Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
111/22.1T8ESP.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DIAS DA SILVA
Descritores: PERSONALIDADE JURÍDICA
PODERES DE REPRESENTAÇÃO
SUCURSAL
PROCURAÇÃO
Nº do Documento: RP20240111111/22.1T8ESP.P1
Data do Acordão: 01/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Enquanto sucursal do Banco 1..., S.A., a Agência sita em Espinho e Ré nos autos, para além de desprovida de personalidade jurídica, actua enquanto estabelecimento que representa organicamente a entidade em que se integra.
II - Enquanto mera intermediária no âmbito dos contratos celebrados entre o cliente e o Banco 1..., S.A. e dos serviços a prestar por este, encontra-se inteiramente subordinada à superintendência da administração central do Banco 1..., S.A..
III - O objectivo do legislador, com o regime previsto no artigo 26º, do Código de Processo Civil foi efectivamente facilitar a representação das agências ou sucursais e não impedir que as mesmas sejam representadas pela administração principal.
IV - Se o órgão de administração tem poderes de representação da sociedade, por maioria de razão terá de ter poderes para representar um seu estabelecimento comercial que não goza de personalidade jurídica e, como tal, não é titular autónomo de direitos e obrigações.
V - Impõe-se, assim, concluir que o órgão de administração principal do Banco 1..., S.A. tem poderes para emissão da procuração forense junta aos autos, encontrando-se a Advogada devidamente mandatada, com base em tal procuração, para representar a Ré - Agência - nos autos.”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2023:111/22.1T8ESP.P1



Acordam no Tribunal da Relação do Porto


1. Relatório
AA, titular do NIF ...45, residente na Rua ..., ... Espinho, instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum contra “Banco 1..., S.A.”, titular do NIPC ...16, com agência na Rua ..., ... Espinho, onde concluiu pedindo que a acção seja julgada procedente e, em consequência, seja:
a) condenado o Réu a restituir à A. a quantia de €18.295,00, acrescida de juros de mora, à taxa de 14%, desde o dia 25 de Novembro de 2021 até efectivo e integral pagamento;
b) condenado o Réu ao pagamento da quantia de €2.500,00 a título de danos não patrimoniais sofridos pela A..
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A 05.04.2022, foi proferido o seguinte despacho:
“Antes de mais, notifique a A. para esclarecer quem é parte passiva nesta ação: se o Banco 1..., S.A., se a agência desta instituição bancária em Espinho.
Prazo: 10 dias.”
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A 21.04.2022, foi proferido o seguinte despacho:
“Vimos o teor do requerimento da A., que antecede, que esclarece que a parte passiva nesta ação é a agência bancária em Espinho, aludindo à circunstância de a sua única interlocutora ter sido aquela agência e a sua conta estar ali domiciliada.
No entanto, e em face não só do conceito de agência e sucursal mas também do conceito de personalidade judiciária concretizado no n.º 1 do art.º 13.º do CPC, deverá, querendo, a A. pronunciar-se a respeito, na medida em que se trata de um pressuposto processual, cuja afirmação é prévia à extração de consequências em virtude de revelia.
Prazo: 10 dias.”.
*
A 07.06.2022, foi proferido o seguinte despacho:
“AA intentou a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra «Banco 1..., S.A., COM AGÊNCIA NA Rua ..., ..., ESPINHO» esclarecendo a fls.25/26 que a parte passiva desta ação é a agência bancária, tendo sido esta, efetivamente, citada.
Com efeito, apesar de citada, a R. indicada não contestou.
No entanto, e cfr se assinalou no n/ despacho de 21.04.2020, a afirmação dos pressupostos processuais é prévia à extração de consequências em virtude de revelia.
Vejamos o que nos revela a p.i.:
Peticiona a A. a condenação da R. na restituição do montante de € 18.295,00, acrescido de juros de mora à taxa de 14% desde 25.11.2021 até efetivo e integral pagamento, bem como da quantia de €2.500,00 a título de danos não patrimoniais.
Alega, a título de causa de pedir, em suma, que em virtude de ter recebido uma sms, se dirigiu à agência bancária e que ali lhe foi entregue um extrato do qual constatou a existência de movimentos realizados nas suas contas à ordem e a prazo, por terceiro, e sem a sua autorização, tendo reclamado junto da agência e solicitado a restituição.
Alega, ainda, que, nessa altura, não lhe devolveram o dinheiro em causa e lhe disseram que a conta estava bloqueada e que teriam de aguardar por autorização das entidades policiais, o que a fez dirigir-se à Esquadra da PSP para apresentação de denúncia e, posteriormente, voltar à agência onde entregou cópia do auto.
Efetuou mais reclamações com vista à devolução das quantias, tendo, em 16.12.2021, o banco enviado uma missiva no sentido de não ser possível devolver os valores reclamados.
Expõe, a fls.25, que a sua conta bancária se encontra domiciliada naquela agência, tendo esta sido a sua única interlocutora, tendo, a fls. 28 e seguintes, dissertado sobre o conceito de agência e concluído que a dita agência tem personalidade judiciária e, caso assim não se entenda, se convide a citação da administração do Banco 1..., S.A.
Cumpre apreciar e decidir:
Preceitua, com interesse, o n.º 1 do art.º 13.º do CPC que “as sucursais, agências, filiais, delegações ou representações podem demandar ou ser demandadas quando a ação proceda de facto por elas praticado.”
Portanto, no caso em apreço, importa aferir duas coisas, a saber:
- Se estamos perante uma agência; e
- Se a ação procede de facto por ela praticado.
Quanto à primeira, poucas ou nenhumas dúvidas se levantam, em face do conceito de agência exarado na alínea a) do art.º 2.º-A do Regulamento Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31.12.
O cerne da questão reside no segundo dos prismas supra elencados.
E a solução dessa questão advirá, na ausência de contestação por parte da R., do teor da causa de pedir alegada pela A. e, na p.i., esta alega expressamente, aliás, como o faz posteriormente, que a sua única interlocutora foi sempre a agência bancária de Espinho, sendo que, estando as suas contas ali domiciliadas, os movimentos (ou autorização para estes) terão surgido no âmbito e/ou por causa de ação da agência e não da entidade-mãe.
Assim, entender-se-á que a ação a que corresponde a causa de pedir procede de facto praticado pela agência, sendo disso especialmente exemplificativo o alegado nos artigos 37 a 46 da p.i., pelo que se afirma a personalidade judiciária desta, afirmando-se, consequentemente a presença de todos os pressupostos processuais inerentes ao prosseguimento da presente ação.
Deste modo, e nada a isso processualmente obstando, declaram-se confessados todos os factos articulados na p.i. suscetíveis de o serem, ao abrigo do disposto no art.º 567.º, n.º 1 do CPC.
Cumpra-se o disposto no n.º 2 do normativo.”
*
A 07.07.2020, foi proferido o seguinte despacho:
“Antes de mais, e na medida em que a presente ação foi intentada contra a agência do Banco 1..., S.A. e não contra o Banco 1..., S.A. e tendo a procuração junta a fls. 42 sido outorgada por este último, notifique a R. e a Sr.ª Advogada subscritora dos requerimentos que antecedem para, em 10 dias, e sob a cominação prevista no art.º 48.º, n.º 2 do CPC, juntar procuração que a habilite a intervir no processo.”.
*
A 20.09.2020, foi proferido o seguinte despacho:
“Requerimento que antecede:
Visto.
Porque no n/ despacho anterior aludimos simplesmente a “R.” quando queríamos, concretamente, aludir à pessoa coletiva indicada no requerimento denominado de alegações escritas previstas no art.º 567.º, n.º 2 e no requerimento de interposição de recurso de 04.07 como R., reitera-se, concretizando-o, aquele nosso despacho, determinando-se - porque é a única parte que não foi cumprida quanto ao mesmo - que se notifique a pessoa coletiva supra aludida (Banco 1..., S.A., que não a agência do mesmo) para, e sob a cominação prevista no n.º 2 do art.º 48.º do CPC, juntar procuração que a habilite (e à sua Mandatária) a intervir no processo.
Prazo: 10 dias.”.
*
A 07.11.2020, foi proferido o seguinte despacho:
“1. Como resulta da p.i., foi reiterado pela A. no requerimento c/ a ref.ª n.º 12853059 e foi declarado no despacho datado de 07.06.2022, a presente ação foi intentada contra a agência do Novo Banco, sita na Rua ..., em Espinho (tendo aí sido citada, cfr resulta da ref.ª n.º 120440434) e não contra a instituição-mãe Banco 1..., S.A.
2. Em 22.06.2022, veio a instituição-mãe Banco 1..., S.A. - que não é parte neste processo - juntar procuração forense.
3. Em 13.06.2022, foram as partes do processo notificadas para, querendo, apresentarem alegações escritas nos termos do art.º 567.º, n.º 2 do CPC, tendo-o sido a R. na morada referida em 1).
4. Em 27.06.2022, foram apresentadas alegações escritas nos termos do art.º 567.º, n.º 2 do CPC.
5. Em 04.07.2022, foi interposto recurso do despacho aludido em 1).
6. Em 07.07.2022, foi proferido o despacho com o seguinte teor:
«Antes de mais, e na medida em que a presente ação foi intentada contra a agência do Banco 1..., S.A. e não contra o Banco 1..., S.A. e tendo a procuração junta a fls. 42 sido outorgada por este último, notifique a R e a Sr.ª Advogada subscritora dos requerimentos que antecedem para, em 10 dias, e sob a cominação prevista no art.º 48.º, n.º 2 do CPC, juntar procuração que a habilite a intervir no processo».
7. Entendendo que a procuração outorgada lhe permite intervir no processo, a instituição-mãe - que, uma vez mais se reitera, não é parte neste processo - veio requerer que seja a Sr.ª Advogada habilitada a intervir no processo, alegando, com relevo, e em suma, que a falta de personalidade judiciária pode ser sanada com a intervenção da administração principal.
8. Em 20.09.2022, foi proferido despacho c/ o seguinte teor:
«Porque no n/ despacho anterior aludimos simplesmente a “R.” quando queríamos, concretamente, aludir à pessoa coletiva indicada no requerimento denominado de alegações escritas previstas no art.º 567.º, n.º 2 e no requerimento de interposição de recurso de 04.07 como R., reitera-se, concretizando-o, aquele nosso despacho, determinando-se - porque é a única parte que não foi cumprida quanto ao mesmo – que se notifique a pessoa coletiva supra aludida (Banco 1..., S.A., que não a agência do mesmo) para, e sob a cominação prevista no n.º 2 do art.º 48.º do CPP, juntar procuração que a habilite (e à sua Mandatária) a intervir no processo.
Prazo: 10 dias».
9. Notificada a instituição-mãe Banco 1..., S.A. na Av.ª ..., Lisboa, veio apresentar requerimento onde veio requerer aclaração, concretamente quanto a qual a procuração que pretende que seja junta, aludindo aos art.º615.º, n.º1, alínea c) ex vi do 613.º, n.º3, ambos do CPC.
Cumpre apreciar e decidir:
Ainda que desde a reforma de 2013, a figura da aclaração tenha desaparecido do CPC, mantém-se a possibilidade de retificação das sentenças e despachos quando exista obscuridade, ambiguidade ou oposição dos fundamentos com a decisão.
Com efeito, e ainda que, per se, não se vislumbrem os vícios a que vimos de aludir nos
exatos termos legalmente previstos [art.º 615.º, n.º1, alínea c) do CPC], sempre se entende o ponto de vista expresso pela ora Requerente no requerimento em apreço, pelo que importa clarificar o que se pretende, em homenagem ao princípio (de colaboração para a realização da Justiça) a que tão bem aquela aludiu.
Assim:
Ainda que a questão de quem é parte no processo seja objeto do recurso apresentado - se é a casa-mãe ou a sua agência - a aferição dos pressupostos processuais, do prisma puramente formal, é prévia a tal indagação de mérito e para que esta seja feita, é necessário que aqueles se verifiquem.
No caso em apreço, existe um despacho, na esteira da posição manifestada pela A. desde a p.i., que levou em consideração a agência como a R. neste processo, pelo que o pensamento que determinou a prolação dos nossos anteriores despachos foi o de que, sendo esta - e não a casa-mãe - a R., só esta terá legitimidade para agir no âmbito do processo, v.g., arguindo nulidades ou recorrendo.
Sucede que a procuração junta foi outorgada pela “instituição-mãe” que, como supra se assinalou, não é - pelo menos, por agora (i.e., sem que o Tribunal superior o venha a considerar, caso o recurso interposto seja admitido) - parte nesta ação, daí que o Tribunal solicite que seja junta procuração outorgada pela agência (ao contrário daquela que foi junta, que é da instituição Banco 1..., S.A.).
Se tal procuração (outorgada pela agência de Espinho do Novo Banco), com ratificação do processado entretanto praticado, for junta em 10 dias, serão analisadas as peças processuais constantes dos autos e o processo prosseguirá os seus ulteriores termos.
Caso contrário, extrair-se-ão as consequências previstas no art.º 48.º, n.º 2 do CPC.
Notifique.”
*
A 07.12.2020, foi proferido o seguinte despacho:
“Vimos o teor do requerimento apresentado por Banco 1..., S.A. - que não é parte neste processo - c/ a ref.ª n.º13753284.
Neste, ao invés de cumprir o determinado pelo n/ despacho anterior, mais uma vez reitera o que já havia dito anteriormente quanto à falta de personalidade judiciária da agência - essa, sim, e cfr considerado no n/ despacho de 07.06.2022, parte neste processo.
Ali, uma vez mais, expende que «nos termos do preceituado no art.º 14.º do CPC, a falta de personalidade judiciária das agências pode ser sanada por intervenção da administração principal».
Não se discorda, em tese, porquanto resulta da lei, deste entendimento; aliás, até o perfilharíamos se essa fosse a situação dos autos. No entanto, a situação em apreço é diversa: temos uma ação intentada contra uma agência, a qual - e cfr o expusemos no supra referido despacho de 07.06.2022 - tem personalidade judiciária, sendo de admitir a posição da subscritora do requerimento ora em apreço se o que aqui estivesse em causa fosse ação intentada contra agência que procedesse de facto praticado pela “instituição-mãe” e, aí sim, aplicar-se-ia o art.º 14.º do CPC.
No caso em apreço, não há falta de personalidade judiciária que importe sanar, pelo que não assiste legitimidade ao Banco 1..., S.A. (“instituição-mãe” e não a agência, essa sim, aqui parte) para aqui intervir.
Portanto, aqui chegados, importa extrair consequências para o processo, que assentarão em duas exceções, a saber:
- A ilegitimidade do Banco 1..., S.A.
- A irregularidade do mandato.
Para o efeito, importa considerar que a fls.42, foi apresentada procuração forense outorgada pela instituição bancária Banco 1..., S.A., com sede na Avenida ..., ..., Lisboa, tendo sido, a fls.45 e seguintes, apresentadas pela mesma instituição as alegações escritas previstas no art.º 567.º do CPC.
Na medida em que, apesar de apenas figurar a alusão, na referida peça, a Banco 1..., S.A., ali este se identifica como R., foi proferido o despacho de 07.07.2022, determinando a notificação da R. e da Advogada subscritora de tais requerimentos para, em 10 dias, e sob a cominação prevista no art.º 48.º, n.º 2 do CPC, juntar procuração que a habilite a intervir no processo, o que, de novo, e mercê das vicissitudes apontadas no despacho de que antecede, fizemos.
Nunca veio a Ilustre subscritora do requerimento ora em apreço proceder, cfr convidada pelo Tribunal, à junção de procuração outorgada por quem é, salvo decisão superior em contrário, Ré no processo: a agência.
Assim:
Quanto à intervenção do Banco 1..., S.A., “instituição-mãe”, e apelando ao critério
previsto no n.º 3, do artigo 30.º do Código de Processo Civil, conclui-se que este não é parte legítima, o que ora se declara.
No entanto, e mesmo que tal entendimento fosse já passível de resultar dos despachos entretanto proferidos, na medida em que nas peças processuais que supra referimos se aludia a Banco 1..., S.A. intitulando-se como R., tendo a citação e notificações sido feitas na Rua ..., Espinho, morada da agência, numa lógica de aproveitamento dos atos praticados, podia cogitar o Tribunal, em tese e no limite, a possibilidade de, caso tivesse sido junta procuração com ratificação do processado praticado, até de considerar tais requerimentos como apresentados pela agência e não pela casa-mãe.
Todavia, tal procuração não foi junta.
Por isso, e caso fosse de alinhar com tal pensamento, sempre, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 48.º do CPC, ficaria sem efeito tudo o que foi praticado pela Ilustre subscritora do requerimento ora em apreço.
Notifique.”
*
A 03.02.2023, foi proferido o seguinte despacho:
“Em 07.12.2022 foi proferido despacho.
Vêm, em 09.01.2023, o Banco 1..., S.A. – que, como já anteriormente o dissemos, não é parte nesta ação - e, pela primeira vez, também a sua agência de Espinho - essa sim parte na ação - reiterando questão previamente suscitada, requerer, aludindo ao art.º615.º, n.º1, alínea c) ex vi do art.º 613.º, n.º 3 do CPC aclaração de tal despacho.
Ora, na medida em que suscitam aclaração de algo que decorre claramente do despacho anterior - ali não se vislumbrando qualquer contradição, ambiguidade, nulidade ou erros materiais que importe reparar - e que, ademais, por seu turno, assenta em questão sobre a qual já o Tribunal teve oportunidade de se pronunciar anteriormente e relativamente à qual o primeiro dos supra identificados requerentes muito já dissertou, nada há a aclarar.
Custas do incidente pelos Requerentes, que se fixam em 2UC.”.
*
Não se conformando com o despacho de 07.12.2022, foi apresentado o presente recurso de apelação, subscrito em nome da “Agência de Espinho do Banco 1..., S.A.”, em cujas alegações conclui da seguinte forma:

I. O presente recurso é interposto do despacho proferido em 07.12.2022, com a referência 124697885;

II. Estava em causa nos presentes autos saber (i) se a procuração junta nos autos e emitida pela “instituição mãe” confere suficientes poderes à signatária para representar uma agência (R. nos autos) daquela; e (ii) se, por essa via, se deve considerar o mandato como regular, sem aplicação do regime previsto no art.º 48º, n.º 2 CPC;

III. O despacho recorrido não é, na opinião da R. e com o devido respeito, claro quanto ao regime que se considera aplicável e quanto às consequências extraída para o processo, não se pronunciando sobre uma questão essencial, com as consequências daí decorrentes em função da aplicação das alíneas c) in fine e d) do art.º 615º CPC, aplicável ex vi art.º 613º, n.º 3 CPC;

IV. Por mera cautela, a considerar-se que o Tribunal a quo conclui pela irregularidade do mandato, com aplicação do regime previsto no art.º 48º, n.º 2 CPC e consequente rejeição dos articulados apresentados pela signatária, não poderá a R. conformar-se com tal entendimento;

V. Assim, por despacho proferido em 07.07.2022, o Tribunal a quo ordenou a notificação da R. e a da ora signatária para, em 10 dias, e sob a cominação prevista no art.º 48.º, n.º 2 do CPC, juntar procuração que a habilite a intervir no processo;

VI. Nessa sequência, é apresentado requerimento em que se afirma que o órgão de administração principal do Banco 1..., S.A. tem poderes para emissão da procuração forense junta aos autos, encontrando-se a Advogada ora signatária devidamente mandatada para representar a R. - Agência - nos presentes autos;

VII. Era esta suficiência da procuração já junta aos autos que se pretendia que fosse considerada/ reconhecida.

VIII. Em 20.09.2022 é proferido novo despacho no qual se determina “que se notifique a pessoa coletiva supra aludida (Banco 1..., S.A., que não a agência do mesmo) para, e sob a cominação prevista no n.º 2 do art.º 48.º do CPC, juntar procuração que a habilite (e à sua Mandatária) a intervir no processo.”

IX. Ou seja, se no despacho anterior se ordenou a notificação da R., neste despacho é ordenada a notificação do Banco 1..., S.A. para junção de procuração que habilite esta pessoa colectiva e a sua mandatária a intervir nos autos.

X. Por não ser perceptível o pretendido, solicitou-se aclaração do despacho.

XI. Por despacho proferido em 07.11.2022, com a referência 123880083, esclareceu o
Tribunal a quo que “(…) o Tribunal solicite que seja junta procuração outorgada pela agência (ao contrário daquela que foi junta, que é da instituição Banco 1..., S.A.). Se tal procuração (outorgada pela agência de Espinho do Novo Banco), com ratificação do processado entretanto praticado, for junta em 10 dias, serão analisadas as peças processuais constantes dos autos e o processo prosseguirá os seus ulteriores termos. Caso contrário, extrair-se-ão as consequências previstas no art.º 48.º, n.º 2 do CPC”

XII. Assim, conforme decorre do despacho proferido, o que o Tribunal a quo pretendia era a junção de uma procuração emitida pela Agência R. nos autos, com ratificação do processado.

XIII. Neste âmbito e nesta sequência, foi novamente reiterada a mesma questão que se pretendia ver apreciada: a procuração junta aos autos já confere à Mandatária, ora signatária, os poderes de representação necessários para intervir no processo, incluindo em representação da Agência do Banco 1..., S.A..

XIV. É nesta sequência, que é proferido o despacho recorrido, no qual, em suma, se indica serem extraídas consequências para o processo assentes em duas excepções, a saber:
(i) a ilegitimidade do Banco 1..., S.A.; (ii) a irregularidade do mandato.

XV. Parte o Douto Tribunal a quo da constatação de que a ora signatária não juntou aos autos uma procuração subscrita pela Agência do Banco 1..., S.A., com ratificação do processado,

XVI. Para declarar que o Banco 1..., S.A. “não é parte legítima”, o que, salvo o devido respeito, já resultava dos despachos anteriores.

XVII. Por outro lado, é afirmado que como não foi junta uma procuração subscrita pela própria agência, única R. nos autos, “Por isso, e caso fosse de alinhar com tal pensamento, sempre, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 48º do CPC, ficaria sem efeito tudo o que foi praticado pela Ilustre subscritora do requerimento ora em apreço.”

XVIII. Não se pronuncia o Tribunal sobre se considera que a procuração junta aos autos atribui ou não à signatária poderes que permitam a representação da Agência que é R. nos autos, questão que teria de ter sido apreciada.

XIX. Era sobre esta suficiência de mandato que o Tribunal se deveria ter pronunciado e - salvo o devido respeito - não se pronunciou.

XX. Assume sempre o Tribunal a quo que se pretende representar o Banco 1..., S.A. - instituição mãe - como R. nos autos o que, claramente, não sucede face ao teor dos requerimentos apresentados.

XXI. Nos termos do preceituado no art.º 615º CPC, a sentença - no caso, o despacho (ex vi art.º 613º, n.º 3) - será nulo quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (alínea d)) ou quando a decisão contenha alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (alínea a)).

XXII. A nulidade de sentença/ despacho por omissão de pronúncia refere-se a questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada.

XXIII. No caso sub iudice foi colocada à questão do Tribunal uma questão concreta, independentemente dos argumentos apresentados no sentido da pretensão da Recorrente: A procuração junta aos autos a fls. 42, emitida pela entidade mãe Banco 1..., S.A. é bastante para conferir à signatária poderes de representação nos autos da R. - a Agência de Espinho do Banco 1..., S.A. -, sem que esta agência possa emitir ela própria procuração distinta.

XXIV. São, depois, apresentados diversos argumentos e razões para que tal entendimento colha.

XXV. O Tribunal a quo não se pronuncia sobre esta questão que é essencial: apenas se pronuncia sobre a legitimidade ou ilegitimidade do Banco 1..., S.A. - instituição-mãe - nos autos enquanto R. (questão que não estava em causa e não foi suscitada), quando o que teria de apreciar é a regularidade do mandato para representação da R. nos autos - Agência - à luz da mesma procuração já junta.

XXVI. Verifica-se, deste modo, uma situação de nulidade do despacho proferido, por omissão de pronúncia sobre questão essencial colocada à apreciação do Tribunal.

XXVII. Para o efeito, deverá ser suprida a nulidade suscitada, pronunciando-se o Tribunal expressamente sobre a regularidade do mandato para representação da Agência R. nos autos, face ao teor da procuração oportunamente junta.

XXVIII. Acresce que, o último penúltimo parágrafo do despacho proferido é ininteligível.

XXIX. O Tribunal utiliza o pretérito imperfeito do conjuntivo, tempo verbal que é, por norma, utilizado para expressar ideias irreais e hipotéticas, em estruturas de condição introduzidas pela conjunção se, caso em que é normalmente utilizado com o condicional ou com o imperfeito do indicativo, tal como no parágrafo em análise.

XXX. O Tribunal alinha com “tal pensamento”? Qual o pensamento em causa? O de aproveitamento dos actos praticados? Tendo em conta os tempos verbais utilizados, impõe-se a conclusão de que o Tribunal não alinha com tal pensamento, nem fica sem efeito o praticado pela mandatária signatária?

XXXI. Nos termos do preceituado no art.º 615º CPC, o despacho será nulo quando a decisão contenha ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Esta ambiguidade ou obscuridade só releva quando torne a parte decisória ininteligível e só torna a parte decisória ininteligível “quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar”.

XXXII. Ora, face ao teor do despacho proferido, não se consegue efectivamente descortinar qual a consequência que para os autos decorrem do despacho proferido: o Tribunal alinha ou não com o pensamento exposto e considera ou não sem efeito o praticado pela ora signatária?

XXXIII. Termos em que, também por esta via, se deve considerar nulo o despacho proferido, devendo ser suprida a nulidade suscitada, esclarecendo o Tribunal de forma clara qual o pensamento que acolhe e se considera ou não como sem efeito tudo o que foi praticado pela signatária.

XXXIV. Acresce que, atentas as dúvidas suscitadas e assumindo que o Tribunal considera que o mandato conferido não é regular, com aplicação do regime previsto no art.º 48º, n.º 2 CPC, sempre se imporá a revogação de tal decisão.

XXXV. Nos termos do artigo 13.º do CPC, as Agências apenas podem ser demandadas quando a acção procede de facto por elas praticado, ficando, assim, dotadas de personalidade judiciária. É o que sucede nos autos de acordo com a decisão que foi anteriormente proferida e sobre a qual foi apresentado recurso ainda não admitido;

XXXVI. Estipula ainda o art.º 26º do CPC, que, nesse caso, as agências são representadas, salvo disposição especial em contrário, pelas pessoas que ajam como directores, gerentes ou administradores.

XXXVII. No entanto, a personalidade judiciária dos órgãos locais não faz desaparecer a sociedade.

XXXVIII. Nos termos da alínea a) do artigo 2.º-A do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que aprovou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, deve entender-se por agência “a sucursal, no país, de uma instituição de crédito ou sociedade financeira com sede em Portugal (…)”.

XXXIX. Também o art.º 13º do Código das Sociedade Comerciais (CSC) prevê que “a sociedade pode criar sucursais, agências, delegações ou outras formas locais de representação, no território nacional ou no estrangeiro.”

XL. Por sucursal deve entender-se o estabelecimento comercial secundário, desprovido de personalidade jurídica, no qual se praticam actos comerciais do género daqueles que constituem a actividade principal da sociedade, sob a direcção do órgão de gestão da própria sociedade (cfr Abílio Neto, Código das Sociedades Comerciais, 4ª ed, pág. 116).

XLI. Já em anotação ao art. 7º do CPC de 1939 explicava Alberto dos Reis:
“As sucursais, agências, filiais ou delegações são meros órgãos através dos quais se exerce a actividade da administração principal; são órgãos de administração local, inteiramente subordinados à superintendência da administração central. Não têm personalidade jurídica. Por se abrir uma sucursal ou agência não se modifica nem se restringe a personalidade jurídica da sociedade; unicamente se facilita a sua acção, criando-se condições favoráveis ao exercício da actividade social numa determinada localidade.(…)
Mas a sua personalidade judiciária é limitada: só podem demandar e ser demandadas quando a acção proceder de acto ou facto praticado por elas. Mesmo neste caso, a personalidade judiciária dos órgãos locais não faz desaparecer a sociedade. A acção, em vez de ser proposta pela sucursal ou contra a sucursal, pode ser proposta em nome da sociedade, pela administração principal ou contra esta.” (cfr Código de Processo Civil anotado, 3ª ed., pág. 26/27).

XLII. Também no ensinamento de Antunes Varela as sucursais, agências, filiais ou delegações (das sociedades ou pessoas colectivas) “como meros órgãos de administração local que são, dentro da estrutura da sociedade ou pessoa colectiva, não gozam de personalidade jurídica, porque não constituem sujeitos autónomos de direitos e obrigações.” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16/11/2010, proferido no processo 487/08.3TBVFX.L1-1)

XLIII. Assim, enquanto sucursal do Banco 1..., S.A., a Agência sita em Espinho e R. nos autos, para além de desprovida de personalidade jurídica, actua enquanto estabelecimento que representa organicamente a entidade em que se integra.

XLIV. Encontra-se inteiramente subordinada à superintendência da administração central do Banco 1..., S.A..

XLV. Os colaboradores da R. o único vínculo que têm é um vínculo laboral com o Banco 1..., S.A.: são meros trabalhadores do Banco 1..., S.A.; nem têm uma relação jurídica com a “Agência”, nem têm poderes de representação da mesma.

XLVI. O pressuposto da personalidade jurídica deve encontrar-se preenchido para a celebração do contrato de mandato previsto no artigo 1157.º do Código Civil - apenas o Banco 1..., S.A. tem personalidade jurídica.

XLVII. A abertura da agência identificada nos autos não modifica nem restringe a personalidade jurídica da sociedade - unicamente se facilita a sua acção, criando-se condições favoráveis ao exercício da actividade social numa determinada localidade.

XLVIII. O objectivo do legislador, com o regime previsto no art.º 26º CPC foi efectivamente facilitar a representação das agências ou sucursais e não impedir que as mesmas sejam representadas pela administração principal.

XLIX. As sucursais, agências, filiais ou delegações são representadas pelas pessoas que ajam como directores, gerentes ou administradores;

L. Ora, os administradores da Sociedade Banco 1..., S.A. exercem os seus poderes e prerrogativas de administração sobre todos os estabelecimentos e sucursais ou agências do Banco 1..., S.A. - incluindo sobre a Agência R. nos autos: não existem outros administradores.

LI. Se o órgão de administração tem poderes de representação da sociedade, por maioria de razão terá de ter poderes para representar um seu estabelecimento comercial que não goza de personalidade jurídica e, como tal, não é titular autónoma de direitos e obrigações.

LII. Impõe-se, assim, concluir que (i) o órgão de administração principal do Banco 1..., S.A. tem poderes para emissão da procuração forense junta aos autos, e que (ii) a procuração emitida pela casa mãe confere poderes suficientes para representação de uma Agência que seja R. em processo judicial, (iii) encontrando-se a Advogada ora signatária devidamente mandatada, com base em tal procuração, para representar a R. – Agência – nos presentes autos.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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O referido recurso não foi admitido, sendo certo que apresentada reclamação para este Tribunal da Relação, veio a mesma a ser deferida e admitida a sua apreciação.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar:
Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver no âmbito do recurso prendem-se com saber:
(i) se a procuração junta nos autos e emitida pela “instituição mãe” confere suficientes poderes para representar uma agência daquela; e
(ii) se, por essa via, se deve considerar o mandato como regular, sem aplicação do regime previsto no artigo 48º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
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3. Conhecendo do mérito do recurso

3.1 Da nulidade da decisão
Invoca, desde logo, a Apelante que a decisão recorrida padece do vício de nulidade por omissão de pronúncia, bem como por conter ambiguidade ou obscuridade que a torna ininteligível, nos termos do preceituado nas alíneas c) e d) do artigo 615º do Código de Processo Civil.
Vejamos, então, se a decisão sob recurso é nula.
É, desde há muito, entendimento pacífico, que as nulidades da decisão não incluem o erro de julgamento seja de facto ou de direito - cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9.4.2019, processo nº 4148/16.1T8BRG.G1.S1, disponível, como os demais, em www.dgsi.pt ou em sumários de acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça -: as nulidades típicas da sentença reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal - cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23.3.2017, proferido no processo nº 7095/10.7TBMTS.P1.S1 -; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei - cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 17.10.2017, proferido no processo nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1. e de 10.9.2019, proferido no processo nº 800/10.3TBOLH-8.E1.S2 -, consiste num desvio à realidade factual (nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma) ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.
Como ensinava o Prof. José Alberto Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, págs. 124/125, o magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos; comete um erro de actividade quando, na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional. Os erros da primeira categoria são de carácter substancial: afectam o fundo ou o efeito da decisão; os segundos são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua actividade.
E, como salienta o Prof. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 686, perante norma do Código de Processo Civil de 1961 idêntica à actual, o erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade com o direito aplicável, não se incluiu entre as nulidades da sentença.
As nulidades ditam a anulação da decisão por ser formalmente irregular, as ilegalidades ditam a revogação da decisão por estar desconforme ao caso (decisão injusta ou destituída de mérito jurídico) - cf. neste sentido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.10.2017, proferido no processo nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1.
Como é sabido, as causas de nulidade da sentença vêm taxativamente enunciadas no artigo 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, onde se estabelece que é nula a sentença:
- Quando não contenha a assinatura do juiz (al. a)).
- Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b)).
- Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (al. c)).
- Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al. d)).
- Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (al. e)).
O Prof. Castro Mendes, in “Direito Processual Civil”, Vol. III, pág. 297, na análise dos vícios da sentença enumera cinco tipos: vícios de essência; vícios de formação; vícios de conteúdo; vícios de forma e vícios de limites.
Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem, assim, a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).
São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada.
No caso vertente, invoca, desde logo, a Apelante a nulidade do despacho por omissão de pronúncia.
A referida nulidade está correlacionada com a 1ª parte do n.º 2 do artigo 608º do Código de Processo Civil, que dispõe: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;(…)”.
O normativo tem em vista as questões essenciais, ou seja, o juiz deve conhecer todos os pedidos, todas as causas de pedir e todas as excepções invocadas e as que lhe cabe conhecer oficiosamente (desde que existam elementos de facto que as suportem), sob pena da sentença ser nula por omissão de pronúncia.
As questões essenciais não se confundem com os argumentos invocados pelas partes nos seus articulados. O que a lei impõe, sob pena de nulidade, é que o juiz conheça as questões essenciais e não os argumentos invocados pelas partes (sendo abundante a jurisprudência em que esta questão é suscitada, a título meramente exemplificativo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/01/2014, proc. 9897/99.4TVLSB.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jst).
Ora, no caso vertente, nem o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar (omissão de pronúncia), nem conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento (excesso de pronúncia).
De resto, só há nulidade por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil) quando a omissão de conhecimento, relativamente a cada questão, é absoluta e já não quando seja meramente deficiente ou quando se tenham descurado as razões e argumentos invocados pelas partes, não relevando, portanto, para este efeito, as argumentações, razões ou juízos de valor aduzidos por aquelas em abono da sua posição.
Como tal, destinando-se as nulidades da decisão a remover aspectos de ordem formal que, eventualmente, inquinem a decisão, não é a arguição das mesmas adequada para manifestar discordância e pugnar pela alteração do decidido.
Afigura-se-nos, ainda, que a decisão recorrida não padece do vício de nulidade por ambiguidade ou ininteligibilidade.
Como é sabido, os fundamentos invocados estão em oposição com a decisão, quando devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença expressa - cf. Antunes Varela, Manual, 1.ª edição, pág. 671.
Ora, não deve confundir-se a contradição lógica, formal, entre fundamentos e decisão, prevista na alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º, do Código de Processo Civil com o erro de julgamento, traduzido na incorrecta interpretação da lei ou indevida aplicação dela aos factos provados - cfr., neste sentido, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 20/01/2004, Proc. n.º 02S1697 e de 24/06/2004, Proc. n.º 04B11969, disponíveis em www.dgsi.pt..
Por sua vez, uma sentença sofre de ambiguidade quando a parte decisória propriamente dita se preste a interpretações diferentes e será obscura quando contenha alguma passagem cujo sentido seja ininteligível ou quando o seu exacto sentido não possa razoavelmente alcançar-se.
Ora, lida a decisão em crise, entendemos que a mesma não padece de nenhum dos apontados vícios, constituindo questão diversa aferir se a mesma traduz a correcta interpretação da lei.
Do exposto, resulta evidente não ocorrerem as nulidades invocadas.
Improcedem, pois, as nulidades invocadas pela recorrente.
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3.2 Da suficiência do mandato
No caso vertente, o Tribunal a quo considera que o mandato conferido não é regular, interpretação com a qual não concorda a recorrente impondo-se, assim, aferir da sua regularidade.
Decorre do disposto no artigo 48.º, do Código de Processo Civil, que:
“1 - A falta de procuração e a sua insuficiência ou irregularidade podem, em qualquer altura, ser arguidas pela parte contrária e suscitadas oficiosamente pelo tribunal.
2 - O juiz fixa o prazo dentro do qual deve ser suprida a falta ou corrigido o vício e ratificado o processado, findo o qual, sem que esteja regularizada a situação, fica sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário, devendo este ser condenado nas custas respetivas e, se tiver agido culposamente, na indemnização dos prejuízos a que tenha dado causa.
3 - Sempre que o vício resulte de excesso de mandato, o tribunal participa a ocorrência ao respetivo conselho distrital da Ordem dos Advogados.”.
Por sua vez, nos termos do artigo 13.º, do Código de Processo Civil, as Agências apenas podem ser demandadas quando a acção procede de facto por elas praticado, ficando, assim, dotadas de personalidade judiciária.
Acrescenta o artigo 26º, do Código de Processo Civil, que, nesse caso, as agências são representadas, salvo disposição especial em contrário, pelas pessoas que ajam como directores, gerentes ou administradores.
No entanto, a personalidade judiciária dos órgãos locais não faz desaparecer a sociedade.
Nos termos da alínea a) do artigo 2.º-A do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que aprovou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, deve entender-se por agência “a sucursal, no país, de uma instituição de crédito ou sociedade financeira com sede em Portugal (…)”.
Também o artigo 13º do Código das Sociedade Comerciais prevê que “a sociedade pode criar sucursais, agências, delegações ou outras formas locais de representação, no território nacional ou no estrangeiro.”
Ora, por sucursal deve entender-se o estabelecimento comercial secundário, desprovido de personalidade jurídica, no qual se praticam actos comerciais do género daqueles que constituem a actividade principal da sociedade, sob a direcção do órgão de gestão da própria sociedade (cfr Abílio Neto, Código das Sociedades Comerciais, 4ª edição, pág. 116).
Já em anotação ao artigo 7º, do Código de Processo Civil de 1939 explicava Alberto dos Reis:
“As sucursais, agências, filiais ou delegações são meros órgãos através dos quais se exerce a actividade da administração principal; são órgãos de administração local, inteiramente subordinados à superintendência da administração central. Não têm personalidade jurídica. Por se abrir uma sucursal ou agência não se modifica nem se restringe a personalidade jurídica da sociedade; unicamente se facilita a sua acção, criando-se condições favoráveis ao exercício da actividade social numa determinada localidade.
Para levar mais longe a facilidade de movimentos, a lei permite que as sucursais, agências, etc., posto que não tenham personalidade jurídica, demandem e sejam demandadas; quer dizer, atribuiu personalidade judiciária às sucursais e outras delegações da administração central, a fim de se realizar mais completamente o objectivo a que obedece a criação de tais órgãos.
Mas a sua personalidade judiciária é limitada: só podem demandar e ser demandadas quando a acção proceder de acto ou facto praticado por elas. Mesmo neste caso, a personalidade judiciária dos órgãos locais não faz desaparecer a sociedade. A acção, em vez de ser proposta pela sucursal ou contra a sucursal, pode ser proposta em nome da sociedade, pela administração principal ou contra esta.
Não sucede o mesmo quando a acção emerge de acto ou facto praticado pela administração principal; então só esta pode demandar ou ser demandada. (…)” (cf. Código de Processo Civil anotado, 3ª edição, págs. 26/27).
Comentando o artigo 7.º, na redacção do Decreto-Lei n.º 180/96, de 25.9, que corresponde, sem alterações, à redacção do artigo 14.º, do Código de Processo Civil vigente, escreveu Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, pág. 116:
“Se a acção nascer de facto praticado pela sucursal nada impede, entretanto, que a sociedade ou pessoa colectiva tome a iniciativa de ser ela, através da sua administração principal, a propor a acção, visto ser a sociedade ou pessoa colectiva o verdadeiro sujeito da relação jurídica. Porém, se a acção for proposta contra a sucursal, por nascer de facto por ela praticado, já a sociedade ou pessoa colectiva não poderá arguir, na defesa, a falta de personalidade judiciária da demandada, conquanto também nada impeça que esta se substitua daí em diante. Ter a sucursal ou a agência personalidade judiciária, significa apenas, por conseguinte, ter ela poder de representar em juízo a sociedade ou pessoa colectiva, por força da lei, enquanto a sociedade ou pessoa colectiva se lhe não substituir na acção”.
Ou seja, as sucursais, agências, filiais ou delegações (das sociedades ou pessoas colectivas) “como meros órgãos de administração local que são, dentro da estrutura da sociedade ou pessoa colectiva, não gozam de personalidade jurídica, porque não constituem sujeitos autónomos de direitos e obrigações.” - cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16/11/2010, proferido no processo 487/08.3TBVFX.L1-1.
Assim, enquanto sucursal do Banco 1..., S.A., a Agência sita em Espinho e Ré nos autos, para além de desprovida de personalidade jurídica, actua enquanto estabelecimento que representa organicamente a entidade em que se integra.
De resto, enquanto mera intermediária no âmbito dos contratos celebrados entre o cliente e o Banco 1..., S.A. e dos serviços a prestar por este, encontra-se inteiramente subordinada à superintendência da administração central do Banco 1..., S.A..
Além disso, o único vínculo laboral que têm os colaboradores da Ré é com o Banco 1..., S.A..
Conforme se defende no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23.11.2020, proferido no âmbito do processo n.º 1856/19.9T8AGD-A.P1, disponível em www.dgsi.pt. “A sucursal traduz-se num estabelecimento comercial dependente de outro, não goza de personalidade jurídica e, como tal, não é titular autónoma de direitos e obrigações, mas apenas órgão de administração local dentro da organização da sociedade.”.
O que significa que terá de ser, nomeadamente, o Banco 1..., S.A. a responder eventualmente pelas custas devidas no processo ou a satisfazer o pedido no caso de uma eventual condenação.
Ou seja, verdadeiramente afectado nos autos será, a final, o Banco 1..., S.A., encontrando-se a agência inteiramente subordinada à superintendência da administração central.
Ou seja, a abertura da agência identificada nos autos não modifica, nem restringe a personalidade jurídica da sociedade - unicamente se facilita a sua acção, criando-se condições favoráveis ao exercício da actividade social numa determinada localidade.
De resto, afigura-se que o objectivo do legislador, com o regime previsto no artigo 26º, do Código de Processo Civil foi efectivamente facilitar a representação das agências ou sucursais e não impedir que as mesmas sejam representadas pela administração principal.
Conforme decorre do mencionado preceito, as sucursais, agências, filiais ou delegações são representadas pelas pessoas que ajam como directores, gerentes ou administradores.
Por sua vez, os administradores da Sociedade Banco 1..., S.A. exercem os seus poderes e prerrogativas de administração sobre todos os estabelecimentos e sucursais ou agências do Banco 1..., S.A., incluindo sobre a Agência Ré/Apelante.
Afigura-se-nos, por isso, se o órgão de administração tem poderes de representação da sociedade, por maioria de razão terá de ter poderes para representar um seu estabelecimento comercial que não goza de personalidade jurídica e, como tal, não é titular autónomo de direitos e obrigações.
Impõe-se, assim, concluir que o órgão de administração principal do Banco 1..., S.A. tem poderes para emissão da procuração forense junta aos autos, encontrando-se a Advogada devidamente mandatada, com base em tal procuração, para representar a Ré - Agência - nos autos.
A esta luz, sempre será de concluir que a procuração emitida pela casa mãe confere poderes suficientes para representação de uma Agência que seja Ré em processo judicial, sem que seja necessário a emissão de procuração pela própria Agência.
Ou seja, considera-se que o órgão de administração principal do Banco 1..., S.A. tem poderes para emissão da procuração forense junta aos autos, conferindo a procuração emitida pela casa mãe poderes suficientes para a sua representação, encontrando-se, por isso, a Advogada devidamente mandatada, devendo ser extraídas as devidas consequências quanto aos ulteriores termos dos autos.
Impõe-se, por isso, a procedência da apelação.
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Sumariando, em jeito de síntese conclusiva:
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4. Decisão
Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar procedente o recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida no segmento impugnado.
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Custas a cargo da apelada.
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Notifique.


Porto, 11 de Janeiro de 2024
Paulo Dias da Silva
Ana Luísa Loureiro
Manuela Machado

(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)