Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FERNANDO SAMÕES | ||
Descritores: | EMPREITADA PRESSUPOSTOS CONTRATO CELEBRADO COM AUTARQUIA TRIBUNAL COMPETENTE | ||
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Nº do Documento: | RP20130312740/08.6TBPRG.P2 | ||
Data do Acordão: | 03/12/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | CONFIRMADA. | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I- Os tribunais comuns são competentes para apreciar e decidir uma acção que tem como causa de pedir um contrato de empreitada de natureza privada e como pedido a condenação no pagamento do respectivo preço, ainda que tenha sido celebrado com uma autarquia local e a obra seja executada num edifício público, por não configurar uma relação jurídica administrativa. II- Existe contrato de empreitada quando se mostram provados os seus requisitos essenciais, a saber: a realização de uma obra e a autonomia do empreiteiro. III- O preço não é requisito essencial do contrato de empreitada e, na falta de convenção do mesmo pelas partes, determina-se atendendo ao que o empreiteiro normalmente praticar à data da conclusão do contrato, sendo responsável pelo seu pagamento o dono da obra. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 740/08.6TBPRG.P2 Proveniente do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Peso da Régua. Relator: Fernando Samões 1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha 2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró * Acordam no Tribunal da Relação do Porto – 2.ª Secção: I. Relatório B…., empresário em nome individual, residente no Bairro …., …., Tarouca, instaurou acção administrativa comum sob a forma ordinária, em 29/6/2006, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, contra o Município de Peso da Régua, pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de 23.185,01 €, acrescida de juros vencidos no montante de 1.308,52 € e dos vincendos até integral pagamento. Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte: No exercício da sua actividade e a solicitação do réu, forneceu e aplicou material eléctrico no edifício dos Paços do Concelho de Peso da Régua. Executou a obra de acordo com o solicitado, concluindo-a em finais de 2004 e totalizando o preço em 23.185,01 €, conforme factura que lhe foi enviada, mas que ainda não pagou, não obstante ter sido instado a fazê-lo por várias vezes. Subsidiariamente, invocou o enriquecimento sem causa. O réu contestou, por impugnação e por excepção, alegando, em resumo, que: O TAF é incompetente em razão da matéria por não ter sido celebrado qualquer contrato administrativo ou outro, nomeadamente de empreitada, sendo da competência dos tribunais comuns. A ser competente o TAF, existe preterição de tribunal arbitral necessário, por a acção não ter sido antecedida da tentativa de conciliação extrajudicial. Apesar de inexistir qualquer contrato, o autor participou na reconstrução do edifício dos Paços do Concelho, tendo concluído todos os trabalhos, no valor de 11.500 €, mas na qualidade de subempreiteiro, pelo que a responsabilidade pelo pagamento recai sobre o empreiteiro que o contratou. Concluiu pela procedência das referidas excepções dilatórias e pela sua absolvição da instância ou pela improcedência da acção com a consequente absolvição do pedido. O autor replicou, defendendo a inexistência das invocadas excepções por a actuação do réu se traduzir num acto de gestão pública, concluindo como na petição inicial. Por despacho de 19 de Outubro de 2006, foi declarada a incompetência territorial do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu e ordenada a remessa dos autos para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela. Remetidos os autos, por despacho de 22 de Julho de 2008, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela declarou-se incompetente, em razão da matéria, por entender que não se está perante um contrato administrativo, mas um contrato de empreitada regulado pelas normas do direito civil e absolveu o réu da instância. A requerimento do autor, apresentado em 12/9/2008, ao abrigo do art.º 14.º, n.º 2, do CPTA, transitada em julgado aquela decisão, foi o processo remetido ao Tribunal de Peso da Régua, onde deu entrada em 13 de Outubro de 2008, tendo sido distribuído ao 2.º Juízo. Aí, foi realizada uma audiência preliminar, tendo nela sido proferido despacho saneador tabelar e feita a condensação, com selecção dos factos assentes e organização da base instrutória, sem reclamações. Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova nela produzida, tendo a matéria da base instrutória sido decidida nos termos constantes do despacho de fls. 171 a 173, de que não houve reclamações. Finalmente, em 28/9/2011, foi proferida sentença que condenou o réu a pagar ao autor a quantia de 23.185,01 €, acrescida de juros legais desde 26 de Fevereiro de 2005 até efectivo e integral pagamento. Inconformado com o assim decidido, o réu interpôs recurso para este Tribunal e apresentou a sua alegação com as seguintes conclusões: “1 - Um contrato celebrado entre um particular e uma autarquia para executar mesmo parcialmente, obras no edifício dos Paços do Concelho, é um contrato de empreitada de obras públicas. 2 – O contrato de empreitada que a sentença entendeu ter sido celebrado, deve ser qualificado como contrato de empreitada de obra pública. 3 - As questões relacionadas com este contrato devem ser submetidas á jurisdição administrativa, quer por força do artº 253º nº 2 do Dec. Lei 59/99, de 2 de Março, aplicável á data da propositura da acção quer face ao disposto na alª e) do nº 1 do artº 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais aprovado pela Lei 13/2002 de 19 de Fevereiro. 4 – Julgando a causa, o Tribunal viola as citadas disposições legais e a competência material originando incompetência absoluta, - artº 101 e 102 do C.P.Civil Assim se não entendendo, 5 - O contrato de empreitada obriga a que seja fixado o respectivo objecto, ou a forma de tal objecto ser fixado, bem como fixado o preço ou a forma de o determinar. Ao declarar-se ter sido celebrado verbalmente contrato de empreitada com aplicação de materiais, sem se fixar em que consistiu tal acordo ou qual o seu objecto, a sentença violou o artº 1207º e 1208º do C. Civil 6 - Não se apurando em que medida o Réu foi beneficiado com a aplicação de materiais por parte do autor, não pode concluir-se pelo enriquecimento sem causa. 7 - Provando-se nos autos apenas que o contrato celebrado respeita á aplicação de material eléctrico, não deve ser condenada a ré a pagar o material respeitante a detecção de incêndios e alarme de intrusão, que foi colocado por empresa diferente do autor, e que este não pagou. Pelo exposto deve revogar-se a decisão proferida substituindo-a por outra que declare o Tribunal “ a quo” incompetente em razão da matéria, absolvendo-se o réu da instancia, ou absolver-se réu do pedido por não se provar a existência de contrato entre as partes nem a existência de elementos de facto que integrem o enriquecimento sem causa, assim se fazendo JUSTIÇA!” O autor contra-alegou pugnando pela confirmação da sentença recorrida. Remetidos os autos a este Tribunal e distribuídos, foi o recurso rejeitado pelo relator, por o considerar extemporâneo, face ao regime anterior que considerou aplicável, atenta a data da propositura da acção no TAF de Viseu (29/6/2006), por se tratar do mesmo processo e visto o disposto no art.º 14.º, n.º 3, do CPTA, por despacho de 6/3/2012, o qual foi mantido por acórdão de 8/5/2012, proferido no âmbito da reclamação apresentada pelo réu/recorrente. Porém, o STJ, por douto acórdão de 30/10/2012, revogou aquele nosso acórdão, mandando admitir o recurso de apelação, por considerar que se iniciou nova acção com a remessa para o Tribunal de Peso da Régua, em 13/10/2008, sendo-lhe aplicável o novo regime de recursos introduzido pelo DL n.º 303/2007, de 24/8. Assim, em estrita obediência a esse acórdão, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso. Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 707.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC. Sabido que o objecto e âmbito do recurso interposto estão delimitados pelas conclusões do recorrente (cfr. art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, este na redacção introduzida pelo citado DL n.º 303/2007, aqui aplicável, nos termos superiormente decididos), importando conhecer as questões (e não razões) nelas colocadas, bem como as que forem de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (cfr. art.º 660.º, n.º 2 do mesmo Código), as questões a dirimir consistem em saber: a) Se o tribunal comum é incompetente em razão da matéria; b) E se a acção deve improceder. II. Fundamentação 1. De facto Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos: 1 - O Autor é um empresário individual que se dedica, no exercício da sua actividade, à venda e aplicação de materiais eléctricos; 2 - O Autor executou os trabalhos constantes da factura de folhas 8, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no Edifício dos Paços do Concelho do Peso da Régua e que corresponde às instalações da Câmara Municipal; 3 - A obra de remodelação do Edifício dos Paços do Concelho havia sido anteriormente adjudicada a uma empresa, a C…., Ldª, que no dia 22 de Março de 2004 abandonara a obra; 4 - O Autor executou a obra, cumpriu os prazos e a obra foi entregue ao Réu, que a aceitou; 5 - A obra e serviços prestados pelo Autor com a correspondente aplicação de materiais totalizou o quantitativo de € 23.185,01 (vinte e três mil cento e oitenta e cinco euros e um cêntimo), de acordo com a factura de folhas 8, cujo teor aqui se dá por reproduzido, designadamente quanto ao prazo de vencimento que era de 30 dias; 6 - O Réu recebeu a factura na data da sua emissão, aceitou os seus termos por estarem de acordo com o convencionado com o Autor; 7 - Com a conclusão da obra e aplicação dos materiais em causa, que ocorreu até finais do ano de 2004, resultou beneficiado o Edifício dos Paços do Concelho propriedade do Réu; 8 - Tais benefícios não são passíveis de ser levantados sem prejuízo do imóvel; 9 - No âmbito da sua actividade, no final do mês de Março de 2004, o Réu recorreu aos serviços do Autor solicitando-lhe obras e serviços com aplicação de materiais na área da electricidade; 10 - As obras e serviços com aplicação de materiais foram ajustados verbalmente com o Autor pelos responsáveis do Município, em reunião a que compareceram outros empresários e construtores de diversas áreas a quem também foram solicitados outros serviços e materiais; 11 - Na sequência do abandono da obra por parte da empresa C…., Ldª, o Município, que tinha urgência na conclusão das obras em curso, reuniu vários dos empreiteiros e construtores, que em regime de subempreitada, trabalhavam com a C…., Ldª, tendo solicitado os serviços directos destes para conclusão da obra, entre os quais o Autor, a quem foi contratada a aplicação do material eléctrico necessário. 2. De direito Os factos acabados de transcrever não foram impugnados em sede de recurso, de forma a poderem ser alterados ao abrigo do preceituado no art.º 712.º, n.º 1, do CPC, designadamente da sua alínea a), pelo que se devem considerar assentes. Com efeito, e não obstante resultar da alegação e da 7.ª conclusão que o recorrente pretenderia impugnar parte desses factos, já que faz ali referência aos quesitos dados como provados e aos depoimentos das testemunhas inquiridas, bem como à fundamentação da decisão de facto, a verdade é que não cumpriu os ónus impostos pelos art.ºs 685.º-B e 522.º-C, ambos do CPC. Na verdade, o apelante não especificou nas conclusões os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados nem concretizou os meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida quanto aos pontos da matéria de facto pretensamente impugnados. Em parte alguma concretizou os pontos de facto que considera mal julgados, fazendo referência aos quesitos e às respostas que pretendia ver alteradas, de forma expressa, ainda que o tenha referido vagamente nas alegações, nem indicou os meios probatórios concretos, constantes da gravação realizada, que impunham decisão diversa. Limitou-se a tecer considerações jurídicas e a fazer interpretações dos depoimentos das testemunhas inquiridas, nas alegações, omitindo, por completo, nas conclusões a alteração da matéria de facto, sendo aqueles referências totalmente inúteis, já que não cumprem os ónus impostos pelos citados normativos. Para que tal acontecesse, era necessário especificar, nas conclusões, não só os pontos concretos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, com indicação dos documentos e dos depoimentos e, quanto a estes, da sua localização na gravação, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. Ora, isto não foi feito nas conclusões, como devia, nem sequer o foi correcta e totalmente nas alegações, pelo que a falha cometida também nunca poderia ser suprida com recurso a elas. Porque nada consta nas conclusões e dado que são elas que delimitam o objecto do recurso nem sequer se elegeu esta matéria como questão decidenda, fazendo-se aqui referência a ela para esclarecimento de eventuais dúvidas de interpretação do acórdão que pudessem surgir. Não há dúvida de que a lei impõe ao recorrente que indique, de forma concreta, não só os pontos de facto que considera mal julgados, mas também os meios probatórios que impunham, relativamente aos factos impugnados, decisão diversa da recorrida. Já assim era no regime anterior. Como se afirma no acórdão do STJ de 15/9/2011, proferido no processo n.º 1079/07.0TVPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt: “A lei impõe ao recorrente que indique (concretamente) os depoimentos em que se funda, não sendo suficiente indicar um conjunto de testemunhas que depuseram a determinado facto (mesmo que venham devidamente identificadas pelos nomes e outras referências), para depois se concluir, sem mais, que ouvidos os seus depoimentos se deveria decidir diferentemente. Importa alegar o porquê da discordância, isto é, em que é que tais depoimentos contrariam a conclusão factual do Tribunal recorrido, por outras palavras, importa apontar a divergência concreta entre o decidido e o que consta do depoimento ou parte dele.” E acrescenta: “… trata-se da imposição de um ónus perfeitamente lógico e necessário, em primeiro lugar, porque ninguém está em melhor posição do que o Recorrente para indicar os concretos pontos da sua discordância relativamente ao apuramento da matéria de facto, indicando os concretos meios de prova constantes do registo sonoro que, em seu entendimento, fundamentam tal discordância e qual a concreta divergência detectada. Em segundo lugar, para permitir que a parte contrária conheça os argumentos concretos e devidamente delimitados do impugnante, para os poder contrariar cabalmente, assim se garantindo o devido cumprimento do princípio do contraditório.” Outros arestos daquele alto Tribunal se pronunciaram no mesmo sentido, designadamente o acórdão de 2/12/2008, proferido no processo n.º 08A3489, acessível no mesmo sítio, onde pode ler-se: “Compreende-se perfeitamente esta exigência legal que consiste em o recorrente indicar os depoimentos em que se funda a sua discordância por referência ao assinalado na acta, já que a intenção do legislador, ao permitir um «2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, não é a pura e simples repetição das audiências perante a Relação, mas mais singelamente, a detecção e correcção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento» (vide preâmbulo do Dec-Lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro”. A sanção para o incumprimento de tais ónus é a rejeição do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, como claramente estatuía o n.º 1 do citado art.º 690.º-A e estatui o actual art.º 685.º-B, n.º 2. Por isso, não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento das conclusões relativamente a este aspecto. Tal como decidiu o acórdão do STJ de 14/9/2006, proferido no processo n.º 06B1998, “deve ser rejeitado o pedido de alteração da matéria de facto formulado na apelação que se refira unicamente aos depoimentos de determinadas testemunhas, mas omita os concretos pontos da gravação das declarações daquelas que impunham uma decisão diversa sobre os trechos da matéria de facto impugnada”, acrescentando que se o legislador quisesse aplicar o regime previsto no n.º 4 do art.º 690.º do CPC para a “indicação dos concretos meios probatórios, certamente não deixaria de o assinalar”. Ainda no sentido da rejeição e de que não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento, quando o recorrente não satisfaz os ónus a que se refere o art.º 690.º-A do CPC, o Sr. Conselheiro Amâncio Ferreira escreveu: “A não satisfação destes ónus por parte do recorrente implica a rejeição imediata do recurso, como expressamente se refere no art.º 690.º-A, n.º 1, proémio, e n.º 2. Não há assim lugar a convite prévio, com vista a suprir qualquer omissão do recorrente... Compreende-se a rejeição imediata do recurso na situação que analisamos por os ónus impostos ao recorrente visarem o corpo da alegação, insusceptível de ser corrigido ou completado, no nosso ordenamento processual, pela via do convite” (in Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, pág. 157, nota 333). Igual entendimento tem sido adoptado face ao regime actual, que introduziu ainda mais exigências. Assim, face ao regime do anterior art.º 690.º-A do CPC, é agora mais rigoroso o modo como deve ser apresentado o recurso de impugnação da matéria de facto. Como consta do preâmbulo do DL 303/2007, de 24/8, com a alteração nele introduzida, “cabe ao recorrente, sempre que os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas tenham sido gravados, proceder à identificação da passagem da gravação em que se funde essa impugnação, sem prejuízo da possibilidade de proceder, se assim o quiser, à respectiva transcrição (…)”. A exigência do n.º 2 do citado art.º 685.º-B visou refrear a tendência que se verificava de impugnações genéricas, simplificadas e despojadas de critério, da decisão sobre a matéria de facto, passando a impor ao recorrente uma acrescida justificação substancial da sua discordância. Cremos não haver dúvidas de que o incumprimento deste encargo implica a imediata rejeição do recurso, como estatui o n.º 2 daquele artigo, sem possibilidade sequer da prolação de prévio despacho de aperfeiçoamento. Em anotação ao art.º 522.º-C do CPC, Abílio Neto escreveu que, em relação à anterior redacção do n.º 2, que havia sido introduzida pelo art.º 1 do DL n.º 183/2000, de 10/8, foi agora acrescentada a parte final – "de forma a ser possível uma identificação precisa e separada dos mesmos" –; “não basta, assim, que as partes se limitem a assinalar, em relação à acta, o início e o termo da gravação do depoimento que invocam como fundamento do recurso quanto à matéria de facto, mas terão, além disso, de o fazer de modo a que o tribunal possa identificar com precisão a passagem ou passagens submetidas à sua reponderação ("identificação precisa"), com exclusão, pela negativa, de todo o restante ("identificação separada")” – in Código de Processo Civil Anotado, 22.ª edição, págs. 805 e 806. E, em anotação ao art.º 685.º-B, acrescentou que nos n.ºs 2 e 4 deste artigo “parece que a lei distingue entre as hipóteses em que é possível a identificação precisa e separada dos depoimentos – o que se verifica quando a respectiva acta assinala o início e o termo de cada depoimento individualizado – e a hipótese em que essa possibilidade não existe: no primeiro caso, basta ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda para obter a alteração da matéria de facto, sendo facultativa a respectiva transcrição; no segundo caso, impende sobre o recorrente o ónus de proceder à transcrição das passagens da gravação em que se funda, sob pena de imediata rejeição do recurso” (obra citada, pág. 1051). Com a generalização do sistema de gravação digital, passou a ser frequente a não indicação na acta da audiência de julgamento do limite temporal da gravação de cada depoimento, sendo usual consignar-se apenas que o depoimento se encontra gravado em sistema digital ou em CD ou nos termos do art.º 522.º-B do CPC, como sucedeu nestes autos (cfr. acta de fls. 168 a 170). Nesse sistema, a indicação do início e do termo da gravação dos depoimentos é um pouco redundante, visto que o mesmo permite ao recorrente e ao tribunal de recurso a identificação precisa e separada de cada depoimento, satisfazendo deste modo o objectivo proclamado na parte final do citado art.º 522.º-C, n.º 2, e possibilitando ao recorrente o cumprimento da exigência introduzida no novo regime do recurso: a indicação exacta das passagens da gravação em que se funda. Não existe, pois, razão plausível para não aplicar, mesmo nestes casos, o regime previsto no n.º 2 do referido art.º 685.º-B. Acontece, porém, que o recorrente não só não indicou o início e o termo da gravação de cada depoimento em que funda a sua discordância como também não procedeu à transcrição das passagens da gravação desses depoimentos, como podia e devia. E baseia a sua discordância, exclusivamente, na referência genérica a depoimentos, prestados por testemunhas que nem sequer identifica, o que fez, exclusivamente, repete-se, nas alegações. Tratando-se de gravação digital, o recorrente não estava impossibilitada de fazer uma identificação precisa e separada dos depoimentos e de indicar com exactidão as passagens da gravação em que se devia fundar, nos termos do n.º 2 do citado art.º 685.º-B. Não o tendo feito, nem tendo procedido à respectiva transcrição, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com esse fundamento, ou seja, com recurso aos depoimentos prestados e gravados, deve ser rejeitada de imediato (cfr., neste sentido, o acórdão desta Relação de 24/11/2011, proferido no processo n.º 3750/09.2TJVNF.P1, disponível em www.dgsi.pt, de 26/6/2012, 4/12/2012, 11/12/2012 e 5/3/2013 por nós proferidos nos processos n.ºs 384/10.2TBAGN.P1, 12452/12.1YIPRT.P1, 3112/11.1TJVNF.P1 e 1386/09.7TBVNG.P1, entre outros, que aqui reproduzimos em parte). Feitos estes esclarecimentos, para a hipótese de se entender que o recorrente impugnou a matéria de facto, resta rejeitá-la de imediato e considerar assente a factualidade descrita na fundamentação de facto e aplicar-lhe o direito tendo em vista a resolução das questões supra referenciadas. 2.1. Da incompetência material Sabe-se que a competência do tribunal se determina pelo pedido do autor e pela causa de pedir em que o mesmo se apoia, expressos na petição inicial, já que ela não depende nem da legitimidade das partes nem da procedência da acção, tal como é entendimento uniforme na doutrina e na jurisprudência (cfr., entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 91; Miguel Teixeira de Sousa, Competência Declarativa dos Tribunais Comuns, pág. 36; e Acs. do STJ de 12/1/94, 2/7/96 e de 3/2/97, no BMJ, respectivamente, n.ºs 433, pág. 554, 459/444 e 364/591, de 5/2/2002, na CJ – STJ -, ano X, tomo I, pág. 68, de 18/3/2004, no processo n.º 04B873, de 13/5/2004, no processo n.º 04A1213 e de 10/4/2008, no processo n.º 08B845, estes três últimos disponíveis em www.dgsi.pt; do Tribunal de Conflitos, de 20/10/2011, proferido no processo n.º 13/11, disponível no mesmo sítio, e desta Relação de 7/11/2000, CJ, ano XXV, tomo V, pág. 184). Dispõe o art.º 211.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa que “os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal que exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”. Estabelece-se aqui o princípio da competência jurisdicional residual dos tribunais judiciais, uma vez que ela se estende a todas as áreas que não sejam atribuídas a outras ordens judiciais. Tal princípio encontra também consagração no art.º 66.º do CPC, segundo o qual “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”. Preceito idêntico consta do art.º 18.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13/1, e do art.º 26.º, n.º 1, da Lei n.º 52/2008, de 28/8, que aprovaram a organização e funcionamento dos tribunais judiciais. Por sua vez, preceitua o n.º 3 do art.º 212.º da Constituição da República Portuguesa que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”. Em consonância com este normativo, estabelece o art.º 1.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (novo ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19/2, em vigor desde 1/1/2004, portanto já vigente na data da propositura da presente acção, que “os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”. E o art.º 4.º do mesmo Estatuto, sob a epígrafe “âmbito da jurisdição”, exemplifica no n.º 1 casos da competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal e nos n.ºs 2 e 3 casos excluídos do âmbito dessa jurisdição. Um dos objectivos da reforma dos tribunais administrativos e fiscais, operada pelo novo ETAF, foi eliminar o critério delimitador da natureza pública ou privada do acto de gestão gerador do pedido, causador de grandes incertezas na determinação do tribunal competente, resultante da al. h) do art.º 51.º do anterior ETAF, aprovado pelo DL 129/84, de 27/4. Assim, por vontade expressa do legislador, o critério para a atribuição da competência em razão da matéria aos tribunais administrativos ou aos tribunais judiciais deixou de radicar na distinção entre gestão pública e gestão privada para passar a assentar no conceito de relação jurídica administrativa. Pretendeu-se, deste modo, evitar que os tribunais administrativos constituíssem “foro especial” para as pessoas colectivas de direito público, recolocando a competência material no seu lugar próprio de pressuposto processual referente ao tribunal. Por isso é que a competência material deve ser definida em função do conteúdo da relação material controvertida e não dos sujeitos dessas relações. Torna-se, assim, primordial saber o que deve entender-se por relação jurídica administrativa. Para Gomes Canotilho e Vital Moreira, «a qualificação de uma relação como jurídica administrativa implica duas dimensões caracterizadoras: 1.ª - As acções e recursos incidem sobre relações jurídicas em que pelo menos um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público (especialmente da administração); 2.ª- As relações jurídicas controvertidas são reguladas sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza privada ou “jurídico civil”. Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo ou fiscal» (“Constituição da República Anotada, 3.ª ed., pág. 815”). Freitas do Amaral define a relação jurídica administrativa como aquela que “por via de regra, confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração” (cfr. Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2001, pág. 518). Feitas estas considerações, extraídas do nosso recente acórdão de 26/2/2013, proferido no processo n.º 292/08.7TBVLP.P1, vejamos o caso dos autos. Neste caso, o autor demandou o réu invocando um contrato de empreitada que teve por objecto a aplicação de material eléctrico pelo primeiro, a solicitação do segundo, na obra de remodelação que anteriormente havia sido adjudicada a outra empresa e que a abandonara, bem como a falta de pagamento dos respectivos serviços e material, discriminados na factura que emitiu e enviou ao demandado, acabando por formular o pedido de condenação do réu no montante dessa mesma factura e respectivos juros moratórios. Na contestação apresentada, o réu começou por excepcionar a incompetência material do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela defendendo a competência dos tribunais comuns por não ter sido celebrado qualquer contrato administrativo. O TAF de Mirandela, apreciando essa excepção, julgou-a procedente e absolveu o réu da instância, por despacho de 22/7/2008, há muito transitado em julgado (cfr. art.º 677.º do CPC). Na apreciação dessa excepção, aquele Tribunal considerou que os factos alegados pelo autor não preenchiam nenhuma das alíneas e) e f) do n.º 1 do art.º 4.º do ETAF, não resultando deles que ao contrato celebrado fossem aplicáveis normas de direito público, acrescentado que “Pelo contrário, eles traduzem a existência de um contrato de empreitada regulado pelas normas de direito civil, não sendo a qualidade do réu – autarquia local – que determina, por si só, que se esteja perante um contrato administrativo”. A posição adoptada pelo réu no recurso que interpôs, ao defender a existência de um contrato administrativo e ao pôr em causa aquele despacho, é, no mínimo estranha, não só por vir agora sustentar o contrário do que defendera na contestação, com base nos mesmos factos, mas também porque não respeita o caso julgado formado com o trânsito em julgado da referida decisão que apreciou uma excepção por ele arguida e que viu deferida. Cremos não haver dúvidas de que, com a prolação daquela decisão, se formou caso julgado formal, tornando-se, por isso, obrigatória dentro do processo (cfr. art.º 672.º, n.º 1 do CPC). É o que resulta, desde logo, do disposto no n.º 3 do art.º 510.º do CPC. Apesar de se tratar de uma nova instância, não deixa de ser o mesmo processo, com os mesmos articulados e onde o aludido despacho deve produzir efeitos, tanto mais que as partes tiveram oportunidade de dele recorrer e não o fizeram, aceitando-o, tendo a remessa ocorrido ao abrigo do disposto no art.º 14.º, n.º 2, do CPTA, após o trânsito em julgado. A tal não obsta o preceituado no art.º 106.º do CPC, já que se limita a afirmar que a decisão sobre a incompetência absoluta do tribunal não tem valor algum fora do processo em que foi proferida, donde também se depreende a força do caso julgado formal da mesma decisão. De resto, o tribunal para onde o processo foi remetido aceitou a competência, a qual só foi posta em causa pelo recorrente no recurso, não sendo indeferida a arguição da incompetência por esse facto, unicamente porque se trata de questão de conhecimento oficioso [cfr. art.ºs 101.º, 102.º, n.º 1, 494.º, al. a) e 495.º, todos do CPC]. De qualquer modo, ainda que se considere que se trata de um processo novo e que, por isso, a decisão sobre a incompetência, embora transitada em julgado, não tem valor algum nele, importa dizer que a relação material controvertida não configura um contrato administrativo, mas um litígio de natureza privada. Contrariamente ao sustentado pelo recorrente, os factos alegados na causa de pedir, e que acabaram por ser provados, não configuram um contrato de empreitada de obra pública, mas um simples contrato de empreitada, que nada tem a ver com o contrato que havia sido celebrado com a empresa a quem foi adjudicada a obra e que a abandonou, apesar de os serviços prestados e o material fornecido se destinarem a concluí-la e não obstante serem executados e aplicados num prédio público. Também é irrelevante, para este efeito, a intervenção do réu, através do seu representante, na sua celebração, já que não agiu nele na veste de “ius imperii”, pois limitou-se a solicitar a realização de tais serviços para conclusão da obra, como faria qualquer cidadão sem observância das formalidades exigidas para a celebração de contratos públicos, não estando, por conseguinte, sujeito ao regime das empreitadas de obra públicas constante do DL n.º 59/99, de 2/3, vigente na data da sua celebração. A falta de observância de alguma formalidade legalmente exigida para a celebração do contrato é de imputar exclusivamente ao réu, pelo que este jamais pode servir-se dela para se esquivar ao pagamento do preço correspondente ao cumprimento desse mesmo contrato pela outra parte. É, ainda, irrelevante o facto de o autor ter sido subempreiteiro do empreiteiro originário, pois não foi nessa qualidade que executou a obra cujo preço vem pedir nesta acção, mas enquanto empreiteiro e ao abrigo de outro contrato que celebrou, ele próprio, com o réu. E o pedido formulado é, tão só, a condenação deste no pagamento do preço da obra executada. Nesta acção, não está em causa a apreciação de qualquer questão suscitada sobre a interpretação, validade ou execução de um contrato de empreitada de obras públicas, para que se possa concluir pela competência dos tribunais administrativos, ao abrigo do n.º 2 do art.º 253.º do citado DL n.º 59/99, como faz o recorrente, por falta de verificação do seu pressuposto previsto, exactamente, no n.º 1, qual seja, a apreciação daquelas questões. E também não está em causa a apreciação de alguma questão dentre as enunciadas na alínea e) do n.º 1 do art.º 4.º do ETAF, a saber: “Questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público”. Não se trata, deste modo, de um litígio emergente de uma relação jurídica administrativa, mas de um contrato de natureza privada sujeito às normas do direito civil. Deste modo, o tribunal competente, em razão da matéria, para apreciar e decidir a presente acção é o tribunal comum. Improcedem, por conseguinte, as 1.ª a 4.ª conclusões, não se mostrando violadas as normas nelas indicadas. 2.2. Da improcedência O art.º 1207.º do Código Civil (a que pertencerão todos os restantes sem menção de origem) dá a noção de empreitada nos seguintes termos: “Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”. Daqui resulta que são dois os requisitos essenciais deste contrato, a saber: - a realização de uma obra (resultado); - a autonomia do empreiteiro. Este requisito da autonomia é essencial para o distinguir do contrato de trabalho, onde o trabalhador se submete às ordens e direcção da entidade patronal (cfr. art.º 1152.º), e significa que não há vínculo de subordinação do empreiteiro em relação ao dono da obra. “O empreiteiro age sob a sua própria direcção, com autonomia, não sob as ordens do comitente, estando apenas sujeito à fiscalização do dono da obra (cfr. art.º 1209.º)”. Para que haja empreitada é, ainda, essencial que o contrato tenha por objecto a realização de uma obra, ou seja, a prestação de um serviço (art.º 1155.º), mas não de um serviço pessoal que está sujeito às regras do mandato (art.º 1156.º). “Por realização de uma obra deve entender-se não só a construção ou criação, como a reparação, a modificação ou a demolição de uma coisa. Do que não pode prescindir-se é dum resultado material, por ser esse o sentido usual, normal, do vocábulo obra e tudo indicar que é esse o sentido visado no artigo 1207.º. Resumindo, pode dizer-se que a noção legal de empreitada atende simultaneamente ao requisito do resultado (realizar certa obra) e ao critério da autonomia (falta de subordinação própria do contrato de trabalho” (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, 2.ª edição, págs. 702 e 703). Como é sabido, o contrato de empreitada é um contrato sinalagmático, oneroso, comutativo e consensual (cfr. Pedro Martinez, Contrato de Empreitada, 1994, págs. 66 e 67). É sinalagmático na medida em que dele emergem obrigações recíprocas e interdependentes: a obrigação, para o empreiteiro, de realizar uma obra e o dever que incide sobre o dono desta de pagar o preço; oneroso, porque o esforço económico é suportado pelas duas partes e há vantagens correlativas para ambas; comutativo, na medida em que as vantagens patrimoniais dele emergentes são conhecidas das partes no momento do ajuste; e consensual, pois a validade das declarações negociais depende do mero consenso. Ao mesmo aplicam-se as regras especiais para ele definidas nos art.ºs 1207.º a 1230.º do Código Civil e as normas gerais relativas aos contratos e às obrigações com elas compatíveis (cfr. Pedro Martinez, Cumprimento Defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada, 1994, pág. 302). Quanto àquele regime particular, importa notar o seguinte: A obra deve ser executada pelo empreiteiro em conformidade com o convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (art.º 1208.º). Ocorrendo defeitos, o dono da obra tem, em primeiro lugar, o direito de exigir a sua eliminação ou nova construção se não puderem ser suprimidos (art.º 1221.º, n.º 1). Caso isto não se concretize, pode pedir a redução do preço ou a resolução do contrato (art.º 1222.º). Complementarmente, se ainda houver prejuízos, tem o direito de ser indemnizado nos termos gerais (art.º 1223.º). Está prevista também a impossibilidade de execução da obra, por causa não imputável a qualquer das partes (art.º 1227.º), bem como a desistência da empreitada por parte do dono da obra (art.º 1229.º). Mas outras situações podem surgir e perturbar a vida do contrato, pelo que há necessidade de recorrer aos princípios gerais. Assim, se o devedor faltar culposamente ao cumprimento das obrigações, torna-se responsável pelo prejuízo que cause ao outro contraente. O direito de indemnização daqui resultante, varia consoante haja mora ou incumprimento definitivo, figuras distintas não só na sua natureza como nos seus efeitos, mas que não vamos aqui analisar por irrelevarem para a economia do presente recurso. Um dos efeitos do aludido contrato é a obrigação de pagar o preço. Este deve ser pago, na falta de cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra (art.º 1211.º, n.º 2). A determinação ou fixação do preço pode fazer-se por várias formas, tal como claramente resulta do n.º 1 do art.º 1211.º ao mandar aplicar, com as necessárias adaptações, o disposto no art.º 883.º, que dispõe: “1. Se o preço não estiver fixado por entidade pública, e as partes o não determinarem nem convencionarem o modo de ele ser determinado, vale como preço contratual o que o vendedor normalmente praticar à data da conclusão do contrato ou, na falta dele, o do mercado ou bolsa no momento do contrato e no lugar em que o comprador deva cumprir; na insuficiência destas regras, o preço é determinado pelo tribunal, segundo juízos de equidade. 2. Quando as partes se tenham reportado ao justo preço, é aplicável o disposto no número anterior.” Da aplicação deste normativo resulta que, na determinação do preço, importa, em primeiro lugar, recorrer à convenção das partes, se o preço não estiver determinado por entidade pública. Na falta ou insuficiência destes critérios, atender-se-á ao que o empreiteiro normalmente praticar à data da conclusão do contrato, que, nessas circunstâncias, terá servido, muitas vezes, de ponto de referência ao dono da obra. Por último, na insuficiência destas regras, o preço será fixado pelo tribunal, segundo juízos de equidade, não sendo, por isso, a falta de fixação do preço que determina a nulidade do negócio (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, pág. 711). No caso em análise, verificam-se os requisitos essenciais do contrato de empreitada, acima aludidos. Com efeito, resulta da matéria de facto provada, designadamente dos n.ºs 1, 9, 10 e 11 da fundamentação de facto, que o autor se obrigou em relação ao réu a realizar uma determinada obra. Tal obra consistiu na aplicação do material eléctrico necessário à conclusão da obra que anteriormente havia sido adjudicada a outro empreiteiro, no edifício dos Paços do Concelho de Peso da Régua, onde está instalada a Câmara Municipal. E o autor, enquanto empreiteiro, gozou de total autonomia na execução dessa obra. Estão, assim, verificados, os requisitos essenciais do contrato de empreitada, pelo que não podemos deixar de o qualificar como tal. O contrato foi celebrado entre o autor e o réu que lhe solicitou os seus serviços consistentes na aplicação de material eléctrico, incluindo o seu fornecimento. Tendo o contrato sido celebrado pelo dono da obra com o autor, na qualidade de empreiteiro, não faz sentido falar em subempreiteiro e responsabilidade do empreiteiro inicial, como faz erradamente o autor, já que não está em causa o contrato que eventualmente este tenha celebrado com o demandante. Também não releva o facto de o contrato ter sido celebrado verbalmente, visto estarmos perante um contrato consensual, em que a validade das declarações negociais depende do mero consenso e não de qualquer formalidade especial. O preço não é um requisito essencial e a falta da sua estipulação não afecta a validade do contrato. Na falta de convenção sobre o preço, atende-se ao que o empreiteiro normalmente praticava à data da conclusão do contrato que é o que consta da factura junta a fls. 8 e 9, cujo teor foi dado como reproduzido nos n.ºs 2 e 5 da fundamentação de facto, ainda que aí se refira somente a folha 8, por evidente lapso, já que a factura é uma só, com o n.º 40 e a data de 27/12/2004, altura em que foram concluídas as obras (cfr. n.º 7), não sendo muito diferente do momento em que o contrato foi celebrado, ou seja, no final de Março de 2004 (cfr. n.º 9). Nessa factura estão discriminados os materiais aplicados e os respectivos valores, no montante total de 23.185,01 €, que coincide com o valor que consta do n.º 5 da fundamentação de facto. Portanto, o preço da empreitada é de 23.185,01 €. Pelo seu pagamento é exclusivamente responsável o réu, enquanto dono da obra e outorgante do contrato que celebrou com o autor. Esta obrigação decorre do preceituado nos citados art.ºs 1207.º e 1211.º, n.º 2, competindo ao réu efectuar o pagamento do preço da empreitada que celebrou com o autor e visto que este cumpriu a sua obrigação executando a obra que foi objecto desse contrato. São, por conseguinte, irrelevantes quaisquer outros contratos e eventuais pagamentos feitos ao empreiteiro original, sendo certo que o réu nem sequer os provou, muito menos provou qualquer pagamento referente à factura emitida pelo autor pela execução da obra que foi objecto do contrato aqui em causa, como lhe competia, nos termos do art.º 342.º, n.º 2 (cfr. respostas negativas dadas aos quesitos 4.º a 7.º). É, pois, aquele o montante da dívida que o réu tem para com o autor, a que acrescem os juros moratórios legais nos termos fixados na sentença, que, nessa parte, não foi posta em causa no recurso. Não se vislumbra, assim, onde exista falta de objecto do contrato de empreitada e, existindo este, como existe, não pode falar-se em enriquecimento sem causa (ou falta dele), atenta a sua natureza subsidiária (cfr. art.º 474.º). Improcedem, deste modo, as restantes conclusões do apelante, pelo que a sentença deve ser mantida. Sumariando nos termos do n.º 7 do art.º 713.º do CPC: 1. Os tribunais comuns são competentes para apreciar e decidir uma acção que tem como causa de pedir um contrato de empreitada de natureza privada e como pedido a condenação no pagamento do respectivo preço, ainda que tenha sido celebrado com uma autarquia local e a obra seja executada num edifício público, por não configurar uma relação jurídica administrativa. 2. Existe contrato de empreitada quando se mostram provados os seus requisitos essenciais, a saber: a realização de uma obra e a autonomia do empreiteiro. 3. O preço não é requisito essencial do contrato de empreitada e, na falta de convenção do mesmo pelas partes, determina-se atendendo ao que o empreiteiro normalmente praticar à data da conclusão do contrato, sendo responsável pelo seu pagamento o dono da obra. III. Decisão Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e confirma-se a douta sentença recorrida. * Custas pelo apelante.* Porto, 12 de Março de 2013Fernando Augusto Samões José Manuel Cabrita Vieira e Cunha Maria das Dores Eiró de Araújo |