Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ISOLETA DE ALMEIDA COSTA | ||
Descritores: | CHEQUE APRESENTAÇÃO A PAGAMENTO REVOGAÇÃO DO CHEQUE | ||
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Nº do Documento: | RP202411211877/23.7T8PVZ.P1 | ||
Data do Acordão: | 11/21/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA PARCIAL | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Decorre do artigo 32º § 2 da LUCH que o cheque deve ser pago se, apresentado a pagamento durante o prazo de oito dias fixado no artigo 29º, do mesmo diploma e, pode ser pago depois de decorrido esse prazo, desde que não tenha sido revogado, isto é, desde que o banco sacado não receba instruções em contrário. II - A simples revogação do cheque tem efeitos após aquele prazo de oito dias de apresentação do cheque a pagamento, sendo indevido em tal caso o seu pagamento. III - É irrelevante o momento em que a revogação ocorre. IV - A existência de justa causa para a eficácia da revogação do cheque, de acordo com o AUJ 4/2008, de 28.02.2008, publicado no DR n.º 67, Série I, de 4.04.2008, só é indispensável para a situação em que o cheque é apresentado a pagamento dentro do prazo de oito dias, previsto no artigo 29º da LUCH. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo: 1877/23.7T8PVZ.P1 Sumário (artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil) ……………………………… ……………………………… ……………………………… ACORDAM OS JUIZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO. “A... Unipessoal Lda.” intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra Banco 1... pedindo a condenação da ré a: Pagar à Autora o montante de € 9000,00 (nove mil euros), a despesa de € 50,00 (cinquenta euros), desde 5/12/2021 acrescidos de juros à taxa civil até efetivo e integral pagamento, computados à data da pi em € 717,06, pela recusa da revogação do cheque ou se assim não se entender pela reapresentação indevida do cheque a pagamento ao contrário das instruções do beneficiário, tendo enriquecido sem causa. Alegou (ao que interessa) que, através do seu gerente, A..., emitiu o cheque nº ..., com o montante de € 9.000,00, com a data de 05/12/2021 tendo no dia 30 de novembro de 2021, apresentado junto da Banco 1..., Balcão ... – Vila do Conde, uma ordem de revogação do cheque supra referido por vício na formação da vontade. Este cheque em 06 de dezembro de 2021 foi devolvido na compensação, por mandato do Banco sacado, com o fundamento “falta de provisão”. Tendo permanecido na posse do Banco, e por sua iniciativa sem informação prévia à beneficiária sobre a decisão de reapresentação do cheque, foi reapresentado a pagamento em 29 de dezembro de 2021, tendo sido pago. Em 06 de dezembro de 2021 foi debitada na conta da autora as despesas de devolução no montante de € 50,00 relativas aos dois cheques. Regularmente citada, a ré contestou a ação, PERCORRIDA A TRAMITAÇÃO LEGAL FOI PROFERIDA SENTENÇA QUE JULGOU A AÇÃO IMPROCEDENTE. É A SEGUINTE A FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO QUE CONSTA DA SENTENÇA. Factos provados (ao que interessa): 1 e 2. A sociedade “A... Unipessoal Lda.” no exercício da sua atividade comercial declarou comprar um veículo automóvel à sociedade “B... Lda.”, que declarou aceitar vender, pelo preço de € 18.500,00 (dezoito mil e quinhentos euros) para ser entregue em Outubro. (…) 4. Para pagamento a autora, através do seu gerente, A..., emitiu o cheque nº ..., com o montante de € 9.000,00, com a data de 05/12/2021 (…), sacado da Banco 1..., conta de depósitos à ordem n.º ..., preencheu, subscreveu e entregou-o à ré, em Setembro de 2021. 5. O veículo automóvel não foi entregue. 6. A autora solicitou a devolução dos cheques à ré. 7. O gerente da sociedade “B..., Lda.” deixou de atender o telefone e não entregou qualquer cheque. 8. O gerente da autora apresentou uma queixa na P.S.P. em 16 de novembro de 2021, na qual consta “que no dia 14 de setembro de 2021, cerca das 12h30, preencheu e assinou devidamente os referidos cheques, pré datados, para a aquisição de uma viatura à empresa B..., Lda. (…) e entregou-os ao proprietário do stand, para pagamento da viatura. Salienta que a entrega da viatura deveria ter ocorrido no início do mês de Outubro do corrente ano, mas até ao momento não lhe foi entregue a viatura, nem os cheques devolvidos. Realça que o acusado está incontactável tanto via telefone como pessoalmente e que os cheques até ao dia de hoje ainda não foram postos à cobrança. Pelo descrito, sente-se enganado, pelo que solicita a suspensão do pagamento dos cheques. (…)”, nos termos constantes de fls. 12 verso a 13 cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido. 9. No dia 30 de novembro de 2021, a autora apresentou junto da Banco 1..., Balcão ... – Vila do Conde, uma declaração, na qual consta: “(…) emitiu no passado mês de Setembro os cheques nºs ... e ..., no montante de € 9.500,00 o primeiro e € 9.000,00 o segundo, sacados da Banco 1..., à ordem de “B... Lda.” (…) para a aquisição de uma viatura que lhe deveria ter sido entregue no início do mês de Outubro passado, no entanto, a viatura não lhe foi entregue e o sócio gerente de “B... Lda.” não mais lhe atendeu o telefone ou deu qualquer justificação, pelo que existiu vício na formação da vontade quanto ao negócio em causa. Mais declara a sociedade “A... Unipessoal Lda.” que pretende proceder à anulação dos supra referidos cheques. (…)”, nos termos constantes de fls. 13 verso cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido. (…) 14. O cheque n.º ..., no montante de € 9.000,00, em 06 de dezembro de 2021 foi devolvido na compensação, com o fundamento “falta de provisão”. 15. Em 06 de dezembro de 2021 foram debitadas na conta da autora as despesas de devolução no montante de € 50,00 relativas a dois cheques. (…) 17. O cheque n.º ..., no montante de € 9.000,00, não foi entregue à sociedade “B..., Lda.”, nem à autora. 18. O cheque n.º ..., no montante de € 9.000,00 foi reapresentado a pagamento em 29 de dezembro de 2021 e foi pago. 19. A ré não recebeu instruções da “B..., Lda.” para reapresentar o cheque. 20. A sociedade “B..., Lda.” cessou a atividade e não ressarciu a autora do montante de € 9.000,00. 21. A autora é cliente da ré, sendo titular da conta à ordem com o n.º ... sediada no balcão ... sito em Vila do Conde. 22. Em data posterior a 30 de novembro de 2021, a ré informou a autora que não seria possível satisfazer a sua pretensão, uma vez que o seu “pedido de revogação não encontrava sustentação legal”. (…) 24. O cheque n.º ..., no montante de € 9.000,00 foi emitido “não à ordem”. 1.2-Factos não provados 1.O referido em 6 dos factos provados aconteceu em meados/finais de Outubro de 2021. 2.O gerente da “B...”, AA informou o gerente da autora que os cheques tinham sido descontados numa conta de pré-datados na Banco 1... e que precisava de algum tempo para os retirar. 3. O cheque n.º ..., no montante de € 9.000,00 foi reapresentado, por iniciativa do Banco, que não informou a “B..., Lda.” sobre a decisão de reapresentação do cheque. 4. A sociedade “B..., Lda.” tinha acordado com a autora entregar-lhe o cheque devolvido. 5. A sociedade “B..., Lda.” solicitou à ré a entrega do cheque n.º ..., no montante de € 9.000,00. 6. Tendo conhecimento das dificuldades financeiras da sociedade “B..., Lda.”, e da conta negativa na altura, a ré reapresentou o cheque a pagamento, quando a conta do sacador estava provida de fundos, sabendo que o cheque seria pago e para regularizar a conta daquela sociedade, que se encontrava a descoberto. DESTA SENTENÇA APELOU A AUTORA TENDO FORMULADO AS SEGUINTES CONCLUSÕES São pontos incorretamente julgados Ponto 3) dos factos dados como não provados: “O cheque n.º ..., no montante de € 9.000,00 foi reapresentado, por iniciativa do Banco, que não informou a “B..., Lda.” sobre a decisão de reapresentação do cheque”. Há contradição entre o ponto 19 dos factos provados com o seguinte teor “A ré não recebeu instruções da “B..., Lda.” para reapresentar o cheque” e o ponto 3 dos factos não provados. Requereu a alteração de não provado para provado do ponto 4 dos factos não provados com o seguinte teor: “A sociedade “B..., Lda.” tinha acordado com a autora entregar-lhe o cheque devolvido” Sustenta a sua posição no depoimento do representante legal da B... e do representante legal da Autora, cujos excertos identifica. Adita ainda a denuncia apresentada em 16/11/2021 na PSP e um declaração da sua autoria apresentada junto da ré as quais formadas nos factos provados 8 e 9 No mais sustenta nas conclusões do seu recurso que: A revogação deveria ter sido aceite por haver justa causa, nos termos do artigo 32.º da LUCH. O Banco a negar ilicitamente a revogação dos cheques, causou danos ao sacador e deve ser responsabilizado por isso. Assim, deve a Ré ressarcir a Autora relativamente ao prejuízo causado, nomeadamente no que tange ao montante do cheque indevidamente creditado à autora, e do custo da taxa pelo devolução por falta de provisão por reapresentação indevida. A Ré deveria ter aceite a revogação do cheque, e se assim não se entendesse não tinha legitimidade para reapresentar o cheque a pagamento e entregá-lo ao beneficiário, (…) pelo que o seu pedido deve ser procedente e o Banco ser condenado a reembolsar do montante requerido. O Banco recorrido sustentou o acerto da sentença Nada obsta ao mérito O OBJETO DO RECURSO O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil). Atentas as conclusões da recorrente as questões a decidir são as seguintes: 1- Apreciar a impugnação da matéria de facto. 2- Conceito do cheque. Requisitos. Apresentação a pagamento. Prazos. Revogação do cheque. Momento. Forma. Efeitos. Responsabilidade Civil. Obrigação de Indemnizar. O MÉRITO DO RECURSO FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO: Dá-se aqui por reproduzida a fundamentação supra I IMPUGNAÇAO DA MATÉRIA DE FACTO: I.1 Sustenta a apelante haver contradição entre os pontos 19 da matéria de facto provada e o ponto 3 da matéria de facto não provada. São do seguinte teor estas formulações: Ponto 19 dos factos provados: “A ré não recebeu instruções da “B..., Lda.” para reapresentar o cheque” Ponto 3 dos factos não provados: “O cheque n.º ..., no montante de € 9.000,00 foi reapresentado, por iniciativa do Banco, que não informou a “B..., Lda.” sobre a decisão de reapresentação do cheque”. Requer a alteração de não provado para provado do ponto 4 dos factos não provados com o seguinte teor: “A sociedade “B..., Lda.” tinha acordado com a autora entregar-lhe o cheque devolvido” APRECIANDO: A presente ação funda-se na responsabilidade civil da ré pelos danos ocorridos na esfera da autora decorrentes da apresentação a pagamento, de cheque, revogado pelo sacador, depois do prazo legal de oito dias estabelecido no artigo 29º da LUCH. A causa de pedir em face do regime normativo aplicável as relações entre o banco sacado e o tomador/beneficiário do cheque. é por consequência (i) a apresentação a pagamento, pelo banco, do cheque (ii) a data da emissão de cheque (iii) prazo de apresentação do cheque a pagamento (iv) a revogação (v). Não se encontra no círculo delimitado da causa de pedir ou de qualquer exceção a relação entre a beneficiária/tomadora do cheque com a sacadora ou com o banco sacado. É por consequência para aqui indiferente a matéria de facto que vem aqui impugnada, pois tanto da prova como da não prova da mesma não se retira qualquer consequência para a solução a dar ao recurso. I.1.1 A impugnação da decisão de facto é um meio ou um instrumento que a lei adjetiva coloca funcionalmente ao dispor do Recorrente destinando-se esta a atingir a alteração do sentido decisório acolhido pelo Tribunal de 1ª instância e a consequente procedência, total ou parcial, do recurso por si interposto. A impugnação da decisão de facto não pode ser vista de forma autónoma e independente face ao resultado que o Recorrente visa alcançar através do recurso e, nesse contexto, desligada do quadro jurídico aplicável ao concreto litígio em causa, sendo certo que o Tribunal não visa, através da sua atividade jurisdicional, resolver dúvidas ou problemas abstratos ou teóricos, mas, de forma pragmática, resolver um concreto litígio em face das específicas regras de direito que se lhe mostrem aplicáveis. Por conseguinte, não há lugar à reapreciação da matéria de facto, nos casos em que aquela impugnação se dirige a factualidade irrelevante para a decisão a proferir, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente ou inútil. Na mesma senda, Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, 2ª edição, 2008, pág. 297-298. refere que “a Relação deve (…) abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum com a solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados.” É este o entendimento uniforme da jurisprudência dos tribunais superiores, neste sentido, por todos, AC STJ de 17.05.2017, relator FERNANDA ISABEL PEREIRA, AC RC de 27.05.2014, relator MOREIRA do CARMO, AC RP de 19.05.2014, relator CARLOS GIL, AC RP de 7.05.2012, relator ANABELA CALAFATE e AC RC de 24.04.2012, relator A. BEÇA PEREIRA, TRG de 9.04.2015 (ANA CRISTINA DUARTE), 4649/11.8TBBRG.G; e deste Tribunal da Relação de 24-02-2022 (deste Coletivo de Juízes) 276/20.7T8AVR-A.P1, e 15.12.2021(JORGE SEABRA) pr 1442/20.0T8VNG.P1 todos disponíveis in www.dgsi.pt. Como esclarece o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14.07.2021, processo n.º 65/18.9T8EPS.G1.S1, o “que se pretende é que, com o resultado da impugnação de facto, a parte que impugnou passe a ter ao seu dispor elementos capazes de influenciar a decisão de mérito, modificando-a, assim logrando obter um efeito juridicamente útil ou relevante (…) não há qualquer utilidade naquela impugnação da matéria de facto, pois o resultado a que se chegar (provado ou não provado) é sempre o mesmo: absolutamente inócuo”. Em conformidade com o exposto, por inútil, não se conhece deste segmento do recurso (artigo 130º do Código de Processo Civil) QUANTO AOS FUNDAMENTOS DE DIREITO. II. Conceito do cheque. Requisitos. Apresentação a pagamento. Prazos. II.1. Os cheques estão regulados quanto à emissão, pagamento, uso, natureza e forma, sua transmissibilidade por endosso, e prescrição de ações, pela Lei Uniforme Sobre Cheques (doravante LUCH), resultante das Convenções de Genebra de 7 de junho de 1930, aprovadas pelo DL 23721 de 29 de março de 1934 publicadas no Diário do Governo, 1ª série de 21 de junho de 1934. O Cheque é “uma ordem pura e simples dada por uma pessoa (o sacador) a um banco (o sacado) para que pague determinada quantia por conta da provisão bancária à disposição do sacador” A. Varella e outros Manual de Processo Civil 2ª ed pp 87. F Correia e A. Caeiro, in RDE 1978-457, apud Lei Uniforme Sobre Cheques, anotada Abel Pereira Delgado, Petrony Lda, 5ª ed pp 53, esclarecem que “o cheque é um título cambiário, à ordem ou ao portador, literal, formal, autónomo e abstrato contendo uma ordem incondicionada, dirigida a um banqueiro, no estabelecimento do qual o emitente tem fundos disponíveis, ordem de pagar à vista a soma nele inscrita”. Nos termos do artigo 3º da LUCH., o cheque é sacado sobre um banqueiro que tenha fundos à disposição do sacador e em harmonia com uma convenção expressa ou tácita, segundo a qual, o sacador tem o direito de dispor desses fundos por essa forma sendo válido apesar de ser nula ou inexistir a convenção de cheque e, por isso, sobrepõe-se naturalmente ao conteúdo da eventual relação que possa existir entre o banco e o seu cliente (artigo 3º in fine). II.1.1. Tem como requisitos formais os enunciados no artigo 1º (nºs 1 a 6) da LUCH a saber: (i) conter a palavra cheque inserta no próprio texto do titulo; (ii) o mandato puro e simples de pagar determinada quantia; (iii) o nome de quem deve pagar (sacado); (iv) a indicação do lugar em que o pagamento deve ser feito; (v) a indicação da data em que e do lugar em que o cheque é passado; (vi) a assinatura de quem passa o cheque (sacador). II.1.1.1. Trata-se de um titulo pagável à vista, ou seja, logo que seja apresentado a pagamento, considerando-se não escrita qualquer menção em sentido contrário (artigo 28º da LUCH). A indicação da data do cheque é requisito essencial, nos termos do artigo 1º, nº 5, da LUCH, mas a lei não proíbe, e, antes permite que o cheque seja passado e entregue ao portador com data de emissão posterior à da entrega, mas deve a provisão para o seu pagamento ser feita dentro do prazo de oito dias da data do cheque. O artigo 29º da LUCH estabelece que o cheque pagável no país onde foi passado deve ser apresentado a pagamento no prazo de oito dias, contados do dia indicado no cheque como data da emissão; equivalendo a apresentação do cheque a uma câmara de compensação à apresentação a pagamento (artigo 31º da LUCH). “Do confronto do artigo 28º com o artigo 29º da LUCH, depreende-se que o cheque pode deixar de ser pago na data da apresentação, se ainda não houver provisão do sacador, devendo então esperar-se que no prazo de oito dias da data do cheque se faça a provisão.” (Acórdão do STJ de 10-03-1944, in BMJ 4º -194 a 196 apud Lei Uniforme Sobre Cheques, anotada Abel Pereira Delgado, Petrony Lda, 5ª ed, pp 184. III. A revogação do cheque. III.1 A revogação de um cheque é uma decorrência normal do direito de sacar cheques, que envolve, em princípio, o livre exercício das diversas possibilidades conferidas aos cheques pela LUCH e, de igual modo de os revogar nas condições aí previstas. Como defende Paulo Olavo (“Cheque e Convenção de Cheque”, Almedina, 2009, pág. 579), “A revogação consiste, em regra, na cessação dos efeitos de um contrato por mútuo acordo, isto é, no ato pelo qual os contratantes manifestam a sua vontade em pôr termo à sua relação contratual, podendo, se quiserem, mas sem prejuízo de interesses e direitos de terceiros, atribuir-lhe efeito retroativo. Mas a revogação é uma expressão também utilizada, ainda que em sentido impróprio, para situações que se reconduzem essencialmente a casos de resolução, como acontece com a revogação do mandato (cfr. art. 1170.º, n.º 1 do Código Civil). E é precisamente com este significado que o termo revogação será utilizado (…), reconduzindo-se a uma instrução unilateral para não pagamento de um cheque que tenha sido emitido em benefício de (ou endosso) a terceiro. Neste caso, fala-se frequentemente de revogação unilateral, embora sem grande rigor, uma vez que os atos jurídicos devem ser revogados, em regra, por atos de idêntica natureza. E a unilateralidade do ato revogatório do cheque é compatível e consentânea com esta ideia. Assim, sendo a emissão do cheque, objetivamente e numa perspetiva puramente cambiária, um ato unilateral, faz todo o sentido que a revogação, a ser admissível, seja determinada unicamente pelo subscritor do cheque”. Quer isto dizer que, a comunicação dada pelo sacador ao sacado para não pagar o cheque, configura uma revogação do cheque. (cfr. neste sentido, o Ac. STJ de 13.07.2010, disponível em www.dgsi.pt.) “Trata-se da revogação do próprio cheque, em que o sacador, depois de o fazer entrar em circulação, dá ordem ao banqueiro para que não o pague – podendo alegar ou não razões para o fazer”. III.2 Revogação do cheque. Momento. Forma. Efeitos Quanto ao momento em que pode ter lugar a revogação do cheque, o Parecer da PGR de 17.10.1957, in BMJ 71º pp 539, é no sentido de que a revogação é admissível antes ou depois da expiração do prazo de apresentação; no entanto só produz efeitos depois do termo daquele prazo. O artigo 32º da LUCH estabelece que “a revogação do cheque só produz efeito depois de findo o prazo de apresentação. Se o cheque não tiver sido revogado, o sacado pode pagá-lo depois de findo o prazo”. “Era o sistema das leis alemãs e foi o que obteve vencimento na Conferência, com o acordo do representante de Portugal que, além disso, propôs, sem êxito, se acrescentasse, (…) de harmonia com o nosso direito então vigente – o art 14º do DL 13004 _ que o sacado ao recusar o pagamento, no decurso do prazo de apresentação, com fundamento em revogação responderia por perdas e danos (…) O artigo 32º da LUCH decreta a ineficácia da revogação do cheque durante o prazo de apresentação a pagamento, permitindo ainda que o sacado satisfaça a importância respetiva, esgotado aquele prazo e desde que não surja revogação. (ibidem, citado Parecer). III.2.1 Interpretando o normativo citado, o STJ, no AUJ n.º 4/2008, de 28.02.2008, publicado no DR n.º 67, Série I, de 4.04.2008, considerou “Uma instituição de crédito sacada que recusa o pagamento de cheque, apresentado dentro do prazo estabelecido no artigo 29.º da LUCH, com fundamento em ordem de revogação do sacador, comete violação do disposto na primeira parte do artigo 32.º do mesmo diploma, respondendo por perdas e danos perante o legítimo portador do cheque, nos termos previstos nos artigos 14.º, segunda parte, do Decreto n.º 13 004 e 483.º, n.º 1, do Código Civil.”. No seguimento, deste AUJ, firmou-se o entendimento da jurisprudência que aceita a recusa do pagamento do cheque dentro do prazo de oito dias se o sacador tiver ordenado a revogação do cheque com “justa causa” de que são exemplos os acórdãos de 29.04.2010 - proc. 4511/07.9TBLRA.C1.S1 – e de 12.10.2010 – proc. nº 2336/07.0TBPNF.L1.S1, 4.12.2014 – proc. nº 1024/10.5TVPRT.P1.S1 – e de 27.01.2015 – proc. nº 103/11.6TVLSB.L1.S1). todos in dgsi. Já não é assim findo o prazo de oito dias de apresentação do cheque a pagamento caso em que revogação pura e simples produz efeitos, pois, como expressamente decorre do art.º 32.º, § 2.º, da L.U.Ch., “depois de decorrido o prazo de apresentação a pagamento, o sacado pode pagar o cheque que não tenha sido revogado”. Como também é referido no citado AUJ n.º 4/2008, de 28.02.2008, entendimento diverso redundaria na irrelevância do prazo de apresentação a pagamento: na perspetiva do dever de pagar o cheque, o antes e o depois seriam equivalentes. No Ac. do STJ de 5/07/2001 C.J.-S.T.J., Ano IX, t. II, págs. 146 a 149 esclarece-se que: «(…) o art. 32.º da LUC é muito claro: “a revogação do cheque só produz efeito depois de findo o prazo de apresentação”. Portanto, enquanto não findar o prazo de apresentação a pagamento (que é de oito dias, contados da data aposta como de emissão: arts. 1.º, n.º 5 e 29.º da LUC), a revogação do cheque não é eficaz, o Banco sacado não pode recusar o pagamento (pelo motivo da revogação), porque fazê-lo seria dar efeitos a um ato que a lei diz que os não tem». Mas estamos aqui a falar da revogação simples que não se confunde com a existência de justa causa esta que veio a ser admissível como causa legitima de não pagamento mesmo dentro do prazo de oito dias conforme a jurisprudência do citado AUJ.. Justa causa para estes efeitos será o extravio, o roubo, a fraude a burla e outros casos de idêntica natureza. Diríamos assim (de acordo aliás com entendimento perfilhado no acórdão do TRG de TRG 11-01- 2018 (MARIA AMÁLIA SANTOS) 259/15.9T8VVD.G1 in dgsi) que o artigo 32º da LUCH: (i) não permite que o cheque seja revogado durante o prazo de apresentação a pagamento, salvo se houver justa causa; (ii) admite o pagamento do cheque, uma vez decorrido o prazo de apresentação a pagamento; (iii) impede o pagamento do cheque fora do prazo de apresentação se o cheque tiver sido entretanto revogado por uma simples ordem dispensando aqui a justa causa.. IV Dos autos. IV.1. É a seguinte a factualidade relevante: .i A autora emitiu o cheque nº ..., com o montante de € 9.000,00, com a data de 05/12/2021, sacado sobre o banco Banco 1... SA conta de d/o (ponto 4 da matéria de facto) ii No dia 30 de novembro de 2021, a autora apresentou junto da Banco 1..., Balcão ... – Vila do Conde declaração de que pretende proceder à anulação dos supra referidos cheques. (ponto 9 da matéria de facto) iii O cheque nº ..., no montante de € 9.000,00, em 06 de dezembro de 2021 foi devolvido na compensação, com o fundamento “falta de provisão”. (ponto 14 da matéria de facto) iv O cheque nº ..., no montante de € 9.000,00 foi reapresentado a pagamento em 29 de dezembro de 2021 e foi pago. (ponto 18 da matéria de facto). Aplicando o entendimento supra exposto a esta factualidade, resulta evidente que a apresentação do cheque a pagamento a 29 de dezembro de 2021, ocorreu já após os oito dias a que respeita o artigo 29º da LUCH, que se contam a partir da data da sua emissão (5/12/2021) o que significa que tal apresentação a pagamento só seria lícita se a autora não tivesse procedido à sua revogação IV.1.1 Como se referiu e decorre do artigo 32º § 2 da LUCH o cheque deve ser pago se apresentado a pagamento durante o prazo adequado para o efeito e pode ser pago depois de decorrido esse prazo, desde que não tenha sido revogado, isto é, desde que não receba instruções em contrário (sublinhado nosso). O sacador após a emissão do cheque e em qualquer momento, pode solicitar ao Banco que o mesmo não seja pago se não for tempestivamente apresentado a pagamento, sem ter para o efeito de invocar qualquer razão. Em tal caso basta a (revogação simples) que tem efeitos após aquele prazo de oito dias de apresentação do cheque a pagamento sendo indevido em tal caso o seu pagamento. A existência de justa causa (critério exigido na sentença recorrida para a não apresentação do cheque a pagamento) de acordo com o AUJ 4/2008, só é indispensável para a situação em que o cheque é apresentado a pagamento dentro do prazo de oito dias, não tendo, aqui, por tal razão cabimento. Sendo irrelevante o momento em que a revogação ocorreu. Donde que a conduta do banco réu demonstrada nos autos é ilícita, constituindo-o na obrigação de indemnizar, decorrente diretamente da violação do artigo 32º § 2 da LUCH e por isso extracontratual nos termos dos arts, 483º, 562º e 563º do C. Civil, uma vez que estão aqui presentes os respetivos requisitos (i). a prática de um facto voluntário do agente, (ii) ilícito (violador de um direito de outrem ou de disposição legal), (iii) a culpa, (iv) o dano e (v) o nexo causal entre o facto ilícito culposo e o dano. E isto, sem prejuízo de que, “ a chamada "convenção de cheque" constitui uma modalidade de mandato específico, sem representação, para a realização de atos jurídicos precisos: os inerentes ao pagamento de cheque.» A qualificação do mandato como conferido também no interesse do mandatário implicaria, atento o disposto no n.º 2 do artigo 1170.º citado, o afastamento do poder de revogação ad nutum, sem especificação das causas que o justificaria, exigindo-se o acordo do Banco, «salvo ocorrendo justa causa (…) porquanto “ a aplicabilidade dessa norma sempre seria de afastar, dado o carácter especial e imperativo da primeira parte do artigo 32.º da LUCH, prevalecente sobre a norma geral do artigo 1170.º do Código Civil” (Acórdão do STJ de 3-02-2005, processo 04B4382, apud AUJ 4/2008. Neste sentido o Acórdão deste TRP, de 21.12.1989, C.J., Ano XIV, t. V, pág. 213…” entende-se ser indevido o pagamento de um cheque, que foi revogado, após o prazo de apresentação, considerando-se que desse ato advém responsabilidade para o banco “ V A OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR. Basicamente, e conjugando o disposto no artigo 562º do CC com os artºs 483º nº1 (princípio geral da responsabilidade civil por factos ilícitos), e 563º (nexo de causalidade), o lesante tem de ressarcir os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão sendo tal ressarcimento a medida da obrigação de indemnizar. Em face dos factos provados a autora tem direito a ser ressarcidas pelo montante do cheque indevidamente creditado na sua conta a 29/12/2021 acrescido dos juros legais contados desde a citação (artigos 562º, 566º, 805º nº 3 e 806º todos do CC) Já não assim quanto às despesas de devolução do cheque apresentado a pagamento no dia 6/12/2021, porquanto estando em tal data a decorrer o prazo de oito dias do artigo 29º da LUCH a revogação apresentada pela autora por não configurar justa causa não produziu quaisquer efeitos em face do artigo 32 & 1 da LUCH e jurisprudência do AUJ 4/2008 Merece assim acolhimento parcial a pretensão da Recorrente SEGUE DELIBERAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO O RECURSO. REVOGADA EM PARTE A SENTENÇA, DECRETANDO-SE A CONDENAÇÃO DA RÉ A PAGAR À AUTORA Q QUANTIA DE 9.000,00 EUROS ACRESCIDA DE JUROS LEGAIS A CONTAR DESDE A CITAÇÃO E ATÉ EFETIVO PAGAMENTO. Custas pela ré (atenta a diminuta relevância em euros do decaimento da autora) Porto, 21 de novembro de 2024 Isoleta de Almeida Costa Paulo Dias da Silva Ana Luísa Loureiro |