Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4463/12.3TDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LANGWEG
Descritores: ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
CUMPLICIDADE
LENOCÍNIO
Nº do Documento: RP201812074463/12.3TDPRT.P1
Data do Acordão: 12/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: ANULADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º781, FLS.101-128)
Área Temática: .
Sumário: I - Encontrando-se uma arguida acusada pela prática, como coautora material, de um crime de lenocínio (artigo 169º, 1, do Código Penal) e resultando da prova produzida em julgamento apenas factos integrantes da prática desse tipo legal de crime, mas enquanto cúmplice, tal configura uma alteração não substancial dos factos para os efeitos previstos no artigo 358º do Código de Processo Penal.
II - Não resultando essa alteração de factos alegados pela defesa, tal alteração deveria ter sido comunicada à defesa da arguida, sendo-lhe concedido, se requerido, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa (artigo 358º, 1 e 2, "a contrario sensu", do mesmo Código).
III - Nos termos do disposto no artigo 379º, 2, do mesmo texto legal, é nula uma sentença condenatória que tiver procedido a uma alteração não substancial dos factos sem que tenha sido respeitada, durante o julgamento, a garantia processual prevista no artigo 358º, 1, do Código de Processo Penal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 4463/12.3TDPRT.P1
- Data do acórdão: 7 de Dezembro de 2018

Relator: Jorge M. Langweg
Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Criminal
Sumário:
............................................................................................
............................................................................................
............................................................................................

Acordam, em conferência e por unanimidade, os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto

Nos autos acima identificados, em que figuram como recorrentes:
a) o Ministério Público;
b) os arguidos B… e C…;
c) a arguida D…; e
d) a arguida E….
I – RELATÓRIO
1. Por sentença datada de 16 de Fevereiro de 2018[1], foi proferida a sentença recorrida que terminou com a formulação do dispositivo que a seguir se reproduz:
"Em conformidade com todo o exposto, julgo a acusação:
- improcedente, por não provada, quanto ao arguido F…, em consequência do que absolvo o mesmo do crime de lenocínio por que vem acusado;
- parcialmente procedente, por parcialmente provada, quanto à arguida G…, em consequência do que a condeno, pela prática, como cúmplice, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo artº 169°, nº 1, do C.P., na pena de 8 meses de prisão, que se substitui por 240 dias de multa, à razão diária de €5,00, o que tudo perfaz a multa global de €1.200,00, absolvendo-a do mais;
- procedente, por provada, nos moldes demonstrados, quanto à prática pelos arguidos D…, H…, I… e E…, em co-autoria material, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo artº 169°, nº 1, do Cód. Penal, em consequência do que os condeno nas seguintes penas:
- a arguida D…, na pena de 3 (três) anos de prisão;
- o arguido H…, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão, que se suspende na sua execução pelo mesmo período, com sujeição a regime de prova;
- o arguido I…, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, que se suspende na sua execução pelo mesmo período, com sujeição a regime de prova;
- a arguida E…, na pena de 8 (oito) meses de prisão, que se substitui por 240 dias de multa, à razão diária de e 5, 00, o que tudo perfaz a multa global de e 1.200,00;
- procedente, por provada, nos moldes demonstrados, quanto à prática pelos arguidos B… e C…, em co-autoria material, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo artº 169º, nº 1, do Cód Penal, em consequência do que os condeno nas seguintes penas:
- a arguida B…, na pena de 3 (três) anos de prisão;
- o arguido C…, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, que se suspende na sua execução pelo mesmo período, com sujeição a regime de prova.
Mais vai cada um dos arguidos D…, H…, I…, E…, G…, B… e C… condenado em 4 (quatro) UC de taxa de justiça, e todos, solidariamente, nas custas do processo, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiem.
(…)"

2. Inconformado com a decisão, o Ministério Público interpôs recurso da mesma, terminando a motivação do recurso com a formulação de conclusões que versam as seguintes questões:
a. a alteração, em sede de sentença, da participação da arguida G…, de coautora, nos termos constantes da acusação, para cúmplice, traduz alteração não substancial dos factos, exigindo o cumprimento do n.° 1 do art.° 358.° do C.P.P.;
b. não tendo sido comunicada, previamente, tal alteração não substancial dos factos à defesa, a sentença recorrida incorreu na nulidade prevista no art.° 379.°, n.° 1, alínea b), do C.P.P.;
c. o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
d. o vício de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão; e
e. o erro em matéria de direito que resultou na aplicação de pena de prisão efetiva – e não suspensa na sua execução - às arguidas D… e B…;
3. A arguida B… também interpôs recurso da sentença condenatória, suscitando as seguintes questões:
a. a alteração, em sede de sentença, da participação da arguida G…, de coautora, nos termos constantes da acusação, para cúmplice, traduz alteração não substancial dos factos, exigindo o cumprimento do n.° 1 do art.° 358.° do C.P.P.;
b. não tendo sido comunicada, previamente, tal alteração não substancial dos factos à defesa, a sentença recorrida incorreu na nulidade prevista no art.° 379.°, n.° 1, alínea b), do C.P.P.;
c. o vício de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão; e
d. a impugnação da decisão da matéria de facto;
4. Inconformados com a sentença, também os arguidos B… e C… interpuseram recurso da decisão final, suscitando as seguintes questões:
a. o vício de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão;
b. o vício de erro notório na apreciação da prova;
c. a violação da presunção de inocência dos ora recorrentes;
d. a inconstitucionalidade material do n° 1 do artigo 169° Código Penal, por violação do disposto no n° 2 do artigo 18° da Constituição da República Portuguesa;
5. Também inconformada com a sentença, a arguida D… interpôs recurso da decisão final, suscitando as seguintes questões:
a. o erro em matéria de direito consubstanciado no afastamento da ilicitude típica pela inexistência de bens jurídicos lesados e, por conseguinte, de vítima; e
b. o erro em matéria de direito que resultou na aplicação, à ora recorrente, de pena de prisão efetiva – e não suspensa na sua execução –;
6. A arguida E… também interpôs recurso da sentença condenatória, suscitando as seguintes questões:
a. a impugnação da decisão da matéria de facto;
b. o erro em matéria de direito consubstanciado no afastamento da ilicitude típica pela inexistência de bens jurídicos lesados e, por conseguinte, de vítima; e
c. o erro em matéria de direito que resultou na decisão de perda a favor do Estado de bens apreendidos à ora recorrente.

7. Os recursos foram liminarmente admitidos no tribunal a quo, subindo imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
8. O Ministério Público respondeu à motivação dos recursos dos arguidos, pugnando:
a. Quanto ao recurso da arguida D…:
i. Pela improcedência do alegado afastamento da ilicitude da conduta provada;
ii. Pela procedência do recurso, quanto à pretendida suspensão da execução da pena de prisão;
b. pela improcedência do recurso da arguida E…;
c. quanto ao recurso da arguida G…, limita-se a reiterar a motivação do recurso do Ministério Púbico, quanto à situação desta arguida;
d. quanto ao recurso dos arguidos B… e C…:
i. pela procedência do recurso, quanto à pretendida suspensão da execução da pena de prisão aplicada à arguida B… – reiterando, nesta parte, a própria motivação do recurso do Ministério Público; e
ii. pela improcedência do demais pretendido nos recursos;

9. Nesta instância, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência dos recursos do Ministério Público e da arguida G…, no que diz respeito à nulidade invocada, em consonância com a posição do Ministério Público da primeira instância, na procedência parcial dos recursos das arguidas B… e D…, no que concerne à medida concreta das penas, nos termos defendidos pelo Ministério Público e na improcedência dos demais recursos.
10. Apenas os arguidos B… e C… apresentaram resposta ao parecer, reiterando, no essencial, a motivação dos recursos respetivos.
11. Não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos do Código de Processo Penal].
Questões a decidir
Do thema decidendum dos recursos:
Para definir o âmbito dos recursos, a doutrina [2] e a jurisprudência [3] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que os recorrentes extraíram da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
De acordo com as regras da precedência lógica a que estão submetidas as decisões judiciais (artigo 608º, nº 1 do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal), importa apreciar, primeiramente, as nulidades da sentença invocadas pelos recorrentes Ministério Público, G…, B… e C…, a saber:
a. a alteração, em sede de sentença, da participação da arguida B…, de coautora, nos termos constantes da acusação, para cúmplice, traduz alteração não substancial dos factos, exigindo o cumprimento do n.° 1 do art.° 358.° do C.P.P.;
b. não tendo sido comunicada, previamente, tal alteração não substancial dos factos à defesa, a sentença recorrida incorreu na nulidade prevista no art.° 379.°, n.° 1, alínea b), do C.P.P.;
c. o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
d. o vício de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão; e
e. o erro notório na apreciação da prova.
No caso de tais questões não terem fundamento, ou a sua solução passar por alterações na decisão recorrida susceptíveis de serem concretizadas nesta instância, importará apreciar as demais questões colocadas pelos recorrentes:
a. a violação da presunção de inocência;
b. a impugnação da decisão da matéria de facto;
c. a inconstitucionalidade material do n° 1 do artigo 169° Código Penal, por violação do disposto no n° 2 do artigo 18° da Constituição da República Portuguesa;
d. o erro em matéria de direito consubstanciado no afastamento da ilicitude típica pela inexistência de bens jurídicos lesados e, por conseguinte, de vítima; e
e. o erro em matéria de direito que resultou na aplicação de pena de prisão efetiva – e não suspensa na sua execução - às arguidas D… e B…;
f. o erro em matéria de direito que resultou na decisão de perda a favor do Estado de bens apreendidos à recorrente E….
II – FUNDAMENTAÇÃO
Para a apreciação das questões acima enunciadas, interessa recordar o teor da fundamentação da sentença recorrida:
A) Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
«a) No âmbito do processo nº 60/05.8SFPRT, que corre termos no Porto - Instância Local - Secção Criminal - J6, foram as arguidas D… e B… condenadas por sentença de 24/02/2011, transitada em julgado em 28/03/2011, pela prática, por parte de cada uma, de um crime de lenocínio, p. e p. à data a que se reportam os correspondentes factos pelo artigo 170°, n.º 1, do Código Penal, e atualmente pelo artigo 169, n.º 1, do mesmo Código, respetivamente, na pena de dois anos e oito meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, e na pena de dois anos e dois meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
b) Tal crime ocorreu, para além do mais, nas casas situadas na Avenida …, nº …., no Porto, e na Avenida …, nº …., no Porto, utilizadas para a prática de atividades remuneradas de cariz sexual por parte de mulheres, por norma de nacionalidade estrangeira, que as mencionadas arguidas geriam e exploravam;
c) Apesar disso, as referidas casas, pelo menos desde Janeiro de 2012 e até 10 de Abril de 2014, continuaram a ser utilizadas para a prática, por parte de mulheres, algumas de nacionalidade estrangeira, de atividades de cariz sexual, tendo como contrapartida o pagamento de quantias em dinheiro por parte de homens que quisessem manter aquelas práticas sexuais, sendo que naquele período a arguida D…, por um lado, dirigia e explorava a casa situada na Avenida …, nº …., no Porto, enquanto a arguida B…, também naquele período, dirigia e explorava a casa situada na Avenida …, n.º …., no Porto;
d) Assim, e naquele período temporal (desde Janeiro de 2012 e até 10 de Abril de 2014), a arguida D…, auxiliada pelos arguidos H… e I…, ambos seus filhos, e pela arguida E…, por sua vez sua neta, filha do referido H…, e em cumprimento de um plano que previamente delinearam, decidiram utilizar a casa situada na Avenida …, n.º …., para promover e apoiar a prática de atos sexuais de cópula, coito anal, coito oral e outras atividades de cariz sexual, por parte de mulheres, que recrutavam e angariavam, em troca de quantias em dinheiro, a pagar por potenciais clientes (homens que pretendessem manter atividade sexual pagando o valor solicitado), e de forma a obter, desta forma rendimentos monetários, dividindo o montante cobrado aos clientes, isto é, ficando os arguidos com metade de tais montantes e entregando o remanescente às respetivas mulheres;
e) Ainda com aquele intuito a arguida D… solicitou à arguida G… que em seu nome celebrasse, como a mesma efetivamente celebrou em 20 de Dezembro de 2002, um contrato de arrendamento para habitação da casa situada na Avenida …, n.º …., no Porto, nele figurando como fiadora a arguida D…;
f) E mais ainda que a arguida G… requisitasse água e eletricidade para a dita casa, como efetivamente a mesma diligenciou (com o número de telefone ………..);
g) Efetivamente e para execução do plano que delinearam, e no período temporal assinalado, os arguidos D…, H…, I… e E…, partilhavam e dividiam tarefas relacionadas com a gestão da casa situada na Avenida …, nº …., no Porto, e dividiam entre si, em proporção não concretamente apurada, os valores monetários pagos pelos homens que ali praticavam atos sexuais com as mulheres que ali se encontravam, da seguinte forma:
- a arguida D…: diligenciou, pela forma referida em e), pelo arrendamento da casa sita no nº …. da Av. …, no Porto, onde se praticavam os atos sexuais; recrutava e angariava várias mulheres, algumas de nacionalidade estrangeira, para praticarem atos sexuais a troco de dinheiro na mencionada casa, efetuando tal recrutamento através de contactos telefónicos ou através de anúncios na internet; colocava e mandava colocar anúncios em jornais e na internet onde divulgava fotografias e dizeres conotados com a publicidade à prostituição e os números de telefone para contacto por referência à referida casa; atendia os telefones indicados nos anúncios, dava informações sobre os serviços sexuais prestados e o seu valor e indicava o local onde se situava a casa; abria a porta e recebia os clientes, apresentava-lhes as mulheres que se encontrassem na casa com vista à prática de atos sexuais, indicava aos clientes os valores a pagar pelos atos sexuais pretendidos, encaminhava os clientes para os quartos; recebia o dinheiro dos clientes, entregava uma parte, na proporção de metade, do valor pago pelos clientes às respetivas mulheres e o restante dividia com os restantes arguidos indicados, em percentagem não concretamente apurada; contratava as rececionistas, dando-lhes instruções diariamente, quanto as tarefas a desempenharem, nomeadamente à forma como deveriam atender os telefones, as informações a prestar aos clientes, a apresentação das meninas, o controlo das idas aos quartos das meninas e clientes, a preservação do bom funcionamento (música ambiente e ligar as velas) e arrumação da casa, confeção de refeições, as compras de consumíveis essenciais ao seu bom funcionamento, nomeadamente bebidas alcoólicas para venda aos clientes, prestação de contas e pagamentos às meninas; e efetuava compras de bebidas para consumo dos clientes.
- o arguido H…: recrutava e angariava várias mulheres, algumas de nacionalidade estrangeira, para praticarem atos sexuais na referida casa a troco de dinheiro, efetuando tal recrutamento através de contactos telefónicos ou através de anúncios na internet; colocava ou mandava colocar anúncios em jornais e na internet onde divulgava fotografias e dizeres conotados com a publicidade à prostituição e os números de telefone para contacto por referência à referida casa; fiscalizava a atividade da casa, contabilizando e controlando o número de clientes atendidos e os pagamentos efetuados pelos clientes, recebia o dinheiro pago pelos clientes que dividia, em proporção não concretamente apurada, com os demais arguidos a que se alude na alínea d);
- o arguido I…: recrutava e angariava várias mulheres, algumas de nacionalidade estrangeira, para praticarem atos sexuais na referida casa a troco de dinheiro, efetuando tal recrutamento através de contactos telefónicos ou através de anúncios na internet; colocava ou mandava colocar anúncios em jornais e na internet onde divulgava fotografias e dizeres conotados com a publicidade à prostituição e os números de telefone para contacto por referência à referida casa; fiscalizava a atividade da casa e os pagamentos efetuados pelos clientes;
- a arguida E…: elaborava e colocava em jornais e na internet, anúncios com fotografias de mulheres nuas ou seminuas, quartos e objetos de cariz sexual e com dizeres conotados com a prática da prostituição e a indicação dos números de contacto telefónico para o efeito referentes à casa supra mencionada; recebia dinheiro oriundo do pagamento dos clientes, em proporção não concretamente apurada, que lhe era entregue pela sua avó, a arguida D…, e pelo seu pai, o arguido H…;
h) Para o efeito também, foram elaborados pelos arguidos H…, I… e E…, com a conivência e muitas vezes a pedido da arguida D…, vários anúncios conotados como publicidade à prática de atos sexuais a troco de dinheiro na internet, assim visando angariar clientes para a casa nº …., bem como anúncios solicitando os serviços sexuais de mulheres, assim visando angariar mulheres para a prática de prostituição nesta mesma casa n.º …, os quais foram colocados no jornal e na internet pelos mencionados arguidos, sendo que concretamente anunciaram: na secção de classificados do Jornal J…, no dia 2 de Janeiro de 2012, "…! … www…..net ……….", (anúncio colocado pela arguida G…); na secção de classificados do Jornal J…, no dia 28 de Setembro de 2012 e no dia 6 de Outubro de 2012, "…!!! … e Motéis ………, ………', no site www…..net "…. requinte, elegantemente decorada e equipada com quartos temáticos. Quartinho especial: para prática de sadomasoquismo, com todos os acessórios e fantasias. Quartinho Musical: varão profissional de striptease. Quartinho Amazonas: suite Penthouse. Quartinho …: espelhado. Sempre novidades especiais, 5 jovens viciadas, cinco jovens bem treinadas, 5 jovens preparadas, situa-se na Av.ª …, nº …., Porto, junto à Praça …, Tel. ………. Fixo ……… Av. …, nº …."; no site ….pt ."Procura-se Mulher para escort no Porto ……….. Casa de massagens no porto procura mulher para praça de 10 dias 24 horas com garantia de 100 euros diários, boas condições, alojamento e alimentação ………URGENTE" e "Menina de 24 anos com amiga de 20 aninhos no porto ……… menina de 24 anos morena com amiga de 20 aninhos morena muito bonita estamos à tua espera 24 horas por dia no porto ………";
- no site massagens.net exibem fotografias de mulheres nuas ou em lingerie em poses sexuais, de quartos e de objetos de cariz sexual acompanhadas dos seguintes anúncios "… Vivenda de altíssimo nível e luxo. Localizado em zona privilegiada da nossa Cidade Invicta .. Devidamente equipada com quartos temáticos: - Quartos … "espelhado". - Quarto Musical "com varão profissional de striptease". - Quarto … "Suite Penthouse". - Quartinho … "com vários acessórios, aparelhos e diversas fantasias para sado-masoquismo". - Máxima higiene e discrição para com os nossos visitantes e amigos. - Mudança quinzenal das nossas colaboradoras. Estamos na Av. …, n," …., ………, ………: "Novidade ... 1.a K… 22 anos ... Uma morena lindíssima, cor de canela com um corpo perfeito ......... SÓ visto! Novidade exclusiva .. Recém chegada de ... ………, ………", "Novidade ... 1.a vez. L…, 24 anos. Uma gata poderosa, muito charmosa, sensual e bonita. Com um corpo de cortar a respiração! Novidade absoluta no Porto, recém chegada de … ……….., ………..";
- na secção Relax do Jornal J… de 21 de Março de 2013, "6 mulheres - 3 novidades 2 Loiras, 3 morenas, 1 portuguesa. Nova gerência. 15 anos a cuidar de si. Análises clínicas regulares. Limite 48h a partir de 20 mimos. Porto. ……….., ……….., ……….. 24H";
- no site ….pt, de 16 de Junho de 2013 "Aceita (M/F) colaboradoras em moradia de luxo ganhos elevados c/ possível alojamento ………"; - no Jornal J… de 16 de Junho de 2013 "6 Mulheres Bombastícas - 24H - ………/………";
- no Jornal J… de 25 de Julho de 2013 "Novidades 5 Mulheres-24H. ………/………";
- no jornal J… de 6 de Outubro de 2013 "… 4 amigas show lésbico, dominação e casais + Análíses clínicas regulares. Em moradia de luxo. ………/……… Porto …";
- no jornal J… de 3 de Novembro de 2013 "4 mulheres - 24 horas- Vivendas com quartos privados, ar condicionado wc analíses regulares. Sexo seguro. ………/………/………";
- no jornal J…, secção relax, "Show lésbico 24H. Orgias, vibrador de cinta, brinquedos e tudo o que possa imaginar com 5 mulheres à tua disposição, s/tabus Porto (…), Desloc. Só Hotéis/Motéis ………/………/………";
- no site www….com.pt. em 8 de Janeiro de 2014, "M… -Quarentona Linda e Bombástica €20,00 ………, ………': "5 Acompanhantes de Luxo - … 24H - Porto €20,00, ………, ………", N… - Modelo Portuguesa 24H €20,00 ………, ………': "O… Bomba Brasileira - ……… 24H ………".
i) Também, e naquele período temporal (desde Janeiro de 2012 e até 10 de Abril de 2014), a arguida B…, auxiliada pelo seu marido o arguido C…, e em cumprimento de um plano que previamente elaboraram, decidiram utilizar a casa situada na Avenida …, nº …., no Porto, para promover e apoiar a prática de atos sexuais de cópula, coito anal, coito oral e outras atividades de cariz sexual, por parte de mulheres, que recrutavam e angariavam, em troca de quantias em dinheiro, a pagar por potenciais clientes, e de forma a obter, desta forma rendimentos monetários, dividindo entre si, de forma não concretamente apurada, uma percentagem do montante cobrado aos clientes, entregando o remanescente às respetivas mulheres;
j) Ainda com esta finalidade a arguida B… celebrou em 30 de Junho de 2008 um contrato de arrendamento para habitação de prazo certo da casa situada na Avenida …, nº …., no Porto, e requisitou água e eletricidade para a dita casa, contrato que foi renovado por um outro contrato outorgado na qualidade de inquilina por P…, pessoa que trabalhava naquela casa sob as ordens da arguida B…, a mando desta;
k) Efetivamente e para execução do plano que delinearam, e naquele período temporal, os arguidos B… e C… partilhavam e dividiam tarefas relacionadas com a gestão da casa situada na Avenida …, nº …., no Porto, e dividiam entre si, em proporção não concretamente apurada, os valores monetários pagos pelos homens que ali praticavam atos sexuais com as mulheres que ali se encontravam, da seguinte forma:
- a arguida B…: diligenciou pelo arrendamento da aludida casa no n.º …., onde se praticavam os atos sexuais; recrutava e angariava várias mulheres, algumas de nacionalidade estrangeira, para praticarem atos sexuais naquela casa a troco de dinheiro, efetuando tal recrutamento através de contactos telefónicos ou contacto direto com as mesmas; contratou água e eletricidade para a casa em questão; contratou as rececionistas, dando-lhes instruções diariamente, quanto às tarefas a desempenharem, nomeadamente à forma como devem atender os telefones, à apresentação das meninas, ao controlo das idas aos quartos das meninas e clientes, preservar pelo bom funcionamento e arrumação da casa, confeção de refeições, compra de consumíveis essenciais ao seu bom funcionamento, nomeadamente bebidas alcoólicas para venda aos clientes, prestação de contas e pagamentos às meninas; recebia, em proporção não concretamente apurada, o valor pago pelos clientes e trazido pelo arguido C…;
- o arguido C…: fiscalizava a atividade da casa, contabilizava e controlava o número de clientes e os pagamentos efetuados pelos clientes, recebia o dinheiro pago pelos clientes que dividia, em proporção não concretamente apurada, com a arguida B…;
I) Era, além do mais, com os valores monetários que recebiam da descrita atividade, que os arguidos D…, H…, I… e E…, de um lado, e os arguidos B… e C…, de outro lado, faziam face às suas despesas do dia-a-dia;
m) Neste período temporal e nas mencionadas casas a atividade desenrolava-se de forma idêntica e da seguinte forma: as mulheres recrutadas, algumas de nacionalidade estrangeira, para as práticas sexuais remuneradas, permaneciam num período de quinze dias nas referidas casas, dormindo em beliches, sob as ordens e direção dos respetivos arguidos que exploram cada uma das casas;
n) Em cada uma das casas, em regra, prestam serviços sexuais duas a seis mulheres, sendo que a permanência do maior número de mulheres nas mencionadas casas verifica-se no período noturno e fins-de-semana;
o) As quantias cobradas pelos serviços sexuais são pré-definidas com as mulheres que ali praticam atos sexuais a troco de dinheiro, consoante a natureza do ato sexual a praticar, e são recebidas pelas mulheres diretamente do cliente e são ainda anotadas em folhas ou cadernos o número de clientes e valor respetivamente pago, com vista à divisão dos valores assim obtidos entre as mulheres e a respetiva casa (e os respetivos arguidos que a exploram);
p) Os arguidos recorriam ainda, no período em causa, aos serviços de colaboradoras, que exerciam funções de rececionistas e empregadas de limpeza, às quais incumbia, em especial na ausência dos arguidos, apresentar as mulheres aos clientes, efetuar as tarefas domésticas na casa, vigiar e controlar o movimento, quer dos clientes, quer das mulheres, receber o dinheiro pago pelos clientes e apresentar contas e entregar o valor monetário obtido aos respetivos arguidos;
q) Assim é que a arguida G…, a mais do que se deixou referido supra nas alíneas f) e g), atendia os telefones indicados nos anúncios, dava informações sobre os serviços sexuais prestados e o seu valor e indicava o local onde se situava a casa, abria a porta e recebia os clientes, apresentava-lhes as mulheres que se encontrassem na casa com vista à prática de atas sexuais, indicava aos clientes os valores a pagar pelos atas sexuais pretendidos, encaminhava os clientes para os quartos, recebia o dinheiro dos clientes, entregava uma parte, na proporção de metade, do valor pago pelos clientes às respetivas mulheres e o restante à arguida E… ou quem a mesma designasse;
r) Nas mencionadas casas, os clientes pagavam as quantias pré-estabelecidas pelos contactos de natureza sexual com mulheres que ali se encontram, revertendo uma percentagem para a respetiva casa e os respetivos arguidos que a dirigiam e estes forneciam as condições para a respetiva casa manter as suas funcionalidades;
5) No âmbito das relações sexuais, os clientes pagam às mulheres as seguintes quantias na casa da Avenida …, nº …., no Porto:
- €40,00 (preço base), por uma relação de sexo vaginal e oral, com direito a massagem com creme e banho, com a duração de 20 minutos, denominado convívio normal/base;
- €50,00, por uma relação de sexo vaginal e oral, com direito a massagem com creme e banho, com a duração de 30 minutos;
- €100,00, por uma relação de sexo vaginal e oral, com direito a massagem com creme e banho, com a duração de 1 hora;
- €150,00, por uma relação de sexo vaginal e oral, com deslocação a hotéis e motéis, pelo período de uma hora;
- outros contactos de cariz sexual, nomeadamente coito anal, show lésbico, sadomasoquismo, dominação e outros, acordando o preço com as mulheres;
t) Os montantes assim obtidos na casa situada na Avenida …, nº …., no Porto, eram repartidos, na proporção de metade, a favor das mulheres que prestam os serviços e a favor da casa onde permanecem (e dos respetivos arguidos que a promovem);
u) Na casa da Avenida …, nº …., no Porto os clientes pagam às mulheres pela prática de atos sexuais quantias previamente definitas, de valor não concretamente apurado, que são divididas, em proporção não concretamente apurada, entre as mulheres e os arguidos B… e C…, e cada uma das mulheres paga, a favor da casa onde permanecem, um valor diário de €15,00;
v) Algumas das mulheres chegam a praticar relações de cariz sexual nas casas em questão com cerca de 20 homens por dia, podendo auferir valores superiores a €2.000,00 durante o período de tempo que ali permanecem, correspondente à denominada praça - quinze dias;
w) No dia 5 de Março de 2014, pelas 7:10 horas, efetuou-se uma busca na casa situada na Avenida …, nº …., no Porto, onde se encontrava e se apreendeu:
- no escritório: um envelope contendo no seu interior a quantia monetária de €490,00 em diversas notas do Banco Central Europeu, uma pen drive, uma fatura de registo de publicação de anúncio no jornal Q…, quatro cadernos de registo diário com faturação anterior, uma folha rasgada de uma agenda com a designação "preçário", com os seguintes dizeres manuscritos "Preçário: Show lésbico 150€ - 40m, Casal c/ casal - 150€ - 40M, Menina atende casal-150€ - 40M. Dominação – a .. € - 30 M, Domicílios -150€ -1h";
- no quarto do 1.° andar, que continha na porta a designação de "…", dentro de um armário fechado à chave: um vibrador em metal de cor branca com 22 cm de comprimento, um vibrador em metal de cor branco com 10 cm de comprimento, um vibrador em metal de cor branco com 16 cm de comprimento, ligado a fonte de alimentação, um vibrador em silicone de cor beije com 16 cm de comprimento, um vibrador em silicone de cor beije com 10 cm de comprimento, um vibrador em silicone de cor castanho aplicado em cueca de couro preta, oito molas de roupa de várias cores, uma trela em metal branco com pega em couro preto, oito pulseiras em couro de cor preta com aplicação em metal de cor branco, uma coleira em couro de cor preta com aplicação em metal de cor branco, um cordão de cor preto com cerca de 3,5 metros de comprimento, um tapa olhos em formato de óculos em couro de cor preta, um triquini em couro de cor preta com aplicação em metal branco, dois prendedores de mamilos presos por uma corrente em metal de cor branca e com uma argola na extremidade, uma mordaça em couro de cor castanha com uma bola de cor vermelha, um estrangulador de pénis em plástico, um prendedor de mamilos com corrente, uma palmatória em forma de pénis em couro de cor vermelho, uma palmatória em couro de cor preta, uma chibata tipo pinguelim em couro de cor preta, uma chibata com borrachas de cor vermelha na extremidade e pelo de cor vermelho e de cor branca, um chicote de nove pontas em couro, um chicote de ponta em fios cor-de-rosa e expediente em bola de metal de cor branca com brilhante cor-de-rosa;
- no hall de entrada: um telefone fixo com o nº ………;
- um caderno com o registo diário dos serviços prestados a clientes, com a indicação do nome de mulher, hora e valor pago, e com a indicação de vários contactos brasileiros identificados como pertencendo a S… e T…, que se encontrava na posse de U…, que ali praticava atas sexuais em troco de dinheiro;
- na cozinha: em cima de um móvel, um caderno com o registo diário da atividade; dois telemóveis com os nºs ………, com o IMEI ……………., e ………, com o IMEI …………….;
- vários lençóis e toalhas;
x) Nesse mesmo dia 5 de Março de 2014, pelas 7:15 horas, efetuou-se também uma busca na residência de D…, onde residia também a arguida E…, situada na Avenida …, nº …., Hab. …, no Porto, onde se encontrava e se apreendeu:
- no quarto nº 1: um telemóvel de marca …, modelo .. - …., de cor …, com o IMEI ……………., com o cartão SIM …………, que corresponde ao n.º ………, com a respetiva bateria, sem cartão de memória (estava debaixo da almofada da cama) - trata-se do equipamento com a interceção telefónica com o código …; um computador portátil pertencente à arguida E…, ali também residente, de marca …, modelo …, de … e …, com o número de série …………….., com o respetivo cabo de alimentação, o qual tinha introduzida uma pen drive de marca …, de cor vermelha e preta, todos acondicionados na respetiva mala;
- no quarto nº 2: um telemóvel de marca …, modelo …, de cor …, com o IMEI ……………, sem cartão SIM, com a respetiva bateria, com um cartão de memória de 2GB - trata-se do equipamento com a interceção telefónica com o nome de código …;
- no hall de entrada: dois papéis com anotações de uma transferência de dinheiro para o Brasil e um documento de formalização de compra na …, em nome de G…, referentes à residência sita na Avenida …, nº …., no Porto;
- na sala de estar: um computador portátil de marca …, modelo …, … e …, sem número de série, com o ecrã partido, pertencente à arguida E…; um Ipad, da Apple, de 16GB, modelo …, com o número de série …………, … e …, com o respetivo carregador, acondicionado na capa de proteção, de cor …, pertencente à arguida E…; vinte e nove folhas manuscritas referentes à atividade desenvolvida na casa situada na Avenida …, n.º ….; seis documentos com informação bancária; três faturas (…, … e Águas …) em nome de G…, referentes à residência situada na Avenida …, nº …., no Porto, que se encontravam no interior da carteira da arguida D…; uma fatura da …, em nome de V…, referente ao pagamento de um anúncio no jornal Q…, que se encontrava no interior da carteira da arguida D…; um manuscrito com o título "Contrato de trabalho amigável entre E… e a empregada doméstica W…", que se encontrava no interior da carteira da arguida D…; uma notificação do Tribunal de Trabalho de Valongo em nome da arguida D…, com a morada Avenida …, nº …., no Porto; duas agendas, uma … e outra …, com anotações referentes à atividade desenvolvida pela arguida D…, com indicação do nome da mulher, da hora a que se praticou os atos sexuais, o respetivo valor pago, do quarto/local utilizado e a menção Táxi na parte respetiva;
y) Nesse mesmo dia 5 de Março de 2014, pelas 7:15 horas, efetuou-se ainda uma busca na residência, situada na Avenida …, nº …, …, no Porto, e no veículo de matrícula .. - .. - SV, de marca Audi, modelo …, de H…, onde se encontrava e se apreendeu:
- na residência, no hall de entrada: uma capa de argolas, contendo no seu interior quinze folhas referentes a anúncios no Jornal J…, cuja descrição em todas as folhas se refere a "Relax/Massagens"; um caderno contendo várias anotações, nomeadamente dados contabilísticos referentes a Março do ano de 2005 a Fevereiro do ano de 2007, onde constam as despesas/lucros da casa situada na Avenida …, n.º ….; um telemóvel de marca …, modelo …, com o IMEI ……………, com o cartão da rede operadora … com o número …………, referente ao número de telefone ………, correspondente ao …;
- no veículo ... - .. - SV utilizado pelo arguido H…: nove cartões de visita com as inscrições "… Atendimento 24 horas, Telefone ………, ………, ………, meninas 24h….com", números de telefone que correspondem à casa situada na Avenida …, nº …., no Porto;
z) Ainda no dia 5 de Março de 2014 efetuou-se também uma busca na casa situada na Avenida …, n.º …., no Porto, onde se encontrava e se apreendeu:
- no hall de entrada: cinco toalhas brancas, três lenções de flanela em padrão, três fronhas de almofada em padrão;
- na cozinha: um envelope branco colocado em cima de uma botija de gás, contendo no seu interior a quantia de €410,00 e uma folha A4 manuscrita onde consta o nome da mulher que praticou o ato sexual, o valor recebido e a hora em que ocorreu; um livro de recibos de rendas;
- na sala: num invólucro em plástico transparente e azul com a inscrição "…", a quantia de €790,00 em dinheiro do Banco Central Europeu;
- num armário existente no cimo das escadas que dá acesso à cave: um saco de cor preta transparente, contendo no seu interior quinze preservativos para uso masculino, de marca … e …, e dezanove embalagens de gel lubrificante; um vibrador em borracha em forma de pénis, de cor …, … e …, sem pilhas; três preservativos femininos da marca …, dois frascos de gel lubrificante de marca "…" de cor …; dezoito preservativos para uso masculino, de marca "…" e quatro embalagens de gel lubrificante;
- na cave: uma caixa de preservativos de uso masculino de marca …, contendo noventa e oito preservativos;
- na garagem: sete garrafas de vinho espumante de marca "…" e uma garrafa de vinho espumante de marca "…";
- no anexo: três toalhas de banho e uma de rosto, todas de cor branca;
aa) Também no dia 5 de Março de 2014, pelas 7:30 horas, efetuou-se também uma busca na residência situada na Avenida …, nº …., Bloco …, …, no Porto, dos arguidos B… e C…, onde se encontrava e se apreendeu:
- na sala: uma carta da operadora …, no nome de Z…, referente ao pagamento de uma recarga do cartão nº ………. (no interior da gaveta do aparador); uma caixa da …, contendo no seu interior um cartão SIM …………, referente ao n.º ……… (em cima da mesa);
- no hall de entrada: vinte e três manuscritos, contendo informação sobre a atividade levada a cabo na casa situada na Avenida …, nº …., no Porto, concretamente registo da atividade diária de prostituição de várias mulheres, com indicação do seu nome artístico, dos respetivos valores auferidos, da hora em que foram praticados os atos sexuais e a menção sobre o consumo de bebidas alcoólicas;
- na cozinha: um recibo de aluguer da casa situada na Avenida …, nº …., no Porto;
- no quarto nº 2: um telemóvel de marca …, modelo …”, com IMEI ……………., com bateria, sem cartão e sem tampa (em cima da cama da arguida B…); um telemóvel de marca …, modelo …, com os IMElS ………….. e ……………, com o cartão SIM da … n.º …………, com bateria (em cima da cama da arguida B…); um telemóvel de marca …, modelo …, com IMEI ………….., de cor …, com cartão SIM da …, com o n.º ………….., com bateria, a que corresponde o ALVO ……… (na estante); um telemóvel de marca …, modelo …., com IMEI ……………, sem cartão, com bateria (numa caixa em papelão que se encontrava no chão); um telemóvel de marca …, modelo …., com IMEI ……………., sem cartão e sem bateria (numa caixa em papelão que se encontrava no chão); um telemóvel de marca …, modelo …., com IMEI ……………, sem cartão e sem bateria (numa caixa em papelão que se encontrava no chão); um telemóvel de marca …, modelo …, com IMEI ……………, sem cartão e sem bateria (numa caixa em papelão que se encontrava no chão); um telemóvel de marca …, modelo …, com IMEI …………, sem cartão e sem bateria (numa caixa em papelão que se encontrava no chão); um telemóvel de marca Nokia, modelo …, com IMEI ……………… sem cartão, com bateria (numa caixa em papelão que se encontrava no chão); um telemóvel de marca …, modelo …, com IMEI …………….., com cartão SIM nº ……………. da operadora … e bateria (numa caixa em papelão que se encontrava no chão); um telemóvel de marca …, modelo …., com IMEI …………….. (numa caixa em papelão que se encontrava no chão); um telemóvel de marca …, modelo ….., com IMEI ……………, sem cartão, com bateria e sem tampa (numa caixa em papelão que se encontrava no chão); um telemóvel de marca …, modelo ….., com IMEI …………. sem cartão e sem bateria (numa caixa em papelão que se encontrava no chão); um porta cartões da operadora …, referente ao n.º ………. (no interior de um armário e dentro de um cofre); duas folhas manuscritas com contactos telefónicos de mulheres (no interior de um armário e dentro de um cofre); €1.070,00 em notas do Banco Central Europeu; €150,00 em notas do Banco Central Europeu (no interior de um armário e dentro de um baú); quatro manuscritos com a descrição da atividade levada a cabo na casa situada na Avenida …, nº …., no Porto, com a indicação do nome das mulheres que praticaram os atos sexuais, o respetivo valor pago, a hora e a indicação sobre o consumo de bebidas alcoólicas (em cima da cama); uma agenda com a capa de várias cores, contendo informação sobre a atividade levada a cabo na casa situada na Avenida …, nº …., no Porto (em cima da cama);
- no quarto nº …, em cima de um cadeirão: um computador portátil, marca …, modelo …, de cor …, com carregador e sem bateria; um tablet, da marca …, modelo …, com o IMEI ……………., sem cartão SIM, com cartão de memória de 2GB, com cabo de carregamento e bolsa de acondicionamento em napa, de cor castanha, a que corresponde o …, um telemóvel de marca …, modelo … …, IMEI …………..., com cartão da operadora …, com o nº …………, com capa de acondicionamento de cor …, aparelho que funcionou com o nº ………; um telemóvel de marca … modelo …, com os IMEI ………….. e IMEI ……………, com cartão SIM da …, com o n.º ………… e cartão … com o n.º …………, bateria e carregador a que corresponde o …; em cima do parapeito da janela: um cartão da operadora …, com o nº ………..; em cima de um móvel: um papel manuscrito, contendo informação relativa à atividade levada a cabo na casa situada na Avenida …, nº …., no Porto; no interior de uma caixa de cartão: um porta cartões da operadora …, referente ao n.º ………, um cartão de carregamento da operadora … referente ao n.º ……….., um porta cartões da operadora …, uma embalagem porta cartões da operadora … referente ao n.º ……….., um cartão SIM com o nº …………;
bb) Todos objetos apreendidos nos autos eram utilizados na prática da atividade supra descrita desenvolvida pelos arguidos, nomeadamente para receber/efetuar chamadas telefónicas com os clientes e mulheres, para receber/efetuar chamadas telefónicas entre os arguidos, para publicitar a atividade nos jornais e na internet, para apontar e descrever a atividade, lucro e preçário, e para utilizar na prática dos atos sexuais (os objetos de cariz sexual, preservativos, lubrificantes, lençóis, toalhas);
cc) O dinheiro apreendido nos autos é oriundo dos pagamentos efetuados pelos homens que se deslocavam às respetivas casas para a prática de atos sexuais, e, portanto, fruto da atividade desenvolvida pelos arguidos D…, H…, I…, E…, B… e C…;
dd) Todos os arguidos referidos na antecedente alínea, respetivamente com as atuações supra descritas, e nomeadamente arrendando as casas em causa, angariando e acordando com várias mulheres a presença e permanência das mesmas naquelas casas, a fim de ali manterem relações sexuais com os homens (clientes) que ali se deslocavam para o efeito e a troco de quantias monetárias que definiram previamente, acordando com as mulheres a percentagem que seria entregue à casa promovida pelos respetivos arguidos, anunciando esta atividade através de anúncios em jornais e sites na internet, efetuando as compras de bens alimentares e bebidas, atendendo as chamadas dos potenciais clientes, dando-lhes informação sobre o funcionamento, serviços sexuais prestados, preço a pagar e indicações para chegarem às mencionadas casas, e dando instruções às rececionistas/empregadas, visavam, com tal atividade, auferir proventos económicos que lhes permitam sustentar as suas despesas diárias, o que os arguidos D…, H…, I…, E…, B… e C…, sabiam e quiseram;
ee) Os arguidos D…, H…, I… e E…o, agiram de livre vontade e conscientemente, em conjugação de esforços e intentos, sabendo que promoviam, incentivavam e forneciam condições para a prática na casa sita no nº …. da Avenida …, de relações de cariz sexual pelas mulheres referidas a troco de dinheiro, e por eles angariadas, com o propósito concretizado de obter proventos económicos, que sabiam que não lhes eram devidos, aproveitando-se das mulheres supra indicadas para obter lucro patrimonial, de modo regular, resultante desta atividade que desenvolviam;
ff) Os arguidos B… e C… agiram de livre vontade e conscientemente, em conjugação de esforços e intentos, sabendo que promoviam, incentivavam e forneciam condições para a prática de relações de cariz sexual na casa sita no nº …. da Av. …, pelas mulheres referidas a troco de dinheiro, e por eles angariadas, com o propósito concretizado de obter proventos económicos, que sabiam que não lhes eram devidos, aproveitando-se das mulheres supra indicadas para obter lucro patrimonial, de modo regular, resultante desta atividade que desenvolviam;
gg) Mais estavam uns e outros cientes de que essa sua conduta era proibida e punida por lei;
hh) Por sua vez, ao atuar pela forma descrita supra sob as alíneas e), f) e q), fê-lo a arguida G… de livre vontade e conscientemente, sabendo que dessa forma facilitava a prossecução pelos arguidos D…, H…, I… e E… da atividade referida em d), a qual igualmente sabia ser proibida e punida por lei;
......................................................................................................
......................................................................................................
.....................................................................................................
Perante o exposto, importa apreciar e decidir as questões submetidas à apreciação deste Tribunal – sem prejuízo das questões de apreciação oficiosa -.
1ª questão: da alteração não substancial dos factos;
Conforme referido no relatório, o Ministério Público e a arguida B… suscitaram nos respetivos recursos a nulidade da sentença recorrida, com base na alteração não substancial dos factos descritos na acusação, uma vez que a mesma não foi previamente comunicada à defesa, contrariando o disposto no artigo 358º, nº 1 e com a cominação legal prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 379º, ambos do Código de Processo Penal.
Cumpre apreciar e decidir.
Compulsado o teor da acusação e da sentença, bem como das atas das audiências de julgamento, conclui-se o seguinte:
- A arguida B… encontra-se acusada pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo artigo 169º,nº 1, do Código Penal.
- Realizada a audiência de julgamento, não lhe foi comunicada qualquer alteração não substancial da acusação (artigo 358º, 1, do Código de Processo Penal).
- Porém, a sentença terminou com a sua condenação pela prática, como cúmplice, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo artigo 169°, nº 1, do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão, substituída por 240 dias de multa, à razão diária de €5,00, absolvendo-a da acusação quanto a esse crime, enquanto coautora material.
- A decisão da matéria de facto também contemplou as necessárias alterações que suportam essa solução, ao:
a) considerar não provados os seguintes factos:
- A atuação da arguida G… no período temporal em referência nos autos (de Janeiro de 2012 até 10 de Abril de 2014) o foi em execução de um plano previamente concertado pela mesma e pelos arguidos D…, H…, I… e E…, com o propósito de promover e apoiar a prática de atas sexuais de cópula, coito anal, coito oral e outras atividades de cariz sexual, por parte de mulheres, que recrutavam e angariavam, em troca de quantias em dinheiro, a pagar por potenciais clientes (homens que pretendessem manter atividade sexual pagando o valor solicitado), e de forma a obter, desta forma rendimentos monetários, repartindo entre eles e as ditas mulheres o montante cobrado aos clientes;
b) considerar provados os seguintes factos:
- Por sua vez, ao atuar pela forma descrita supra sob as alíneas e), f) e q), fê-lo a arguida G… de livre vontade e conscientemente, sabendo que dessa forma facilitava a prossecução pelos arguidos D…, H…, I… e E… da atividade referida em d), a qual igualmente sabia ser proibida e punida por lei;
Nesta conformidade, conclui-se, forçosamente, que existe uma divergência real entre os factos vertidos na acusação e aqueles que ficaram a constar da fundamentação de facto da decisão recorrida, respeitante ao grau de comparticipação da arguida G… na prática do crime de lenocínio que constitui o objeto deste procedimento criminal, bem como a qualificação jurídica dessa comparticipação - cumplicidade, em vez de coautoria material -.
De jure
O artigo 358º do Código de Processo Penal estatui o seguinte:
1 - Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
2 – Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter resultado de factos alegados pela defesa.”

O mecanismo processual acima descrito consiste numa garantia processual relacionada com a identidade do processo penal fixada na acusação, assegurando que ninguém seja condenado por factos ou incriminações com que não podia razoavelmente contar.
Uma alteração não substancial dos factos será, assim, uma modificação da factualidade ou da qualificação jurídica que não seja essencial, em virtude do seu substrato fundamental já se encontrar descrito na acusação ou na pronúncia.
À luz do disposto no artigo 1º, al. f), do Código de Processo Penal, é evidente que, "in casu", não ocorreu qualquer alteração substancial dos factos – que, segundo o aludido preceito legal, é aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis -, uma vez que das alterações introduzidas resultou uma diminuição da sanção penal aplicável, em resultado do apuramento da mera cumplicidade – forma de comparticipação menos grave do que a coautoria descrita na acusação -, com evidente interesse para a decisão.
Trata-se, portanto, de uma alteração não substancial dos factos.
No entanto, conforme se constata da fundamentação da decisão recorrida, a alteração factual controvertida em apreço não resultou de alegação da defesa, uma vez que a arguida não prestou quaisquer declarações, nem consta dos autos que a sua defesa tenha alegado, nalguma passagem da sua intervenção processual, que a arguida G… tenha agido como cúmplice.
Não se ignora que o artigo 424º, n.º 3, do Código de Processo Penal permite ao tribunal ad quem, notificar o arguido da alteração não substancial dos factos ou da respetiva qualificação jurídica que lhe sejam desconhecidas. Porém, tal possibilidade legal é reservada às hipóteses de alteração dos factos descritos na decisão ou da respectiva qualificação jurídica, decorrente da realização de audiência no tribunal superior, o que não é nitidamente o caso.
Estando em causa uma alteração concretizada pelo tribunal "a quo" relativamente aos factos descritos na acusação, a lei exige que seja o mesmo a realizar a comunicação prevista no referido art. 358º, se a modificação se reportar a factos com relevo para a decisão e constituir alteração não substancial, sob pena de violação dos direitos de defesa da arguida (v.g. o direito ao contraditório).
O tribunal a quo só pode consolidar a sua convicção a propósito da matéria provada e não provada depois de possibilitar à arguida exercitar, plena e cabalmente, o seu direito de defesa e contraditório relativamente aos novos factos, podendo este concretizar-se até na produção de novas provas que invalidarão ou não o juízo provisório que motivou a comunicação.
Ora, como é óbvio, nestas hipóteses, não pode o tribunal de recurso substituir-se ao recorrido, notificando a arguida da alteração que o tribunal recorrido operou e, na mesma linha, sujeitar-se a ter de ponderar novos meios probatórios – indicados no exercício do direito de defesa – e a conhecer de questões que não foram conhecidas e apreciadas no tribunal a quo, nem nos recursos.
A situação processual acima retratada – a sentença que alterou não substancialmente os factos descritos na acusação, sem que tenha sido assegurado o contraditório nos termos previstos no artigo 358º, nº 1,do Código de Processo Penal – gera a nulidade da decisão recorrida, nos termos do disposto no artigo 379º, 1,al. b, do Código de Processo Penal:
1 - É nula a sentença:
a) (…);
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;

Pelo exposto, procedem nesta parte, os recursos do Ministério Público e da arguida G….

2ª questão: Da alegada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
O Ministério Público suscitou, formalmente, o vício acima referido, motivando-o pela circunstância da factualidade considerada provada e não provada não permitir apurar em toda a sua extensão, a conduta e participação da arguida G…, no período correspondente ao exercício da atividade abrangida pelo objeto deste procedimento criminal – uma vez que:
a) o contrato de arrendamento celebrado pela referida arguida, como arrendatária, tendo por objeto a casa situada na Avenida …, n.° …., foi celebrado no ano de 2002, sendo certo que essa moradia foi o local da prática do crime pelo qual apenas a arguida D… foi anteriormente condenada, não constando da factualidade provada ou não provada qualquer outra referência àquele contrato, no período correspondente ao exercício da atividade abrangida pelo objeto dos presentes autos, designadamente quanto à sua renovação, alterações ou pagamento das rendas, que permita apurar, em toda a sua extensão, a conduta e participação da arguida G… - que não foi condenada no referido processo anterior -;
b) não foi concretizado na factualidade provada o momento em que a mesma arguida formulou a resolução e manifestou a vontade livre e consciente de prestar auxílio material aos coarguidos e os atos em que se traduziu tal auxílio, designadamente os meios que terá cedido para a consumação do crime de lenocínio;
Apreciando.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada prevista na alínea a) do art. 410º, nº 2, do Código de Processo Penal é aquela decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão. Se tal sucedeu, então o tribunal de julgamento terá deixado de considerar um facto essencial postulado pelo objeto do processo, isto é, deixou por esgotar o "thema probandum".
Este – o "thema probandum" – é consubstanciado pela acusação ou pronúncia, complementada pela pertinente defesa, sendo referente ao apuramento da factualidade referente à existência e extensão da responsabilidade penal em causa nos autos, bem como da responsabilidade – quando existir enxerto cível ou for de arbitrar, oficiosamente, uma indemnização -.
Tendo em conta o objeto deste procedimento penal, definido pela acusação, bem como a formação da convicção do tribunal "a quo" a respeito dos factos que o integram, conclui-se que os factos provados caracterizam objetivamente, no tempo e no espaço, todas as condutas provadas da arguida G… de um modo congruente e pleno, de modo a sustentar o enquadramento jurídico-penal realizado a respeito na conduta da mesma, razão pela qual improcede a arguição do vício apontado pelo Ministério Público.
Mas isto não significa que a fundamentação da decisão da matéria de facto plasmada na sentença recorrida tenha concretizado um exame crítico integral da prova, quanto aos factos considerados não provados, de modo a tornar percetível o processo de formação da convicção do tribunal, entre outros, quanto à comparticipação, enquanto coautora material do crime de lenocínio, da arguida G…, nem quanto ao facto provado sob a alínea hh).
Da falta de exame crítico da prova
Nos termos do disposto no artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. A sentença cumpre o dever de fundamentação quando os sujeitos processuais seus destinatários, o tribunal superior (função endoprocessual do princípio da fundamentação das decisões judiciais) e a comunidade (função extraprocessual do mesmo princípio) são esclarecidos sobre a base jurídica e fáctica da decisão.
Numa atividade de reconstituição histórica de factos, como é o caso do julgamento em matéria de facto, a certeza judicial não pode ser confundida com a certeza absoluta, constituindo, antes, uma certeza empírica e histórica. A decisão da matéria de facto, em processo penal, constitui, não só, a superação da dúvida metódica, mas também da dúvida razoável sobre a matéria da acusação e da presunção de inocência do arguido. Tal superação é sujeita a controlo formal e material rigoroso do processo de formação da decisão e do conteúdo da sua motivação, a fim de assegurar os padrões inerentes ao Estado de Direito moderno. A "livre convicção" e a "dúvida razoável" limitam e completam-se reciprocamente, obedecendo aos mesmos critérios de legalidade da produção e da valoração da prova e da sua apreciação, em obediência ao critério estatuído no artigo 127º do Código de Processo Penal, exigindo, ainda, uma apreciação da prova motivada, crítica, objetiva, racional e razoável.
Na qualidade de princípio estruturante do direito processual europeu e, particularmente do direito processual penal português, o princípio da livre apreciação da prova assume, na dinâmica do processo de fundamentação da sentença penal, uma dupla função de ordenação e de limite[4].
Este «princípio da livre convicção libertou o juiz das regras da prova legal mas não o desvinculou das regras da razão»[5], na medida em que a discricionariedade na apreciação de cada uma das provas assenta num modelo racionalizado, guiado pelas regras da ciência, da lógica e da argumentação, sempre vinculada ao princípio da descoberta da verdade material. É precisamente a fundamentação de facto que cumpre «a função de controlo daquela discricionariedade, obrigando o juiz a justificar as suas próprias escolhas»[6], evitando assim qualquer possibilidade de arbítrio no domínio da valoração da prova decorrente de uma atuação dominada apenas pelas impressões.
A lei processual penal não abdica de um enunciado, ainda que sucinto mas suficiente, do processo de formação da convicção do julgador, para persuadir os destinatários e, sendo caso disso, o tribunal superior – além da própria comunidade -, de que a decisão da matéria de facto foi correta, garantindo, assim, a própria transparência da decisão[7] -
Deste modo, o tribunal recorrido permitirá ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que lhe serviu de suporte.
Nestes termos se compreende que o dever de fundamentar a sentença exige também a indicação dos motivos de credibilidade dos meios concretos de prova, designadamente testemunhal e a indicação dos motivos pelos quais não foram atendidas as provas em sentido contrário[8].
Recordando o teor da fundamentação da decisão da matéria de facto plasmada na sentença recorrida, quanto aos factos considerados não provados:
"No reverso, a convicção negativa sobre tudo quanto se elencou como não provado assentou na circunstância de não ter sido feita prova, ou de a mesma ter sido insuficiente para convencer da verificação da realidade que anunciam e que, de algum modo, os ditos provados em si também infirmam.
Tal fundamentação genérica não permite percecionar, verdadeiramente, como o tribunal "a quo" formou a sua convicção em relação à totalidade dos factos considerados não provados e, em especial, quando entendeu considerar não provada a seguinte factualidade:
- A atuação da arguida G… no período temporal em referência nos autos (de Janeiro de 2012 até 10 de Abril de 2014) o foi em execução de um plano previamente concertado pela mesma e pelos arguidos D…, H…, I… e E…, com o propósito de promover e apoiar a prática de atos sexuais de cópula, coito anal, coito oral e outras atividades de cariz sexual, por parte de mulheres, que recrutavam e angariavam, em troca de quantias em dinheiro, a pagar por potenciais clientes (homens que pretendessem manter atividade sexual pagando o valor solicitado), e de forma a obter, desta forma rendimentos monetários, repartindo entre eles e as ditas mulheres o montante cobrado aos clientes;

Tendo em conta, complementarmente, a demais fundamentação da convicção do tribunal – respeitante aos factos considerados provados – não se alcança como o tribunal "a quo" chegou a essa conclusão, nem como apurou, verdadeiramente, o facto provado sob a alínea hh).
O princípio da livre apreciação da prova não permite aos tribunais decidir a matéria de facto através de uma “operação puramente subjetiva, emocional, imotivável”. Pelo contrário, a sua resposta deve “traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos”[9].
No caso dos autos, não tendo os diversos meios concretos de prova sido analisados de forma suficientemente fundamentada nos termos expostos, a convicção do tribunal aparece aos olhos dos leitores como arbitrária, por não se encontrar devidamente motivada, não ter feito um escorreito exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal quanto à factualidade considerada não provada e, ainda, como foi apurado o facto considerado provado hh):
"hh) Por sua vez, ao atuar pela forma descrita supra sob as alíneas e), f) e q), fê-lo a arguida G… de livre vontade e conscientemente, sabendo que dessa forma facilitava a prossecução pelos arguidos D…, H…, I… e E… da atividade referida em d), a qual igualmente sabia ser proibida e punida por lei;"
Por conseguinte, a sentença em análise é nula, por violação do disposto no artigo 374º, n.º2 do Código de Processo Penal, o que se declara oficiosamente à luz do disposto no artigo 379º, 1, al. c) e 2, do mesmo texto legal e tem como consequência a anulação da sentença, devendo os autos baixar à primeira instância para ser elaborada nova sentença, completando-se a mesma com o devido exame crítico das provas – não ficando excluída a reabertura da audiência, para complemento de produção de prova(s), caso o tribunal recorrido reconheça essa necessidade no decurso do ensaio de fundamentação da decisão -.
Quanto às demais questões formalmente suscitadas pelos recorrentes - os vícios de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova -, o texto da decisão recorrida não evidencia, substancialmente, tais erros e a apreciação das demais questões encontra-se prejudicada pela nulidade da sentença recorrida.
De resto, o aperfeiçoamento da fundamentação da decisão da matéria de facto, nos termos acima expostos permitirá, seguramente, compreender melhor o processo de formação da convicção do tribunal.
Cumpre, ora, decidir em conformidade com o exposto.
Das custas:
Não há lugar ao pagamento de custas (artigos 513º, a contrario sensu, do Código de Processo Penal).
III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam por unanimidade os juízes subscritores em:
a) anular a sentença recorrida nos termos do disposto no artigo 379º, 1, b) e c) do Código de Processo Penal; e
b) ordenar que os autos baixem à primeira instância, para:
- ser assegurado o contraditório nos termos previstos no artigo 358º, nº 1,do Código de Processo Penal, quanto à alteração não substancial dos factos identificada neste acórdão, mediante a reabertura da audiência; e
- ser elaborada nova sentença, com o integral exame crítico das provas – não ficando excluída a reabertura da audiência, para complemento de produção de prova(s), caso o tribunal recorrido reconheça essa necessidade no decurso do ensaio de fundamentação da decisão -, designadamente, em relação à factualidade considerada não provada e ao facto considerado provado na sentença recorrida sob a alínea hh).
Sem custas.

Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 7 de Dezembro de 2018.
Jorge Langweg
Maria Dolores da Silva e Sousa
____________
[1] Versão final, após correção dos lapsos de escrita mediante o despacho datado de 21 de Março de 2018.
[2] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[3] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme em todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1, este pesquisável, nomeadamente, através do aplicativo de pesquisa de jurisprudência disponibilizado, pelo ora relator, em http://www.langweg.blogspot.pt.
[4] Damião da Cunha, O Caso Julgado Parcial, O Caso Julgado Parcial. Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção num Processo de Natureza Acusatória, Universidade Católica, Porto, 2002, pág. 566.
[5] Neste sentido, Michelle Taruffo, "Conocimiento cientifico y estândares de prueba judicial", Jueces para la Democracia, Información y Debate, n.º 52, Marzo, 2005, pág. 67.
[6] Taruffo, "Consideraciones sobre prueba y motivación", Jueces para la Democracia, Información y Debate, n.º 59, Júlio, 2007.
[7] Vide, a este respeito, entre muitos outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de Janeiro de.2007 (processo nº 3193/06, 3ª Secção, de 11 de Outubro de 2000 (processo nº 2253/00 - 3.ª) e acórdãos do Tribunal Constitucional números 102/99 (Diário da República, II-Série, 1 de Abril de1999) e 59/2006 (Diário da República, II-Série, de 13 de Abril de 2006.
[8] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 546/98, disponível no endereço da rede digital global http://www.tribunalconstitucional.pt.
[9] Acórdão do Tribunal Constitucional nº 1165/96, disponível no endereço da rede digital global http://www.tribunalconstitucional.pt.