atento o carácter instrumental da reapreciação da decisão da matéria de facto, no sentido de que a reapreciação pretendida visa sustentar uma certa solução para uma dada questão de direito, a inocuidade da aludida matéria de facto justifica que este tribunal indefira essa pretensão, em homenagem à proibição da prática no processo de atos inúteis (artigo 130.º do CPCivil). III - Na vigência do Código de Processo Civil anterior, mas igualmente após 01/09/2013, ocasião em que passou a vigorar a Lei 41/2003, de 26 de Junho (NCPC) a matéria de facto à qual há que aplicar o direito tem de cingir-se a verdadeiros factos e não a questões de direito ou a meros juízos conclusivos, razão pela qual a revogação do artigo 646, n.º 4 do anterior CPC, não significa que o princípio nele estabelecido haja sido alterado devendo, assim, eliminar-se da fundamentação factual os pontos que neles se contenham meras conclusões. IV - Verifica-se culpa concorrente dos dois condutores das viaturas intervenientes em acidente de viação, se um deles invade a faixa de rodagem esquerda atento o seu sentido de marcha, local onde se dá a colisão entre os veículos, mas tal invasão apenas ocorre por recurso a uma putativa manobra de salvamento por, momentos antes do embate, o condutor da outra viatura ter uma condução errática invadindo por mais que uma vez a faixa de rodagem contrária ao seu sentido de marcha. V - Os danos não patrimoniais só são ressarcíveis quando pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (cfr. artigo 496.º, nº 1 do CPCivil). VI - A compensação deve, então, ser proporcional à gravidade do dano, apreciada objectivamente, não sendo de acolher pretensões manifestamente excessivas, mas também excluindo tendências banalizadoras dos valores e interesses morais, como a saúde, a integridade física, o bem-estar, etc., que se pretende defender. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 1141/23.1T8VLG.P1-Apelação Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto- Juízo Local Cível de Valongo- J1 Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Drª Fátima Andrade 2º Adjunto Des. Dr. José Eusébio Almeida Sumário: ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Acordam no Tribunal da Relação do Porto:I-RELATÓRIO A... Unipessoal, Lda., com sede social na Travessa ..., ..., ..., Vila Nova de Gaia, e AA, residente na Rua ..., n.º ..., 1.º Frt., ..., Valongo, instauraram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Companhia de Seguros B..., S.A., com sede na Rua ..., ..., Lisboa, pedindo a sua condenação no pagamento: a) ao Primeiro Autor a quantia de € 7.400,00 a título de danos patrimoniais, b) ao Segundo Autor a quantia de € 1.548,49, a título de danos patrimoniais; c) ao Segundo Autor a quantia de € 2.000,00 a título de danos não patrimoniais, ou outra reputada razoável, em prudente arbítrio ut. 562º Cód. Civil; d) assim como no pagamento de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, sobre os montantes indemnizatórios que vierem a ser fixados. Alegam, para tanto e em síntese, a ocorrência de um acidente de viação em que foram intervenientes a viatura da primeira Autora, então conduzida pelo segundo Autor, e a viatura segura na Ré, o qual se ficou a dever a culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na Ré, donde a responsabilidade desta pelos danos sofridos pelos Autores. * Regularmente citada, a Ré contestou, alegando que o acidente entre os veículos em causa ocorreu, nos moldes que descreve, por culpa exclusiva do Autor que conduzia a viatura da primeira Autora, mais impugnado os danos alegados e peticionados.* Tendo o processo seguido os seus regulares termos teve lugar a audiência de julgamento, com observância das legais formalidades.* A final foi proferida decisão do seguinte teor:“Em face do exposto e tudo ponderado, decido julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, 1. Condeno a Ré Companhia de Seguros B..., S.A., a pagar à Autora A... Unipessoal, Lda.: 1.1. A quantia de 5.990,00 € (cinco mil novecentos e noventa euros) pela perda total do veículo de matrícula ..-..-PC, correspondente ao valor do veículo antes do sinistro (7.400,00 €), deduzido do valor do respetivo salvado (1.410,00 €); 1.2. Juros de mora sobre a quantia referida em 1.1., contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento, à taxa legal civil. 2. Condeno a Ré Companhia de Seguros B..., SA a pagar ao Autor AA: 2.1. A quantia de 1.300,00 € (mil e trezentos euros) a título de danos patrimoniais, sendo 900,00 € pela inutilização dos óculos e 400,00 € pela inutilização do telemóvel; 2.2. A quantia de 1.000,00 € (mil euros) a título de danos não patrimoniais; 2.3. Juros de mora sobre as quantias referidas em 2.1. e 2.2., contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento, à taxa legal civil”. * Não se conformando com o assim decidido veio a Ré interpor o presente recurso rematando com as seguintes conclusões:1. O presente recurso visa submeter à apreciação do Tribunal Superior a decisão proferida sobre a matéria de facto, bem como a subsunção jurídica de tal factualidade constante da douta Sentença proferida pela Mmª Juiz do Tribunal a quo. 2. Entende a Recorrente que foi produzida prova cabal e suficiente para alterar o elenco de factos provados constante da douta Sentença recorrida, designadamente com o aditamento de novos factos ao elenco de factos provados e a eliminação de alguns factos. 3. A Mmª Juiz do Tribunal a quo deu como provado no ponto 9. que o Autor conduzia o veículo automóvel ..-..-PC a uma velocidade de cerca de 50 km/hora” 4. Recorrente não consegue alcança em que meio de prova é que a Mmª Juiz do Tribunal a quo se alicerçou para dar como provado que o Autor circulava a velocidade de cerca de 50 km/h. 5. Em momento algum, o Autor declarou, de forma assertiva, que circulava a 50 km/hora, limitando-se a refugiar-se em lugares comuns, referindo que vinha a uma “velocidade moderada” e a “cinquentas”. 6. As declarações de parte, desacompanhadas de qualquer outro meio a corroborar, são, por si só, insuficientes para determinar que tal facto resultou provado. 7. Assim, entende a Recorrente que deverá ser alterado o facto 9., passando a ter a seguinte redação: “9. Nas referidas circunstâncias, o segundo Autor conduzia o veículo automóvel ..-..-PC a uma velocidade não concretamente apurada, pela sua mão de trânsito.” 8. A Mmª Juiz do Tribunal a quo não teve em consideração o depoimento das testemunhas BB, cujo depoimento foi prestado em sede de Audiência de Julgamento datada de 27.09.2023 e encontra-se gravado entre as 15:08 horas e as 15:23 horas, e CC, cujo depoimento foi prestado em sede de Audiência de Julgamento datada de 27.09.2023 e encontra-se gravado entre as 14:58 horas e as 15:08 horas, para efeitos de apuramento da dinâmica ocorrida. 9. A Recorrente não pode aceitar a redação do facto provado 10. nos termos em que está redigido, porquanto, no local onde veio a ocorrer o acidente, o condutor do veículo AD não circulava em ziguezagues, pelo que não ocupava a via de circulação afeta ao sentido ...–.... 10. Entende a Recorrente que não foi produzida qualquer prova convincente que ateste, em primeiro lugar, que no local onde ocorreu o acidente, o condutor do veículo AD encontrava-se a circular aos “ziguezagues” e, em segundo lugar, que o 2º Autor observou tal circunstância, considerando a visibilidade reduzida proveniente da curva. Neste sentido, atente-se ao depoimento de CC gravado entre os minutos 07:17 e 08:08, o depoimento do condutor do veículo AD, gravado entre os minutos 04:59 e 05:21, 06:46 e 06:56 e 07:15: 07:27. 11. Conforme referido pelas testemunhas BB e CC, alguns metros antes do local do acidente, a Rua ..., no sentido ...–... (Valongo), apresentava várias tampas de saneamento salientes no pavimento, obrigando o condutor do veículo AD a contorná-las. 12. No local onde veio a ocorrer o acidente não se verificavam quaisquer tampas de saneamento no pavimento, conforme se atesta pelas fotografias juntas sob o nº 3 e 4 com a Petição Inicial, pelo que o condutor do veículo AD não tinha de invadir a via oposta. 13. Conforme resulta das fotografias juntas com a douta Petição Inicial sob os nº 3 e 4, a curva apresentada no local do acidente é relativamente acentuada, pelo que, a visibilidade é reduzida, e, consequentemente, os condutores que circulem em ambos os sentidos não conseguem avistar a faixa de rodagem em toda a sua largura numa extensão de, pelo menos, 50 metros. 14. Considerando que os veículos intervenientes no acidente em discussão circulavam em sentidos opostos e, bem assim, o facto de a visibilidade ser reduzida em face da configuração da faixa de rodagem (curva), era impossível que o 2º Autor tivesse conseguido visualizar o veículo AD a circular aos “ziguezagues” por mais do que uma vez. 15. Entende a Recorrente que o facto provado 10. deverá passar a constar do elenco de factos não provados. 16. Em face do entendimento acerca da redação do facto provado 10., por uma razão de lógica, a expressão “em virtude da descrita condução sinuosa do AD-..-MN” constante no facto provado 11. e o facto provado 13., na sua totalidade, deverão passar a constar do elenco de factos não provados. 17. Não pode a Recorrente aceitar a conclusão vertida no facto 13., considerando que não resultou provado que o condutor do veículo AD circulava aos “ziguezagues”, ocupando a via de circulação afeta ao sentido ...-.... 18. Os factos provados 15., 16., 17. e 18 não passam de meras conclusões, não se traduzindo em verdadeiros factos, pelo que não deverão constar do elenco de factos provados, o que desde já se requer. 19. No que diz respeito ao facto provado 25., os Autores limitam-se a alegar na sua Petição Inicial que ficaram com os objetos inutilizados. 20. A Mmª Juiz do Tribunal a quo sustentou a sua tese nas declarações de parte do 2º Autor, não tendo sido nenhuma prova carreada para os autos que ateste os factos alegados na Petição Inicial. 21. A própria expressão utilizada no artigo 38º da Petição Inicial de “inutilizados” levanta fundadas dúvidas sobre o destino dos bens, i.e., se estão danificados ou se desapareceram. 22. Se os objetos estão danificados, cabia ao Autor a prova dos danos, o que não sucedeu. 23. Em face da ausência de prova, sempre terá o facto 25. ser eliminado, passando a constar do elenco de factos não provados. 24. Para o apuramento das circunstâncias em que ocorreu o acidente e consequente apuramento do seu responsável, importa igualmente apurar a velocidade a que o condutor do veículo AD circulava no momento do acidente. 25. Em sede de Audiência de Julgamento, a testemunha BB declarou que circulava a 40 km/h, conforme depoimento gravado entre os minutos 04:39 a 04:47, tendo sido confirmado pela testemunha CC, conforme se atesta pelo depoimento prestado entre os minutos entre os minutos 08:47 a 08:51. 26. Deverá ser aditado o seguinte facto ao elenco de factos provados: “Nas circunstâncias de tempo e de lugar em que ocorreu o acidente, o condutor do veículo AD-30-MN circulava a velocidade não superior a 40 km/hora.” 27. O lapso mais gritante verificado na douta Sentença recorrida diz respeito ao facto de em momento algum a Mmª Juiz do Tribunal a quo ter feito constar em que via de circulação é que ocorreu o acidente em discussão nos presentes autos. 28. O 2º Autor em sede de declarações de parte declarou que invadiu a via de circulação onde o condutor do veículo AD circulava, conforme declarações de parte gravadas entre os minutos 02:26 a 02:57 (cujas declarações de parte foram prestadas em sede de Audiência de Julgamento datada de 27.09.2023, encontrando-se gravadas entre as 14:25 horas e as 14:39 horas). No mesmo sentido, declarou CC no depoimento gravado entre os minutos 06:36 a 06:51, e o condutor do veículo AD, entre os minutos 02:35 e 2:47. 29. O local provável do embate indicado no croqui situa-se sensivelmente a meio da via de circulação da via afeta ao sentido ...–.... 30. Pelas fotografias juntas sob o nº 2 com a Contestação, inexistem quaisquer dúvidas que o acidente ocorreu em plena via de circulação onde o veículo AD circulava. 31. Por se reputar importante para efeitos de apuramento da culpa pela produção do acidente, entende a Recorrente que deverão ser aditados os seguintes factos: “O condutor do veículo PC invadiu a via de circulação afeta ao sentido ...–....” “O embate entre os veículos PC e AD ocorreu na via de circulação afeta ao sentido ...–....” 32. Entende a Recorrente que não se encontrarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil. 33. Considerando o local do embate em plena via de circulação afeta ao sentido ...–..., questiona-se como é que seria possível o 2º Autor observar o condutor do veículo AD a circular aos “ziguezagues”, ocupando a via de circulação em que seguia, se, pela sua configuração, não é possível observar a faixa de rodagem numa extensão muito grande. 34. Admitindo que o veículo AD estava a ocupar a via de circulação afeta ao sentido ...–... conforme alegado pelo 2º Autor, permanece por explicar como é que o veículo AD teria conseguido retomar totalmente a sua marcha para a via de circulação onde circulava e o 2º Autor não tivesse conseguido permanecer na sua via. 35. O embate ocorreu entre a parte frontal central e esquerda do veículo AD e a parte frontal central e esquerda do veículo PC, conforme resulta das fotografias juntas sob o nº 2 da Contestação, pelo que se conclui que o embate ocorreu no momento em que os veículos se encontravam a circular na mesma via, mas em sentidos opostos, estando ambos posicionados de forma paralela às bermas da faixa de rodagem. 36. A localização dos danos de ambos os veículos levam a Recorrente a crer que o veículo PC já se encontrava a ocupar a via de circulação afeta ao sentido ... – ..., não obstante circular no sentido oposto. Só assim se explica que os veículos tenham embatido com a parte frontal de cada um. 37. Entende a Recorrente que não resultaram factos provados demonstrativos da existência de qualquer ato ilícito por parte do condutor do veículo AD e, consequentemente, não poderá ser imputada qualquer culpa ao mesmo pela produção do acidente. 38. Foi o 2º Autor quem violou o disposto nos artigos 3º, nº 2, 11º, nº 2, 13º, nº 1 e 2, todos do Código da Estrada, por não ter garantido a circulação do seu veículo dentro dos limites da sua via de circulação, pelo que nenhuma responsabilidade pode ser assacada à ora Recorrente. Caso assim não se entenda, 39. Caso o douto Tribunal Superior considere que não foi possível apurar qual dos condutores deu causa ao acidente, se foi o condutor do veículo AD por circular aos “ziguezagues” ou se foi o condutor do veículo PC por circular na via de circulação contrária ao seu sentido de marcha, a responsabilidade da ora Recorrente pela regularização dos danos apenas pode ser fixada em 50%, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 506º do Código Civil. Caso assim não se entenda, 40. Não se pode aceitar a condenação a título de danos patrimoniais, no que diz respeito aos óculos e telemóvel, e danos não patrimoniais. 41. O 2º Autor não demonstrou que tais objetos tenham ficado danificados em consequência do acidente, porque, se assim tivesse sido, teria junto documentos comprovativos dos danos, como, por exemplo, fotografias dos mesmos, o que não sucedeu. 42. Caso se considere que o facto provado 25. não deverá ser eliminado, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio, não pode aceitar o valor da condenação, nem tampouco a sua fundamentação. 43. O 2º Autor não alegou nem provou a marca e modelo de cada objeto, nem em que data é que foram adquiridos. 44. A Recorrente desconhece se, por exemplo, os óculos do 2º Autor tinham lentes monofocais ou progressivas. 45. Uma rápida pesquisa permite-nos atestar que os óculos monofocais ascendem a, pelo menos, € 39,00, e os óculos com lentes progressivas ascendem a, pelo menos, € 99,00. 46. Relativamente ao telemóvel, através de uma pesquisa é possível concluir que estes equipamentos, atualmente, podem custar entre € 19,99 e € 3.148,43. 47. Em face do supra exposto, deve a Recorrente ser absolvida do pagamento do valor de € 1.300,00, a título de danos não patrimoniais. 48. No que diz respeito à fixação de indemnização por danos não patrimoniais pelo montante de € 1.000,00, não pode a Recorrente aceitar este montante, por se reputar de exagerado face à dinâmica do acidente e consequentes lesões. 49. Não resultou provado qualquer facto demonstrativo de que o Autor tenha sido submetido a qualquer intervenção cirúrgica ou tratamentos médicos ou que tenha sofrido alguma lesão decorrente do acidente. 50. Entende-se que este valor deve ser drasticamente reduzido, não podendo a Recorrente ser condenada a valor não superior a € 500,00. * Devidamente notificados, contra-alegaram os Autores concluindo pelo não provimento do recurso.* Corridos os vistos legais cumpre decidir.* II- FUNDAMENTOSO objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 3, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil. * No seguimento desta orientação são as seguintes as questões que importa decidir:a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto; b)- decidir em conformidade em função do julgamento da impugnação da matéria de facto. * A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOÉ a seguinte a matéria de facto que vem dada como provado pelo tribunal recorrido: 1. No dia 31 de julho de 2022, cerca das 00:40 horas, na Rua ..., freguesia ..., município de Valongo, distrito do Porto, ocorreu um acidente de viação. 2. Nesse acidente de viação foram intervenientes o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-PC, de marca Nissan ..., cor branca, propriedade da primeira Autora e conduzido pelo segundo Autor, e o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula AD-..-MN, propriedade e conduzido por BB. 3. O tempo estava seco. 4. Nas referidas circunstâncias, o veículo automóvel de ..-..-PC circulava na aludida Rua ..., ..., Valongo, no sentido de .../.... 5. Conduzia tal veículo o segundo Autor, AA. 6. O veículo ligeiro de mercadorias de matrícula AD-..-MN, circulava na mesma Rua ..., no sentido de .../... (Valongo). 7. Conduzia tal veículo, BB. 8. A rua do local do acidente tem duas vias e dois sentidos de trânsito. 9. Nas referidas circunstâncias, o segundo Autor conduzia o veículo automóvel ..-..-PC a uma velocidade de cerca de 50 km/hora, pela sua mão de trânsito. 10. Quando, nada o fazendo prever, é confrontado com o veículo automóvel AD-..-MN, que conduzia aos “ziguezagues”, ocupando, por mais do que uma vez, a faixa de rodagem contrária, em que circulava o veículo ..-..-PC. 11. Até que, em virtude da descrita condução sinuosa do AD-..-MN, deu-se a colisão entre o veículo AD-30-MN e a parte frontal do veículo ..-..-PC. 12. Na sequência, o segundo autor ficou encarcerado na viatura, com ferimentos, sendo de seguida transportado pelo INEM para o Hospital .... 13. O acidente ocorreu em virtude da condução adotada pelo condutor do veículo de matrícula AD-..-MN que, de uma forma súbita e inesperada, invadiu por várias vezes na sua condução a faixa de rodagem destinada à circulação em sentido contrário, por onde circulava o segundo Autor, que, apesar de ter guinado o seu veículo para o lado esquerdo, não conseguiu evitar o embate. 14. O condutor do veículo de matrícula AD-..-MN foi submetido ao teste de álcool, apresentando um resultado com indícios de álcool, tendo vindo a acusar, no teste realizado através de análise sanguínea, uma taxa de álcool no sangue de 0,37 (+/-) 0,05 g/l. 15. O condutor do veículo automóvel ..-..-PC podia e devia ter-se abstido de circular na via aos “ziguezagues” e de guinar o veículo por si conduzido para a faixa contrária de rodagem. 16. Por outro lado, tendo conduzido após a ingestão de bebidas alcoólicas, podia e devia ter tomado consciência do perigo de conduzir nesse estado e rodear-se de cuidados redobrados e especialmente acrescidos. 17. Mas antes agiu com manifesta desatenção e imperícia. 18. Assim dando causa ao aludido embate entre as viaturas. 19. A Responsabilidade civil para com terceiros, emergente de acidente de viação e da circulação do veículo AD-30-MN, encontrava-se, à data do acidente, transferida para a Ré Companhia de Seguros B..., S.A, por força da celebração de um contrato de seguro obrigatório do ramo automóvel titulado pela Apólice nº .... 20. Em consequência direta e necessária do acidente, resultaram danos na viatura da primeira Autora de matrícula ..-..-PC cuja reparação ascende ao valor de 19.927,38 €. 21. À data do acidente, o valor comercial da viatura de matrícula ..-..-PC era de 7.400,00 €. 22. Em virtude do acidente, com consequente encarceramento do Autor AA, que o conduzia, este sofreu lesões na zona da face, peito e joelho. 23. Na sequência, foi transportado por ambulância para o Hospital ... no Porto, onde foi assistido na urgência. 24. No hospital realizou vários exames ao tórax, à coluna dorsal, de gasimetria, Tc do crânio, grelha costal, coluna lombar, bacia, coluna cervical e ecografia do abdómen superior. 25. Também por força do acidente, o Autor ficou com os seguintes objetos inutilizados: uns óculos de visão de valor não concretamente apurado e um telemóvel de valor não concretamente apurado. 26. A assistência hospitalar prestada ao Autor na urgência do Hospital ... na sequência do acidente importa um custo de 248,49 €. 27. Em virtude do encarceramento e lesões decorrentes do acidente, o Autor AA sentiu dores, angústias e sofrimento. 28. A Rua ..., no local do acidente, configura uma curva à esquerda no sentido .../..., 29. Tendo a faixa de rodagem, duas vias de circulação, uma para cada um dos sentidos, 30. Delimitada, em alguns pontos, por linha longitudinal contínua. 31. A faixa de rodagem mede 6,00 metros de largura. 32. O acidente eclodiu de noite. 33. No local, a velocidade máxima permitida é de 50 km/h, 34. O pavimento não apresentava lombas ou depressões e estava seco. 35. Com a força do embate, o veículo AD-30-MN recuou. 36. Tendo as viaturas ficado imobilizadas a alguns metros, não concretamente apurados, de distância uma da outra. 37. Ao local foi chamada a GNR do posto territorial de Santo Tirso, que tomou conta da ocorrência, 38. E identificou no croqui do Auto de Ocorrência junto com a Petição Inicial sob o n.º 2, como local provável do embate, a via de circulação do condutor do veículo MN. 39. O veículo PC tinha, à data do acidente, valor de salvado avaliado em 1.410,00 €. * Factos não provadosNão se provou que: 1. Os óculos e o telemóvel do Autor AA referidos nos factos provados tinham o valor, respetivamente, de 900,00 € e de 400,00 €. 2. Autor AA procedeu ao pagamento da quantia de 248,49 € atinente à assistência hospitalar a si prestada nos termos descritos nos factos provados. 3. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas nos factos provados, ao aproximar-se do local do acidente, o 2.º Autor, ao descrever a curva que se apresentada à sua esquerda, súbita e inopinadamente, sem que nada o fizesse prever, invadiu a via de circulação de sentido contrário, atento o seu sentido de marcha, 4. Transpôs a linha contínua delimitativa das vias de circulação, 5. E passou a circular pela via de circulação afeta ao trânsito em sentido contrário, 6. Assim provocando a colisão com a parte frontal do veículo PC na frente do veículo MN, 7. O MN circulava, no momento da colisão, pela via de circulação afeta ao seu sentido de marcha, 8. A uma velocidade não superior a 50 km/h, 9. Sendo o condutor deste veículo MN surpreendido pelo súbito e inesperado aparecimento do veículo PC a circular na sua via de circulação, onde ocorreu o embate entre a parte frontal do veículo PC na frente do veículo MN. 10. Com a força do embate, ambos os veículos recuaram. 11. A TAS acusada pelo condutor do veículo MN não influenciou nem diminuiu as capacidades de raciocínio, atenção e reflexos do condutor. 12. Pelo que não contribuiu para a eclosão do sinistro. 13. Antes foi a falta de cuidado e diligência do 2.º Autor perante os demais condutores que ali circulavam que foram primordialmente causais para a eclosão do sinistro, 14. Não tendo o 2.º Autor, logrado manter a distância lateral de segurança necessária do veículo que circulava em sentido contrário, 15. Invadindo a sua via de circulação e provocando o embate entre os mesmos. 16. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas nos factos provados, o 2.º Autor conduzia o veículo PC sob as ordens e instruções da 1.ª Autora. * III. O DIREITOComo supra se referiu a primeira questão que colocada no recurso consiste em: a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto. Como resulta do corpo alegatório e das respetivas conclusões a apelante impugna a decisão da matéria de facto, não concordando com a resenha dos factos provados. Vejamos, então, se lhe assiste razão. O controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialeticamente na base da imediação e da oralidade. Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo. “O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”.[1] De facto, a lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPCivil). Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância.[2] Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada”.[3] Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão à apelante, neste segmento recursivo da impugnação da matéria de facto, nos termos por ela pretendidos. O ponto 9. da resenha dos factos provados tem a seguinte redação: “Nas referidas circunstâncias, o segundo Autor conduzia o veículo automóvel ..-..-PC a uma velocidade de cerca de 50 km/hora, pela sua mão de trânsito”. Propugna a apelante que o citado ponto devia antes ter a seguinte redação: “9. Nas referidas circunstâncias, o segundo Autor conduzia o veículo automóvel ..-..-PC a uma velocidade não concretamente apurada, pela sua mão de trânsito.” Mas pergunta-se qual a relevância da pretendida alteração em termos da solução jurídica do pleito? A resposta é simples: nenhum. Na verdade, a dinâmica que terá presidido à eclosão do acidente assenta, segundo a versão de cada um dos intervenientes, na invasão da faixa de rodagem contrária àquela em que seguiam, ou por um ou por outro dos veículos que nele intervieram, sem que essa invasão, como infra melhor se analisará, esteja diretamente relacionada com a velocidade imprimida a cada um dos veículos. Como assim, é de todo indiferente que se dê como provado o ponto 9. dos factos provados com a redação que dele já consta, ou se altere para a redação sugerida pela apelante, pois que, é inócuo para os efeitos da verificação dos requisitos da culpa e da ilicitude dar-se como provado que PC circulava a velocidade concretamente não apurada. Ora, atento o carácter instrumental da reapreciação da decisão da matéria de facto, no sentido de que a reapreciação pretendida visa sustentar uma certa solução para uma dada questão de direito, a inocuidade da aludida matéria de facto justifica que este tribunal indefira essa pretensão, em homenagem à proibição da prática no processo de atos inúteis (artigo 130.º do CPCivil). Como refere Abrantes Geraldes,[4] “De acordo com as diversas circunstâncias, isto é, de acordo com o objeto do recurso (alegações e, eventualmente, contra-alegações) e com a concreta decisão recorrida, são múltiplos os resultados que pela Relação podem ser declarados quando incide especificamente sobre a matéria de facto. Sintetizando as mais correntes: (…) n) Abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum com a solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados”. Bem pode dizer-se, pois, que a impugnação da decisão sobre matéria de facto, neste conspecto, é mera manifestação de “inconsequente inconformismo”[5], razão pela qual nos abstemos de reapreciar relativamente ao ponto em questão.[6] E as mesmas considerações valem em relação ao aditamento propugnado pela apelante do ponto factual relativo à velocidade em que seguia o MN. * Os pontos 10., 11. e 13 dos factos provados têm a seguinte redação:“10. Quando, nada o fazendo prever, é confrontado com o veículo automóvel ..-..-PC, que conduzia aos “ziguezagues”, ocupando, por mais do que uma vez, a faixa de rodagem contrária, em que circulava o veículo ..-..-PC; 11. Até que, em virtude da descrita condução sinuosa do AD-..-MN, deu-se a colisão entre o veículo AD-30-MN e a parte frontal do veículo ..-..-PC; 13. O acidente ocorreu em virtude da condução adotada pelo condutor do veículo de matrícula AD-..-MN que, de uma forma súbita e inesperada, invadiu por várias vezes na sua condução a faixa de rodagem destinada à circulação em sentido contrário, por onde circulava o segundo Autor, que, apesar de ter guinado o seu veículo para o lado esquerdo, não conseguiu evitar o embate”. Alega a apelante que os citados pontos deviam ter sido dados como não provados. Importa, antes de avançar na análise da referida impugnação, que a primeira parte do ponto 13, encerra uma conclusão e não um facto, todavia, esse ponto factual será apenas objeto de análise mais à frente. Isto dito, refere a apelante que novamente, no que diz respeito à dinâmica do acidente, o tribunal recorrido limitou-se a referir que sustentou este facto com base nas declarações de parte do 2º Autor e no depoimento da testemunha DD, sendo que muito se estranha que o depoimento da testemunha BB, condutor do veículo seguro na Recorrente, e da testemunha CC, ocupante o veículo seguro, não tenha sido considerado. Nos termos estatuídos no artigo 466.º do CPCivil as partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto (n.º 1); às declarações das partes aplica-se o disposto no artigo 417.º–quanto ao dever de cooperação para a descoberta da verdade–e ainda, com as necessárias adaptações, o estabelecido na secção anterior, relativa à prova por confissão das partes (n.º 2); o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão (n.º 3). Trata-se de disposição inovadora introduzida no novo CPCivil, mencionando-se na Exposição de Motivos da proposta de lei n.º 113/XII, que está na origem da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, que se prevê “a possibilidade de prestarem declarações em audiência as próprias partes, quando face à natureza pessoal dos factos a averiguar tal diligência se justifique, as quais são livremente valoradas pelo juiz, na parte em que não representem confissão”. A relevância probatória destas declarações tem sido objeto de apreciação em sede de jurisprudência, salientando-se diferentes acórdãos proferidos por este Tribunal da Relação. Dúvidas não existem de as declarações de parte que, diga-se, divergem do depoimento de parte, devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado. Não se pode olvidar que, como meio probatório são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na ação. Efetivamente, seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos. Não obstante o supra referido, o certo é que são um meio de prova legalmente admissível e pertinentemente adequado à prova dos factos que sejam da natureza que ele mesmo pressupõe (factos em que as partes tenham intervindo pessoalmente ou de que as partes tenham conhecimento direto). Todavia, tais declarações são apreciadas livremente pelo tribunal (466.º, n.º 3, do CPCivil) e, nessa apreciação, engloba-se a sua suficiência à demonstração do facto a provar. A afirmação, perentória e inequívoca, de as declarações das partes não poderem fundar, de per si e só por si, um facto constitutivo do direito do depoente, não é correta, porquanto, apresentada sem qualquer outra explicação, não deixaria de violar, ela mesma, a liberdade valorativa que decorre do citado n.º 3 do artigo 466.º do CPC. Mas compreende-se que, tendencialmente as declarações das partes, sem qualquer corroboração de outra prova, qualquer que ela seja, não apresentem, ainda assim, e sempre num juízo de liberdade de apreciação pelo tribunal, a suficiência bastante à demonstração positiva do facto pretendido provar. Neste contexto de suficiência probatória, e não propriamente de valoração negativa e condicionada da prova (e só assim pode ser, respeitando o princípio que se consagra no artigo 466.º, n.º 3 do CPC) parece-nos claro que nunca pode estar em causa a violação da norma constitucional que salvaguarda a tutela efetiva do direito (artigo 20.º, n.º 5, da CRP). Evidentemente que, perspetivando de modo inverso o problema, também a admissão da prova por declaração de parte num sentido interpretativo de onde decorresse, em qualquer circunstância, a prova dos factos constitutivos do direito invocado por mero efeito das declarações favoráveis, não deixaria de violar a norma constitucional, na medida em que, num processo de partes como é o processo civil, deixaria sem possibilidade de defesa–e aí, sem tutela efetiva–a parte contrária. Como assim, a prova por declarações de parte, nos termos enunciados no artigo 466.º do Código de Processo Civil, é apreciada livremente pelo tribunal, na parte que não constitua confissão, na certeza de que a livre apreciação é sempre condicionada pela razão, pela experiência e pelas circunstâncias e que, neste enquadramento, a declaração de parte que é favorável e que surge desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente ou sequer indicie, será normalmente insuficiente à prova de um facto essencial à causa de pedir. Isto dito, na motivação da decisão da matéria de facto o tribunal recorrido discorreu do seguinte modo: “Relativamente aos factos atinentes à dinâmica do acidente, o tribunal atendeu, em primeira linha, às declarações de parte do próprio Autor condutor da viatura de matrícula ..-..-PC (das quais não resultou em assentada matéria confessada) e ao depoimento da testemunha DD. As declarações do Autor AA, não obstante o seu interesse na causa, mereceram total credibilidade, na medida em que foram prestadas de forma assertiva, tranquila e coerente. Esclareceu que, no dia e hora em causa, seguia para casa, no sentido Valongo (...)/..., de forma tranquila, a cerca de 50 km/h, quando, subitamente, foi confrontado com a condução errática do condutor da viatura que dirigia o seu veículo na sua direção, o que levou a que o declarante tentasse desviar o seu veículo para a esquerda, mas sem que tenha conseguido evitar o embate, que ocorreu entre as frentes das viaturas. Na sequência, ficou encarcerado na viatura. A GNR foi chamada ao local e o Autor seguiu para o hospital de ambulância. Levava consigo os seus óculos e o seu telemóvel, que não mais encontrou. Ficou com um ferimento no nariz, por causa dos óculos. Pese embora nunca tenha chegado a ver tais objetos destruídos, o facto de os ter consigo no momento do acidente e as circunstâncias e danos do mesmo (encarceramento do Autor e perda total da viatura) permitem afirmar que o seu desaparecimento/inutilização é decorrente do acidente. Quanto ao respetivo valor, não apresentou qualquer fatura ou documento alusivo à compra, sendo certo que o homem médio não guarda documentos comprovativos dos bens que adquire para além do prazo de garantia. Não obstante, referiu de forma assertiva e espontâneo o valor aproximado dos mesmos, concretamente, cerca de 900,00 € e tal euros os óculos e cerca de 400,00 € a tal euros o telemóvel. Esclareceu ainda que, para além das dores próprias das lesões que sofreu (também descritas no auto elaborado pela GNR), esteve, por força dos sentimentos que o acidente lhe suscita, cerca de três meses a dormir mal. A testemunha DD foi uma testemunha identificada no próprio auto e revelou conhecimento direto e circunstanciado acerca da dinâmica do acidente. Esta testemunha prestou um depoimento extremamente assertivo, coerente e completamente desinteressado do desfecho dos presentes autos, merecendo, por isso, total credibilidade. Declarou que seguia no sentido .../... (ou .../...) atrás de um Peugeot (o veículo de matrícula AD-..-MN seguro na Ré) que seguia aos ziguezagues ao ponto de os veículos que seguiam na faixa contrária se terem de desviar porque o condutor desse veículo invadia a faixa de rodagem contrária. Para além de seguir ziguezagueando, ainda acelerava e travava sem sentido, tendo levado mesmo a testemunha a considerar tratar-se de uma brincadeira de um condutor, eventualmente jovem, pelo que chegou mesmo a fazer sinais de luzes. O embate entre as duas viaturas deu-se, portanto, à sua frente, não tendo dúvidas em afirmara que, uma vez mais, o condutor do Peugeot se dirigiu para a faixa contrária imediatamente antes do embate, tendo o embate ocorrido nessa faixa, do lado esquerdo àquele em que seguia a testemunha. Parou de imediato e acionaram os meios de socorro, tendo a polícia demorado cerca de uma hora a chegar. O condutor da viatura embatida ficou encarcerado e tinha a cara toda ensanguentada. Algumas, pequenas, incongruências entre estes dois relatos não são suscetíveis de abalar a convicção formada na base dos mesmos, porquanto respeitam a circunstâncias factuais de pormenor e são perfeitamente explicáveis pelo decurso do tempo, pelas limitações próprias da memória humana e, bem assim, pelo choque de uma vivência tão forte como é um acidente de viação desta natureza. Por seu turno, entendemos que os depoimentos do condutor da viatura segura na Ré (BB) e, bem assim, da sua mulher que seguia na mesma viatura no lugar do passageiro (CC) ficaram aquém da necessária concretização, assertividade, espontaneidade e objetividade. Ambos referiram, perentoriamente, que a viatura em que seguiam foi embatida na faixa em que seguiam. Indo para além desta factualidade, responderam de forma fugaz e pouco credível às questões. Efetivamente, confirmaram a condução ziguezagueante, mas procuraram justificar a mesma com a existência de tampas no pavimento, o que não foi referido por qualquer outra testemunha e se mostra contraditório com as características da estrada alegadas pela própria Ré na contestação (cfr. artigo 34 dos factos provados). De referir ainda que a testemunha CC referiu espontaneamente que alertou o marido para conduzir com cuidado, mas, questionada sobre o motivo desse aviso, titubeou. Nenhuma destas testemunhas se apercebeu, sequer, dos sinais de luzes que lhes foram dirigidos pela testemunha DD”. A testemunha arrolada pela Ré confirmou o trabalho por si realizado na averiguação do sinistro, que não presenciou, e cujo relatório se mostra parcialmente junto ao processo e também foi considerado pelo Tribunal. As declarações desta testemunha não abalaram, de qualquer forma, a versão dos factos dados como provados. Relativamente ao Militar da GNR que elaborou o auto, confirmou a demora na chegada ao local, referindo um atraso de cerca de 40 minutos, em virtude da indisponibilidade do destacamento de Valongo. Quando chegaram ao local, o condutor da Nissan está já a ser assistido na ambulância. Confrontado com o croqui elaborado e o local aí identificado como sendo o provável local do embate, declarou que o local foi identificado com base em vestígios no local, mas que é difícil dizer de que lado da via é que se deu o embate, não podendo afirmá-lo com certeza, apesar de ter feito menção no auto. O local do acidente configura uma curva e tem uma inclinação. Referiu ainda que fez menção no auto à realização dos testes de álcool (no Hospital), tendo um dado positivo e outro negativo, conforme auto de aditamento. Também os danos verificados foram consignados no auto. Assim, valorizando as declarações do Autor e da testemunha DD, em detrimento dos depoimentos, parcos, lacunosos e evasivos do condutor e da sua mulher que seguiam na viatura segura na Ré, o Tribunal não ficou com dúvidas em fixar os factos atinentes à dinâmica do acidente nos moldes descritos nos factos provados”. * Da fundamentação supratranscrita ressalta que o tribunal recorrido dentro do princípio da livre apreciação da prova (cfr. artigo 607.º, nº 5 do CPCivil) valorou, neste segmento (dinâmica do acidente), as declarações de parte do 2º Autor ancoradas no depoimento da testemunha DD que, note-se, seguia no sentido .../... (ou .../...) no seu veículo e atrás do MN.E valorou tais declarações de parte e o depoimento da testemunha DD de forma fundamentada e em detrimento dos depoimentos das testemunhas BB, condutor do veículo seguro na Recorrente e CC, sua esposa e ocupante do mesmo veículo. Ora, a tese da apelante é a de que os depoimentos das mencionada testemunhas são merecedoras de inteiro crédito porque, revelando conhecimento direto dos factos, depuseram com isenção e objetividade, ao contrário quer do 2º Autor quer da testemunha DD. No fundo, o que faz a recorrente é contrapor a sua própria avaliação da prova produzida à avaliação que fez o tribunal e pretendem que seja a sua a prevalecer. Quando o tribunal de recurso empreende o reclamado “exercício crítico substitutivo” da decisão da primeira instância (que pode implicar a sobreposição, ou mesmo, se for caso disso, a substituição, com assento nas provas indicadas pelos recorrentes), tem de ter presente que, se não se exige um erro notório, ostensivo na apreciação da prova para que a Relação deva proceder à alteração, também não basta que as provas, simplesmente, permitam, ou até sugiram, conclusão diversa daquela que foi a conclusão probatória a que se chegou na primeira instância. Acontece que, os depoimentos das citadas testemunhas que, ainda que por via indireta, não deixam de ter interesse num desfecho favorável na lide, atenta a influência que pode vir a ter no aumento do prémio de seguro, decorrente da total responsabilidade que lhe possa ser imputada na produção do sinistro, sem qualquer outro elemento objetivante e adjuvante não impõem decisão diversa da recorrida relativamente aos pontos factuais 10. e 11. da resenha dos factos provados. E confrontados estes depoimentos com o da testemunha DD, também a convicção deste tribunal tem forçosamente que se ancorar neste depoimento, no segmento referente à dinâmica que presidiu à colisão entre as duas viaturas. Na verdade, em primeiro lugar trata-se de um completamente desinteressado sem ligação pessoal ou outra a qualquer dos condutores das viaturas em questão. Por outro lado, estamos perante um depoimento circunstanciado, pois que, seguia atrás e no mesmo sentido que a viatura MN muito tempo antes da colisão ter ocorrido, tendo referido que a condução errática do seu condutor lhe chamou a atenção, por estar constantemente a travar e invadir a faixa de rodagem contrária, tendo mesmo deixado maior distância entre os veículos. Curiosa é também a explicação dada pela testemunha em causa relativamente ao tipo de condução que o condutor vinha imprimindo ao MN antes da colisão, referindo que, ou era pessoa nova com pouca experiência de condução, ou então tratava-se de uma condução com álcool. * Como assim, os pontos 10. e 11. dos factos provados devem permanecer no elenco dos factos provados com a mesma redação.* Os factos provados 15., 16., 17. e 18., apresentam a seguinte redação:“15. O condutor do veículo automóvel ..-..-PC podia e devia ter-se abstido de circular na via aos “ziguezagues” e de guinar o veículo por si conduzido para a faixa contrária de rodagem. 16. Por outro lado, tendo conduzido após a ingestão de bebidas alcoólicas, podia e devia ter tomado consciência do perigo de conduzir nesse estado e rodear-se de cuidados redobrados e especialmente acrescidos. 17. Mas antes agiu com manifesta desatenção e imperícia. 18. Assim dando causa ao aludido embate entre as viaturas.” Alega a apelante que os citados pontos encerram conclusões e não factos. E assim é de facto. O artigo 607.º, nº 4 do CPCivil[7] dispõe que na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência. No âmbito do anterior regime do Código de Processo Civil, o artigo 646.º, nº 4 do CPCivil, previa, ainda, que: têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documento, quer por acordo ou confissão das partes”. Esta norma não transitou para o atual diploma, o que não significa que na elaboração da sentença o juiz deva atender às conclusões ou meras afirmações de direito. Ao juiz apenas é atribuída competência para a livre apreciação da prova dos factos da causa e para se pronunciar sobre factos que só possam ser provados por documento ou estejam plenamente provados por documento, admissão ou confissão. Compete ao juiz singular determinar, interpretar e aplicar a norma jurídica (artigo 607.º, nº 3 do CPCivil) e pronunciar-se sobre a prova dos factos admitidos, confessados ou documentalmente provados (artigo 607.º, nº 4). Às conclusões de direito são assimiladas, por analogia, as conclusões de facto, ou seja, “os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados e exprimindo, designadamente, as relações de compatibilidade que entre eles se estabelecem, de acordo com as regras da experiência“[8]. Antunes Varela considerava que deve ser dado o mesmo tratamento “às respostas do coletivo, que, incidindo embora sobre questões de facto, constituam em si mesmas verdadeiras proposições de direito“[9]. Em qualquer das circunstâncias apontadas, confirmando-se que, em concreto, determinada expressão tem natureza conclusiva ou é de qualificar como pura matéria de direito, deve continuar a considerar-se não escrita porque o julgamento incide sobre factos concretos. * Desta forma, eliminam-se os citados pontos factuais da resenha dos factos provados. * O ponto 25. dos factos provados tem a seguinte redação:“Também por força do acidente, o Autor ficou com os seguintes objetos inutilizados: uns óculos de visão de valor não concretamente apurado e um telemóvel de valor não concretamente apurado”. Propugna a apelante que tal ponto devia ter sido dado como não provado. Como se evidencia da motivação da decisão atrás transcrita, sobre este conspecto, o tribunal recorrido valorou apenas as declarações de parte do 2ª Autor. Na petição inicial é afirmado a este propósito o seguinte: “Aquando do acidente e em consequência dele, este Autor ficou com os seguintes objetos inutilizados: - Uns óculos de visão no valor de € 900,00; - um telemóvel no valor de € 400,00” (cfr. artigo 38º da p.i). Já nas suas declarações de parte, gravadas entre os minutos 7:40 e 9:24, o 2º Autor afirma que perdeu os óculos e o telemóvel. Ora, são realidades diferentes. Com efeito uma coisa é afirmar-se que os citados objetos ficaram inutilizados, outra coisa, completamente distinta, é dizer-se que os mesmos desapareceram. Se os objetos em causa tivessem ficado inutilizados, como o Autor afirma na petição inicial, a sua prova estava facilitada, pois que, bastaria, para o efeito, juntar uma fotografia dos mesmos. Já não assim, quando se declara que desapareceram. Ainda assim, se o 2º Autor usa (va) óculos na sua condução bastava que tivesse junto uma cópia da carta de condução onde esse adereço é obrigatório constar. Para além disso, também não juntou qualquer fatura referente à sua aquisição, sendo que certo que, mesmo a admitir-se que já não tinha na sua posse tais elementos dado o tempo, entretanto decorrido, por referência ou ao momento da sua aquisição, sempre podia pedir no estabelecimento onde adquiriu tais objetos uma segunda via das respetivas faturas ou, não sendo isso possível, um comprovativo do histórico onde constasse essa aquisição, pois que, nos termos do artigo 52.º do CIVA “Os sujeitos passivos são obrigados a arquivar e conservar em boa ordem durante os 10 anos civis subsequentes todos os livros, registos e respetivos documentos de suporte, incluindo, quando a contabilidade é estabelecida por meios informáticos, os relativos à análise, programação e execução dos tratamentos”. * Diante do exposto torna-se evidente não o ter o 2ª recorrido feito prova do citado ponto factual, razão pela qual se elimina da resenha dos factos provados.* Pretende depois a apelante que sejam aditados aos factos provados os seguintes pontos:“-Nas circunstâncias de tempo e de lugar em que ocorreu o acidente, o condutor do veículo AD-30-MN circulava a velocidade não superior a 40 km/hora; -O condutor do veículo PC invadiu a via de circulação afeta ao sentido ...-...; - O embate entre os veículos PC e AD ocorreu na via de circulação afeta ao sentido ...–...”. No que se refere à velocidade MN já acima nos pronunciamos aquando da análise da impugnação do ponto 9. do elenco dos factos provados e, como tal, valem aqui, mutatis mutandis, as mesmas considerações. Relativamente aos restantes pontos os mesmos já constam da resenha dos factos não provados, embora não exatamente com a mesma redação (cfr. pontos 9., 14. e 15. dos factos não provados). Acontece que, relativamente ao local de embate, existem versões contraditórias. Efetivamente nas suas declarações de parte o 2º Autor diz que guinou para a esquerda, invadindo a faixa de rodagem contrária por onde circulava. Também o condutor do MN e a sua esposa que seguia nessa mesma viatura, afirmam que o embate ocorreu na via em que seguia esta viatura, tendo também sido esse o local provável do embate assinalado no croqui elaborado pela GNR. Já a testemunha DD, afirmou perentoriamente quem o embate se deu na faixa de rodagem por onde circulava o PC. Efetivamente, quando confrontando pelo ilustre mandatário da apelante sobre a posição dos veículos após o embate (o MN ficou completamente imobilizado dentro da sua faixa de rodagem e o PC parte na sua faixa e parte na faixa de rodagem contrária), por antes ter afirmado que o embate se deu na faixa de rodagem por onde circulava o PC, explicou de forma, que poderia ser plausível (com o embate o MN fez ricochete e PC descaiu ligeiramente), a razão desse posicionamento, voltando depois novamente a afirmar, de forma convicta, que o embate se deu na faixa de rodagem por onde circulava o PC. Importa, porém, ter em consideração que o acidente se deu no dia 31 de julho de 2022, cerca das 00:40 horas, ou seja, de noite, sem que venha provado nos autos que o local é suficientemente iluminado. Ora, nestas circunstâncias de visibilidade e tendo em conta que a testemunha DD seguia atrás do MN, pode esta testemunha ter tido a perceção de que o embate se deu na faixa por onde circulava o PC. A verdade é que o próprio 2º Autor admite que guinou para a esquerda e invadiu a faixa de rodagem contrária onde acabou por acontecer o embate, referindo mesmo que “correu mal” essa sua manobra, ao pensar que que com ela evitaria o embate por ter tido a perceção que o MN vinha em contramão. Versão essa que é corroborada pele condutor do MN e a sua esposa, bem como pelo croqui elaborado pela GNR. Aliás, perscrutando as imagens juntas pela apelante com a sua contestação delas é possível inferir, pela posição dos veículos após o embate (o PC ocupa parte da faixa de rodagem contrária e o MN está completamente dentro da sua faixa de rodagem), os vestígios deixados pelas viaturas no pavimento (todos concentrados na parte central da via) e ainda os danos verificados e ambas as viaturas (lado esquerdo frontal, sendo que, se o embate tivesse ocorrido na faixa do PC e face ao desvio para o lado esquerdo desta viatura, os danos por ela sofridos estariam, maioritariamente, concentrados do lado direito), ficamos com a convicção de que, efetivamente, o embate se deu na faixa de rodagem do MN. * Como assim, aditam-se aos factos provados os seguintes pontos:-O condutor do veículo PC invadiu a via de circulação afeta ao sentido ...-...; - O embate entre os veículos PC e AD ocorreu na via de circulação afeta ao sentido ...–...”. Eliminando-se, por lógica implicância, os pontos 9., 14. e 15. dos factos não provados. * Para além disso e tendo por base o depoimento da testemunha DD, as declarações de parte do 2º Autor e o inda o depoimento da testemunha EE, perito averiguador da Ré, impõem-se igualmente a alteração da redação do ponto 13. pela forma seguinte:“13. O condutor do veículo de matrícula ..-..-PC perante a condução imprimida ao AD-..-MN pelo seu condutor referida no ponto em 10., no momento da aproximação do mesmo, guinou para o lado esquerdo atento o seu sentido de marcha”. * Procedem, desta forma, em parte, as conclusões 3ª a 31ª formuladas pela apelante eliminando-se, assim, do elenco dos factos provados os pontos 15. a 18. e 25. e alterando-se a redação dada ao ponto 13..* A segunda questão que vem colocada no recurso prende-se com:b)- saber se a subsunção jurídica do quadro factual que nos autos resultou assente se encontra, ou não, corretamente feita. Como se evidencia da decisão recorrida nela se imputou a responsabilidade total na produção do sinistro à conduta rodoviária do condutor da viatura MN. Acontece que, face à alteração do elenco dos factos provados nos moldes acima decididos, tal entendimento não se pode manter. É certo que antes da ocorrência do embate o MN fazia uma condução errática e muitas vezes em contravenção ao estatuído no artigo 13.º, nº 1 do Código da Estrada, pois que, invadiu, por várias vezes, na sua condução, a faixa de rodagem destinada à circulação em sentido contrário, por onde seguia o PC (cfr. pontos 10. e 13. dos factos provados). Todavia, antes e no momento do embate tal contravenção não se verificava, já que o MN seguia pela metade direita da faixa de rodagem atento o seu sentido de marcha, tendo sido o PC a cometer essa contravenção quando guinou para o lado esquerdo invadindo a faixa de rodagem do MN, onde acabou por ocorrer o sinistro. Mas será então que a responsabilidade do acidente se deveu a culpa exclusiva do condutor PC? Analisando. Vem provado que: “- (…) antes do embate o segundo Autor conduzia o veículo automóvel ..-..-PC pela sua mão de trânsito; - Quando, nada o fazendo prever, é confrontado com o veículo automóvel ..-..-PC, que conduzia aos “ziguezagues”, ocupando, por mais do que uma vez, a faixa de rodagem contrária, em que circulava o veículo ..-..-PC; - O condutor do veículo de matrícula ..-..-PC perante a condução imprimida ao AD-..-MN pelo seu condutor referida no ponto em 10., no momento da aproximação do mesmo e pensando que seguia pela sua faixa de rodagem, guinou para o lado esquerdo atento o seu sentido de marcha” (cfr., respetivamente, pontos 10., 11. e 13. da resenha dos factos provados). Ora, se bem que a conduta do PC descrita em 13. dos factos provados se não possa considerar uma manobra de salvamento (manoeuvre de Sauvetage)[10] por não se verificarem os seus pressupostos, pois que, a deriva do PC para o seu lado esquerdo apenas putativamente pode ser considera como tal, não se pode ignorar que tal manobra acaba por ser decorrência da condução errática e contravencional que o condutor imprimia ao MN antes do embate e que, de certa forma, portanto, a precipitou funcionando como sua causa indireta. * Por isso se nos afigura adequado, em sede de repartição das culpas, atribuir a ambos os intervenientes no acidente o mesmo grau de responsabilidade, fixando a respetiva culpa concorrente em 50% para cada um deles.* Fixa a responsabilidade para a produção do sinistro nos termos descritos, cumpre agora analisar as restantes que postas a nível de subsunção jurídica pela apelante.* -A questão dos danos não patrimoniaisComo se evidencia da decisão recorrida foi fixado, a esse nível, o montante de € 1.000,00. Contra a fixação deste valor insurge-se a recorrente, para quem deve ser fixado, sob esse conspecto uma compensação que não exceda os € 500,00. O artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil dispõe: “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. Daqui resulta, indubitavelmente, que a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais é limitada àqueles “que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. Para além disso tal gravidade deve medir-se por padrões objectivos[11] em face das circunstâncias de cada caso, tendo presente que eles emergem directa e principalmente da violação da personalidade humana, não integrando propriamente o património do lesado, antes incidindo em bens como a vida, a saúde, a liberdade, a honra, o bom nome e a beleza, abrangendo vários danos como os derivados de receios, perturbações e inseguranças, causados pela ameaça em si mesma, e que o seu ressarcimento resulta directamente da lei, assumindo uma função essencialmente compensatória, embora sob a envolvência de uma certa vertente sancionatória.[12] Por outro lado, a apreciação da gravidade do referido dano, embora tenha de assentar, como é natural, no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana. Compreende-se, por isso, que “os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais”.[13] Não quer isto dizer, como explica ainda Antunes Varela[14], que os danos não patrimoniais não devam ser atendidos noutros casos [para além da morte da vítima] (nomeadamente quando haja ofensas corporais, violação dos direitos de personalidade ou do direito moral do autor), mas logo deixa transparecer [o nº. 2 do art. 496.º do CCivil] o rigor com que devem ser seleccionados os danos não patrimoniais indemnizáveis. Por outro lado, importa ter presente que na determinação do quantum indemnizatório do dano não patrimonial, a lei aponta como directriz uma valoração casuística orientada por critérios de equidade (artigo 494.º do Código Civil). Mas a afirmação de que o montante da indemnização do dano não patrimonial é fixado equitativamente (artigo 496.º, n.º 4, 1.ª parte do Código Civil) não quer dizer livre arbítrio, inexistência de critérios a que o juiz, nessa tarefa delicada, deva atender. É quase um lugar-comum dizer que na fixação da indemnização por danos não patrimoniais o tribunal deve respeitar as “regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida” e, por outro, os padrões usados–em casos similares–pelos tribunais superiores. Postos estes breves considerandos, desçamos ao caso concreto dos autos. Nos autos não vem questionada a circunstância de que os danos não patrimoniais peticionados pelo Autor merecem a tutela do direito, sendo o dano e a sua gravidade, revelada na amplitude e intensidade do sofrimento suportado pela vítima o parâmetro fundamental a considerar, pois é precisamente esse sofrimento que se pretende compensar através da indemnização. A compensação deve, então, ser proporcional à gravidade do dano, apreciada objectivamente, não sendo de acolher pretensões manifestamente excessivas, mas também excluindo tendências banalizadoras dos valores e interesses morais, como a saúde, a integridade física, o bem-estar, etc., que se pretende defender. Com relevância para apreciação da questão colocada vem provado nos autos que: - por força do acidente o Autor AA ficou encarcerado na viatura que conduzia; - Na sequência, foi transportado por ambulância para o Hospital ... no Porto, onde foi assistido na urgência; - No hospital realizou vários exames ao tórax, à coluna dorsal, de gasometria, Tc crânio, grelha costal, coluna lombar, bacia, coluna cervical e ecografia ao abdómen superior; - Sofreu lesões na zona da face, peito e joelho, sentiu dores, angústias e sofrimento” (cfr. pontos 22. a 24. e 27. dos factos provados). * Como assim, sopesando o quadro factual supra parece-nos justo e equilibrado o montante de € 1.000,00 fixado pelo tribunal recorrido sob pena de se cair num miserabilismo indemnizatório que urge combater.* Destarte, procedem assim, em parte, as conclusões 32ª a 50ª formuladas pela recorrente.* IV-DECISÃOPelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta parcialmente procedente por provada e, consequentemente, alterando-se a decisão recorrida, condena-se a Ré Companhia de Seguros B..., S.A.; a)- a pagar à Autora A... Unipessoal, Lda. a quantia de € 2.995,00 (dois mil novecentos e noventa e cinco euros correspondente a metade do valor do veículo antes do sinistro (7.400,00 €), deduzido do valor do respetivo salvado (1.410,00 €), acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da citação e até efetivo e integral pagamento; b)- a pagar ao Autor AA a quantia de € 500,00 correspondente a metade do valor da quantia fixada a titulo de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da citação e até efetivo e integral pagamento. * No mais vai a Ré absolvida.* Custas por apelante e apelados na proporção do respetivo decaimento (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).* Porto, 06 de maio de 2024.Manuel Domingos Fernandes Fátima Andrade José Eusébio Almeida _____________ [1] Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348. [2] Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, processo n.º 1965/04.9TBSTB.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt. [3] Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, processo n.º 3931/03.2TVPRT.S1, disponível em www.dgsi.pt. [4] In Recursos em Processo Civil Novo Regime, 2.ª edição revista e actualizada pág. 297. [5] A.S. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”; Almedina, 5.ª edição, 169. [6] Importa lembrar que no preâmbulo do Dec. Lei n.º 39/95, de 15 de fevereiro (pelo qual foi introduzido o segundo grau de jurisdição em matéria de facto) o legislador fez constar que um dos objetivos propostos era “facultar às partes na causa uma maior e mais real possibilidade de reação contra eventuais (…) erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante para a solução jurídica do pleito (…)” (negrito e sublinhados nossos). [7] No que diz respeito aos factos conclusivos cumpre observar que na elaboração do acórdão deve observar-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º CPCivil aplicáveis ex vi artigo 663.º, nº 2 do mesmo diploma legal. [8] José Lebre de Freitas e A. Montalvão Machado, Rui pinto Código de Processo Civil–Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, pág. 606. [9] Antunes Varela, J. M. Bezerra, Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição Revista e Atualizada de acordo com o DL 242/85, S/L, Coimbra Editora, Lda. 1985, pág. 648. [10] Dario Martins de Almeida in Manuel dos Acidente de Viação, Almedina, 3ª Ed, págs. 524 e ss. carateriza tal manobra do seguinte modo: “(…) toda a manobra pela qual um condutor a quem é imposta uma situação de perigo para a sua vida, manifesto e iminente, cede in extremis a um impulso de auto defesa para minimizar um prejuízo já inevitável ou para se furtar a ele, preferindo por isso entrar em transgressão às regras do trânsito ou causar porventura um dano a outrem, desde que, instintivamente, tenha esse dano por coisa menos grave do que ser atropelado”. Assinala este autor que esta figura aparece inserida no mecanismo do estado de necessidade-“para salvar interesses ou valores em perigo ou ameaçados, o seu titular vai ao ponto de sacrificar os interesses alheios tutelados pela ordem jurídica e vai ao ponto de assumir uma conduta cuja tipicidade é de origem criminal ou contravencional”. E acrescenta, citando Eduardo Correia, que “a forma justificadora de tal princípio impõe-se logo que se verifique a adequação da conduta para salvar o bem jurídico em perigo, independentemente de o resultado desejado ser ou não atingido”. [11] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, volume I, 3.ª ed., pág. 473. [12] Cfr. Rabindranath V. A. Capelo de Sousa in O Direito Geral de Personalidade, págs. 458 e 459, e acórdão do STJ de 22/9/2005, proferido no processo n.º 05B2470, disponível em www.dgsi.pt. [13] Cfr. Antunes Varela, obra citada na nota 11 e mesma página. [14] In Das Obrigações em Geral vol. II págs. 628/629. |