Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7006/22.7T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
PROCESSO EXECUTIVO
USO INDEVIDO DA INJUNÇÃO
FALTA DE TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RP202406187006/22.7T8MAI.P1
Data do Acordão: 06/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O procedimento de injunção só pode ter por objeto o cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contrato, não comportando cumprimento de obrigações emergentes de outra fonte, designadamente derivada de responsabilidade civil.
II - O pedido processualmente admissível no procedimento de injunção será, pois, a prestação contratual estabelecida entre as partes cujo objeto seja em si mesmo uma soma de dinheiro e não um valor representado em dinheiro, ou seja, obrigações pecuniárias em sentido estrito.
III - Tendo a ora exequente, optado por recorrer ao procedimento de injunção para obter título executivo, cumulando pretensão por dívidas referentes a prestações pecuniárias emergentes de contrato com indemnização por incumprimento contratual, onde incluiu também a indemnização pelas despesas originadas com a cobrança da dívida, tal atuação manifestamente não é compatível com a natureza de tal procedimento, verificando-se “ab initio” um vício que constitui exceção dilatória inominada, inquinando todo o procedimento de injunção, designadamente a aposição da fórmula executória, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização.
IV - Tais vícios que inquinam o requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória, destroem a natureza de título executivo do mesmo, já que tal documento, por disposição especial, não lhe pode ser atribuída força executiva pretendida.
V - Estamos perante a falta de um pressuposto processual da ação executiva, isto é, a falta de título executivo, atenta a ilegalidade do título oferecido com o requerimento executivo, pelo que a presente execução não poderia ultrapassar a fase liminar porque, em sede execução, cujo título executivo é o requerimento injuntivo ao qual, embora ao arrepio da lei, tinha sido atribuída força executória, acarreta, pelo que acima se deixou consignado, necessariamente o indeferimento liminar da execução, nos termos dos art.ºs 726.º n.ºs 2 al. a) e 5 e 734.º, ambos do C.P.Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Processo n.º 7006/22.7T8MAI.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Execução de Valongo - Juiz 1
Recorrente – A..., S.A.
Recorrida – AA
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntos – Desemb. Alberto Eduardo de Paiva Taveira
Desemb. Artur Dionísio dos Santos Oliveira

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – A..., S.A. intentou no Balcão Nacional de Injunções procedimento de injunção contra AA pedindo a condenação desta no pagamento da quantia total de €1.067,87, sendo €810,78 de capital, €11,43 Juros de mora à taxa de: 7,00%, desde 04.11.2019 até ao presente, outras quantias €162,16 e taxa de justiça €76,50.

Citada a requerida, esta não procedeu ao pagamento nem deduziu qualquer oposição, e em consequência foi aposta fórmula executória a tal requerimento injuntivo.

A A..., S.A intentou no Tribunal Judicial da Comarca do Porto -
Juízo de Execução da Maia execução sumária contra AA tendo por base o referido título executivo pedindo o pagamento coercivo da quantia total de €1.475,16, acrescida de juros de mora contabilizados à taxa legal comercial desde a data de entrada da injunção, dos juros compulsórios e das quantias exigíveis.

O Juízo de Execução da Maia, julgou procedente a exceção dilatória da incompetência em razão do território e em consequência, declarou competente o Juízo de Execução de Valongo.

Remetidos os autos ao Juízo de Execução de Valongo, aí foi proferido o seguinte despacho: “Convida-se a exequente a vir esclarecer, dos valores que reclama e diz “dependente de simples cálculo aritmético”, quais os que respeitam às quantias exigíveis nos termos do art..º 33.º n.º 4 da L. 32/2014 e quais as que reclama ao abrigo do disposto no art.º 26.º n.º3 al. c) do RCP.
Mais deverá esclarecer, dos valores que reclama no procedimento de injunção, qual o que respeita à invocada cláusula penal.
Até que se mostre regularizado o processado deverá a Sr.ª AE abster-se da prática de qualquer ato”.

E posteriormente, foi proferido o seguinte despacho: “Concede-se ao Sr. AE o prazo de cinco dias para comprovar nos autos a notificação à exequente do despacho proferido em 11 de outubro.
Mais se alerta o Sr. AE para se abster da prática de qualquer outro ato até que se declare regularizado o processado, conforme já ordenado no despacho atrás referido”.

Face ao silêncio da exequente, foi proferida decisão de onde consta: “A..., S.A. veio requerer a presente ação executiva contra AA com vista ao pagamento da quantia de €1.475,16 e dando à execução um requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória e no qual reclama o pagamento de diversas faturas, entre elas a correspondente à “cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato”. Para além do valor aposto no requerimento de injunção, reclama ainda o pagamento da quantia de €414,29 que diz “dependente de simples cálculo aritmético” e que respeitam aos “juros de mora contabilizados à taxa legal comercial desde a data da entrada da injunção, dos juros compulsórios e das quantias exigíveis nos termos do art.º 33.º n.º 4 da L. 32/2014 de 30.5 (art.º 5.º Alínea c) vi) e vii) do mesmo diploma) e 26.º n.º 3 do RCP” e quais as que reclama ao abrigo do disposto no art.º 26.º n.º 3 al. c) do RCP.
Convidada a esclarecer, dos valores que reclama e diz “dependente de simples cálculo aritmético”, quais os que respeitam às quantias exigíveis nos termos do art.º 33.º n.º 4 da L. 32/2014 e quais as que reclama ao abrigo do disposto no art.º 26.º n.º3 al. c) do RCP, bem como, dos valores que reclama no procedimento de injunção, qual o que respeita à invocada cláusula penal, não acedeu a tal convite.
Como decorre do disposto no art.º 10.º n.º 5 do CPC a execução tem por base um título, pelo qual se determinam os fins e os limites da ação executiva. Os títulos executivos são os enumerados no art.º 703.º n.º 1 do referido diploma legal, entre eles os “documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva" (al. d).
Dispõe ainda o art.º 724.º do C.P.C. que no requerimento executivo o exequente, para além do mais: expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo (al. e)); formula o pedido (al. f)) e ilíquida a obrigação ... (al. h)).
Quando se instaure execução por obrigação que em face do título não resulte como certa, líquida ou exigível, deve o exequente promover as diligências necessárias a demonstrar a sua certeza e vencimento, nos termos previstos nos art.ºs 713.º a 715.º do C.P.C., nomeadamente, juntando aos autos os documentos complementares do título dos quais se retire a verificação daqueles requisitos (neste sentido pode ver-se Lopes Cardoso, Manuel da Ação Executiva, 3ª. Ed. Pág. 25).
Dispõe o art.º 186.º n.ºs 1 e 2 al. a) do C.P.C. que “É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial” sendo esta inepta “Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido e da causa de pedir”.
Por sua vez decorre do disposto no art.º 581.º n.º 4 do C.P.C. que a causa de pedir traduz-se na factualidade concreta da qual se faz derivar o efeito jurídico pretendido.
Estamos perante o vício da ineptidão por falta de causa de pedir quando não for alegada qualquer factualidade ou se apenas for alegado em abstrato a facti species configurada nas normas jurídicas aplicáveis.
Por sua vez a petição inicial é inepta por ininteligibilidade da causa de pedir quando os factos concretos alegados o sejam de uma forma que torne impossível a compreensão da sua textura. Nas palavras do Ac. da RL de 12/10/83, in CJ tomo IV, 198, “a ininteligibilidade geradora de ineptidão pressupõe a impossibilidade de saber a proveniência do direito invocado”.
A falta ou ininteligibilidade da causa de pedir pode ser sanada pela posterior intervenção do demandado, se da contestação do mesmo resultar que ele “interpretou convenientemente a petição inicial” – n.º 3 do referido art.º 186.º
O art.º 10.º n.º 2 al. d) do D.L. 269/98 de 1 de setembro diz que no requerimento de injunção "deve o requerente ... expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão".
Do conteúdo do requerimento injuntivo resulta que a exequente vem reclamar o pagamento do preço dos serviços prestados e a indemnização pelo incumprimento do período contratual acordado sem especificar o que respeita a uns a outra. E notificada para juntar as faturas referida no requerimento injuntivo, das quais se retiraria os concretos montantes cujo pagamento reclama, não o fez.
Não se confundindo a aposição da fórmula executória por falta de oposição com qualquer forma de ato jurisdicional, não fazendo, verdadeiramente, uma qualquer composição do litígio, incumbe ao exequente o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do seu direito substancial, ou seja, a celebração do contrato, a prestação do serviço e o vencimento da obrigação (para maiores desenvolvimentos pode ver-se Ac. T.Const. n.º 658/2006, Proc. n.º 292/06 (Cons. Paulo Mota Pinto), disponível em www.dgsi.pt), ónus esse que a exequente não cumpriu, não se sabendo, em rigor, que serviços foram prestados e quando, nem a que respeita o valor global reclamado, incluindo aquele que no requerimento executivo diz “dependente de simples cálculo aritmético”.
Como já referimos em cima, e decorre do disposto no art.º 186.º n.ºs 1 e 2 do CPC é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial sendo esta peça processual inepta quando “falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir” (al. a))., sendo a nulidade do processo uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que tem como consequência a absolvição da instância – art.ºs 577.º al. b), 578.º e 278.º n.º 1 al. b) do C.P.C.
Acresce que por força do disposto no art.º 7.º do DL n.º 269/98 de 1 de setembro (DL n.º 269/98 de 1 de setembro) que define a injunção como a “providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003 de 17 de fevereiro”, a mesma só pode ser utilizada quando se esteja perante transações comerciais nos termos do Decreto-Lei n.º 32/2003 de 17 de fevereiro (DL n.º 32/2003) e o cumprimento de obrigações pecuniárias
emergentes de contrato de valor não superior a 15.000 Euros.
Do requerimento de injunção dado à execução resulta que o mesmo foi intentado, pelo menos em parte, não para o cumprimento de obrigação emergente de contrato, mas, antes, para fazer valer direitos indemnizatórios concernentes à responsabilidade contratual inerente à alegada “cessação antecipada do contrato”.
Estamos, de facto, no âmbito da responsabilidade civil contratual por via do incumprimento que, como decorre do disposto no artigo 2.º c) do DL 32/2003, não pode ser exercida através do procedimento de injunção.
Em suma, estamos perante o uso indevido do procedimento de injunção o que configura erro na forma de processo.
Decorre do artigo 193.º do CPC que “o erro na forma de processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, de forma estabelecida na lei”. Estamos diante do princípio da conservação ou do aproveitamento dos atos viciados. O mesmo preceito legal estabelece, no entanto, um requisito inultrapassável ao dispor que “não devem aproveitar-se os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu”.
Assim, não podia o exequente ter-se socorrido do procedimento de injunção para se fazer munir de título executivo relativamente à importância (ou importâncias ?) peticionada a título de indemnização pela cessação antecipada do contrato, já que o regime processual da injunção “só é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual.” – Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Ação e Execução, 6ª ed., pág. 48. Para maiores desenvolvimentos pode ver-se ainda Ac. da RE de 25 de fevereiro de 2021 disponível in Blog do IPPC.
Do exposto resulta que a exequente não dispõe de título executivo eficaz por a pretensão indemnizatória formulada não se ajustar à finalidade do procedimento de injunção.
E porque não sabemos qual é a medida desta pretensão indemnizatória, temos que concluir que a obrigação exequenda não é certa e, por isso, não é exequível.
Pelo exposto, e ao abrigo do disposto no art.º 726.º n.º 2 al. a) e 734.º n.º 1 do CPC rejeito a execução.
Custas pela exequente.
Notifique”.

Inconformada com tal decisão, dela veio a exequente recorrer de apelação, pedindo a sua revogação e substituição por outra que ordene o prosseguimento dos autos executivos.
A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
1. Considerou o Tribunal a quo existir exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção, rejeitando a execução.
2. Por a autora ter lançado mão de injunção destinada a exigir o cumprimento de obrigação emergente de contrato e do não cumprimento da fidelização.
3. Salvo, porém, o devido respeito, tal decisão carece de oportunidade e fundamento, sendo contrária à Lei.
4. Desde logo porque a lei não habilita o Tribunal a quo a conhecer oficiosamente de exceções dilatórias relacionadas com o conteúdo do título executivo;
5. Das causas admissíveis de indeferimento liminar do requerimento executivo constantes do artigo 726.º do CPC não resulta o uso indevido do procedimento de injunção;
6. Permitir-se ao juiz da execução pronunciar-se ex officio relativamente à exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção esvaziaria de função o artigo 14.º-A n.º 2 do DL 269/98, de 01 de setembro, e atentaria contra o princípio da concentração da defesa ínsito no artigo 573.º do CPC.
7. O despacho proferido pelo Tribunal a quo trata-se de um indeferimento liminar da petição inicial, o que legitima a apresentação do presente recurso.
8. De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão recorrida, ao rejeitar, liminarmente, a execução, violou, nomeadamente, o artigo 726.º n.º 2 do C.P.C.

Não há contra-alegações.

II – Os factos relevantes para a decisão do presente recurso são os que estão enunciados no supra elaborado relatório, pelo que, por razões de economia processual, nos dispensamos de os reproduzir aqui.
E para melhor explicitação desta decisão, verificamos que a ora exequente/ /apelante alegou o seguinte em sede de requerimento de injunção:
“- A Req.te (Rte), celebrou com o Req.do (Rdo) um contrato de prestação de bens e serviços telecomunicações a que foi atribuido o n.º ....... No âmbito do contrato, a Rte obrigou-se a prestar os bens e serviços, no plano tarifário escolhido pelo Rdo, e este obrigou-se a efectuar o pagamento tempestivo das faturas e a manter o contrato pelo período acordado, sob pena de, não o fazendo, ser responsável pelo pagamento de cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato.
- Das facturas emitidas, permanece(m) em dívida a(s) seguinte(s): €52.28 de 11/10/2019, €75.78 de 12/11/2019, €83.94 de 11/12/2019, €71.99 de 12/01/2020, €23.29 de 12/02/2020, €3.5 de 12/03/2020, €500 de 12/05/2020, vencidas, respectivamente, em 04/11/2019, 04/12/2019, 04/01/2020, 04/02/2020, 04/03/2020, 04/04/2020 e 12/05/2020. Enviada(s) ao Rdo logo após a data de emissão e apesar das diligências da Rte, não foi(ram) a(s) mesma(s) paga(s), constituindo-se o Rdo em mora e devedor de juros legais desde o seu vencimento.
- Mais, é o Rdo devedor à Rte de €162.16, a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida. Termos em que requer a condenação do Rdo a pagar a quantia peticionada e juros vincendos”.

III – Como é sabido o objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.

Ora, visto o teor das alegações da exequente/apelante é questão a apreciar no presente recurso:
- Saber se o requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória, “in casu” é título executivo para o pedido exequendo.

Como é sabido o título executivo constitui um pressuposto processual específico da execução, cfr. Anselmo de Castro, in “A ação executiva singular, comum e especial”, pág.14; José Lebre de Freitas, in “A ação executiva…”, pág. 25. É ele que determina o fim e os limites da ação executiva, cfr. art.º 10.º n.ºs 5 e 6 do C.P.Civil – ou seja, “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva”. Daí que a sua falta ou insuficiência constitua fundamento para o indeferimento liminar do requerimento executivo pelo juiz, cfr. art.º 726.º n.ºs 1e 2 do C.P.Civil, para ulterior rejeição oficiosa da execução, cfr. art.º 734.º do C.P.Civil e para oposição à execução, cfr. art.ºs 728.º e 730.º do C.P.Civil.
Entre os documentos a que o legislador atribui a força de título executivo, enumerados no art.º 703.º n.º1, al. d), do C.P.Civil, “os documentos a que, por disposição especial seja atribuída força executiva”. E aqui inclui-se o requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória.
Como é sabido, e resulta do preâmbulo do DL n.º 404/93 de 10.12, que criou no nosso ordenamento o procedimento de injunção, esta, enquanto “providência que permite que o credor de uma prestação obtenha de uma forma célere e simplificada um título executivo (…) quando se consubstancie no cumprimento de uma obrigação pecuniária”. E já então previa-se, que inexistindo oposição, fosse aposta no requerimento injuntivo uma imediata fórmula executória, “Execute-se”, o que era realizado pelo próprio secretário judicial do tribunal territorialmente competente e não era previsto como ato jurisdicional. Este DL veio a ser revogado, mas manteve-se a figura do procedimento de injunção com o DL n.º 269/98 de 1.09.
A injunção foi configurada como providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância, cfr. art.º 7.º do citado DL e, sendo deduzida oposição, ou frustrada a notificação do requerido, os autos iam à distribuição e seguiam os termos da referida ação declarativa especial para exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância.
Posteriormente e, para transpor no nosso ordenamento jurídico a Diretiva n.º 2000/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, surgiu o DL n.º 32/2003 de 17.02, com a finalidade expressa de “combater os atrasos de pagamento nas transações comerciais”. E assim, desde que o art.º 8.º do DL n.º 32/2003 que alterou a redação do art.º 7.º do DL n.º 269/98, o procedimento da injunção passou a ser utilizável no caso do cumprimento das obrigações a que se refere o art.º 1.º do diploma preambular – obrigações pecuniárias emergentes de contrato – e a obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo DL n.º 32/2003 de 17.02, neste caso, independentemente do valor.
Mais recentemente, o DL n.º 62/2013 de 10.05, que teve em vista transpor para o nosso ordenamento jurídico a Diretiva n.º 2011/7/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 16.02.2011, revogou o DL n.º 32/2003 de 17.02, à exceção do preceituado nos art.ºs 6.º e 8.º, que se mantiveram em vigor para os contratos celebrados antes da sua entrada em vigor.
E assim, deste DL n.º 62/2013 e do preceituado no art.º 10.º mantêm-se a injunção, independentemente do valor da dívida, quando esteja em causa o atraso de pagamento em transações comerciais
No caso dos autos a exequente deu à execução um requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória e no qual reclama o pagamento de diversas faturas, entre elas a correspondente à “cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato”. Para além do valor aposto no requerimento de injunção, reclama ainda o pagamento da quantia de €414,29 que diz “dependente de simples cálculo aritmético” e que respeitam aos “juros de mora contabilizados à taxa legal comercial desde a data da entrada da injunção, dos juros compulsórios e das quantias exigíveis nos termos do art.º 33.º n.º 4 da L. 32/2014 de 30.5 (art.º 5.º Alínea c) vi) e vii) do mesmo diploma) e 26.º n.º 3 do RCP” as quais reclama ao abrigo do disposto no art.º 26.º n.º 3 al. c) do RCP.
Como já se deixou acima consignado, o requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória constitui título executivo, como decorre das disposições conjugadas dos art.ºs º 21.º n.ºs 1 e 2 do DL n.º 269/98 e do art.º 703.º al. d) do C.P.Civil.
Tal título, constituído por requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória, vem sendo qualificado como “título judicial impróprio”, “especial” ou “atípico”, formado ao abrigo do DL n.º 269/98 de 1.09.
De toda a legislação acima referida não resulta a definição do que sejam “obrigações pecuniárias emergentes de contratos”, pelo que para aferir o conceito de “obrigação pecuniária”, tem de se lançar mão ao que resulta para as mesmas da lei geral, ou seja, do C.Civil, mormente dos art.ºs 550.º a 558.º, bem como ao disposto nos art.ºs 774.º e 806.º desse mesmo diploma legal.
Da análise de tais normas e da interpretação doutrinal que sobre elas vem sendo feita, podemos, com segurança, concluir que as obrigações pecuniárias são uma modalidade de obrigações genéricas em que a prestação consiste numa quantia em dinheiro; e podem configurar-se como obrigações de quantidade, ou seja, quando têm por objeto uma pura e simples quantia pecuniária, no dizer do art.º 550.º do C.Civil, que o seu cumprimento se “faz em moeda que tenha curso legal no País à data em que for efetuado e pelo valor nominal que a moeda nesse momento tiver, salvo estipulação em contrário”, e obrigações de moeda específica, quando, além do montante da prestação, é especificada a moeda nacional em que o pagamento da dívida deve ser feito, podendo especificar-se a própria moeda ou o metal da moeda, cfr. art.ºs 552.º e segs. do C.Civil.
Mas nada na lei, ou seja, nos vários diplomas legais relativos ao procedimento de injunção, se refere, em concreto, a “obrigação pecuniária diretamente emergente de contrato”, mas apenas, como se viu “obrigações pecuniárias emergentes de contratos”, pelo que urge perceber porque surge esta divergência, relativamente às obrigações pecuniárias em causa.
Salvador da Costa, in “Injunção e as Conexas Ação e Execução”, pág. 41 e 43 refere que “O regime processual em causa só é aplicável ás obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, de enriquecimento sem causa ou de relações de condomínio. (…)”. E continua, “também já se suscitou a questão de se saber se a ação declarativa de condenação ou o procedimento de injunção em análise é ou não suscetível de instrumentalizar a formulação de um pedido relativo a uma cláusula penal (…)”, pois “o modelo em que este normativo se inspira é o da ação declarativa de condenação com processo sumaríssimo, com base na ideia de simplificação que lhe é própria e em que é frequente a não oposição do demandado. O seu âmbito de aplicação é, porém, mais restrito do que o do processo sumaríssimo e do processo sumário, visto que estes são suscetíveis, e aquele não, de abranger o pedido de condenação no pagamento de indemnização por dano ou em razão do enriquecimento sem causa e de entrega de coisas móveis (art.º 462.º do CPC). Com efeito, a ação declarativa de condenação com processo especial em análise apenas é suscetível de aplicação quando se trate de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, incluindo a vertente dos juros”.
Paulo Teixeira Duarte, in “Os Pressupostos Objectivos e Subjectivos do Procedimento de Injunção», “Themis”, VII, n.º 13, págs. 169 e segs. entende que “a expressão transação pressupõe a existência de uma relação contratual em moldes (...) semelhantes aos já exigidos pelo procedimento da injunção (...) Estamos, perante um contrato cujo objeto imediato é uma prestação pecuniária, ou seja, que consiste numa quantia em dinheiro, (cfr. art.º 3.º al a) parte final, "contra (o pagamento) de uma remuneração”. Essa expressão pressupõe que a obrigação prevista no diploma seja uma obrigação pecuniária e não de valor”. Este mesmo autor demarca negativamente a pretensão substantiva que pode ser processualizada no processo de injunção, dizendo que “apenas aquelas que se baseiam em relações contratuais cujo objeto da prestação seja diretamente a referência numérica a uma determinada quantidade monetária”, pelo que “daqui resulta que só pode ser objeto do pedido de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contrato, mas já não pode ser peticionado naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente, derivada de responsabilidade civil. O pedido processualmente admissível será, assim, a prestação contratual estabelecida entre as partes cujo objeto seja em si mesmo uma soma de dinheiro e não um valor representado em dinheiro”.
Em suma e como também defendem João Vasconcelos Raposo e Luís Batista Carvalho, in “Injunções e Ações de Cobranças”, pág. 15, enquanto que obrigação pecuniária em sentido estrito é aquela em que a quantia pecuniária é o próprio objeto da prestação, as obrigações de valor não têm originariamente por objeto quantias pecuniárias, mas prestações de outra natureza, intervindo o valor pecuniário apenas como meio de liquidação. Sendo o conceito de obrigação pecuniária em sentido estrito que é o pressuposto nos diplomas que regulam o procedimento de injunção.
In casu” está a questão de se saber se as quantias reclamadas no título executivo como “cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato” e seus derivados deverão integrar aquele conceito obrigações pecuniárias emergentes de contratos, sob pena de se defender um entendimento contrário ao “espírito” legislativo associado à criação do DL n.º 269/98, de 01 de Setembro”, ou não. Pois, como vimos, a exequente, ora apelante, escolheu o meio processual de injunção para peticionar a cláusula penal estabelecida em contrato de prestação de bens e serviços de telecomunicações como valor relativo à quebra do vínculo contratual e pressupondo, pois, necessariamente, o incumprimento definitivo desse contrato.
Entendemos, tal como defende Paulo Duarte Teixeira, in obra citada, que a cláusula penal que vise uma finalidade puramente indemnizatória do objeto do procedimento da injunção está excluída do âmbito da injunção, “desde logo porque não estamos perante uma obrigação pecuniária em sentido estrito, mas sim perante uma indemnização pré-fixada, e depois porque a mesma não se baseia numa pretensão de cumprimento, mas sim meramente ressarcitória”. Pois não se pode olvidar que a lógica primordial que preside ao mecanismo da injunção é a da simples cobrança, rápida e simples, de dívidas pecuniárias, acompanhada das consequências indemnizatórias mais imediatas e necessárias dessa cobrança. Ou seja, no dizer de Salvador da Costa, in obra citada, pág. 156, pela sua própria natureza, implicam uma “tendencial certeza da existência do direito de crédito” e no dizer de João Vasconcelos Raposo e Luís Batista Carvalho, in obra citada, pág. 23 “quando esteja em causa uma obrigação secundária derivada do incumprimento do contrato, e não se vise o seu cumprimento, estar-se-á a extravasar o âmbito deste procedimento”, pelo que, apenas nos resta concluir que “esta não é a via processual adequada para acionar cláusula penal, mesmo que compulsória, decorrente de mora ou de qualquer vicissitude na execução do contrato”.
E neste mesmo sentido entende a jurisprudência hoje maioritária que o pedido de pagamento de tais montantes a título de cláusula penal, não se enquadra no âmbito de aplicação do procedimento de injunção, definido no art.º 7.º do anexo ao DL n.º 269/98 de 1.09, segundo o qual “Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro”, cfr. Acs. da Rel. de Lisboa de 08.10.2015, de 12.05.2015, de 15.10.2015, de 17.12.2015, de 25.5.2021 e de 23.11.2021; da Rel. de Évora de 28.4.2022 e de 15.09.2022, e da Rel. do Porto de 8.11.2022, todos in www.dgsi.pt.
Na realidade, a cláusula penal não se enquadra no conceito amplo contido no art.º 10.º al e) do DL n.º 269/98 de 1.09, segundo o qual no requerimento de injunção, o credor deve “formular o pedido, com discriminação do valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas”, não pode ser enquadrável no conceito de obrigação pecuniária em sentido estrito, mas sim perante uma indemnização pré-fixada, sendo que a mesma não se baseia numa pretensão de cumprimento, antes visa um efeito meramente ressarcitória.
No caso concreto dos autos, temos que a exequente/apelante intentou a presente execução contra AA com vista ao pagamento coercivo da quantia de €1.475,16. Para tanto deu à execução um requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória e no qual reclama o pagamento de diversas faturas - entre elas a correspondente à “cláusula penal convencionada para a rescisão antecipada do contrato”. E mais reclama ainda o pagamento da quantia de €414,29 que diz ser “dependente de simples cálculo aritmético” e ainda que respeitam aos “juros de mora contabilizados à taxa legal comercial desde a data da entrada da injunção, dos juros compulsórios e das quantias exigíveis nos termos do art.º 33.º n.º 4 da L. 32/2014 de 30.5 (art.º 5.º Alínea c) vi) e vii) do mesmo diploma) e 26.º n.º 3 do RCP”.
Dúvidas não temos de que segundo dispõe o art.º 10.º al e) do DL n.º 269/98 de 1.09, no requerimento de injunção, o credor deve “formular o pedido, com discriminação do valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas”. Ou seja, o legislador em matéria de injunções foi sensível à circunstância de que a cobrança de dívidas pecuniárias (em sentido estrito) implica para se alcançar a satisfação plena do credor a esse nível, que o mesmo seja ressarçido dos juros referentes ao atraso no pagamento (moratórios), não obstante esses juros constituírem obrigações de indemnização (pela mora no cumprimento, cfr. art.º 804.º do C.Civil), eles têm origem direta no ressarcimento das dívidas pecuniárias acionadas.
Todavia, no caso dos autos, a exequente/apelante, logo em sede de requerimento de injunção não respeitou o que lhe era imposto pela al. e) do art.º 10.º do DL n.º 269/98 de 1.09 e convidada a esclarecer dos valores que reclama e diz “dependente de simples cálculo aritmético”, quais os que respeitam às quantias exigíveis nos termos do art.º 33.º n.º 4 da Lei n.º 32/2014, de 30.05 e quais as que reclama ao abrigo do disposto no art.º 26.º n.º3 al. c) do RCP, bem como, dos valores que reclama no procedimento de injunção, suprindo tais vícios, em sede de execução, votou-se à inação.
Logo, nenhuma censura nos merece o entendimento tido em 1.ª instância de tendo a ora exequente/apelante, optado por recorrer ao procedimento de injunção para obter título executivo, cumulando pretensão por dívidas referentes a prestações pecuniárias emergentes de contrato com indemnização por incumprimento contratual, onde incluiu também a indemnização pelas despesas originadas com a cobrança da dívida, tal atuação manifestamente não é compatível com a natureza de tal procedimento, verificando-se “ab initio” um vício que constitui exceção dilatória inominada, inquinando todo o procedimento de injunção, designadamente a aposição da fórmula executória, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização, não permitido o aludido vício qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento, pois caso contrário, estava encontrado o meio para, com pensado propósito de, ilegitimamente, se tentar obter título executivo, se defraudar as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção, cfr. Ac. do STJ de 14.02.2012, in www.dgsi.
Mais, como é sabido, é obrigação ilíquida aquela que tem por objeto uma prestação cujo quantitativo não esteja ainda apurado. O art.º 716º do C.P.Civil trata da liquidação da obrigação na ação executiva, aplicando-se a todos os casos em que a obrigação exequenda se apresente ilíquida em face do título executivo, referindo-se o n.º 1 à obrigação pecuniária ilíquida – quando a liquidação dependa de simples cálculo aritmético, o exequente deve fixar o seu quantitativo no requerimento inicial da execução, mediante especificação e cálculo dos respetivos valores. Pelo que, verificada uma situação de iliquidez ou insuficiente concretização da determinação quantitativa da obrigação exequenda, sem que a irregularidade tenha sido corrigida na fase liminar da ação executiva, art.º 726.º n.º 4 do C.P.Civil, tal conduz, segundo o preceituado no n.º5 de tal artigo ao indeferimento do requerimento executivo.
Em suma, tais vícios que inquinam o requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória, destroem a natureza de título executivo do mesmo, já que tal documento, por disposição especial, não lhe pode ser atribuída força executiva pretendida, porque a ora exequente/apelante, fez um uso indevido e inadequado do procedimento de injunção, cfr. art.º 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo DL n.º 32/2003, de 17.02.
E assim sendo, estamos perante a falta de um pressuposto processual da ação executiva, isto é, a falta de título executivo, atenta a ilegalidade do título oferecido com o requerimento executivo, pelo que a presente execução não poderia ultrapassar a fase liminar porque, em sede execução, cujo título executivo é o requerimento injuntivo ao qual, embora ao arrepio da lei, tinha sido atribuída força executória, acarreta, pelo que acima se deixou consignado, necessariamente o indeferimento liminar da execução, nos termos dos art.ºs 726.º n.ºs 2 al. a) e 5 e 734.º, ambos do C.P.Civil.
Logo, há que confirmar a decisão recorrida, já que improcedem as conclusões da apelante.

Sumário:
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IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar as presentes apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela exequente/apelante.

Porto, 2024.06.18
Anabela Dias da Silva
Alberto Taveira
Artur Dionísio Oliveira