Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
515/12.8PDPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ ANTÓNIO RODRIGUES DA CUNHA
Descritores: PENA DE PRISÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
PRESCRIÇÃO DA PENA
PRAZO
Nº do Documento: RP20221004515/12.8PDPRT-A.P1
Data do Acordão: 10/04/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO CONDENADO.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Área Temática: .
Sumário: I – Na al. d) do n.º 1 do art.º 122.º do Código Penal cabem todas as penas não abrangidas nas als. a) a c), ou seja, as penas prisão inferiores a 2 anos (suspensas ou na sua execução) e as penas de multa.
II – As penas de prisão suspensas na sua execução não têm um prazo de prescrição autónomo do da pena originária.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 515/12.8PDPRT-A.P1



ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I - RELATÓRIO
O condenado AA veio interpor recurso despacho de 17.05.2022 proferido no processo comum n.º 515/12.8PDPRT do Juízo Central Criminal do Porto, que revogou a suspensão da execução da pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão em que havia sido condenado naqueles autos, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01.
Termina a motivação do recurso com as seguintes conclusões [transcrição]:
A. O Arguido AA foi condenado pelo Acórdão dos presentes autos, transito em julgado a 29/11/2013, na pena de 4 anos e 3 meses, suspensa na sua execução pelo mesmo período, pelo que o findar tempestivo deste período seria a 19/02/2018.
B. A equipa técnica faz constar no seu relatório de execução final da suspensão da execução da pena com regime de prova de 1/02/2018 que (…) a data do termo da pena suspensa ocorreu em 19/02/2018.
C. Nos termos do artigo 122.º, n.º 1, alínea d) do CP o prazo de prescrição para a pena suspensa é de 4 anos, conforme também o deixou claro o Tribunal da Relação de Lisboa em Acórdão proferido a 16/06/2015 no Processo n.º 1845/97.2PBCSC.L1-5, relatado por Simões de Carvalho, disponível in www.dgsi.pt e supracitado.
D. A contagem deste prazo substantivo de 4 anos a partir do dia 19/02/2018 determina o fim a 19/02/2022, data na qual se verificou, portanto, a prescrição da pena suspensa.
E. Segundo o Acórdão citado, só assim não será em caso de prorrogação da suspensão, revogação ou extinção da mesma.
F. O prazo da suspensão em momento algum foi prorrogado, pois o regime para tanto está previsto pelo artigo 55.º, alínea d) do CP e em momento algum o tribunal ad quo se fundou nessa base jurídico ou teve intenção de o fazer quando ia determinando que se aguardasse o desenvolvimento de outro processo.
G. Além do mais, revogação da suspensão ao abrigo do artigo 56.º só ocorreu “agora” a 18/05/2022, decorridos quase três meses da verificação do prazo de prescrição, através do despacho objeto do presente recurso e extinção muito menos, porquanto era até isso que deveria ter ocorrido logo ao dia 19/02/2018.
H. Não se nota qualquer verificação, nem muito menos o tribunal se debruçou sobre isso, de que tenha sido suspensa ou interrompido o prazo prescricional, nos termos do artigo 125.º e 126.º, respetivamente, do Código Penal.
I. A suspensão da execução da pena prescreveu, posto isto, ao dia 19/02/2022, não sendo juridicamente possível, ao abrigo do princípio da legalidade, o tribunal revogar, passados três meses dessa prescrição, essa suspensão e fazer o arguido cumprir efetivamente a pena de prisão de quatro anos e três meses.
J. O tribunal esqueceu-se de se debruçar sobre o eventual decurso do prazo de prescrição da pena suspensa em causa, nada dizendo quanto a ela nem, previamente, o próprio Ministério Público.
K. No processo n.º 13630/17.2T9PRT o arguido aqui recorrente foi condenado pelo crime de tráfico por Acórdão transitado em julgado a 27/01/2022, mas cujo inquérito se iniciou a 17/10/2017, mas constituído como arguido somente a 20/04/2018.
L. Antes de 20/04/2018 o arguido aqui recorrente era tido somente como um mero suspeito, ou seja aquando do prazo no qual se extinguiria a pena nada havia no processo n.º 13630/17.2T9PRT capaz de impedir essa extinção.
M. O relatório final de execução final da suspensão da execução da pena com regime de prova de 1/03/2018 demonstrava substancialmente que o arguido estava apto a que se lhe fosse extinta a pena.
N. O tribunal ad quo pediu a 08/03/2018 ao processo 6448/17.4T9PRT e ao processo 788/16.7SMPRT cópias da acusação, onde o aqui recorrente estava acusado pelo crime de invasão da área do espetáculo desportivo e por um crime de detenção de armas e outros dipositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos, por deter um flash light num jogo de futebol e o arremessar para o campo.
O. Já ultrapassado o prazo limite para extinção da pena, ao dia 22/03/2018, o tribunal pediu ao processo 6448/17.4T9PRT a cópia da sentença, onde o arguido foi condenado pela prática de um crime de invasão da área do espetáculo desportivo e foi sancionado em pena de multa e na interdição de aceder a recintos desportivos pelo período de 1 ano e por isto não revogou a suspensão da execução da pena.
P. A essa altura, atendendo ao disposto no artigo 56.º do CP, nada dava a entender que efetivamente houvesse fundamentos conhecidos para que fosse revogada a suspensão, não infringindo grosseira ou repetidamente deveres de conduta impostos pelo plano de reinserção social, pois caso assim fosse isso veria relatado pela equipa técnica, o que não veio (art. 56.º, n.º 1 CP).
Q. Além do mais, atendendo ao tipo legal de crime pelo qual foi condenado o arguido aqui recorrente nos presentes autos e atendendo ao bem jurídico tutelado, nada faria, a essa altura, resultar que houvesse sido cometido um crime pelo qual se notasse que as finalidades das penas não se haviam alcançado (cfr. art. 58.º, n.º 2 e 40.º, n.º 1 do CP), pois no processo n.º 13630/17.2T9PRT só houve constituição como arguido decorridos cerca de dois meses após notado o prazo para extinção da pena.
R. E os presentes autos e, portanto, o tribunal ad quo, só conheceram da constituição como arguido no processo n.º 13630/17.2T9PRT a 18/05/2018.
S. Tendo a 21/05/2018 recebido a informação do processo n.º 13630/17.2T9PRT de que o mesmo se encontrava em segredo de justiça, o tribunal a 06/06/2018 determinou que se aguardassem três meses pelo andamento desse processo e só pede novas informações aos autos desse processo quando já se havia ultrapassado esses três meses, 11/10/2018.
T. Voltou o tribunal ad quo a renovar o prazo para que se aguardasse por várias vezes pelo andamento do processo n.º 13630/17.2T9PRT e nos lapsos de tempo que determinou que se aguardassem 60 dias, o tribunal, em alguns deles, violou esse mesmo lapso de tempo, tal como, entre 17/10/2018 e 11/01/2019 e entre 22/01/2019 e 29/03/2019.
U. Ao dia 23/04/2019 o tribunal determinou que se aguardassem mais 60 dias e ao dia 03/07/2019 recebeu do processo pelo qual se aguardava a resposta de que ainda se encontrava em fase de julgamento o mesmo, não tendo o tribunal renovado qualquer prazo para que se aguardasse, ficando desamparado o processo!
V. Só ao dia 16-09-2019, após recebida a cópia da Acusação e a informação de que estava marcada a leitura do Acórdão no processo n.º 13630/17.2T9PRT é que o tribunal voltou a determinar que se aguardassem mais 60 dias.
W. Ao dia 28/01/2022, mais de um ano depois da última renovação somente por 90 dias do tribunal ad quo que ocorreu a 13/10/2020 para que se aguardasse o desenvolver do recurso no Acórdão proferido no processo pelo qual se aguardava ad initium, é que o tribunal volta a renovar novo prazo para que se aguardasse.
X. Recebida a confirmação pelo tribunal de recurso da condenação do arguido, ouvido o mesmo, o Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da execução da pena e a JIC decidiu nesse sentido, a 17/05/2022, no despacho objeto da presente apelação.
Y. O tribunal ad quo desrespeitou variadas vezes o prazo pelo qual determinou que se aguardasse pelo processo n.º 13630/17.2T9PRT, arrastando injustificadamente posição do arguido aqui recorrente, onerando a sua vida pessoal, familiar, social e económica.
Z. Só fortuitamente é que o tribunal ad quo teve conhecimento do processo n.º 13630/17.2T9PRT não tinha conhecimento desse processo e aquando do prazo para extinção da pena nem sequer havia sido constituído como arguido o aqui recorrente nesse processo.
AA. Os direitos de arguido consagrados constitucionalmente foram evidentemente afetados, porquanto foi coartado injustificadamente o disposto no artigo 32.º, n.º 1 e, em especial, 2, pois violou-se a presunção da inocência do arguido.
BB. Quando o arguido ainda não tinha tal qualidade no processo n.º 13630/17.2T9PRT já o tribunal ad quo não tinha extinguido a pena e, portanto, partiu do pressuposto que ele seria constituído como tal e as excessivas prorrogações de prazo para que se aguardasse denunciam o entendimento de que o tribunal contava com a condenação.
CC. O arguido, pelo tribunal de que se recorre, quanto ao processo n.º 13630/17.2T9PRT, não foi tratado como deve ser tratado até ao trânsito em julgado: como presumido inocente, e, pior, a 19/02/2018 nem sequer tinha essa qualidade, pelo que não seria possível sequer indiciá-lo pelo crime pelo qual acabou por ser condenado.
DD. Devendo ter sido declarada extinta a pena a 19/02/2018, a verdade é que só decorridos cerca de quatro anos é que o tribunal ad quo se pronunciou quanto ao incidente de extinção da pena suspensa, pelo que o arguido aqui recorrente como que cumpriu caricatamente duplamente esse período.
EE. O tribunal de que se recorre deveria ter ao dia 19/02/2022 ter determinado a extinção da pena suspensa, pois com a recolha de elementos nos processos nos quais o arguido aqui recorrente era efetivamente arguido não havia indícios capazes de preencher o disposto no art. 57.º, n.º 2 nem no 56.º do CP, pelo que deveria ter-se limitado a cumprir o disposto no art. 57.º, n.º 1 do CP.
FF. Violou-se, desta forma, o princípio da certeza, segurança e proteção da confiança jurídicas, implícitos no artigo 2.º da CRP.
GG. Ao tratar o tribunal ad quo conforme tratou este processo impediu a segurança da vida quotidiana, pessoal, familiar, social e económica do arguido, pois ao dia 19/02/2022 o arguido que deveria ter visto a sua pena suspensa declarada como extinta, não viu isso acontecer, nem sequer estava indiciado como arguido em processo capaz de preencher ou o art. 57.º, n.º 2 ou 56.º do CP, conforme já se demonstrou.

III – PEDIDO
Fundamentos e termos pelos quais deve ser dado como procedente o presente recurso de apelação e, desta forma, devem V.as. Ex.as.
a) Darem como verificado o prazo de prescrição da pena suspensa, nos termos do artigo 122.º, n.º 1, alínea d) do CPP em consideração ao princípio da legalidade.
Caso assim não se entenda, devem V.as. Ex.as.
b) não revogar ao recorrente a suspensão da pena de prisão de 4 anos e 3 meses, mas, ao invés,
c) declararem-na como extinta, segundo o artigo 57.º, n.º1 do CPP, pois nos presentes autos foi feito um uso abusivo do expediente processual pelo tribunal, coartando direitos fundamentais do arguido, tais como os direitos de defesa e presunção de inocência e o princípio da certeza, segurança e proteção da confiança jurídicas, plasmados, respetivamente, nos artigos 32.º, n.º 1 e 3 e 2.º da CRP.
*
O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
Termina a motivação com as seguintes conclusões [transcrição]:
1. O arguido AA foi condenado, por Acórdão transitado em julgado em 29.11.2013, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes.
2. O período de suspensão de execução da pena de prisão decorreu entre 29.11.2013 e 29.02.2018.
3. Entretanto, surge nos autos a informação de que se mostra pendente o processo 13630/17.2T9PRT onde o arguido AA se encontrava a ser investigado pela prática de factos integradores de um crime de tráfico de estupefacientes perpetrado desde Outubro de 2015 até 19 de Abril de 2018.
4. Estando em causa factos integradores do mesmo tipo legal de crime praticados durante o período da suspensão da execução da pena de prisão, os presentes autos ficaram a aguardar o desfecho do supramencionado processo 13630/17.2T9PRT.
5. Em 04 de Setembro de 2019, o arguido AA dirigiu aos autos um requerimento onde requereu que seja a pena determinada nestes autos declarada extinta.
6. Sobre esse requerimento foi proferido despacho no sentido de que os autos teriam de ficar a aguardar o desfecho do processo 13630/17.2T9PRT em face do disposto no artigo 56.º, n.º 1 alínea b) do Código Penal.
7. Em 27 de Janeiro de 2022, transitou em julgado o Acórdão proferido no referido processo 13630/17.2T9PRT, no âmbito do qual o arguido AA foi condenado pela prática de factos ocorridos desde Outubro de 2015 até 19 de Abril de 2018, integradores do crime de tráfico de estupefacientes.
8. Em 17 de Maio de 2022 é proferida a decisão agora posta em crise que revogou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada e determinou o cumprimento da pena de 4 anos e 3 meses de prisão, por ter sido entendido que, com a prática dos factos por que veio a ser condenado no processo 13630/17.2T9PRT, o arguido AA revelou indiferença para com a condenação sofrida nestes autos, não tendo sido alcançadas as finalidades da punição.
9. Entende o arguido que, nesta data de 17 de Maio de 2022, já não poderia ter sido revogada a suspensão da execução da pena de prisão porque já havia decorrido o prazo máximo de prescrição.
10. A questão a decidir neste recurso é, pois, uma e uma questão de direito.
11. Importa aferir se, à data de 17 de Maio de 2022 já se encontrava prescrita a suspensão da execução da pena de prisão.
12. Da leitura do artigo 122.º do Código Penal consta-se que o legislador não se pronunciou expressamente sobre o prazo de prescrição de penas de prisão cuja suspensão tenha ficado suspensa nos termos do artigo 50.º do Código Penal.
13. A jurisprudência ao longo dos tempos tem-se pronunciado sobre a natureza da suspensão da execução da pena de prisão: modo de execução da pena ou verdadeira pena de substituição.
14. De forma unânime se tem entendido que a suspensão da execução da pena de prisão é uma verdadeira pena de substituição que apenas deixa de existir enquanto tal quando é objecto de revogação.
15. A jurisprudência tem sido pacífica em considerar que o prazo de prescrição de uma pena de suspensão da execução da pena de prisão é de 4 (quatro) anos, tal como prevê a norma da alínea d) do n.º 1 do artigo 122.º do Código Penal.
16. Veja-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 5.07.2017.
17. Considera esta corrente jurisprudencial que, por não haver outra disposição legal que o preveja, esta pena (que assume uma natureza autónoma) inclui-se no segmento da norma “Quatro anos, nos casos restantes”.
18. Segundo a mesma, a pena de suspensão da execução da pena de prisão é uma pena autónoma de substituição da pena principal de prisão.
19. A execução da suspensão da execução da pena de prisão inicia-se com o trânsito em julgado da sentença condenatória (artigo 50.º, n.º 5 do Código Penal).
20. Nos termos do disposto no artigo 122.º, n.º 1, alínea d), e nº 2, do Código Penal, a prescrição dessa pena de substituição ocorre com o decurso do prazo de quatro anos, contados a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem prejuízo, contudo, das causas de suspensão e de interrupção da prescrição estabelecidas nos artigos 125.º e 126.º do mesmo Código Penal, nomeadamente com a sua execução.
21. Se atentarmos às causas de suspensão de prescrição das penas previstas no artigo 125.º, n.º 1 do Código Penal verificamos que, nos termos da alínea a) de tal normativo, a prescrição da pena suspende-se durante o tempo em que “Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar”.
22. Ora, no caso de aplicação de uma pena de prisão suspensa, a execução da pena principal aplicada, porque substituída, não pode iniciar-se enquanto perdurar a suspensão, ocorrendo, assim, esta causa de suspensão.
23. Nestes termos, por via desta causa suspensiva da prescrição, a pena de prisão suspensa na sua execução prescreve se o processo estiver pendente durante 4 anos, contados desde a data em que se completou o período de suspensão determinado na sentença/Acórdão, sem que aquele prazo tenha sido prorrogado e sem que a suspensão tenha sido revogada ou a pena declarada extinta.
24. No caso concreto, tendo o Acórdão condenatório transitado em julgado em 29.11.2013, o prazo de prescrição da pena de prisão declarada suspensa nunca pode iniciar-se enquanto estiver a correr o período da suspensão que terminou em 29.4.2018 (29.11.2013 acrescido dos 4 anos e 3 meses de período de suspensão).
25. Significa isto que, em princípio, a pena prescreveria em 29.4.2022.
26. Parece-nos, contudo que, no caso dos autos, se compagina outra causa de suspensão de prescrição do procedimento criminal que o arguido não considerou nas suas alegações de recurso.
27. Na verdade, resulta do disposto no artigo 57.º, n.º 2 do Código Penal que «Se findo o período da suspensão, se encontrar pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação ou incidente por falta de cumprimento dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção, a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período da suspensão».
28. Resulta assim que, por via do disposto no artigo 57.º, n.º 2 do Código Penal, a pena determinada ao arguido AA não poderia ser declarada extinta enquanto estivesse pendente o supramencionado processo 13630/17.2T9PRT.
29. Nos termos do artigo 125.º do Código Penal, «a prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: b) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar».
30. Entendemos que, a situação contemplada no artigo 57.º, n.º 2 do Código Penal é um desses casos previstos na lei em que a prescrição da pena se suspende.
31. Temos para nós que, por via da redacção do artigo 125.º, n.º 1 do Código Penal, enquanto estiver pendente um processo por crime que possa determinar a revogação da suspensão, como é o caso dos autos em que estava pendente o processo 13630/17.2T9PRT onde eram imputados ao arguido AA factos ocorridos em pleno período da suspensão da execução da pena de prisão e integradores do mesmo ilícito criminal, fica suspenso o prazo de prescrição da pena suspensa.
32. Como a lei manda aguardar, sem mais nos termos do artigo 57.º, n.º 2 do Código Penal o desfecho do processo crime que possa determinar a revogação da suspensão da pena de prisão, entendemos que, até ao trânsito em julgado da nova decisão condenatória do arguido, ocorre a causa de suspensão da prescrição da pena de prisão prevista pela alínea a) do n.º 1 do artigo 125.º do Código Penal (“por força da lei, a execução não pode começar “).
33. Como tal, no caso concreto, temos que, por força da leitura conjugada do disposto no artigo 57.º, n.º 2 e 125.º, n.º1 ambos do Código Penal, o prazo de prescrição da pena suspensa esteve suspenso até ao trânsito em julgado do Acórdão proferido no processo 13630/17.2T9PRT, ou seja, esteve suspenso até ao dia 27.1.2022.
34. Em 17 de Maio de 2022, data em que foi proferida decisão a revogar a suspensão da execução da pena de prisão, não se mostrava ainda prescrita a pena.
Por tudo o exposto, deverá negar-se provimento ao recurso interposto pelo arguido e confirmar-se a decisão impugnada nos seus precisos termos.
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O Senhor Procurador Geral Adjunto junto desta Relação acompanhou a resposta apresentada pelo Ministério Público na 1ª Instância e emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código Processo Penal, não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
Despacho recorrido [transcrição]:
O arguido AA foi condenado no âmbito dos presentes autos, por Acórdão transitado em julgado em 29.11.2013, na pena única de 4 anos e 3 meses de prisão suspensa na sua execução pelo mesmo período, sujeita a regime de prova relativamente a factos integradores do tipo legal de crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1 do DL 15/93.
Por Acórdão transitado em julgado em 27.1.2022 proferido no processo 13630/17.2T9PRT, o arguido foi condenado na pena de 7 anos e 6 meses de prisão efectiva por factos ocorridos desde Outubro de 2015 até 19/04/2018 integradores do tipo legal de tráfico de estupefacientes.
O arguido e, pleno período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi determinada nestes autos, o arguido AA dedicou-se à actividade delituosa de tráfico e fê-lo de um modo intenso pois que, se analisarmos tal acervo, não se tratou apenas de um acto isolado mas de uma actuação que perdurou ao longo do tempo. Em face de tal condenação que lhe foi determinada no processo 13630/17.2T9PRT, é, para nós, legítimo concluir que o arguido AA foi completamente indiferente à condenação sofrida nestes autos, não tendo sido alcançadas as finalidades da punição.
Pelo exposto, uma vez que não foram alcançadas as finalidades subjacentes à suspensão da execução da pena de prisão aplicada, revogo a decisão da pena e, em consequência, deve o arguido cumprir a pena de 4 anos e 3 meses de prisão que lhe foi aplicada nestes autos.
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III - APRECIAÇÃO DO RECURSO
De acordo com jurisprudência assente, o objeto do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação, sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
No caso concreto, considerando tais conclusões, a questão que importa decidir resume-se a saber se a pena de prisão suspensa na sua execução aplicada ao arguido se encontrava prescrita.
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Cumpre decidir.
Sustenta o recorrente que aquando da revogação da suspensão da pena de prisão em que foi condenado, já a pena suspensa se encontrava prescrita, nos termos do art.º 122.º, n.º 1, al. d), do C.Penal.
Para o efeito, socorre-se da jurisprudência do Ac. TRL de 16.06.2015[1], sustentando que quatro anos contáveis do dia 19/02/2018 apontam para o dia 19/02/2022 como a data em que, sem olhar a mais, estaria prescrita a pena suspensa. Acrescenta que não houve prorrogação do prazo de suspensão e que não é aplicável o disposto nos art.ºs 125.º e 126.º do C.Penal. Acrescenta ainda que no inquérito do processo crime n.º 13630/17.2T9PRT em que foi condenado e cuja condenação levou à revogação da suspensão da execução da pena, apenas foi constituído arguido a 20.04.2018, pelo que decorreram cerca de 2 meses desde o dia em que deveria ter sido declarada finda a suspensão (19.02.2018). Refere que, já decorrido o prazo limite para declarar extinta a suspensão da pena, no dia 22.03.2018, o tribunal limitou-se a pedir novamente ao processo n.º 6448/17.4T9PRT cópia da sentença onde foi condenado pela prática de um crime de invasão da área do espetáculo desportivo, em pena de multa e na interdição de aceder a recintos desportivos pelo período de 1 ano; que no dia 4.04.2018 determinou que se aguardasse por 30 dias do trânsito em julgado da referida sentença, o que, segundo ele, não faz qualquer sentido, pois não se verificava qualquer situação que determinasse a revogação da suspensão da execução da pena; que no dia em que se extinguiu a pena o tribunal andava somente a recolher informações de outros processos; que só no dia 18.05.2018, quando o prazo da suspensão da pena já havia decorrido há 3 meses, é que chega ao processo a informação de que fora constituído arguido no referido processo n.º 13630/17.2T9PRT, onde acabou por ser condenado em janeiro de 2022. A partir daquele dia, o tribunal foi aguardando informações do processo, determinando prazos para o efeito até 3.07.2019 e depois a partir de 12.09.2019. Recebida a informação da condenação e do respetivo trânsito, na sequência de promoção do Ministério Público, no dia 17.05.2022, o Tribunal a quo revoga a suspensão da execução da pena. Considera que tudo seria admissível se, aquando da verificação do prazo para a extinção da pena, a 19.02.2018, já tivesse sido constituído arguido, o que não é o caso. Diz que o Tribunal protelou o processo durante quase “outros” 4 anos. Remata no sentido de que a pena deve ser declara extinta, nos termos do art.º 57.º, n.º 1, do C.Penal, dado que quando deveria ter sido decidida o tribunal não dispunha de elementos capazes de preencher o disposto no n.º 2 do referido preceito.
Vejamos.
Com exceção dos casos previstos na Lei n.º 31/2004, de 22.07 (crimes de genocídio, contra a humanidade e de guerra), não existem penas imprescritíveis [cf. art.º 7.º]. Ressalvados esses casos, todas as penas, incluindo as penas de prisão cuja execução foi suspensa, se encontram, pois, sujeitas ao regime da prescrição.
É ainda maioritária a jurisprudência no sentido de que as alíneas a) a c) do n.º 1 art.º 122.º do C.Penal não são aplicáveis a penas suspensas na respetiva execução, mas tão só a penas de prisão efetiva. A referida jurisprudência entende que a suspensão da execução da pena, enquanto pena autónoma, de substituição, distinta da pena principal de prisão, encontra-se sujeita ao prazo prescricional de 4 anos previsto na al. d) do n.º 1 do art.º 122.º do C.Penal[2]. Prescreverá, pois, se o processo estiver pendente 4 anos desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado, sem que aquele prazo fosse prorrogado e sem que a suspensão tivesse sido revogada ou extinta nos termos do artigo 57.º nºs 1 e 2 do C. Penal[3]. Findo aquele período, a extinção da pena só poderá ser declarada se não houver motivos que possam conduzir à sua revogação. Existindo qualquer condenação que obste à extinção, ou encontrando-se pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação ou incidente por falta de cumprimento dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção, a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou prorrogação do prazo de suspensão.
Não acompanhamos o referido entendimento, mas antes aquele, mais recente no seio da jurisprudência, expresso, entre outros, nos Acs. do STJ de 28.01.2018, do TRL de 21.02.2019 e do TRP de 07.07.2021[4], no sentido, sintetizado no primeiro, de que na al. d) do n.º 1 do art.º 122.º do C.Penal cabem todas as penas de prisão inferiores a 2 anos (suspensas ou na sua execução) e as penas de multa não abrangidas nas alíneas anteriores. Com efeito, meter no mesmo caldeirão, da citada al. d), como faz aquela corrente jurisprudencial, todas as penas de suspensão da execução da pena de prisão, que podem oscilar entre o prazo de 1 a 5 anos (art. 50.º, n.º 5, do CP – prazos de suspensão) e que, também, podem substituir penas de prisão até 5 anos (n.º 1 do art.º 50.º), é algo que pode contender, além do mais, com o próprio principio da culpa. Acresce que o entendimento segundo o qual a todas as penas de prisão suspensas na sua execução é aplicável o disposto no art.º 122.º, n.º 1, al. d), do C.Penal - prazo de prescrição de 4 anos -, levaria, como sublinha o segundo aresto, a soluções inaceitáveis, do ponto de vista da unidade do sistema jurídico e tendo em conta que se presume que o legislador consagrou as soluções mais adequadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art.º 9º do Código Civil). Basta pensar no caso de uma pena de cinco anos de prisão (o prazo de prescrição desta pena é de 15 anos – art.º 122º/1-b) do CP), cuja execução foi suspensa por igual período. Se se entender que se aplica à pena suspensa o prazo de prescrição previsto no art.º 122º/1-d) do CP (quatro anos), isso levará a que, na prática, o prazo de prescrição da pena principal seja de nove anos, caso a suspensão não seja revogada nos quatros anos seguintes ao decurso do prazo da suspensão. Ora, não foi certamente isso que quis o legislador e não é isso que resulta de uma interpretação sistemática da lei, tendo em conta a sua letra. Em suma, as penas de prisão suspensas não têm um prazo de prescrição autónomo do da pena originária, não lhes sendo aplicável o disposto no art.º 122º/1-d) do CP[5].
Considerando o exposto, aferindo-se pela pena originária aplicada ao arguido, que é de 4 anos e 3 meses de prisão, no caso concreto o prazo de prescrição é de 10 anos, nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 122.º do Código Penal, contado desde a data do trânsito em julgado do acórdão condenatório, nos termos do n.º 2 do mesmo dispositivo. O acórdão condenatório transitou em julgado em 29.11.2013, pelo que, sem prejuízo de eventuais causas de suspensão ou interrupção, a prescrição ocorreria somente no dia 29.11.2023.
Improcede, pois, o recurso, ficando prejudicada apreciação da questão relativa à revogação da suspensão da pena e da extinção desta. Com efeito, não estando prescrita a pena, mostram-se inócuos os argumentos alegados pelo recorrente, sendo evidente que o despacho recorrido não violou quaisquer normas legais ou princípios constitucionais. Aliás, importa sublinhar que o recorrente não questiona o fundamento em que assentou a revogação da suspensão da pena.
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Sumário (da responsabilidade do relator):
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IV – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo condenado, e, consequentemente, confirmam o despacho recorrido.
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Custas a cargo do recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça.
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Porto, 4 de outubro de 2022
José António Rodrigues da Cunha
Cláudia Rodrigues
João Pedro Pereira Cardoso
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[1] Relatado pelo Desembargador Simões de Carvalho, in www.dgsi.pt.
[2] Ac. TRL de 19.09.2017, relatado pela Desembargadora Margarida Bacelar, in www.dgsi.pt.
[3] Ac. TRL de 26.10.2010, relatado pelo Desembargador Jorge Gonçalves, in www.dgsi.pt.
[4] O primeiro, relatado pelo Conselheiro Vinício Ribeiro, o segundo relatado pelo Desembargador Abrunhosa de Carvalho, o terceiro relatado pelo Desembargador Pedro Vaz Pato, todos in www.dgsi.pt.
[5] Idem, Ac. TRC de 26.05.2021, relatado pela Desembargadora Alice Santos, e Ac. TRE de 08.09.2020, relatado pelo Desembargador João Amaro, ambos in www.dgsi.pt.