Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2116/12.1TBVRL-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ CARVALHO
Descritores: INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
ADMISSIBILIDADE DA OPOSIÇÃO
Nº do Documento: RP201403182116/12.1TBVRL-B.P1
Data do Acordão: 03/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Na oposição à execução é admissível a intervenção principal provocada do mutuário a solicitação do fiador executado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2116/12.1TBVRL-B.P1
Tribunal Judicial de Vila Real 3.º juízo

Acordam na 1.ª secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

O B…, S.A., instaurou execução contra C…, destinada a obter o pagamento da quantia de €106.458,51, valor referente a dois empréstimos e juros já vencidos, concedidos pelo exequente aos mutuários para compra de uma fracção autónoma de um imóvel e que estes deixaram de pagar. O executado prestou fiança a favor do exequente, renunciando ao benefício da excussão prévia, constituindo-se fiador e principal pagador de todas as obrigações assumidas pelos mutuários.
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O executado requereu a intervenção principal provocada de D… e E… – os mutuários dos empréstimos concedidos pelo exequente. E deduziu oposição à execução, alegando, em síntese, que não sabe ler nem escrever e quando foi ao notário, a pedido do marido da filha (o mutuário), não teve a consciência do que ali foi fazer; quando lhe foi lido o documento em que apôs a sua impressão digital afirmou perante os presentes que não entendia o significado e o alcance do que lhe tinha sido dito. Não percebeu que, ao apor a sua impressão digital estava a garantir o cumprimento do contrato de crédito que acabava de ser celebrado. Invocando o artigo 246.º do C. Civil concluía que a sua declaração não produz qualquer efeito.
Em 18.05.2013 foi proferido o seguinte despacho:
“Em sede de oposição à execução vem o opoente deduzir incidente de intervenção principal provocada de E… e D…, alegando, em síntese, que estes são os devedores principais da quantia exequenda.
O exequente pugnou pelo indeferimento deste incidente.
Cumpre apreciar.
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A oposição à execução, que corre por apenso ao processo executivo, segue os termos do processo sumário de declaração, comportando apenas dois articulados – o requerimento de oposição e a contestação – cf. art.º 817º do CPC.
Desde logo por esta razão não é legalmente admissível o incidente de intervenção de terceiros no âmbito deste processo.
Por outro lado, a eventual procedência da oposição apenas é susceptível de conduzir à extinção (total ou parcial) da execução e nunca à prolação de uma sentença condenatória ou à colocação dos chamados na posição de executados, como parece pretender o opoente.
Em face do exposto, por inadmissibilidade legal, indefere-se o incidente de intervenção principal provocada deduzido pelo opoente.
Custas deste incidente pelo mesmo, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia – art.º 7º n.º 4 do RCP.”

O executado interpôs recurso daquele despacho, finalizando as alegações com as seguintes conclusões:
1 - O douto despacho proferido pelo Tribunal a quo é nulo por falta de fundamentação, nos termos do art.º 158.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e do art.º 208.º da Constituição da Republica Portuguesa, uma vez que se limitada a referir que o processo sumário apenas comporta dois articulados, sendo, por isso, inadmissível a intervenção de terceiros. Não invocando para o efeito qualquer norma que torne legalmente inadmissível o incidente.
Acresce que,
2 – O Incidente de Intervenção de Terceiros é admitido no âmbito do Processo Sumário, não existindo qualquer norma que o torne inadmissível, nomeadamente as dos artigos 320.º, 325.º e seguintes e o art.º 817.º, todos do CPC.
Pelo que, e em consequência,
3- É admissível o Incidente de Intervenção de Terceiros em sede de Oposição à Execução. Desde logo porque é esta a posição tomada pela jurisprudência maioritária.
Depois porque é isso que resulta das normas aplicáveis ao caso em apreço – cfr., entre outros, art.º 641.º do Código Civil, art.ºs 329.º, 644 e art.º 330.º do CPC – devendo a admissibilidade dos incidentes de intervenção de terceiro, no âmbito da ação executiva e respetiva oposição, ser analisada em face das circunstâncias do caso concreto, com vista a apurar se, nessas circunstâncias, estão ou não verificados os respetivos pressupostos legais, se a intervenção tem ou não a virtualidade de satisfazer um qualquer interesse legítimo e relevante e se a intervenção implica ou não com estrutura e a finalidade da ação executiva.
Termos em que,
Com o sempre mui douto suprimento de Vªs Exªs, deve ser concedido provimento ao presente recurso e em consequência:
1- Ser declarado nulo, por falta de fundamentação, o despacho recorrido;
2- Serem os chamados admitidos a intervir nos presentes autos, tal como requerido pelo Recorrente em sede de Oposição à Execução.

Dos autos não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
Os factos
Os factos relevantes para a decisão são os acima enunciados.
O direito
Questões a decidir:
1. Se o despacho recorrido enferma de nulidade por falta de fundamentação;
2. Se é admissível a intervenção principal provocada dos mutuários.
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Entende o apelante que o despacho recorrido enferma da nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC de 1961 – falta de fundamentação.
A fundamentação das decisões judiciais é imposta pelo n.º 1 do artigo 205.º da CRP e pelo n.º 1 do artigo 158.º do CPC de 1961 – diploma a que pertencerão as normas adiante referidas sem diferente menção de origem. Destina-se a assegurar que às partes seja facultado o conhecimento dos factos subjacentes às decisões, bem como dos caminhos trilhados, dentro do terreno jurídico, pelo julgador.
Para Anselmo de Castro, a exigência da motivação traduz-se na necessidade de exposição das razões de facto e (ou) de direito que levaram logicamente o julgador a decidir em determinado sentido (Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, p. 96) Neste ponto permanecem actuais os ensinamentos de Alberto dos Reis: “A decisão é a conclusão dum raciocínio; não se compreende que se enuncie unicamente o resultado ou a conclusão, omitindo-se as premissas de que ele emerge.” (Comentário, vol. 2º, p. 173).
No despacho recorrido invocam-se dois fundamentos para o indeferimento do incidente de intervenção principal provocada: 1) a circunstância de a oposição à execução seguir os termos do processo sumário de declaração, comportando por isso apenas dois articulados; 2) o facto de a eventual procedência da oposição apenas ser susceptível de conduzir à extinção da execução e não à prolação de uma sentença condenatória ou à colocação dos chamados na posição de executados. Ainda que se não concorde com as razões ali invocadas, o despacho explicita os motivos que levam a considerar inadmissível a requerida intervenção principal. Caso se entenda que o tema merecia tratamento mais desenvolvido, não estaríamos em presença de ausência de fundamentação; antes de fundamentação insuficiente. E tem sido entendimento dominante (se não unânime) que a falta de fundamentação geradora de nulidade apenas ocorre quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou de direito, não nas situações de mera deficiência de fundamentação (Neste sentido: Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, à Luz do Código Revisto, 2000, p. 297; Antunes Varela et alii, Manual de P. Civil, 2ª ed., 1985, p. 687; Acórdão do STJ, de 21-06-2011, Proc. 1065/06.7TBRSP.P1.S1, este na base de dados da DGSI).
O despacho explicita as razões subjacentes à decisão, encontrando-se por isso fundamentado e não enfermando da invocada nulidade.
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Na qualidade de fiador no contrato de mútuo, o executado/oponente garante a satisfação do crédito do exequente (art. 627.º, n.º 1, do CC). E não pode invocar o benefício da excussão, em virtude de ao mesmo ter renunciado, obrigando-se como principal pagador (art. 640.º, al. a), do CC).
Na oposição à execução o executado podia invocar, além dos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença, “quaisquer outros que possam ser invocados no processo de declaração” (art. 816.º). Como assinala o Conselheiro Amâncio Ferreira, incluem-se na previsão desta norma todas as causas impeditivas ou extintivas do direito do exequente (Curso de Processo de execução, 13.ª ed., 2010, p. 181).
O executado alega factos susceptíveis de, em abstracto, afectar a validade das declarações que segundo as escrituras de mútuo com hipoteca e fiança, prestou no Cartório Notarial. Aquelas declarações foram prestadas no âmbito de contratos de mútuo, em que eram mutuárias as pessoas cuja intervenção principal foi requerida.
Nas acções declarativas a intervenção dos mutuários a solicitação do fiador é admitida pelo n.º 1 do artigo 641.º do CC. Essa intervenção processava-se através da intervenção principal provocada (art. 325.º, n.º 1, do CPC). Na oposição à execução, que se configura como uma verdadeira acção declarativa enxertada na executiva (Amâncio Ferreira, cit., p. 182), a presença dos mutuários permite a apreciação conjunta e por uma só vez dos factos alegados no sentido da ineficácia das declarações atribuídas ao fiador
Reconhecendo que a questão da admissibilidade dos incidentes de intervenção de terceiro no âmbito da oposição à execução não é pacífica, propendemos a acompanhar o acórdão do STJ de 01-03-2001, no qual se lê que não será de rejeitar in limine a possibilidade de nos embargos de executado, dada a sua natureza e finalidade, ser pedida a intervenção principal de terceiros, desde que esta seja indispensável para conferir eficácia à oposição neles deduzida contra a execução (CJ/STJ, ano IX, t. I, p. 136).
A admissão da intervenção requerida não coloca os mutuários na posição de executados; apenas os coloca em posição de intervirem num incidente em que se discute a eficácia do título executivo, em termos de essa questão ficar decidida perante todos os intervenientes do acto notarial donde emerge o título executivo.
O facto de a eventual procedência da oposição apenas poder conduzir à extinção da execução, não basta, sem mais, para indeferir a intervenção requerida.
A circunstância de os embargos de executado seguirem os termos do processo sumário não impede a admissibilidade da intervenção principal, já que nenhuma norma limita tal admissibilidade às acções com processo ordinário.
Decisão
Pelos fundamentos expostos, na procedência da apelação, revoga-se o despacho recorrido, o qual será substituído por outro que admita a requerida intervenção principal provocada, ao lado do embargante, caso nada mais obste a tal intervenção.

Não são devidas custas (o apelado não deu causa ao recurso e não contra-alegou)

Porto, 18.3.2014
José Carvalho
Rodrigues Pires
Márcia Portela