Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1444/20.7T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
DEVER DE LEALDADE
Nº do Documento: RP202106231444/20.7T8AVR.P1
Data do Acordão: 06/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE, CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral, verifica-se quando perante um comportamento ilícito, culposo e com consequências gravosas na relação laboral, ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.
II - O dever de lealdade assume especial importância na relação de trabalho subordinado e, logo, a sua violação é susceptível de só por si tornar imediatamente impossível a manutenção do contrato de trabalho.
III - A diminuição de confiança, resultante da violação do dever de lealdade não está dependente da verificação de prejuízos nem da existência de culpa grave do trabalhador, já que a simples materialidade desse comportamento, aliado a um moderado grau de culpa, pode em determinado contexto levar razoavelmente a um efeito redutor das expectativas de confiança.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n. º1444/20.7T8AVR.P1
Secção Social
ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I. No Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Aveiro, B… apresentou formulário nos termos do art.º 98º-D do Cód. de Processo do Trabalho, assim dando início à presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, que veio a ser distribuída ao Juiz 1, demandando a Ré “Padaria Pastelaria C…, Ld.ª”, para impugnar o despedimento com invocação de justa causa, que por esta lhe foi comunicado por escrito, na sequência de processo disciplinar.
Realizada a audiência de partes, não se logrou obter a resolução do litígio por acordo.
Notificada para o efeito, a R. apresentou articulado motivador do despedimento, onde alegou, em síntese, o seguinte:
Nos dias 18, 19 e 20 de Dezembro de 2019 e 11, 12 e 13 de Janeiro de 2020, o A. queimou ou não cozeu convenientemente fornadas de pão e amanteigados, que ficaram inutilizadas, provocando prejuízo económico equivalente ao valor comercial desses artigos.
No dia 14 de Janeiro de 2020, cerca das 10h40m, o A. colocou num balde da água cerca de 2,5 litros de lixivia e preparava-se para molhar com ela as fornadas de pão que ia fornear, só não o conseguindo por ter sido impedido pelas colegas.
Com a sua conduta, o A. violou de forma consciente e deliberada os deveres de respeitar o empregador, realizar o trabalho com zelo e diligência, cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes à execução do trabalho, velar pela conservação e boa utilização dos bens relacionados com o trabalho que lhe foram confiados, promover e executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa e cumprir as prescrições sobre segurança e saúde no trabalho decorrentes da lei.
A gravidade e consequências do seu comportamento comprometeu irreversivelmente a relação de confiança subjacente ao contrato de trabalho, impossibilitando a subsistência do vínculo laboral e constituindo desse modo justa causa de despedimento, nos termos do artigo 351º n.ºs 1 e n.º 2 al. a), d), e) e h) do Código do Trabalho.
Concluiu, defendendo que o despedimento deve ser julgado regular e lícito, com a consequente absolvição do pedido.
Com o articulado motivado do despedimento juntou cópia do processo disciplinar.
O A. contestou e deduziu reconvenção, negando a versão alegada pela R., sustentando serem falsos os factos que esta lhe imputa. Conclui pedindo:
1. Que seja declarada a ilicitude do seu despedimento.
2. A condenação da R. a pagar-lhe:
a) As retribuições intercalares (incluindo as correspondentes a férias e subsídio de férias e de Natal) que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento;
b) Indemnização determinada em 45 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade – que à data de entrada em juízo da presente acção, se cifra em €24.804,00;
c) Indemnização pelos danos não patrimoniais causados pelo despedimento ilícito, no valor de €5.000,00;
d) Indemnização pelos danos não patrimoniais causados pelo assédio de que foi vítima por parte da R., no valor de €5.000,00;
e) A quantia de €289,78, constante do recibo junto pela R. com o AMD como documento n.º 3, que não foi pago na sua totalidade;
f) Juros de mora à taxa legal até integral pagamento, contados: Quanto às retribuições intercalares, desde as datas dos respectivos vencimentos; quanto ao que demais se peticiona (no montante global de €35.093,78), desde a data da citação.
3) Sem prescindir e por mera cautela, caso não venha a ser declarada a ilicitude do despedimento, que a R. seja ainda assim condenada a pagar-lhe €5.289,78.
Respondeu a R., impugnando o alegado pelo A., reafirmando o alegado no articulado motivador do despedimento e concluindo pela improcedência da reconvenção.
I.1 Foi proferido despacho saneador, onde se reconheceu a regularidade da instância, dispensando-se a realização de audiência prévia, a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova.
Teve lugar audiência de discussão e julgamento.
I.2 Subsequentemente foi proferida sentença, fixando a matéria de facto e aplicando o direito aos factos, concluída com o dispositivo seguinte:
- «Em face de todo o exposto, decide-se:
I. Julgar regular e lícito o despedimento do A..
II. Condenar a R. a pagar ao A. a quantia líquida de € 289,78 (duzentos e oitenta e nove euros e setenta e oito cêntimos), a título de diferenças de retribuição e subsídios de férias e de Natal ainda em dívida, a que acrescem juros de mora à taxa legal, desde a citação da R., até integral pagamento.
III. No mais, absolver a R. do pedido.
Custas por A. e R., na proporção do respectivo decaimento (art.º 527º n.ºs 1 e 2 do Cód. de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia o A..
Registe e notifique.
*
Fixo em €2.000,00 o valor da acção – cfr. art. 98º-P, n.º 2 do Cód. de Processo do Trabalho.
[..]».
I.3 Inconformado com a sentença, o autor apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido e fixados o efeito e modo de subida adequados. As alegações de recurso foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
………………………………………………..
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I.4 A recorrida apresentou contra-alegações, encerrando-as com as conclusões seguintes:
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I.5 O Digno Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu o parecer a que alude o art.º 87.º3, do CPT, expressando a sua concordância com a argumentação explanada nas contra-alegações e pronunciando-se pela improcedência do recurso, mantendo-se a sentença em toda a sua extensão.
I.6 Foram cumpridos os vistos legais, remetido o projecto aos excelentíssimos adjuntos e determinada a inscrição do processo para julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 640.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho], as questões colocadas para apreciação pela recorrente consistem em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento quanto ao seguinte:
- Na apreciação da prova e subsequente decisão, ao considerar provados os factos dos pontos 4, 7, 8, 9 e 10, do elenco da matéria provada.
- Na aplicação do direito aos factos, ainda que improceda a impugnação sobre a matéria de facto, ao ter julgado o despedimento lícito.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo considerou o elenco factual que se passa a transcrever:
1. A R. é uma empresa que, na prossecução do seu escopo social, se dedica à actividade de pastelaria, padaria e outros ramos do sector, alimentação e bebidas.
2. O A. foi admitido ao serviço da R. por contrato de trabalho escrito com início em 1 de Agosto de 1994, para exercer as funções de forneiro e tinha, à data do despedimento, a categoria profissional de forneiro, auferindo €636,00 de retribuição mensal ilíquida.
3. O A. exercia as suas funções no estabelecimento comercial de padaria e pastelaria sede da R., sito na Rua …, n.º .., ….-… Ovar.
4. Durante a semana do Natal de 2019 e nas duas semanas seguintes ao final do ano de 2019, o A., agindo de forma intencional, deixou queimar fornadas de pão e tirou outras do forno sem o pão/amanteigados estarem cozidos, daí resultando a sua inutilização.
5. Isso aconteceu, nomeadamente:
- No dia 18 de Dezembro de 2019, no período compreendido entre as 8h e as 10h da manhã, em que o A. queimou duas fornadas de pão que, por isso, ficou inutilizado;
- No dia 11 de Janeiro de 2020, no período compreendido entre as 7h e as 9:30h da manhã, em que o A. queimou duas fornadas de pão que, por isso, ficou inutilizado.
No dia 13 de Janeiro de 2020, pelas 8h, em que o A. inutilizou uma fornada inteira de amanteigados, que não cozeu devidamente e por esse motivo ficaram inutilizados.
6. Com esse comportamento, o A. causou à R. prejuízo económico não concretamente apurado, equivalente ao valor comercial dos pães e amanteigados inutilizados.
7. No dia 14 de Janeiro de 2020, por volta das 12h00m, o A. colocou no balde da água que costumava usar para molhar o pão, cerca de 2,5 litros de lixivia, com que tencionava molhar o pão que ia levar ao forno.
8. O A. não concretizou essa intenção, porque foi entretanto surpreendido pelas colegas de trabalho, D… e E…, que se aperceberam da sua intenção, impedindo-o de prosseguir com a sua conduta.
9. Mais tarde, nesse mesmo dia, o A. admitiu pelo menos perante uma colega de trabalho a sua conduta e intenção.
10. A descrita conduta do A. levou a que o gerente da R. deixasse de ter confiança nele e no seu comportamento futuro, enquanto forneiro.
11. O despedimento do A. foi precedido de procedimento disciplinar, no âmbito do qual foram ouvidas testemunhas, designadamente a que foi arrolada pelo A., tendo sido junta cópia da sentença proferida no âmbito do processo crime n.º 24/19.4PAOVR que correu termos no Juízo Local Criminal de Ovar.
12. Em 29 de Janeiro de 2020, foi remetida ao A. nota de culpa, onde se articularam os factos que lhe eram imputados, comunicando-lhe a intenção de despedimento com justa causa e concedendo-se o prazo de dez dias úteis para apresentar a sua defesa.
13. Tendo recebido a comunicação e a nota de culpa, o A. respondeu à mesma, requerendo diligências probatórias.
14. Concluída a instrução do processo, foram considerados provados pela arguente ora R., os factos constantes da nota de culpa - que a seguir se transcrevem:
«No dia 18 de dezembro de 2019, no período compreendido entre as 8h e as 10h da manhã, o trabalhador arguido, queimou duas fornadas de pão e que, por isso, ficou inutilizado.
No dia 19 de dezembro de 2019, no período compreendido entre as 8h e as 11h da manhã, o trabalhador arguido, queimou três fornadas de pão e que, por isso, ficou inutilizado.
No dia 20 de dezembro de 2019, no período compreendido entre as 9h e as 11h da manhã, o trabalhador arguido, não coseu convenientemente o pão, deixando-o cru em duas fornadas consecutivas e que, por isso, ficou inutilizado.
No dia 11 de janeiro de 2020, no período compreendido entre as 7h e as 9:30h da manhã, o trabalhador arguido, queimou duas fornadas de pão e que, por isso, ficou inutilizado.
No dia 12 de janeiro de 2020, no período compreendido entre as 7h e as 7:30h da manhã, o trabalhador arguido, não coseu convenientemente o pão, retirando-o do forno ainda cru e que, por isso, ficou inutilizado.
No dia 13 de janeiro de 2020, pelas 8h, o trabalhador arguido inutilizou uma fornada inteira de amanteigados que não cozeu devidamente e que, por isso, ficaram inutilizados.
O que provocou, à arguente, um prejuízo económico equivalente ao valor comercial dos bens danificados/inutilizados.
No dia 14 de janeiro de 2020, cerca das 10h:40m, o arguido colocou no balde da água para molhar o pão cerca de meio garrafão de lixívia, o que corresponde a uma quantidade equivalente a 2,5 litros e meio de lixivia.
O arguido preparava-se para utilizar o líquido do balde contendo a lixívia para molhar o pão que, de seguida, ia fornear.
O arguido só não colocou a lixívia no pão porque, quando se preparava para o fazer, foi surpreendido pelas colegas de trabalho D… e E… que verificaram a existência de tal conteúdo no balde e o impediram de continuar com a sua conduta.
O arguido admitiu expressamente a sua conduta e intenção.».
15. No dia 26-03-2020, a R. comunicou ao A. a decisão do seu despedimento imediato, com justa causa, pelas razões constantes no relatório final do procedimento disciplinar, constante de fls. 58 a 60 dos presentes autos.
16. Foi comentado em Ovar o facto do A. ter tentado molhar o pão fabricado na R. com lixívia.
17. O autor não tem antecedentes disciplinares registados.
18. O A. é portador, desde 06/07/1999, de uma incapacidade permanente global de 63%.
19. Durante a vigência do contrato de trabalho, o A. deixou algumas vezes cair ao chão, queimar ou não cozer devidamente alguns produtos.
20. Ao A. foi inúmeras vezes solicitado que prestasse mais atenção no desempenho das suas funções.
21. No mês de Setembro de 2018, a R. descontou do salário do A. a quantia de €11,60, referente a 6 pizzas e 1 cacete de Valongo.
22. Em 27/7/2018, o A. fez um pedido de intervenção inspectiva à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), tendo consentido que fosse dada a sua identificação à R..
23. Na sequência desse pedido de intervenção, a Inspectora Sandra Magueta, da ACT, efectuou visita inspectiva à “Padaria-Pastelaria C…”.
24. Ao ser informado pela Inspectora da ACT de que não poderia descontar ao A. os prejuízos decorrentes dos produtos que danificava, o sócio-gerente da R. tomou a iniciativa de restituir ao A. a quantia de €11,60, que lhe havia sido descontado no seu vencimento de Setembro de 2018.
25. O A. esteve de baixa médica no período compreendido entre os dias 18 de Janeiro e 29 de Janeiro de 2019.
26. No recibo que a R. juntou com o AMD como documento n.º 3, consta ser devida ao A. a quantia líquida de €2.028,50.
27. A R. pagou ao A., em 28/05/2020, €1.738,72 a título de retribuição e subsídios de férias e de Natal.
28. Por virtude de um acidente que sofreu, o sócio da R., F…, renunciou à gerência da mesma em 04/04/2018.
29. A partir dessa data, o sócio gerente da R., G…, passou a gerir sozinho a “Padaria-Pastelaria C…”.
30. O A. apresentou queixa-crime contra o sócio gerente da R., G…, acusando-o de no dia 04/08/2018, cerca das 07:00 horas, na área de fabrico da “Padaria-Pastelaria C…”, se ter abeirado dele por trás e o ter arranhado no pescoço, na face e na orelha esquerda.
31. Em 16/10/2019, o referido sócio gerente da R. foi pronunciado pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples.
32. Em 06/01/2020, o sócio gerente da ré foi notificado do pedido de indemnização civil formulado contra ele pelo A. (onde é pedido o montante de 1.954,00€) e ainda do despacho que designa a data da audiência (17/2/2020).
33. Foi proferida sentença, pelo Juízo Local Criminal de Ovar, no âmbito do processo crime n.º 24/19.4PAOVR, absolvendo o sócio gerente da R. da prática do referido crime de ofensa à integridade física simples.
34. O A. interpôs recurso dessa sentença para o Tribunal da Relação do Porto em 22/6/2020, que a revogou, condenando o sócio gerente da R. pela prática do crime de ofensa à integridade física simples na pessoa do aqui A., em multa e indemnização a favor deste.
35. A R. apresentou participação criminal contra o A. e outros, junto dos Serviços do Ministério Público da Comarca de Ovar, no dia 11 de Fevereiro de 2020.
Não se provaram quaisquer outros factos de entre os constantes do AMD, contestação/reconvenção e resposta, nomeadamente:
- Que o A. tenha queimado três fornadas de pão no dia 19/12/2019 e não tenha cozido convenientemente fornadas de pão nos dias 20/12/2019 e 12/01/2020.
- Que a R. tenha pago ao A. a totalidade dos €2.028,50 mencionados no recibo que emitiu, junto a fls. 63 dos autos.
- Que o A. tem: Cicatrizes no crânio; como sequelas da caixa craniana, perda óssea com mais de 12 cm, bem como epilepsia generalizada “não controlável ou dificilmente controlável (necessitando de mudança de posto de trabalho ou precauções especiais), conforme a frequência das crises”; “perturbações mentais específicas não psicóticas consecutivas a lesões cerebrais – incluem síndromo frontal, modificações intelectuais ou da personalidade de outro tipo, síndromo pós-traumático (comocional ou concussional); e perturbações moderadas, com manifesta diminuição do nível de eficiência pessoal ou profissional”.
- Que pese embora a R. tivesse conhecimento dessa condição do A., nunca agiu em conformidade com a mesma, nunca alterando o seu posto de trabalho.
- Que sempre que o A. deixou cair ao chão, queimou ou não cozeu devidamente produtos do fabrico da R., esta obrigava-o a pagar esses produtos ou descontava os valores em causa do seu salário.
- Que em 12/5/2018, a R. obrigou o A. a pagar-lhe 8 pizzas e 60 padinhas, no valor global de € 20,00.
- Que em 20/5/2018, a R. obrigou o A. a pagar-lhe 8 pizzas e 120 pães de bico redondos, no valor global de €26,00.
- Que o A. é reconhecido pelos seus colegas de trabalho e por clientes da R. como um bom profissional.
- Que o A. manteve sempre enquanto trabalhou para a R. um bom comportamento profissional e disciplinar.
- Que o gerente da R., G…, agredia o A. verbal e fisicamente, designadamente (e por diversas vezes) apelidando-o de “deficiente”, “filho da puta” e “paneleiro”, empurrando-o e dando-lhe bofetadas e socos.
- Que por ter sido muito divulgada e comentada por inúmeras pessoas em Ovar que o A. tentou intoxicar com lixívia os clientes da “Padaria-Pastelaria C…”, o A. se sentiu envergonhado e revoltado, entrando num quadro de ansiedade, depressão e angústia e isolando-se do contacto com os outros, também para evitar comentários sobre os factos ilícitos que lhe tinham sido imputados.
Mais se refere na decisão sobre a matéria de facto o seguinte:
Consigna-se que o tribunal não se pronunciou sobre as alegações de natureza conclusiva, de direito ou irrelevantes para a decisão da causa, designadamente sobre os termos e condições em que foi prestado e reduzido a escrito o depoimento prestado pelo A. em sede de procedimento disciplinar, porque não foi posta em causa a validade formal desse procedimento disciplinar e o que importa para a decisão aqui a proferir são os depoimentos produzidos em audiência de julgamento.
II.2 IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
Insurge-se o recorrente contra a decisão sobre a matéria de facto, defendendo que o Tribunal a quo errou ao julgar provados os factos dos pontos 4, 7, 8, 9 e 10, do elenco da matéria provada.
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nas palavas de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222].
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Para além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa” [cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt].
No caso verifica-se que nada obsta ao conhecimento do recurso nesta vertente de impugnação da decisão sobre a matéria de facto. O recorrente, quer nas conclusões, quer nas alegações, cumpriu o que se entende exigível.
II.2.1 No ponto 4 da matéria assente, considerou-se provado o seguinte:
- “Durante a semana do Natal de 2019 e nas duas semanas seguintes ao final do ano de 2019, o A., agindo de forma intencional, deixou queimar fornadas de pão e tirou outras do forno sem o pão/amanteigados estarem cozidos, daí resultando a sua inutilização”.
Defende o recorrente que o facto deve ser alterado, para deixar de constar provado que o autor tenha agido de forma intencional nas circunstâncias aí descritas [conclusão X].
Conforme se retira das conclusões B a H, argumenta que a Ré não alegou na nota de culpa e no articulado motivador do despedimento que o autor agiu de forma intencional, tendo o Tribunal conhecido oficiosamente de um facto essencial e que agrava a sua responsabilidade, quando não o podia ter feito atendendo ao princípio da vinculação temática, balizada pela factualidade imputada na nota de culpa.
Para o caso de assim não se entender, refere que o Tribunal a quo, para dar como provado essa parte “(..) relevou apenas e só, uma alegada confissão (verbal) extrajudicial do autor”, que não pode ser valorada, uma vez que o que importa para a decisão a proferir são os depoimentos produzidos em audiência de julgamento. Por outro lado, o Tribunal a quo revela ter ficado num estado de dúvida relativamente a essa confissão (verbal) extrajudicial do autor, pois não explicou por que razão não considerou como provado que o autor agiu intencionalmente sob influência da mãe e do ex-colega de trabalho J…, valorando a confissão numa parte mas não na outra, contrariando o princípio da indivisibilidade da confissão.
Contrapõe a recorrida que o recorrente não tem razão, quer na nota de culpa (art.º 13.º e art.º 35.º) quer no articulado motivador do despedimento (artigos 34.º, 35.º e 36.º) é feita a referência expressa ao comportamento culposo do A. e à intencionalidade da sua atuação, sendo que da sentença consta transcrição da nota de culpa de onde se retira essa conclusão.
Mais refere que o A. compreendeu bem a nota de culpa e nem na resposta à mesma, nota de nem em sede de contestação, invocou ou arguiu qualquer vício ou irregularidade do processo disciplinar.
Refere, ainda, que o recorrente distorce a realidade dos factos, quando afirma que tal facto foi considerado provado apenas com base na confissão (verbal extrajudicial) do A. Ao invés do que alega, tal convicção foi firmada com base na prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, sendo a fundamentação da decisão bastante clara.
Vejamos então.
Como assinala a recorrida, na nota de culpa, sob o n.º13, consta o seguinte:
- «O trabalhador tem todos os conhecimentos técnicos necessários para desempenhar as suas funções de forma eficiente e adequada sendo absolutamente injustificadas as constantes falhas verificadas. Nessa medida, o não desempenho das suas funções de forma adequada e eficiente não pode deixar de ser considerado com um ato voluntário e consciente da sua parte».
Não há, pois, qualquer dúvida que a R. imputou a prática dos factos ao autor a título doloso.
E, como também refere a recorrida, o Autor na defesa que apresentou não suscitou qualquer nulidade ou irregularidade da nota de culpa, nem tão pouco afirmou não perceber fosse o que fosse do seu conteúdo, limitando-se a dizer que “os factos constantes da mesma são falsos, absolutamente falsos. Sendo este processo disciplinar, apensa e só, uma retaliação (..)”.
Aquela imputação de intencionalidade foi igualmente levada à decisão final, onde consta afirmado, reportando-se aos factos anteriormente referidos e que lhe foram imputados, que “O arguido agiu de forma voluntária e consciente”.
Para além disso, como igualmente faz notar a recorrente, com base nessas alegações naqueles documentos do processo disciplinar, no articulado motivador do despedimento é claramente afirmado “(..) que o comportamento do A. foi consciente, intencional, culposo e até premeditado” (art.º 34.º); “Pois o A. violou conscientemente e deliberadamente os deveres de respeitar o empregador, realizar o trabalho com zelo e diligência, cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes à execução do trabalho, velar pela conservação e boa utilização dos bens relacionados com o trabalho que lhe foram confiados, promover e executar os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa e de cumprir as prescrições sobre segurança e saúde no trabalho decorrentes da lei.(35.º); “Comprovou-se que o A. de forma consciente e intencional, praticou no âmbito da empresa, condutas tendentes a prejudicar a sua entidade patronal, pois voluntária e conscientemente danificou os bens/mercadorias que foram lhe confiados no âmbito do exercício das suas funções. (36.º).
Por conseguinte, é manifesto que o Autor não tem qualquer fundamento para afirmar que o Tribunal a quo conheceu oficiosamente de um facto essencial e que agrava a sua responsabilidade, quando não o podia ter feito atendendo ao princípio da vinculação temática, designadamente, por violação do disposto no art.º 387.º3, do CT e 98.º J, n.º1, do CPT. Na verdade, tanto mais que o Autor acaba por fazer afirmações que distorcem a realidade demonstrada documentalmente no processo, a desrazão dos seus argumentos é tão evidente, que a sua conduta raia a litigância de má-fé.
Quanto ao segundo argumento, ou seja, que o tribunal a quo “(..) relevou apenas e só, uma alegada confissão (verbal) extrajudicial do autor”, também não lhe assiste razão, antes traduzindo uma interpretação enviesada da parte da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, no que se refere a esse ponto, onde se lê o seguinte:
- «Quanto aos n.ºs 4 e 6, tiveram-se em conta os depoimentos prestados em julgamento pelas testemunhas E… (que trabalha na R. como cozinheira, desde 1999, sendo amiga do A.), D… (que trabalha na R. há cerca de 20 anos, como empregada de balcão), H… (que trabalha na R. há 15 anos, como empregada de mesa) e I… (que trabalha para a R. desde há cerca de 19 anos, como empregada de balcão), dos quais resultou que na semana do Natal de 2019 e depois da passagem de ano, nas semanas seguintes, em dias que não souberam já precisar, o A., enquanto forneiro, estragou por várias vezes e em diferentes dias, fornadas de pão ou outros produtos do fabrico da R., deixando-os cozer em demasia ou tirando-os do forno antes do tempo. Afirmando as testemunhas que não era normal isso acontecer tantas vezes num período de tempo tão reduzido, até porque essa era a única função que cabia ao A. exercer; e que o próprio A. lhes disse que estragou o pão de propósito, por influência da mãe e da testemunha J…, que lhe diziam para o fazer».
É certo, como invoca o recorrente, o Tribunal a quo menciona que as testemunhas referiram “que o próprio A. lhes disse que estragou o pão de propósito”, mas essa parte não pode ser desligada do que demais consta, desde logo, do segmento imediatamente antecedente que dá início a esse parágrafo, onde se lê ”Afirmando as testemunhas que não era normal isso acontecer tantas vezes num período de tempo tão reduzido, até porque essa era a única função que cabia ao A. exercer”.
Assim, feita a melhor interpretação, depreende-se com segurança que o Tribunal a quo quis significar que aquela admissão da intencionalidade feita perante elas pelo autor, apenas confirmou o que as testemunhas já tinham percebido, analisando as várias ocorrências face à normalidade das coisas, mormente, na prática normal e usual do próprio autor.
Concluindo, quanto a este ponto improcede a impugnação [conclusões B a H].
Segue-se a impugnação dirigida aos pontos 7 a 10 [conclusões I a W], cujo conteúdo é o seguinte:
- [7] No dia 14 de Janeiro de 2020, por volta das 12h00m, o A. colocou no balde da água que costumava usar para molhar o pão, cerca de 2,5 litros de lixivia, com que tencionava molhar o pão que ia levar ao forno.
[8] O A. não concretizou essa intenção, porque foi entretanto surpreendido pelas colegas de trabalho, D… e E…, que se aperceberam da sua intenção, impedindo-o de prosseguir com a sua conduta.
[9] Mais tarde, nesse mesmo dia, o A. admitiu pelo menos perante uma colega de trabalho a sua conduta e intenção.
[10] A descrita conduta do A. levou a que o gerente da R. deixasse de ter confiança nele e no seu comportamento futuro, enquanto forneiro.
Argumenta a recorrente, o seguinte:
- Quanto a esses pontos, o Tribunal a quo atendeu às declarações de parte do sócio gerente da ré, G…, aos depoimentos das testemunhas/trabalhadoras da ré, E…, D…, H… e I…, e da testemunha/cliente da ré, K… e, ainda, a uma alegada confissão (verbal) extrajudicial do autor feita à testemunha I….
- Relativamente à alegada confissão (verbal) extrajudicial dá por reproduzidas as conclusões anteriores a esse propósito;
- A testemunha não foi ouvida no processo disciplinar, mas referiu em julgamento que transmitiu essa alegada confissão do autor ao sócio gerente da ré e esteve presente quando a instrutora do processo disciplinar, Dra. L…, foi à padaria da ré ouvir testemunhas; as testemunhas D… e M…, referiram no processo disciplinar que o autor lhes confessou que se preparava para pôr água com lixívia no pão, contudo, em julgamento negaram que tivessem declarado isso no processo disciplinar. Face dessas contradições, o Tribunal a quo não podia dar como provados esses factos.
- Contrariamente ao que referiu o Tribunal a quo, o autor nunca referiu em julgamento que ia lavar o pano com “cerca de 2,5 litros de lixívia”; e, a testemunha M… começou por dizer em julgamento que não verificou a quantidade de lixívia, para depois dizer que era um pedacinho ou um pedaço, e depois que era 1 litro, 1 litro e tal, e foi sempre subindo, até chegar aos 2,5 litros.
- A M… referiu em julgamento que o autor lhe disse que só estava a lavar o pano e que desconhecia se o costumava lavar com lixívia, e não disse que o impediu de “(…) prosseguir com a sua conduta” “(…) de molhar o pão que ia levar ao forno.”
- A testemunha J… confirmou em julgamento que era habitual o autor lavar o pano com lixívia no final do trabalho, depoimento que deve ser valorado pelo Tribunal ad quem, uma vez que o Tribunal a quo não o valorou.
- O Tribunal a quo desatendeu que o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão transitado em julgado em 12/11/2020, condenou o sócio gerente da ré, G…, pela prática do crime de ofensa à integridade física simples na pessoa do autor, em multa e indemnização a favor deste, e valorar as declarações de parte prestadas pelo referido sócio gerente.
- A ré apenas moveu um processo disciplinar ao autor como forma de retaliação por este ter efectuado uma denúncia na ACT e, ainda, em virtude de este ter apresentado uma queixa-crime contra o seu sócio.
Por seu turno, contrapõe a recorrida, também no essencial, o seguinte:
- O recorrente segue a mesma lógica, destacando e citando de forma descontextualizada partes dos depoimentos das testemunhas.
- O recorrente alega que a testemunha I… não foi ouvida no procedimento disciplinar, o que não consubstancia nenhuma nulidade ou invalidade do procedimento disciplinar. Foram inquiridas as testemunhas E… e D…, pois estavam no local quando o recorrente estava com o balde de lixívia para colocar no pão, tendo aquela última que consegui retirar-lhe o balde das mãos.
- Não há qualquer contradição nos depoimentos destas testemunhas. No julgamento com o que declararam no procedimento disciplinar, negaram perentoriamente ter afirmado à instrutora do processo que o recorrido lhes confessara a intenção, mas referiram que tinha posto a lixívia no balde da água e que se preparava para molhar o pão com essa água”.
- O tribunal não valorou o depoimento da testemunha J…, e bem, pois considerou que a versão dos factos narrada no seu depoimento não era merecedora de credibilidade face às demais provas produzidas e às regras da normalidade e da experiência comum.
Atentemos, desde já, na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, na parte que aqui releva, dela constando o seguinte:
«[..]
No que se refere aos n.ºs 7, 8, 9 e 10, consideraram-se os depoimentos prestados em juízo pelas testemunhas E…, D…, H…, I…. e K… (cliente da R. desde que abriu o estabelecimento, que frequenta diariamente, de manhã e ao meio-dia).
Tendo a testemunha E… dito que no dia 14 de Janeiro de 2020, perto da hora de almoço, cerca das 12:00 horas, entrou na zona de fabrico, cheirou-lhe muito a lixívia e viu que o A. estava com um garrafão de lixívia na mão, a deitar lixívia no balde onde era costume estar água com que o A. habitualmente molhava um pano para passar no pão, para lhe retirar os restos de farinha; que tentou tirar o balde ao A., mas ele não deixou, acabando por ser a colega D… a fazê-lo; que o selo de segurança que envolve a abertura do garrafão da lixívia estava em cima da banca, o que significa que foi o A. que o abriu nessa altura; que o garrafão de lixívia tem cerca de 5 litros e estava mais ou menos a meio, o que quer dizer que o A. tinha despejado 2,5 litros no balde; que a lixívia é apenas usada para limpar as instalações, pela empregada de limpeza, e não para lavar o pano de molhar o pão, muito menos com aquela quantidade de lixívia; e que era suposto o A. ir almoçar e de seguida cozer mais pão, pelo que não faz sentido o argumento do A. de que iria apenas lavar o pano, no final do seu dia de trabalho.
A testemunha D…, por seu turno, afirmou que estava a atender um cliente quando ouviu a E… a dizer ao A., na zona de fabrico, “é um crime o que estás a fazer”; entrou nessa zona e o A. tentou esconder o balde, tendo-lho no entanto a testemunha conseguido tirar, verificando que no seu interior estava cerca de meio garrafão de lixívia e um pano cor de laranja que era usado para molhar o pão, pano esse que se encontrava já descolorado; que em cima da banca estava o selo de segurança do garrafão de 5 litros de lixívia, que se encontrava a meio; que não se usava lixívia para lavar o pano de molhar o pão, sendo que se o A. o fizesse, o pano, sendo cor de laranja, já tinha perdido a cor - o que nunca aconteceu, a não ser naquele dia.
A testemunha H… disse que quando chegou ao estabelecimento para pegar ao serviço, por volta das 13:00 horas, o patrão mandou-a guardar um balde de lixívia, dentro do qual estava um pano laranja, já desbotado; tinha sido a testemunha a comprar a lixívia, que era usada para limpezas, nomeadamente da casa de banho; e que o pano de molhar o pão era lavado apenas com água e não com lixívia, nunca tendo visto o A. a usar lixívia para o efeito, nem tal fazia sentido, a seu ver, muito menos na quantidade usada.
A testemunha I…, por seu turno, referiu que não assistiu ao que se passou, de que soube pelas colegas; tendo no próprio dia confrontado o A., que começou por negar, mas depois reconheceu que ia pôr lixívia no pão e que foi a mãe e o J… que lhe disseram para o fazer, pedindo à testemunha que escrevesse uma carta por ele, a reconhecer que propositadamente queimou pão e que ia molhar pão com lixívia.
A testemunha K… disse que se encontrava na altura no estabelecimento, a almoçar, sentada ao balcão, tendo ouvido a E… a dizer para o A. “estás a cometer um crime, a pôr lixívia no pão”; e que a E… estava muito nervosa, tendo-lhe contado que o A. ia pôr lixivia no pão, usando um pano.
O gerente da R., G…, nas declarações de parte que prestou em julgamento, afirmou que no dia em causa, por volta das 11:00/12:00 horas, estava a vender ao balcão, quando a E… foi ter consigo, assustada, contando-lhe que o A. tinha um balde com lixívia para molhar o pão; questionou o A., perguntando-lhe o que estava a fazer, mas ele não respondeu; o pano, que era cor de laranja, já estava sem cor, por estar dentro do balde de lixívia; que esse balde era usado para levar água para molhar o pão, não sendo suposto conter lixívia; que na zona de fabrico estava um garrafão de lixívia aberto, bem como a respectiva rolha e o selo de segurança; que no dia seguinte, o A. reconheceu expressamente, perante si, que pôs a lixívia no balde para molhar o pão e que o fez porque a mãe e o J… lhe disseram para o fazer; e que em face disso, deixou de ter confiança no A., até porque este trabalhava durante parte do tempo sozinho, na zona de fabrico.
Perante tais depoimentos e declarações, não nos mereceu crédito a versão apresentada pelo A. em julgamento, segundo a qual a sua intenção era apenas de lavar o pano com lixívia, para mais tarde voltar a usar, como normalmente fazia. Nem a veiculada pela testemunha J…, segundo o qual era habitual o A. lavar o pano dessa forma - sendo certo que a credibilidade desta testemunha se encontra condicionada pelo facto de ter sido despedido pela R., contra quem instaurou acção de impugnação de despedimento, que correu termos neste mesmo tribunal (J1).
De resto, não nos parece que essa versão faça grande sentido, não se afigurando normal, tendo em conta as regras da experiência e a normalidade as coisas, que se use lixívia para lavar um pano com que se vai molhar pão, muito menos cerca de 2,5 litros de lixívia.
Salientando-se que, confrontadas em julgamento as testemunhas E… e D… com os autos da sua inquirição em sede de procedimento disciplinar (cfr. fls. 33 v.º e seg. e 34 v.º e seg.), esclareceram que terá ocorrido lapso ou mal-entendido por parte da instrutora em alguns aspectos da respectiva redacção, de que não se aperceberam quando assinaram os autos.
Sendo em nosso entender compreensível e plausível que o gerente da R., perante a conduta do A., tenha perdido confiança no seu desempenho futuro, como forneiro.».
Diremos, desde já, que a fundamentação do tribunal a quo, pormenorizada, mas escorreita e objectiva, é elucidativa, logo evidenciando que não assiste razão ao recorrente. Mas para que não subsistissem dúvidas, ouvida a prova na parte relevante, constatou-se, tal como assinalado pela recorrida, que o recorrente apenas faz as transcrições das partes que lhe são convenientes e a partir delas defende posições que não têm suporte na prova, vista no seu todo e conjugada entre si, à luz de critérios de razoabilidade.
A testemunha I…, testemunho que tinha saído para comprar uma vassoura e quando regressou viu as colegas lá dentro, estando a N… com um balde que tinha lixívia. Perguntou o que se passara e disseram-lhe que o B… estava como pano de molhar o pão dentro da lixívia. Disse a este “B… o que é que estás a fazer, tu não sabes que não se pode usar lixívia aí, o que é que te está a dar? E ele primeiro disse não fui eu, eu não fiz nada e eu disse então quem é que fez? Isso não é lixívia? E eu disse “Ó B… isto é lixívia”. (..) depois ele admitiu-me que sim que era lixívia e que fazia aquilo a mando da mãe. Porque o B… andou uma semana antes do Natal que andou a fazer umas asneiras lá. O B… queria até que eu fizesse uma carta a dizer que ele era culpado».
A testemunha não foi ouvida no processo disciplinar, mas como bem refere a recorrida, tal não tem qualquer significado, nem desvaloriza o seu testemunho em juízo. De resto, a explicação da Recorrida para explicar a razão que levou a que não lhe fossem tomadas declarações no processo disciplinar, é coerente e lógica: esta testemunha não estava no local quando as colegas E… e D… deram com o autor com o balde com lixívia e o pano de molhar o pano no interior dele.
Refere o recorrente que as testemunhas D… e E… em julgamento negaram que tivessem declarado no processo disciplinar que o autor lhes confessara que ia pôr lixívia no pão, defendendo que há uma contradição.
No processo disciplinar, no registo das declarações da testemunha D…, para além do mais, consta o seguinte:
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E, no registo das declarações da testemunha E…, lê-se o que segue:
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No julgamento, esta última testemunha, questionada pelo Senhor Juiz, referiu “mas se por acaso está aqui dito, se o B… me disse, sinceramente, agora não me lembro, estou-lhe a ser muito sincera, não me lembro Senhor Doutor. Também já vai algum tempo. [..] Não me lembro Senhor Doutor, estou-lhe a ser muito sincera, não me lembro de ter dito isto. Se está aqui escrito de certeza que disse.
Foi-lhe então perguntado «E lembra-se se realmente ele lhe disse isso ou se não disse?», ao que respondeu: «Não. Não me lembro Senhor Doutor. Eu não me lembro se o B… me disse, simplesmente quando eu cheguei à beira do B…, eu só lhe disse assim: “B… o que é que estás a fazer?”».
Em seguida o ilustra mandatário do autor voltou a insistir na questão, perguntando-lhe «Dona E…, então o Senhor B… disse-lhe que ia pôr a lixívia no pão, ou não lhe disse?”, tendo esta respondido «Não. Não me lembro Senhor Doutor. Não me disse isso. Ele ia-me dizer uma tal coisa dessas, de meter lixívia no pão? Se não eu era cúmplice dele».
Pois bem, não vimos razões para duvidar da isenção da testemunha, designadamente, para sustentar uma alegada contradição. Desde logo, tendo-se procedido à audição integral do seu testemunho, não se vê que hajam razões para duvidar da testemunha quando afirma que não se lembra se prestou a declaração no sentido que consta transcrito no auto de inquirição que subscreveu. A testemunha depôs sempre com clara espontaneidade e isenção. Mas para além disso, sendo esse o ponto fulcral, a audição do testemunho permitiu constatar, sublinha-se, sem margem para dúvida, que quanto a essa parte a testemunha ficou confundida pelo cruzar de questões a que foi submetida pelo ilustre mandatário da Ré e pelo Senhor Juiz, em especial quando foi colocada a ler, em voz alta, aquele parágrafo, que não conseguiu interpretar correctamente.
Na verdade, como decorre de pelo menos três afirmações da testemunha, duas delas feitas interrogativamente, esta interpretou as questões no sentido de a estarem a questionar se o autor lhe disse previamente que ia por lixívia no pão. Senão veja-se:
- “Eu não disse isso. Que o B… estava a preparar-se para meter a lixívia no balde?”
- “Não. Não me lembro Senhor Doutor. Não me disse isso. Ele ia-me dizer uma tal coisa dessas, de meter lixívia no pão? Se não eu era cúmplice dele.
- “Se ele me dissesse antes, vou deitar lixívia no pão, eu não deixava (..)”.
Acresce referir que a testemunha, logo inicialmente, em relato solto e coerente, já tinha referido espontaneamente que “Ele disse mesmo depois a nós que foi mandado pela mãe”.
No que respeita à testemunha D…, o recorrente invoca o extracto das suas declarações seguintes:
Advogado do autor: Deixe-me só terminar aqui agora: “Perante tal situação o Colega B… acabou por admitir que tinha posto lixívia no balde da água e que se preparava para utilizar essa água para molhar o pão quando esta entrou.
D…: Não, não. A mim não admitiu nada Doutor. Não, não, não. Ele a mim não…
Advogado do autor: Então isto é tudo falso?
D…: Isso é tudo falso. Ele a mim não admitiu nada.
É certo que a testemunha fez essa afirmação, mas como o próprio recorrente invoca, o tribunal a quo refere-o, no passo seguinte:
Salientando-se que, confrontadas em julgamento as testemunhas E… e D… com os autos da sua inquirição em sede de procedimento disciplinar (cfr. fls. 33 v.º e seg. e 34 v.º e seg.), esclareceram que terá ocorrido lapso ou mal-entendido por parte da instrutora em alguns aspectos da respectiva redacção, de que não se aperceberam quando assinaram os autos».
Ou seja, entendeu o Tribunal a quo que essa disparidade não punha em causa a isenção e objectividade dos testemunhos produzidos pelas referidas testemunhas. E, na nossa perspectiva, após a audição integral desses testemunhos, ajuizou bem.
Mas convirá assinalar que o Senhor Juiz cuidou de indagar o que se terá passado para explicar essa divergência, tendo esta testemunha explicado que no dia 15, no local de trabalho, prestou declarações perante a Senhora advogada instrutora do processo, que manuscreveu o que lhe ia sendo dito por ela, sendo que nesse dia nada assinou. No dia seguinte a Senhora advogada voltou com o texto que depois elaborara em computador, tendo então a testemunha assinado, mas sem que tenha lido o conteúdo do texto, “por confiar”.
Por tudo isso, bem decidiu o tribunal a quo ao considerar provado que [9] “Mais tarde, nesse mesmo dia, o A. admitiu pelo menos perante uma colega de trabalho a sua conduta e intenção”.
Prosseguindo, defende o recorrente que ele nunca referiu em julgamento que ia lavar o pano com “cerca de 2,5 litros de lixívia”; e, a testemunha E… começou por dizer em julgamento que não verificou a quantidade de lixívia, para depois dizer que era um pedacinho ou um pedaço, e depois que era 1 litro, 1 litro e tal, e foi sempre subindo, até chegar aos 2,5 litros.
Em primeiro lugar, é irrelevante o que o autor não tenha feito essa afirmação. Aliá, note-se, nem o Tribunal a quo diz isso, antes dizendo, referindo-se à versão do autor (que ia lavar o pano): “De resto, não nos parece que essa versão faça grande sentido, não se afigurando normal, tendo em conta as regras da experiência e a normalidade as coisas, que se use lixívia para lavar um pano com que se vai molhar pão, muito menos cerca de 2,5 litros de lixívia”.
Em segundo lugar, com o devido respeito, quanto ao testemunho de E…, que como dissemos ouvimos, não decorre do mesmo que tenha feito a alegada progressão em termos quantitativos. No essencial o que a testemunha refere, em consonância como as demais, é que se tratava de um garrafão de cinco litros que tinha acabado de ser aberto – pois estava o anel de segurança e a tampa em cima da banca, o qual constataram estar a meio.
Daí o Tribunal a quo ter dado como provado que se tratava de “cerca de 2,5 litros de lixivia”, sendo certo que a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto é clara e suficiente ao justificar esse juízo.
Segue o recorrente argumentando que a testemunha E… não disse que o impediu de “(…) prosseguir com a sua conduta” “(…) de molhar o pão que ia levar ao forno.”
É certo que a testemunha não usou estas precisas palavras, mas o facto também não foi dado como provado procurando relatar o que foi dito textualmente pelas testemunhas, mas antes o que foi imputado na nota de culpa, acrescendo que essa convicção tão pouco resultou apenas desse testemunho, mas antes da conjugação do mesmo com o da testemunha D….
É isso que o Tribunal a quo refere com clareza na fundamentação da decisão e, sem dúvida, o que resulta da prova, desde logo, desses dois testemunhos, a cuja audição, repete-se, procedemos.
Basta atentar nestes extractos:
- Da E… - «Lixívia no pão? O Sr Dr e tenho quase a certeza que não devia ter sido a primeira vez. Ele nesse dia teve foi o azar de eu ter entrado naquele momento. Eu tentei tirar-lhe o balde e ele deu-me um empurrão ainda. Porque ele não queira que a gente confirmasse que era lixívia. E estava lá, que ele tinha a tampa do garrafão da lixívia estava lá em cima e ele tinha virado a lixívia naquele momento Sr Dr.”.
[..]
Não o pano não é lavado com lixívia. Aquele pano é só lavado com água que é para tirar a farinha do pão. Aquele paninho é só utilizado para molhar o pão que é para o pão não ir seco para dentro do forno e fica com farinha e aquele paninho é só lavado com água só Sr Dr. Não pode levar lixívia!
[a lixívia estava lá] Para as limpezas ao final no dia e estava num armário debaixo da banca. Tem umas portinhas debaixo da banca com os produtos de limpeza da senhora da limpeza que o B… conhece perfeitamente que é lá que se guarda.
[..]
Deu sim senhora [um encontrão] porque eu tentei-lhe tirar o balde que era para mostrar ao patrão porque aquilo não pode ser assim e era para mostrar que ele não me deixou tirar o balde, foi a minha colega depois que lhe conseguiu tirar o balde e tirou-lhe o balde que eu não consegui, porque ele não queria que a gente realmente visse que era a lixívia Sr Dr.
[..]
Estava eu, fui eu que dei com o B…, estava a O… e depois chamei o meu patrão. Claro que o patrão tinha que ficar a saber disto.
[..]».
- Da D… - « (..) a E… já estava lá dentro, a minha colega detrabalho, eu estava cá fora a atender a K… e ouvi a minha colega a dizer B… é um crime o que estás a fazer; e eu disse ui! o que é que se passa lá dentro. Eu cheguei lá dentro e a E… disse isto é um crime que ele está a fazer, e eu vi-o a sair já, ele tinha saído da banca e já estava a ir para o lado do carrinho do pão que a gente tem, e eu disse B… ó que é que se passa? e ele disse não se passa nada, e eu disse B… tu estás tão nervoso o que é que se passa? e eu peguei e disse B… isto não é normal, tu estás tão nervoso porquê? E a E… disse assim isto é um crime que ele fez, ele pegou no garrafão de lixívia e vazou no balde. E aquilo cheirava a lixívia, aquilo cheirava a lixívia, não tinha uma ponta de água. A E… tentou-lhe tirar o balde e ele arremessou a E…. Ao mesmo tempo, que ele arremessou a E… eu puxei-lhe o balde e deixei ficar em cima da mesa dos pasteleiros e entretanto eu disse, eu vou chamar o patrão e o patrão é que resolve contigo.
[..]
[Teve a perceção que era lixívia?] Sim, sim, porque a cor do pano começou a desfazer-se, a cor do pano.
[..]
Olho para o balde e vejo o pano a perder a cor e aquilo só com lixívia e não é normal, ele tem que fazer a mudança da água e passar o pano por água e por água limpa para molhar o pão.
[..]
Sim na parte da senhora da limpeza temos um armáriozinho onde tem os produtos de higiene que a senhora faz a limpeza. O garrafão estava fechado e em cima da banca tinha a coisinha de ele ter aberto o garrafão. E o garrafão estava cheio e quando a gente foi a pegar no garrafão, o garrafão estava a meio.
[Olhe e de que quantidade é?] 5 litros e perfumada.
Por último, alega o recorrente que a testemunha J… confirmou que era habitual o autor lavar o pano com lixívia no final do trabalho, pretendendo que tal seja valorado por este Tribunal, dado que a 1.ª instância não o valorou, no seu entender incorrectamente, por não ter sido tomado em conta o acórdão de secção criminal desta Relação, transitado em julgado em 12/11/2020, que condenou o sócio gerente da ré G…, pela prática do crime de ofensa à integridade física simples na pessoa do autor. Remata, dizendo que a ré apenas moveu um processo disciplinar ao autor como forma de retaliação por este ter efectuado uma denúncia na ACT e, ainda, em virtude de este ter apresentado uma queixa-crime contra o seu sócio.
Importa começar por relembrar que os factos 30 a 34, respeitam ao processo crime que é invocado pelo autor, no último deles constando que “O A. interpôs recurso dessa sentença para o Tribunal da Relação do Porto em 22/6/2020, que a revogou, condenando o sócio gerente da R. pela prática do crime de ofensa à integridade física simples na pessoa do aqui A., em multa e indemnização a favor deste”.
Por conseguinte, o tribunal a quo não descurou isso. Porém, o facto de estarem demonstrados esses factos não pode significar, sem mais, que a Ré tenha movido o processo disciplinar contra o autor “por retaliação”, tanto mais que a prova é segura no que concerne à existência dos factos que estão na base desse procedimento e à sua demonstração.
Foi precisamente com base na segurança da prova produzida, isto é, permitindo a necessária certeza para a prova dos factos imputados ao autor, que o Tribunal a quo desconsiderou quer a versão deste quer a que veio a ser apresentada pela sua testemunha J…, constando da fundamentação a explicação seguinte:
«Perante tais depoimentos e declarações, não nos mereceu crédito a versão apresentada pelo A. em julgamento, segundo a qual a sua intenção era apenas de lavar o pano com lixívia, para mais tarde voltar a usar, como normalmente fazia. Nem a veiculada pela testemunha J…, segundo o qual era habitual o A. lavar o pano dessa forma - sendo certo que a credibilidade desta testemunha se encontra condicionada pelo facto de ter sido despedido pela R., contra quem instaurou acção de impugnação de despedimento, que correu termos neste mesmo tribunal (J1).
De resto, não nos parece que essa versão faça grande sentido, não se afigurando normal, tendo em conta as regras da experiência e a normalidade as coisas, que se use lixívia para lavar um pano com que se vai molhar pão, muito menos cerca de 2,5 litros de lixívia».
Não vimos que se perfile qualquer razão válida para pôr em causa a convicção formada pelo julgador, designadamente quando faz apelo às regras da experiência e da normalidade das coisas, em acertada consideração que dispensa outras palavras.
Concluindo, não se reconhece razão ao recorrente, improcedendo a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
II.3 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
Insurge-se o recorrente contra a sentença, ainda que a impugnação da matéria de facto não processa, como acontece, defendendo que deve ser declarada a ilicitude do despedimento, tendo em consideração que as infracções situam-se praticamente todas num relativamente pequeno período de tempo - entre 18 de Dezembro de 2019 e 14 de Janeiro de 2020 -, que inexiste lesão dos interesses da ré, que não tem antecedentes disciplinares registados e é portador, desde 6/7/1999, de uma incapacidade permanente global de 63%..
II.3.1 Como é sabido, a CRP, no seu art.º 53.º, estabelece o princípio da segurança no emprego, que se traduz, antes de mais, na proibição do despedimento sem justa causa, isto é, “(..) os despedimentos arbitrários, sem razão suficiente e socialmente adequada” [Bernardo da Gama Lobo Xavier, Iniciação ao Direito do Trabalho, 2.ª Edição, Editorial Verbo, Lisboa, 1999, p. 281].
O trabalhador perderá essa protecção se tiver dado origem, por falta disciplinar grave, ao despedimento, nesse caso podendo o empregador, no exercício do poder disciplinar, aplicar-lhe a sanção de “Despedimento sem indemnização ou compensação” [art.º 328.º n.º1, al. d), do CT 09].
Como explica Monteiro Fernandes, “Daí a deslocação do problema da determinação da justa causa para o terreno da valoração disciplinar e da correlativa graduação das sanções. Certa infracção poderá constituir justa causa quando, em concreto, se não possa exigir, segundo as regras da boa-fé, que o empregador se limite a aplicar ao trabalhador faltoso uma sanção disciplinar propriamente dita, quer dizer, uma medida punitiva que não afecte, antes viabilize, a permanência do vínculo” [Direito do Trabalho, 14.ª Ed., Almedina, 2009, p. 610].
Atentemos, então, nos aspectos essenciais da figura da justa causa por facto imputável ao trabalhador (subjectiva).
Dispõe o n.º 1 do art.º 351.º do CT 09: “Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
Daí que, tal como era defendido nos anteriores regimes perante idênticas normas, nomeadamente, no Decreto-lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT) o art.º 9º n.º1 e, no Código do Trabalho de 2003, o art.º 396.º n.º1, continua a entender-se quer na doutrina quer na jurisprudência, que a noção de justa causa de despedimento exige a verificação cumulativa dos requisitos seguintes:
i) um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, por acção ou omissão, violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências (elemento subjectivo da justa causa);
ii) que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral (elemento objectivo da justa causa);
iii) a verificação de um nexo de causalidade entre aquele comportamento ilícito, culposo e grave e a impossibilidade prática e imediata da manutenção da relação laboral, na medida em que esta tem que decorrer, efectivamente, do comportamento do trabalhador.
Igualmente à semelhança das anteriores normas, o legislador complementa o conceito de justa causa com uma enumeração meramente exemplificativa de comportamentos susceptíveis de integrarem justa causa de despedimento [n.º2, do art.º 351, CT/09]. O que vale por dizer que os comportamentos susceptíveis de constituírem justa causa de despedimento não se esgotam naquele elenco, antes abrangendo qualquer outro comportamento do trabalhador, desde que ilícito, culposo e violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências.
Importando, pois, ter presente que com a celebração do contrato de trabalho o trabalhador assume uma obrigação principal, a de prestar a sua actividade ao empregador, executando o trabalho de harmonia com as instruções daquele a quem compete o poder de direcção, ou seja, o de «(..) estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem» [art.º 97.º do CT 09]. Mas que para além dessa obrigação principal, sobre o trabalhador recaem ainda outras obrigações «(..) conexas à sua integração no complexo de meios pré-ordenados pelo empregador” [António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14.ª Ed., Almedina, 2009, pag. 236).
Esses deveres acessórios estão previstos nas diversas alíneas do art.º 128.º do CT 09, em enumeração exemplificativa. E, subjacente a esses deveres está o princípio orientador geral da boa fé no cumprimento dos contratos, no Código do Trabalho constante do art.º 126.º n.º1, nos termos seguintes:
-“O empregador e o trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respectivas obrigações”.
Contudo, não basta a verificação de um ou mais comportamentos ilícito, culposo e violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, para se concluir que há justa causa, sendo necessário apreciá-los à luz do conceito de justa causa, para determinar a sua gravidade e consequências, atendendo ao «(..) quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão do interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus trabalhadores e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes» [n.º 3, do art.º 351.º, CT/09].
A jurisprudência dos tribunais superiores é unânime no entendimento de que a ponderação sobre a gravidade da culpa e das suas consequências deve considerar o entendimento de um “bonus pater famílias” e de um “empregador razoável” segundo critérios de objectividade e de razoabilidade, em função das circunstâncias de cada caso concreto.
Outro aspecto relevante a considerar na apreciação da justa causa consiste na formulação de um juízo de prognose sobre a viabilidade futura da relação de trabalho.
Nas palavras de Bernardo da Gama Lobo Xavier, «Este é sem dúvida um aspecto de extrema relevância para compreender a essência da justa causa de despedimento: o juízo sobre a impossibilidade das relações contratuais refere-se ao futuro (“a subsistência da relação de trabalho”, no dizer da própria lei)». [Op. cit., p. 306].
Dito por outras palavras, e como aponta Maria do Rosário Palma Ramalho, tem sido entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência que qualquer situação de justa causa tem que se subsumir à cláusula geral de justa causa estabelecida no n.º1 do art.º 351.º, do CT/09, para efeitos dos respectivos elementos integrativos, ou seja, para que o comportamento do trabalhador consubstancie uma situação de justa causa de despedimento não é suficiente que seja ilícito, culposo e grave, sendo também condição de verificação necessária, que dele resulte a impossibilidade prática e imediata da subsistência do contrato de trabalho. Em suma, “(..) perante o comportamento do trabalhador, objectivamente considerado (..) é sempre necessário um juízo de valor para determinar, em concreto, a gravidade desse comportamento, o grau de culpa do trabalhador e em que medida é que ele compromete o vínculo laboral” [Direito do Trabalho, Parte II, 3.ª Ed., Almedina, 2010, p. 910].
Para Bernardo da Gama Lobo Xavier, a verificação da justa causa passa, assim, pelo recurso a um critério operacional, que se traduz no seguinte: “A ideia de impossibilidade imediata refere-se essencialmente à posição do empregador que faz valer a rescisão por justa causa, libertando-se de todos os obstáculos postos pela lei à desvinculação das relações de trabalho. A desvinculação torna-se tão valiosa juridicamente que a ela não pode obstar a protecção da lei à continuidade tendencial do contrato nem a defesa da especial situação do trabalhador. A justa causa representa exactamente uma situação em que esses interesses deixam de valer, ou melhor, são afastados” [Op. cit., p. 308].
Num entendimento convergente, Monteiro Fernandes defende que «(..) não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço em concreto dos interesses em presença - fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo (..). Basicamente, preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiem tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo (termo aposto ao contrato, sanções disciplinares conservatórias)” [Op. Cit, p. 589].
E, mais adiante, após mais desenvolvido tratamento da figura, vem a concluir dizendo “Em suma: a cessação do contrato imputada a falta disciplinar só é legítima quando tal falta gere uma situação de imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória. Na sua essência, a justa causa consiste exactamente nessa situação de inviabilidade do vínculo, a determinar em concreto (arts.351.º/3 e 357.º/4, através do balanço de interesses atrás referido” [Op. Cit., p. 613].
Nessa linha de entendimento, a jurisprudência dos tribunais superiores vem reafirmando que a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral, verifica-se quando perante um comportamento ilícito, culposo e com consequências gravosas na relação laboral, ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral. Nesse sentido, vejam-se, entre outros os Acórdãos do STJ de 29.04.2009, Proc. nº 08S3081; de 17.06. 2009, Proc.º 08S3698; de 03.6.2009, Proc.º n.º 08S3085; de 15.09.2010, Proc.º 254/07.1TTVLG.P1.S1; de 7.10.2010, Proc.º 439/07.0TTFAR.E1.S1; e, de 13.10.2010, Proc.º n.º 142/06.9TTLRS.L1.S1, todos eles disponíveis em www.dgsi.pt/jstj.
II.3.2 O Tribunal a quo, após considerações gerais sobre o quadro legal a ter em conta, nomeadamente, quanto à noção de justa causa, passando a aplicar esse direito aos factos, pronunciou-se como segue:
«[..]
No caso, dos factos imputados ao A. na nota de culpa, que vieram a fundamentar a decisão de despedimento, provou-se que:
- Durante a semana do Natal de 2019 e nas duas semanas seguintes ao final do ano de 2019, o A., agindo de forma intencional, deixou queimar fornadas de pão e tirou outras (de pão e amanteigados) do forno sem o pão/amanteigados estarem cozidos, daí resultando a respectiva inutilização e um prejuízo económico para a R. não concretamente apurado, equivalente ao valor comercial dos produtos inutilizados.
O que aconteceu, nomeadamente, nos dias 18 de Dezembro de 2019 e 11 de Janeiro de 2020, em que o A. queimou duas fornadas de pão que, por isso, ficou inutilizado; e no dia 13 de Janeiro de 2020, em que o A. inutilizou uma fornada inteira de amanteigados, que não cozeu devidamente e por esse motivo ficaram inutilizados.
- No dia 14 de Janeiro de 2020, por volta das 12h00m, o A. colocou no balde da água que costumava usar para molhar o pão, cerca de 2,5 litros de lixivia, com que tencionava molhar o pão que ia levar ao forno. Só não concretizando essa intenção, porque foi entretanto surpreendido por colegas de trabalho, que se aperceberam da sua intenção e o impediram de prosseguir.
A descrita conduta do A. revela desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao seu posto de trabalho de forneiro, a que se reporta a al. d) do n.º 2 do art. 351º, com violação do dever de realizar o trabalho com zelo e diligência, previsto na al. c) do n.º 1 do art. 128º.
Mas também – e sobretudo –, violação do dever de lealdade que impende sobre os trabalhadores, consagrado na al. f) do n.º 1 do art. 128º, dever este que representa uma das mais relevantes emanações do princípio geral da boa-fé na execução do contrato de trabalho, a que alude o art. 126º n.º 1, ao estabelecer que “O empregador e o trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respectivas obrigações”. De tal forma que a sua violação corresponde a frustrar a confiança que constitui a base imprescindível da relação jurídico-laboral, pois dificilmente o empregador poderá confiar num trabalhador que age para com ele de forma desleal.
Na verdade, independentemente do valor concreto do prejuízo patrimonial decorrente de ter inutilizado os produtos (queimando-os ou tirando-os do forno antes do tempo), que se admite até que possa ter sido pouco significativo, e do A. não ter chegado a colocar efectivamente lixívia nos pães, o que é grave na sua actuação é que agiu em ambos os casos de forma intencional, revelando profunda falta de lealdade para com a entidade empregadora.
Acresce que foi comentado em Ovar o facto do A. ter tentado molhar o pão fabricado na R. com lixívia, o que é passível de acarretar para a R. danos reputacionais e prejuízos económicos, posto que o seu objecto social é justamente a actividade de pastelaria, padaria e outros ramos do sector, alimentação e bebidas, com venda ao público.
Não obstante o A. trabalhar na R. desde 1 de Agosto de 1994, não ter antecedentes disciplinares registados, ser portador desde 06/07/1999 de uma incapacidade permanente global de 63% e poder eventualmente ter agido sob influência da sua mãe e do ex-colega de trabalho J…, está em causa uma actuação grave, ilícita e dolosa, não tendo nenhuma medida disciplinar de cariz conservatório a virtualidade de repor a confiança perdida pela R. no desempenho profissional futuro do A., até pela natureza das funções que exerce, mostrando-se irremediavelmente comprometida a subsistência do vínculo laboral.
Daí decorrendo o reconhecimento da existência de justa causa para o despedimento.
[..]».
Antecipamos já a nossa concordância com esta fundamentação, a nosso ver correcta e criteriosa, e consequentemente com a decisão final a que conduziu. Mas importa que justifiquemos esta asserção.
A Professora Maria do Rosário Palma Ramalho, a par de parte da doutrina nacional a esse propósito - como assinala - distingue entre os “deveres acessórios integrantes da prestação principal e os deveres acessórios independentes da prestação principal”, nesta última categoria, que também designa por “deveres acessórios autónomos”, por não dependerem da prestação de trabalho, incluindo o dever de lealdade, em geral (e, também, de respeito e urbanidade). Prossegue a mesma autora, assinalando que em sede de apresentação geral dos deveres acessórios do trabalhador deve ter-se em conta a dimensão pessoal de alguns desses deveres, bem como a dimensão organizacional, o que se aplica, entre outros, ao dever de lealdade, para depois explicar que “A dimensão pessoal de alguns deveres dos trabalhadores decorre do envolvimento integral da sua personalidade no contrato de trabalho e explica também a imposição ou limitação de condutas pessoais ao trabalhador, em determinados parâmetros, bem como o relevo geral da confiança pessoal entre as partes no contrato de trabalho” [Op. Cit. pp. 412].
Mais adiante, debruçando-se em concreto sobre o dever de lealdade, faz notar que «Embora seja referido na lei sem particular destaque [art.º 128.º n.º 1 al. f], o dever de lealdade é, a par do dever de obediência, o mais importante dos deveres acessórios do trabalhador”, para prosseguir explicando que “Em sentido amplo, o dever de lealdade é o dever geral de conduta do trabalhador no cumprimento do contrato. (…) O dever de lealdade do trabalhador entronca, em primeiro lugar, no dever geral de cumprimento pontual dos contratos. Nesta perspectiva, o dever de lealdade do trabalhador tem como destinatário o empregador, contraparte no contrato de trabalho, e não é mais do que a concretização laboral do princípio da boa-fé, na sua aplicação ao cumprimento dos negócios jurídicos, tal como está vertido no art.º 762.º n.º 2 do CC. É também neste sentido que deve ser compreendida a referência ao dever de comportamento do trabalhador e do empregador segundo as regras da boa fé no cumprimento dos seus deveres e no exercício dos seus direitos, que consta do art.º 126.º, n.º 1 do CT». Assinala, ainda, que para além dessa dimensão obrigacional, o dever de lealdade tem uma outra «(..) que decorre dos dois elementos do contrato de trabalho que o tornam singular no panorama dos contratos obrigacionais: o elemento do envolvimento pessoal do trabalhador no vínculo; e a componente organizacional do contrato», depois concluindo, referindo que «(..) a componente organizacional do contrato de trabalho justifica que o dever de lealdade do trabalhador não se cifre apenas em regras de comportamento para com a contraparte mas também na exigência de um comportamento correcto do ponto de vista dos interesses da organização (..) para além da lealdade ao empregador, enquanto contraparte num negócio jurídico, releva também a lealdade à empresa ou à organização do empregador» [Op. Cit. pp. 420/424].
Cremos estar assim evidenciada a especial importância que este dever assume na relação de trabalho subordinado e, logo, que a sua violação é susceptível de só por si tornar imediatamente impossível a manutenção do contrato de trabalho.
Mas para além disso, com especial relevância para o caso concreto, importa ainda assinalar, através das palavras do Senhor Conselheiro Sousa Grandão, que “A diminuição de confiança, resultante da violação do dever de lealdade não está dependente da verificação de prejuízos nem da existência de culpa grave do trabalhador, já que a simples materialidade desse comportamento, aliado a um moderado grau de culpa, pode em determinado contexto levar razoavelmente a um efeito redutor das expectativas de confiança” [Acórdão do STJ de 29.04.2009, Proc. nº 08S3081, disponível em em www.dgsi.pt/jstj].
De resto, entendimento que desde há muito vem sendo seguido pela jurisprudência dos Tribunais superiores, como o ilustra o Acórdão de 22-01-1992, Conselheiro Castelo Paulo [Nº Convencional: JSTJ00013348, disponível em www.dgsi.pt/jstj].
O que vale por dizer, que não merece qualquer acolhimento a posição do A., assente no pressuposto de que para se concluir pela existência de justa causa era também necessária a prova de prejuízos sérios.
Neste contexto, não podia o Tribunal a quo deixar de concluir pela impossibilidade prática e imediata da relação de trabalho em concreto, reconduzida à ideia de “inexigibilidade da manutenção vinculística”, no sentido de comprometer, desde logo, e sem mais o futuro do contrato [AC STJ de 29.4.2009, Conselheiro Sousa Grandão, acima citado].
É certo que o despedimento, face à tutela constitucional do princípio da segurança no emprego, só é juridicamente aceitável quando nenhuma outra medida se mostre adequada a salvaguardar a preservação e o equilíbrio da relação contratual. Porém, tudo ponderado no quadro dos factos apurados, não cremos estar perante um caso susceptível de ser sanado através da aplicação de uma medida sancionatória não expulsiva, mas antes perante uma crise contratual irremediável.
Numa perspectiva subjectiva, os deveres violados estão intrinsecamente relacionados com a necessidade de existir uma relação de confiança entre as partes, exigindo do trabalhador que paute a sua conduta de modo a não comprometer essa confiança. E, numa perspectiva objectiva, reconduzem-se à necessidade do ajustamento do comportamento do trabalhador ao princípio da boa-fé no cumprimento das suas obrigações.
Ora, atento o quadro factual na sua globalidade, é forçoso concluir que a conduta do recorrente não só pôs em causa a necessária relação de confiança, como a comprometeu definitivamente. Não é de todo exigível à R., como não o seria a qualquer outra entidade empregadora colocada perante o mesmo circunstancialismo, que creia na idoneidade futura do comportamento do A., para mais em matéria tão delicada, como o é a do fabrico de bens alimentares para venda a público, no caso concreto, da produção e venda de pão.
Não é suficiente o A. invocar a sua antiguidade e a ausência de antecedentes disciplinares, para repor a necessária confiança, atenta a prática a título doloso dos factos provados, manifestamente graves, mormente o propósito de molhar o pão com lixívia antes de o levar ao forno.
No que concerne à incapacidade permanente parcial de que sofre, com o devido respeito, não vimos que haja qualquer razão para justificar que tal funcione como factor atenuante da elevada gravidade da sua conduta.
Por conseguinte, não merece qualquer acolhimento a posição do A., ou seja, no confronto dos interesses antagónicos das partes, não vemos fundamento bastante para dar prevalência ao seu interesse na conservação do contrato de trabalho, em detrimento do interesse da R., considerando-se como razoável e justificada, a alegada perda de confiança da R. no seu comportamento futuro, de tal modo que torna inexigível a manutenção daquele ao seu serviço.
Em suma, bem decidiu o Tribunal a quo ao concluir estarem preenchidos os requisitos necessários para se julgar verificada a justa causa invocada, considerando o despedimento lícito, não merecendo, assim, a sentença qualquer censura.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso nos termos seguintes:
i) Improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
ii) Improcedente a impugnação da decisão de direito, confirmando a sentença recorrida.
Custas do recurso a cargo do recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º CPC).
Porto, 23 de Junho de 2021
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira