Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP00032611 | ||
Relator: | CLEMENTE LIMA | ||
Descritores: | DIFAMAÇÃO ELEMENTOS DA INFRACÇÃO DIREITO DE CRÍTICA LIBERDADE DE EXPRESSÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RP200110100110626 | ||
Data do Acordão: | 10/10/2001 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | 1 J CR BRAGA | ||
Processo no Tribunal Recorrido: | 34/00 | ||
Data Dec. Recorrida: | 02/26/2001 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | PROVIDO. REVOGADA A DECISÃO. | ||
Área Temática: | DIR CRIM - CRIM C/PESSOAS / TEORIA GERAL. | ||
Legislação Nacional: | CP95 ART14 ART180 N1 N2 ART181. CCIV66 ART25 ART70. CONST97 ART26 N1. | ||
Referências Internacionais: | DECUDH ART2. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | Elementos do tipo (objectivo) da difamação são a imputação, dirigida a terceiros, de facto (visto como dado real da experiência) ou juízo (percebido como a valoração de um dado ou ideia), ofensivos da honra ou consideração de outrem, ou a sua reprodução, imputação que pode ser directa ou insinuada (ser dirigida sob a forma de suspeita). Nem todos os factos que envergonham, perturbam ou humilham, quando lançados sobre terceiros, cabem na previsão do artigo 180 (ou na do artigo 181) do Código Penal, tudo dependendo da intensidade ou do perigo da ofensa. Com efeito, a conduta pode ser reprovável em termos éticos, profissionais (...) mas não o ser em termos penais. No plano dos elementos subjectivos do tipo, trata-se de um crime doloso, que se basta com um dolo genérico. A liberdade de crítica deve corresponder ao fim para que tal liberdade é concedida, e não atender a outros fins, e deve ser exercida por modos correctos. Quando se ultrapassaram os limites da necessidade, ou os processos usados são, de per si, injuriosos (insultos, difamações pessoais et similis), a crítica é ilegítima. | ||
Reclamações: | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, precedendo conferência, na Relação do Porto: I 1. Nos autos de instrução n.º .../..., do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Braga, os assistentes, Fernando ..... e «Empresa ....., S.A.», interpuseram recurso do Despacho judicial (fls. 848-856) de não pronúncia do arguido José ....., acusado, pelos assistentes, acompanhados pelo Ministério Público, de um crime de difamação, previsto e punível nos termos do disposto nos arts. 180.º/1, 183.º/ 1 a), do Código Penal e 30.º/2, da Lei n.º 2/99, de 13-1.2. Concluem a correspondente motivação nos seguintes termos: a) Ao fundamentar a não pronúncia em meras referências genéricas, tais como «resultou demonstrado e ficou esclarecido», sem indicar as provas que concretamente basearam o juízo formulado, o despacho recorrido violou o disposto no art. 283.º/d), do Código de Processo Penal, aplicável «ex vi» do disposto no art. 308.º, do mesmo Código; b) Pelas razões referidas nos n.ºs 5-6 e 7 das presentes alegações – que aqui se dão por reproduzidas – foram dirigidas ao assistente, Fernando ....., as afirmações caluniosas: «em 1974, fugiu para o Brasil e deixou as Termas ao Deus dará durante 10 anos; ao regressar a Portugal, em vez de aproveitar os milhões de contos que o turismo e fundos comunitários colocaram ao seu alcance (como fizeram as termas de Chaves, S. Pedro do Sul, etc.), desperdiçou todas essas oportunidades e tentou por todos os meios impedir a Câmara Municipal de resolver o problema das acessibilidades, das infra-estruturas e dos equipamentos imprescindíveis ao ......»; c) O argumento em que o despacho recorrido se baseou para concluir que as imputações referidas em b) se não referiam ao assistente é destituído de qualquer sentido, sob pena de, absurdamente, se ter de concluir que, para evitar a ilicitude de qualquer imputação difamatória, bastaria ao seu autor alegar que tinha conhecimento da falsidade da imputação; d) As afirmações referidas em b) atingiram o bom nome e a honra do assistente Fernando ....., já que pretenderam fazer crer aos habitantes da vila do ..... que este tinha obstruído a resolução dos problemas que afligem aquela localidade e que a autarquia tem sido incapaz de solucionar e que, portanto, praticou actos tendentes a prejudicar os «geresianos»; e) Ao contrário do entendimento do despacho recorrido, as expressões «investidor de coisa nenhuma» e «agir por vingança» são objectivamente depreciativas e atentatórias da honra e do bom nome do assistente Fernando .....; f) A afirmação de que a assistente «Empresa ........., S.A.» contou com a cumplicidade dos Governos de antes do 25 de Abril para não cumprir as cláusulas do contrato de concessão e pela degradação das termas, é objectivamente atentatória do bom nome da empresa; g) Pelas razões referidas nos n.ºs 8-9 e 10 das presentes alegações – que aqui se dão por reproduzidas -, tais afirmações não podem ser consideradas justificadas com o argumento de que o arguido estava de boa fé e convictamente persuadido da verdade das imputações porque tal não se provou; h) E isto independentemente de tal convicção não poder justificar imputações objectivamente ofensivas do bom nome da assistente Empresa ....., S.A., tal como a de que esta só teria conseguido evitar a resolução do contrato de concessão através da cumplicidade com os Governos de antes do 25 de Abril, pois i) Cumplicidade foi utilizada no sentido de conivência ilícita. Pretende que o Despacho recorrido violou as referidas disposições do CPP, e ainda o estatuído nos arts. 180.º e 181.º, do CP, pelo que deve ser revogado, pronunciando-se o arguido por todos os factos constantes da acusação. 3. O recurso foi recebido por Despacho de fls. 920. 4. Responderam, o arguido e o magistrado do Ministério Público, em 1.ª instância, ambos propugnando pela confirmação do julgado. 5. Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer de anuência com a resposta à motivação, o que não suscitou réplica. 6. Demarcado o objecto do recurso pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação (art. 412.º/1, do CPP), cinge-se aquele, no caso, e em obediência a um critério de lógica preclusiva, às questões (a) de saber se o despacho de não pronúncia, recorrido, violou o disposto, conjugadamente, nos arts. 283.º/ d) e 308.º, do CPP, por deficiente fundamentação; (b) de saber se resultam dos autos suficientes indícios da prática, pelo arguido, do crime de difamação que lhe vinha imputado. Vejamos. II 7. O Despacho recorrido, no segmento que ao recurso importa, é do seguinte teor:«Cumpre proferir decisão instrutória. (...) Importa agora apreciar a factualidade imputada ao arguido relativamente à publicação de escrito que enviou para o jornal Diário do Minho. (...) No caso concreto, das diligências instrutórias realizadas, resulta que a comunicação dirigida pelo arguido ao jornal Diário do Minho, que deu origem à notícia publicada pelo mesmo jornal, destinava-se a responder a um comunicado do Partido Socialista, no qual se dava conta de que o arguido, na qualidade de Presidente da Câmara de ....., entravava o investimento que a Empresa, ....., S.A e o assistente Fernando ..... pretendiam fazer no concelho. Descontente com tal afirmação, o arguido, sempre na qualidade de representante do concelho, pretendeu esclarecer que, de facto, nenhum investimento havia sido feito por parte dos responsáveis daquela empresa, para tanto usou as expressões consideradas difamatórias pelos assistentes. Vejamos em concreto de que expressões se trata. Nos termos da peça acusatória, as expressões dividem-se em dois grupos, visando a honra e consideração da assistente Empresa ....., S.A., o primeiro grupo e o segundo do assistente Fernando ...... Assim, foi publicado o seguinte: (1) «Toda a gente sabe que nos últimos 50 anos a Empresa ...., S.A não fez qualquer investimento e deixou degradar as Termas e que antes do 25 de Abril contou sempre com a cumplicidade do Governo para não cumprir as cláusulas do contrato de concessão»; (2) «numa nota acompanhada de vários documentos oficiais, o arguido acusou o assistente Fernando ....., enquanto administrador da Empresa......, S.A., de - em 1974,ter fugido para o Brasil e ter deixado as Termas ao Deus dará durante 10 anos; - ao regressar a Portugal, em vez de aproveitar os milhões de contos que o turismo e fundos comunitários colocaram ao seu alcance (como fizeram as termas de Chaves, S. Pedro do Sul, etc.), ter desperdiçado todas essas oportunidades e de ter tentado por todos os meios impedir a Câmara Municipal de resolver o problema das acessibilidades, das infra-estruturas e dos equipamentos imprescindíveis ao Gerês; - ser um investidor de coisa nenhuma; - agir por vingança. O escrito que deu origem à notícia encontra-se junto aos autos a fls. 42 e a fls. 43 consta o esclarecimento enviado da parte do arguido ao jornal. Das declarações prestadas pelo arguido e do depoimento das testemunhas que foram inquiridas na fase instrutória, resultou demonstrado que apenas as duas últimas expressões visavam directamente o assistente Fernando ..... e as restantes tinham como destinatários os responsáveis pela Empresa ....., S.A. à data dos factos imputados. Com efeito, demonstrou-se que o arguido tinha perfeito conhecimento de que o assistente Fernando ..... entrou para a administração da Empresa ....., S.A. apenas em 1995, pelo que necessariamente nunca o pretendia responsabilizar por actos ou omissões da parte dos representantes da Empresa ....., S.A. relativamente ao período de tempo anterior. Diga-se no entanto que o escrito enviado ao jornal presta-se a equívocos e admite a interpretação que lhe foi dada pelo jornalista, a qual é logo afastada pelo esclarecimento enviado ao jornal, que não veio a ser publicado por motivos alheios ao arguido. Todavia, ficou esclarecido em sede de instrução que ao reportar-se a cumplicidade por parte do Governo, o arguido referia-se ao facto de perante o que, na sua perspectiva, constituía o arrastar da situação de incumprimento da Empresa ...., S.A. não ter sido tomada uma posição enérgica por parte do Governo, designadamente na aplicação das sanções previstas no contrato para a situação de incumprimento. Relativamente à imputada falta de investimento e ao incumprimento das cláusulas do contrato de concessão das Águas do ....., da confrontação dos diversos documentos juntos em sede de instrução e dos depoimentos prestados, é possível extrair a conclusão de que o arguido está fundadamente convencido da veracidade de tal afirmação, que em seu entender é uma mera constatação da realidade objectiva, porquanto à data da publicação não seriam visíveis de facto investimentos por parte da Empresa ....., S.A. no concelho ou mais propriamente na vila ...... Refira-se ainda que ao reportar-se à ausência de investimento por parte do assistente Fernando ....., actual representante da Empresa ....., S.A., conforme resulta do contexto em que a afirmação é feita, só a investimentos no concelho e no âmbito do contrato de concessão o arguido se reporta, não abrangendo o comportamento em geral do assistente Fernando ..... enquanto empresário. Por seu lado, o assistente Fernando ..... discorda desta visão das coisas por entender que ao apresentar documentação que deu entrada na Câmara de ....., com vista a futuro investimento, constituiu já investimento que não se vem a concretizar por obstáculos postos pela Câmara que o arguido representa, sentindo-se por isso pessoalmente ofendido com a expressão que lhe foi dirigida pelo arguido. No entanto, da documentação junta em sede de instrução, não resulta que tenham sido colocados intencionalmente obstáculos pela C.M. no andamento dos projectos ou outras diligências solicitadas a tal entidade por parte da Empresa ....., S.A. Além disso, os investimentos em curso da parte da Empresa ....., S.A. reportam-se a data posterior à notícia. É patente também que a actuação do arguido se insere num quadro de esclarecimento das populações, daquilo que em seu entender, a Empresa ....., S.A. não vem cumprindo no âmbito do contrato de concessão das águas do ....., assunto que é do interesse das populações residentes no concelho, por cujos interesses compete ao arguido zelar. De referir, no que concerne à expressão «agir por vingança», que a mesma foi descontextualizada, conforme resulta do teor do escrito que deu origem à notícia, e no contexto em que se insere, não encerra por si só a ilicitude própria do tipo de crime que é imputado ao arguido. Perante as considerações feitas acerca dos factos apurados e as disposições legais supracitadas, conclui-se que não reúnem os autos elementos que sustentem a sujeição do arguido a julgamento, porquanto não resulta existir probabilidade séria e razoável de lhe vir a ser aplicada uma pena, pelo cometimento do crime de que vem acusado. Pelo exposto, decido não pronunciar o arguido.» Vejamos ainda. 8. Nos termos prevenidos no n.º 1 do art. 205.º, da Constituição, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente, são fundamentadas na forma prevista na lei. Este dever de fundamentação das decisões judiciais, acentuado na 4.ª revisão constitucional [Lei Constitucional n.º 1/97, de 20-9], consta reafirmado no invocado art. 97.º n.º 4, do CPP, nos termos do qual os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão. Com isto se pretendeu, fundamentalmente, por um lado, conferir força pública inequívoca (autoridade e convencimento) aos referidos actos e, por outro lado, permitir a sua fundada impugnação. O despacho recorrido está, como resulta à evidência da sua leitura, na transcrição supra, no plano da fundamentação, minimamente fundamentado. Para além do que, consabidamente, os actos decisórios não fundamentados padecem, processualmente, de mera irregularidade [Contra a proposta, na Comissão Revisora do CPP, do Dr. José António Barreiros, vencida pela maioria dos membros da Comissão] (arts. 118.º n.º 2 e 123, do CPP). E tal irregularidade só determina a invalidade do acto a que se refere (e dos termos subsequentes pelo mesmo inquinados) quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto, o que, não tendo acontecido, no caso em apreço, como se vê de fls. 857, tem por consequência a sanação do vício. Improcede pois, pelo exposto, neste particular, o esforço argumentativo dos recorrentes. 9. Quanto à segunda questão. Tenha-se presente o disposto nos arts. 283.º e 308.º, do CPP. Por indiciação suficiente, entende-se «a possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, em razão dos meios de prova já existentes, uma pena ou medida de segurança»... . Trata-se da «... probabilidade, fundada em elementos de prova que, conjugados, convençam da possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicável uma pena ou medida de segurança criminal...» [Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, II, 2.ª ed. -1999, pp. 99 e 100]. Como refere o Prof. Figueiredo Dias [«Direito Processual Penal», 1.º vol., 1974, pág. 133], «... os indícios só serão suficientes, e a prova bastante, quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado ou quando esta seja mais provável do que a absolvição.» E adianta: «Tem pois razão Castanheira Neves quando ensina que na suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final, só que a instrução preparatória (e até a contraditória) não mobiliza os mesmos elementos probatórios que estarão ao dispor do juiz na fase do julgamento, e por isso, mas só por isso, o que seria insuficiente para a sentença pode ser bastante ou suficiente para a acusação.» Já Luís Osório [No «Comentário ao CPP Português» (IV, 441)] afirmava que «devem considerar-se indícios suficientes aqueles que fazem nascer em quem os aprecia a convicção de que o réu poderá vir a ser condenado». E, como se decidiu no acórdão, desta Relação, de 20-10-93 [CJ.ª XVIII-4-259/260], «... indícios, no sentido em que a expressão é utilizada no art. 308.º, do CPP, são meios de prova enquanto são causas ou consequências, morais ou materiais, recordações ou sinais, do crime... Para a pronúncia ou para a acusação, a lei não exige a prova, no sentido da certeza moral da existência do crime, bastando-se com a existência de indícios, de sinais dessa ocorrência... No juízo de quem acusa, como no de quem pronuncia, deverá estar sempre presente a defesa da dignidade da pessoa humana, nomeadamente a necessidade de protecção contra intromissões abusivas na sua esfera de direitos, mormente os salvaguardados na DUDH e que entre nós se revestem de dignidade constitucional (art. 2.º, da DUDH e art. 27.º, da CRP)...». É por tal razão, salienta o mesmo aresto, que «... quer a doutrina quer a jurisprudência vêm entendendo que aquela possibilidade razoável de condenação é uma possibilidade mais positiva do que negativa; o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido...», isto é. «... os indícios são suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.» Pode dizer-se, a final e em súmula, que constitui indiciação suficiente o conjunto de elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo vingar a convicção de que este virá a ser condenado pelo crime que lhe é imputado [Sobre o conceito de «indícios suficientes, vd., também, com especial interesse, Germano Marques da Silva, «Curso de Processo Penal», II, 2.ª edição, 1999, pp. 99 e 100, e os Acórdãos, do Tribunal Constitucional, n.º 388/99 (DR, II, 8-11-99, pp. 16.764 e ss., e n.º 583/99, de 20-10-99 (DR, II, 22-2-2000, pp. 3.599 e ss..)]. 10. A difamação. Dispõe o art. 180.º, do CP, no segmento que ao caso importa, a abrir o capítulo relativo aos crimes contra a honra e sob a epígrafe «difamação»: «1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido (...). 2 – A conduta não é punível quando: a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira. (...) 4 – A boa fé referida na alínea b) do número 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.» Trata-se, consabidamente, de, no plano do direito criminal, estabelecer uma específica área de protecção do bem jurídico honra e consideração, consagrado que estão, constitucionalmente, o direito ao bom nome e reputação e à imagem (art. 26.º/1, da CRP) e, nos arts. 25.º e 70.º, do CC, a tutela geral da personalidade. Honra que, na concepção dominante [Por todos, cfr. Faria Costa, «Comentário Conimbricense do Código Penal», I, 601 ss. (607), Figueiredo Dias, «Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal da Imprensa Português», RLJ, 115.º, 100 ss. (105) e Costa Andrade, «Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal», 76 ss], é vista como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior. O que se protege «é a honra interior inerente à pessoa enquanto portadora de valores espirituais e morais e, para além disso, a valência deles decorrente, a sua boa reputação no seio da comunidade [Faria Costa, ob. e loc. citados, referindo-se à síntese oferecida pelo Supremo Tribunal Federal alemão]. Elementos do tipo (objectivo) da difamação serão, assim, a imputação, dirigida a terceiros, de facto (visto como dado real da experiência) ou juízo (percebido como a valoração de um dado ou ideia), ofensivos da honra ou consideração de outrem, ou a sua reprodução, imputação que, por seu turno, pode ser directa ou insinuada (ser dirigida sob a forma de suspeita). Importa reter, porém, que nem todos os factos que envergonham, perturbam ou humilham, quando lançados sobre terceiros, cabem na previsão do preceito em referência (ou na do art. 181.º, do CP), tudo dependendo da intensidade ou do perigo da ofensa [Ver Oliveira Mendes, «O Direito à Honra e sua Tutela Penal», pág. 37]. Como referia o Prof. Beleza dos Santos [«Algumas Considerações sobre os Crimes de Difamação e de Injúria», na RLJ, anos 92.º e 95.º, 165 ss], aquilo que razoavelmente se não deve considerar ofensivo da honra ou do bom nome alheio, aquilo que a generalidade das pessoas (de bem) de um certo país e no ambiente em que se passaram os factos não considera difamação ou injúria, não deverá dar lugar a uma sanção reprovadora, como é a pena. Com efeito, pode a conduta ser censurável em termos éticos, profissionais (...), mas não o ser em termos penais [Ver o acórdão, da R. Évora, de 2-7-96, na CJ XXI-4-295 e, por mais recente e significativo, o acórdão, da R. Lisboa, de 13-12-2000, na CJ XXV-5-147]. No plano dos elemento subjectivos do tipo, importa reter que estamos em presença de um crime doloso, que se basta com um dolo «genérico», em qualquer das modalidades elencadas no art. 14.º, do CP. É que, para a verificação do elemento subjectivo do crime em referência, não se exige que o agente queira ofender a honra e consideração alheias, bastando que saiba que, com o seu comportamento, pode lesar o bem jurídico protegido com a norma e que, consciente dessa perigosidade, não se abstenha de agir [Neste sentido, vd., por todos, acórdãos, da R. Coimbra, de 12-7-2000 (CJXXV-4-46), de 25-2-98 (CJ XXIII-1-57) e de 2-10-96 (BMJ 460-818)]. 11. Como resulta do n.º 2 do art. 180.º, do CP, a difamação não é punível desde que se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições: a) a imputação de facto desonroso ser feita para realizar interesses legítimos [Sobre a definição de «interesses legítimos», ver, por todos, Faria Costa, ob. cit., pp. 615-622] e, para além disso, b) o agente provar a verdade da mesma imputação ou ter fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira [Sendo que nem todos os factos verdadeiros podem legitimamente ser divulgados, e que a boa fé não pode significar uma pura convicção subjectiva, devendo assentar em uma imprescindível dimensão objectiva, concretizada, v.g., no cuidado posto na recolha de informações, na selecção e na credibilidade das fontes]. 12. Isto posto e apreendido, afigura-se que as diligências realizadas na instrução, nomeadamente as declarações das testemunhas inquiridas pelo Tribunal «a quo», não assumem suficiente vigor e rigor de modo a abalar a acusação, resultando dos autos suficientes indícios de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena, nos termos e pelos ilícitos acusados – arts. 286.º/1 e 308.º/1, do CPP. Com efeito, e como vem salientado na motivação do recurso, as declarações de Aníbal ....., vice-presidente da C.M. de ..... (fls. 831-847), revelam contradições notórias, ao evidenciar que a Empresa ....., S.A. não construiu o Bairro referido na cláusula 1.ª do contrato de concessão (fls. 129), quando a existência do mesmo Bairro resulta das declarações de João ....., a fls. 524, e do teor documental de fls. 415, ao evidenciar que não foram feitos investimentos no balneário, quando tais investimentos resultam das referidas declarações de João ..... e do teor documental de fls. 121 e 605, ao evidenciar a não construção do hospital, quando o contrário resulta das referidas declarações de fls. 524 e do teor documental de fls. 436 e 437. E as mesmas contradições quanto ao colector de esgotos (ver fls. 524) e às obras de beneficiação das «Casas Amarelas» (ver fls. 418-421); contradições que perpassam, de igual modo, nas declarações de Augusto ....., chefe da divisão de obras da CM (fls. 638-718), de Manuel ....., adjunto do presidente da CM (fls. 718-737), de Maria ..... (fls. 255), de Maria Helena ..... (fls. 256 e documento de fls. 435) e de Carlos ..... (fls. 595). Não pode assim sustentar-se, sem quebra de razão, que o arguido agiu no fito da realização de interesses legítimos e na convicção da verdade das imputações (convicção que não se vê assente em nada de concretizado, de objectivo), sendo certo que as imputações sobre-descritas («em 1974, fugiu para o Brasil e deixou as Termas ao Deus dará durante 10 anos; ao regressar a Portugal, em vez de aproveitar os milhões de contos que o turismo e fundos comunitários colocaram ao seu alcance, como fizeram as termas de Chaves, S. Pedro do Sul, etc., desperdiçou todas essas oportunidades e tentou por todos os meios impedir a Câmara Municipal de resolver o problema das acessibilidades, das infra-estruturas e dos equipamentos imprescindíveis ao .....; ser um investidor de coisa nenhuma; agir por vingança»), realizadas sobre os assistentes, não podem deixar de considerar-se objectivamente injuriosas, sabido que a verificação do dolo se basta com que o agente actue por forma a violar o dever de abstenção implicitamente imposto nas referidas normas incriminatórias, levando a cabo a conduta nelas prevista, sabedor da genérica perigosidade imanente, sem que seja necessária a previsão do perigo (concreto). Não estamos, indiciariamente, em presença de factos verdadeiros, ou tidos por isso de boa fé, expostos nos termos mais comedidos possível e no propósito de informar o público [Sobre a salvaguarda de interesses legítimos na difamação, cfr. H.-H. Jescheck, «Tratado de Derecho Penal», trad. espanhola, I, 556]. Com efeito, a liberdade de crítica deve corresponder ao fim para que tal liberdade é concedida, e não atender a outros fins, e deve ser exercida por modos correctos. Quando se ultrapassam os limites da necessidade, ou os processos usados são, de per si, injuriosos (insultos, difamações pessoais et similis), a crítica é ilegítima [Ver Antolisei, «Manuale di Diritto Penale», I, 156]. Assim, o arguido deverá ser pronunciado em conformidade com a acusação oferecida pelos assistentes e que o Ministério Público acompanhou. Resta decidir. III 13. Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se conceder provimento ao recurso e, assim, revoga-se o despacho de não pronúncia recorrido, determinando-se a sua substituição por outro, que pronuncie o arguido, nos termos acima expostos.14. Sem tributação. Porto, 10 de Outubro de 2001 António Manuel Clemente Lima José Manuel Baião Papão José Henriques Marques Salgueiro |