Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2467/20.1T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DA LUZ SEABRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
PRESUNÇÃO DE CULPA
PRESUNÇÃO DE ILICITUDE
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP202307122467/20.1T8MTS.P1
Data do Acordão: 07/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Quanto ao âmbito exacto da presunção estabelecida no art. 493º nº 1 do CC, acolhemos a corrente jurisprudencial que atribui uma presunção simultânea de culpa e de ilicitude, bastando ao lesado provar o evento lesivo e os danos por ele causados, presumindo-se ter existido por parte da pessoa que detém a coisa imóvel (proprietário e/ou locatário) o incumprimento do dever de vigilância.
II - Na ausência de prova de incêndio doloso praticado por terceiro, estaremos perante combustão acidental, onde se inclui qualquer origem casual ou fortuita, meramente acidental, inadvertida, espontânea ou, com participação humana meramente negligente (do segurado ou de outrem), que fará recair a responsabilidade civil extracontratual pelos danos causados a terceiros, sobre a proprietária/locatária do imóvel onde o incêndio teve início e, sobre a seguradora que garantiu por meio de seguro o pagamento das indemnizações decorrentes desse tipo de sinistro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2467/20.1T8MTS.P1- APELAÇÃO
Origem: Juizo Local Cível de Matosinhos- Juiz 2
Recorrentes: A..., Unipessoal, Lda
B...- Companhia de Seguros ..., SA
Recorridos: AA
BB
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Sumário (elaborado pela Relatora):
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I. RELATÓRIO:
1. AA e BB intentaram ação declarativa de condenação em processo comum, contra A..., Unipessoal, Lda e B...- Companhia de Seguros ..., SA formulando a final os seguintes pedidos:
a) – Serem as RR. condenadas a pagar aos AA. a título de privação de uso, danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência directa e necessária do incêndio em apreço a quantia global de € 15.971,18 (quinze mil novecentos e setenta e um euros dezoito cêntimos.
b) – Serem os RR. condenados a pagar à A. mulher a quantia que vier a ser fixada pelos danos não patrimoniais por esta sofridos com o estado de ansiedade de que padece, em consequência directa e necessária do incêndio em apreço, cujo cômputo se relega para execução de sentença uma vez que ainda se estão a produzir por ainda não se encontrar curada.
c) Serem os RR. condenados a pagar aos AA. a quantia que estes vierem a despender na pintura da casa que habitaram da propriedade de CC, cujo cômputo se relega para execução de sentença uma vez que ainda se estão não procederam à pintura da mesma e desconhecem, neste momento, qual o preço que tal acarreta.
Como fundamento da referida pretensão, alegaram em síntese que, desde o dia 3 de Agosto de 2016 que habitam a fracção autónoma identificada nos autos, por terem celebrado contrato promessa de compra da mesma, cuja escritura só veio a ser realizada em 2020 e, que no dia 5/6/2017, cerca das 20:00H deflagrou um incêndio num estabelecimento comercial que é explorado pela 1ª Ré localizado no mesmo prédio, constituído em regime de propriedade horizontal, nas fracções “A”, “B” e “C”, utilizando a 1ª Ré as fracções “A” e “B” na qualidade de locatária e única utilizadora e a “C”, na qualidade de proprietária e utilizadora, incêndio esse que atingiu uma proporção tal que se propagou às fracções, entre elas a dos AA., causando-lhes variados danos de natureza patrimonial e não patrimonial dos quais pretendem ser ressarcidos, sendo por eles responsável a 1ª Ré à luz do art. 493º nº 1 ou 2 do CC, como proprietária com o dever de vigilância sobre o imóvel, e por nele desenvolver uma actividade perigosa, enquanto que a 2ª Ré também deve ser responsabilizada porque a 1ª Ré transferiu a responsabilidade civil pelos sinistros decorrentes da sua actividade para a 2ª Ré através da apólice n° ..., válida à data do sinistro, incluindo-se nas garantias do seguro referido a cobertura dos danos causados pela ocorrência de incêndio.

2. As Rés/Apelantes deduziram contestação, separadamente, suscitando ambas a exceção da ilegitimidade activa e, tendo sido por ambas as RR impugnados os factos alegados pelos Autores, concluindo que nenhuma responsabilidade lhes pode ser atribuída pela deflagração do incêndio e demais danos invocados.
A 2ª Ré suscitou ainda a sua ilegitimidade passiva e, alegou que o incêndio foi propositadamente deflagrado na fração A, por pessoa ou pessoas cuja identidade se desconhece e não foi apurada, que ingressou(aram) nos prédios onde a 1ª Ré tinha instalado o seu estabelecimento, tendo a polícia judiciária concluído que o incêndio não teve como causa qualquer acidente elétrico, mas sim um ato doloso, não estando coberto por qualquer um dos contratos de seguro e, subsidiariamente requereu que, a ser condenada, essa condenação seja a liquidar em execução face ao limite do capital e à necessidade de rateio por todos os lesados, bem como a necessidade de abatimentos das franquias a cargo da 1ª Ré.

3. Foi concedido o exercício do contraditório aos AA sobre a matéria de excepção, que dele usaram, concluindo pela improcedência das mesmas.

4. Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual foram julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade activa e passiva, foi fixado o objecto do litígio, bem como os temas de prova, que não foram objecto de reclamação.

5. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, nos seguintes termos:
“Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência:
a) Condeno a 1ª Ré a pagar aos Autores, a titulo de danos patrimoniais e dano de privação de uso, a quantia global de € 12.315,31 (doze mil trezentos e quinze euros e trinta e um cêntimos) e a 2ª R. a pagar esta mesma quantia, deduzida de 10% da franquia a cargo da 1ª Ré, acrescidas uma e outra de juros de mora de 4% ao ano desde a citação até integral pagamento, absolvendo-as do restante peticionado a estes títulos.
b) Condeno a 1º Ré a pagar aos Autores quantia a liquidar em incidente de liquidação desta sentença, do valor respeitante aos danos não patrimoniais dados como provados e a 2ª Ré da quantia que vier a ser liquidada, deduzida a franquia de 10% a cargo da 1ª Ré, o valor que vier a ser liquidado, acrescidas uma e outra de juros de mora de 4% ao ano desde a citação até integral pagamento, absolvendo-as do restante peticionado.
As custas são devidas pelos Autores e pela Ré, nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 527º do Código de Processo Civil, na proporção de 2% para o Autor e 98% para a 2ª Ré (artigo 607º, nº 6 d CPC).
Notifique e registe.”

6. Inconformada, a 1ª Ré A..., Unipessoal, Lda interpôs recurso de apelação da sentença final, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
1ª O recurso visa impugnar a matéria de facto identificada e com interesse para o mesmo;
2ª A decisão em crise peca por manifesta incorreção e erro na apreciação da prova produzida em julgamento, face aos documentos constantes do processo e ao depoimento da testemunha indicada na transcrição junta;
3ª Na verdade, com interesse para este recurso, o Tribunal deu como não provados os seguintes factos:
“d) Submetido o imóvel a inspeção por parte da Polícia Judiciária, foi, claramen-te, identificada a sua causa do incêndio.
e) O incêndio ocorrido no dia 05/06/2017 foi propositadamente deflagrado e teve a sua origem num ato doloso.
n) Não obstante a Polícia Judiciária tenha suspeitado que o incêndio foi ateado pelo DD, não logrou prosseguir essa linha de investigação.
o) Porém, a polícia judiciária concluiu, sem margem para dúvidas, que o fogo foi ateado propositadamente e breves momentos antes do acionamento do alarme, numa altura em que só estavam três clientes na loja e os seus funcionários.
q) No estabelecimento em causa apenas existiam objetos que aí eram comercializados, nenhum deles auto-inflamável.
r) Não existiam em todo o espaço da loja materiais ou substâncias que pudessem reagir, entre si, resultando em reação química de autocombustão.
s) Na fração onde foi deflagrado o incêndio (a fração “A”) e na fração “B” existiam apenas umas prateleiras, com material de limpeza e plásticos, nas suas mais diversas formas, todos eles insuscetíveis de se auto-inflamarem.
u) Nenhum dos bens existentes nas ditas frações “A” e “B” da loja provocaram o incêndio ou deu início ao mesmo. “
4ª. Em face disso, mas também face à prova que consta do processo - relatório da Polícia Judiciária de fls.… e depoimento da testemunha EE (inspetor da polícia judiciária), resulta exatamente o contrário.
5ª. Sendo ainda certo que, e salvo melhor opinião, estes factos dados como não provados, contradizem os factos dados como provados, pelo que outra conclusão não se pode retirar que não seja a de os factos ora elencados – com interesse para este recurso – deviam ter sido dados como provados.
6.ªContradição especificamente verificada atentos os factos provados nos pontos 80, 82, 83, 85, 87, 92, 93, 94, 95, e 96 da sentença que aqui se dão por reproduzidos para os legais efeitos e por economia processual.
7.ª Impugnando-se nesta parte aqueles factos dados por não provados.
8.ª Os factos dados por não provados e que supra vão identificados, deviam ser antes dados como provados, atento o depoimento prestado pela testemunha EE, inspetor (especialista) da Polícia Judiciária.
9.ª E por isso se pode dizer que, o incêndio dos autos teve origem:
f) num ato criminoso;
g) propositadamente deflagrado;
h) o fogo foi ateado propositadamente;
i) que todos os extintores estavam em bom estado de conservação e funcionamento;
j) que em todo o espaço da loja não existiam materiais ou substâncias que pudessem reagir entre si resultando em reacção química de autocombustão.
10.ª Daí se impugnar e nesta parte os factos dados (os não provados), devendo antes ser dados como provados.
11.ª Pelo que, salvo melhor opinião, e sobretudo com base no depoimento do citado inspetor da Polícia Judiciária, a origem e a deflagração do incêndio não coube ou teve participação ou atuação de pessoa que trabalha na loja e ou sequer pudesse ter sido o seu próprio gerente,
12.ª Sendo estranho à experiência comum e ao conhecimento mediano que os bombeiros (em grande quantidade) e viaturas (em grande quantidade) não tivessem sido capazes de apagar e de modo eficaz o incêndio, mesmo com a ideia de que o mesmo assumiu grandes proporções.
13.ª Provado está que na “loja” existiam vários extintores portáteis, sinalética e plantas de segurança,
14.ª A Recorrente nenhuma responsabilidade teve na deflagração do incêndio, no seu desenvolvimento e consequências, tendo tomado tudo o que lhe era exigível para prevenir e combater um incêndio, tudo como se colhe do depoimento descrito,
15.ª A Recorrente face aos factos provados e aos não provados, mas que devem ser dados por provados, como supra se entende, nenhuma responsabilidade tem ou deve ter.
16.ª Pois atuou de modo a prevenir e combater um incêndio para o qual em nada contribuiu ou sequer permitiu ou facilitou.
17.ª A Recorrente não agiu com culpa e menos ainda com negligência, porquanto, na produção do evento nem sequer nele participou, antes saiu lesada, tal qual os Recorridos...
18.ª A Recorrente não praticou qualquer acto para aquela produção, pelo que não se pode falar em ilicitude e consequentemente não existe nexo causal, já que a guarda do “estabelecimento” foi e estava a ser exercida conforme as normas exigíveis para o tipo de estabelecimento e risco…
19.ª Como bem refere a decisão em crise, a lei (artigo 487.º, n.º 1 do C.C.) dispõe que: compete ao lesado provar a culpa do autor da lesão, o que no caso dos autos não existe ou se fez, sendo admissível por outro lado, a (exceção) da presunção de culpa, prevista no artigo 493.º do C.C. - e aqui, a prova para o afastamento da culpa – presumida - cabe àquele sobre quem recai a presunção, que in caso, provado está nos autos, todos os “sinais” factos que praticou, nomeadamente de e para: a) vigilância; b) prevenção; c) manutenção e conservação do imóvel, constituído por três frações autónomas que consubstancia um só estabelecimento comercial,
20.ª Prova que se encontra plasmada e de forma clara e objetiva nos documentos juntos no processo - relatório da Polícia Judiciária, - como na testemunhal, concretamente no depoimento prestado pela testemunha identificada.
21.ª Assim, a Recorrente enquanto proprietária e possuidora dos imóveis dos autos, deixou provados todos os factos e actos praticados conducentes aos comportamentos de e para a vigia, prevenção e manutenção-conservação do espaço do seu comércio (frações) afastando nessa medida aquela exceção de presunção de culpa,
22.ª Estando demonstrado nos autos que a “coisa” à sua guarda e passível de causar danos, efetivamente, estava sujeita a actos de controlo... e vigilância em ordem a proteger a produção de danos – como também para evitar danos, tanto mais que provado está que o incêndio dos autos não resultou de culpa sua – cf. relatório da Polícia Judiciária e depoimento da testemunha, EE.
23.ª Quando assim se não entender, todos os proprietários e possuidores de (coisas) imóveis, respondem sempre e em qualquer circunstância apenas porque são titulares de um direito de propriedade ou de posse – o que não se concebe.
24.ª Estão assim violados os artigos 483.º, 487.º, 493.º do C.C.
Concluiu, pedindo que o recurso seja julgado provado e procedente, e em consequência seja revogada a decisão em crise e substituída por outra que absolva a Recorrente.

7. Inconformada, a 2ª Ré B...- Companhia de Seguros ..., SA interpôs recurso de apelação da sentença final, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
1.ª – Relativamente aos contratos de seguro celebrados, entendemos que o Tribunal omitiu pronúncia sobre um conjunto de factos alegados pela Recorrente na sua contestação, que versa sobre a mesma matéria.
2.ª - Com efeito, nos artigos 1.º a 43.º do seu articulado contestação, a ora recorrente alegou diversos factos respeitantes às coberturas, exclusões e limites referentes aos contratos de seguro por si celebrados.
3.ª - Entre esses factos figurava a alegação do objeto desse contrato de seguro, a descrição das coberturas garantidas, suas exclusões local de risco e, ainda, o limite garantido e a franquia aplicável.
4.ª - Ora, as coberturas, exclusões e limites do contrato de seguro celebrado entre a 1ª Ré e a aqui Recorrente constitui matéria carecida de prova e suscetível de decisão pelo julgador, então, forçosamente, deveria ter-se pronunciado sobre esses factos.
5.ª - Assim, é claro que o tribunal não se pronunciou sobre tal matéria, de forma completa e integral que era relevante, nomeadamente para que ficasse, desde já, devidamente delimitada a eventual garantia propiciada por esses contratos de seguro, atenta a matéria de facto provada.
6.ª - Assim, incorreu-se na douta sentença em omissão de pronuncia quanto aos factos alegados nos artigos 1º a 43º do articulado contestação, o que acarreta a nulidade da douta sentença, nos termos do disposto no artigo 615º n.º 1, alínea b) do CPC, vício esse que, expressamente, se invoca.
7.ª-E, como tal, deve ser anulada a douta sentença e ordenado que o processo regresse ao tribunal de Primeira Instância, de forma a que seja suprida essa nulidade.
8.ª - Diga-se que, mesmo assim se não considerando, sempre existiria um manifesto erro de julgamento no que toca aos factos dos pontos 1º a 43º da contestação, uma vez que os factos dos pontos 63º a 77º da matéria provada não reproduzem, de forma fiel, o conteúdo dos contratos de seguro celebrado entre as Rés.
9.ª - E, nesse caso, sempre se teria incorrido em erro de julgamento quanto a essa matéria. De facto, está em causa a descrição das coberturas, limites e exclusões do contrato de seguro celebrado com a Recorrente.
10.ª - Como se sabe um contrato de seguro, apesar de não se tratar de um negócio formal, deve ser titulado por uma apólice, a qual integra as suas Condições Gerais, Especiais e Particulares (cfr artigo 37.º n.º 1 do RJCS, aprovado pelo DL 72/2008, de 16 de abril).
11.ª - Ora, a Recorrente juntou aos autos as condições particulares, Gerais e Especiais dos Contratos por si celebrados.
12.ª - Assim, os artºs 63º a 76º dos factos provados devem ter a seguinte redação;
63) Entre a 2.ª Ré, como seguradora, e A... Unipessoal, Lda., foi celebrado em 7 de Setembro de 2015 um contrato de seguro do ramo Comércio e Serviços — MR Empresas, titulado pela Apólice n.° ..., com o capital seguro de € 750.000,00, que se rege por condições gerais, especiais e particulares.
64) E, nos termos do aí contratado foi escolhido o “plano de cobertura 3 - Multiriscos, Cobertura Base, Assistência no Estabelecimento e Proteção Jurídica”, que inclui, incêndio, acão mecânica de queda de raio e explosão, com limite de indemnização (por sinistro e ano) equivalente ao valor do capital seguro, sem franquia por sinistro (sobre prejuízos indemnizáveis), e que correspondente a 25% do capital contratado para o edifício de € 750.000,00 (187.500,00 €), deduzido da franquia de 10% com o mínimo de 100,00 €, a abater na eventual indemnização devida.
65) Nos termos dessa apólice e dentro dos limites nela estabelecidos, ficam garantidos os riscos expressamente subscritos pela tomadora A... Unipessoal, Lda. para a atividade descriminada nas condições particulares da apólice – COMÉRCIO DE RETALHO E OUTROS ARTIGOS, exercida na fração A sita na Rua ..., em ..., na sequencia da celebração de contrato de locação financeira com a credora Banco 1..., CRL.
66 - O n.° 2 da mesma cláusula 45 estabelece as seguintes exclusões relativamente a esta cobertura: "Para além das exclusões mencionadas das cláusulas 3.a e 38.° das presentes Condições Gerais, ficam ainda excluídos desta cobertura os danos resultantes: a) Ato criminoso praticado pelo Segurado ou pessoas por quem seja civilmente responsável; b) Deficiências de construção ou de projeto; c) O edifício já se encontrar, no momento da ocorrência do sinistro, danificado, defeituoso, desmoronado ou deslocado das suas fundações, de modo a afetar a sua estabilidade e segurança global; d) Desuso ou abandono do edifício; e) Exploração da atividade desenvolvida no edifício; f) Ascensores, monta-cargas e antenas de televisão individuais ou coletivas; g) Os danos decorrentes de obras no local de risco; h) Os danos causados por instalações precárias ou que não obedecam aos requisitos legais de montagem, instalacão e seguranca; i) A responsabilidade civil emergente da propriedade de imóveis ou outras instalacões não seguras por esta apólice; j) Os danos sofridos pelo Segurado e/ou por qualquer das pessoas que constituem o seu agregado familiar, independentemente da coabitacão; k) Os danos sofridos por qualquer pessoa que mantenha com o Segurado relacões de sociedade ou de trabalho; 1) Os danos resultantes de qualquer atividade económica desenvolvida no local de risco; m) A responsabilidade e profissional; n) A responsabilidade criminal; o) As multas de qualquer natureza e as consequencias pecuniárias de processo criminal ou de litígio A cobertura RC Exploração não foi contratada na apólice n.º ... supra id.(…) Consta do certificado de seguro associado ao contrato de locação financeira celebrado entre a 1.ª R. e a Banco 1..., CRL, a cobertura de responsabilidade civil legal de natureza extra-contratual, por danos causados a terceiros relacionados com o imóvel locado e que possam ser imputados ao locador na sua qualidade de proprietário, até ao montante de 250.000,00 por sinistro e a cobertura de todo o conjunto patrimonial que constitui o imóvel locado e que em caso de sinistro indemnizável a correspondente indemnização deverá ser paga directamente à referida Caixa Central.
67) Entre a 2.ª Ré, como seguradora, e A... Unipessoal, Lda., foi celebrado em 8 de Setembro de 2015 um contrato de seguro do ramo contrato de seguro do ramo responsabilidade civil empresarial- responsabilidade de exploração, titulado pela Apólice nº ..., que se rege nas condições especiais ou particulares, sendo o local de risco correspondente à Rua ..., ... ( fração A).
68) Designadamente a “Condição especial 04. Proprietário de Imóveis”, que cobre até ao limite contratado de 250.000,00 euros, deduzida a franquia de 10% sobre o valor do sinistro, no mínimo de €250,00 e no máximo de € 1.000,00, as indemnizações que possam recair sobre o proprietário segurado por responsabilidade civil extracontratual, designadamente “Por quaisquer materiais, equipamentos, utensílios ou decorações, interiores ou exteriores, incluindo tabuletas ou outros objetos de identificação ou publicidade, existentes no estabelecimentos, instalações ou outros espaços ocupados pelo Segurado para o exercício da sua atividade; b) Por mercadorias e embalagens de qualquer espécie, existentes nos estabelecimentos, instalações ou outros espaços ocupados pelo Segurado para o exercício da sua atividade; c)Na qualidade de proprietário de terrenos, edifícios, instalações e equipamentos afetos a atividade objeto do presente contrato”.
69) De acordo com a Cláusula 1.º das suas Condições Gerais e Especiais consta como Objeto o seguinte:” 1- A presente Condicão Especial tem por objeto a garantia da responsabilidade civil do Segurado na sua qualidade de proprietário de bens imóveis. 2 — A presente Condição Especial é contratada como seguro facultativo, não visando cumprir qualquer obrigação de seguro que possa estar prevista na lei para a qualidade mencionada no número anterior.”
70) Por sua vez a cláusula 2.ª do referido item 04 daquelas condições dispõe que "1. A presente Condição Especial cobre, até ao limite de capital fixado nas Condições Particulares, as indemnizações que possam legalmente recair sobre o Segurado, por responsabilidade civil extracontratual, por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais, decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causadas a Terceiros, na qualidade de proprietário do imóvel ou fração referida nas Condições Particulares da Apólice" e que "2. No caso do Tomador do Seguro ser o administrador do imóvel, em regime de propriedade horizontal, cada um dos condóminos será considerado também como terceiro".
71) Entre a 2.ª R., como seguradora, e 1.a R. A... Unipessoal, Lda., foi celebrado em Março de 2016 um contrato de seguro do ramo comércio e serviços — MR Empresas, titulado pela apólice n.° ... que se rege por condições gerais, especiais e particulares, com capital seguro de 139.500,00 €, com franquia conforme mencionado nas condições gerais e especiais da apólice, sendo que o local de risco indicado nessa apólice era, exclusivamente, a Rua ..., ..., em ..., conforme indicação expressa constante das condições particulares do contrato de seguro e designada por fração B e a atividade a segurar COMÉRCIO DE RETALHO E OUTROS ARTIGOS;
72) E, nos termos do aí contratado foi escolhido o “plano de cobertura 3 - Multiriscos, Cobertura Base, Assistência no Estabelecimento e Proteção Jurídica”, que inclui, incêndio, acão mecânica de queda de raio e explosão, com limite de indemnização (por sinistro e ano) equivalente ao valor do capital seguro, sem franquia por sinistro (sobre prejuízos indemnizáveis), e que correspondente a 25% do capital contratado para o edifício de € 139.500,00 (34.875,00 €), deduzido da franquia de 10% com o mínimo de 100,00 €, a abater na eventual indemnização devida.
73) Nos termos dessa apólice e dentro dos limites nela estabelecidos, ficam garantidos os riscos expressamente subscritos pela tomadora A... Unipessoal, Lda. para a atividade descriminada nas condições particulares da apólice, exercida na fração B sita na Rua ..., ..., ..., na sequencia da celebração de contrato de locação financeira com a credora Banco 1..., CRL, e com as exclusões referidas na cláusula 45º, n.º2 reproduzidas no ponto 66) supra. A cobertura RC Exploração não foi contratada na apólice n.º ... supra id.
74) Entre a 2.ª Ré, como seguradora, e 1.ª Ré R. A... Unipessoal, Lda., foi celebrado em 3 de Março de 2016 um contrato de seguro do ramo contrato de seguro do ramo responsabilidade civil empresarial- responsabilidade civil empresarial, titulado pela apólice n.° ..., que garante a responsabilidade civil do segurado no âmbito da qualidade expressamente referida nas condições especiais ou particulares–RC PROPRIETÁRIO, com respeito ao local de risco que corresponde à Rua ..., ..., ... (fracão B).
75) O objecto desta apólice ... é, de acordo com item 04 (Proprietário de Imóveis) das suas Condições Gerais e Especiais o seguinte: “Cláusula 1.ª – Objecto: 1- A presente Condição Especial tem por objecto a garantia da responsabilidade civil do Segurado na sua qualidade de proprietário de bens imóveis. 2 – A presente Condição Especial é contratada como seguro facultativo, não visando cumprir qualquer obrigação de seguro que possa estar prevista na lei para a qualidade mencionada no número anterior. A cláusula 2.ª do referido item 04 daquelas condições dispõe que “1. A presente Condição Especial cobre, até ao limite de capital fixado nas Condições Particulares, as indemnizações que possam legalmente recair sobre o Segurado, por responsabilidade civil extracontratual, por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais, decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causadas a Terceiros, na qualidade de proprietário do imóvel ou fracção referida nas Condições Particulares da Apólice” e que “2. No caso do Tomador do Seguro ser o administrador do imóvel, em regime de propriedade horizontal, cada um dos condóminos será considerado também como Terceiro”.
76) que se rege por condições gerais, especiais e particulares e dentro dos limites nela estabelecidos, os riscos expressamente subscritos pela tomadora A... a atividade descriminada nas condições particulares da apolice, exercida na fração B sita na Rua ..., ..., ..., e na sequencia da celebração de contrato de locação financeira com a credora Banco 1..., CRL.,
13.ª - Requer, assim, a alteração da decisão proferida quanto à matéria de facto, nos moldes acabados de expor.
14.ª - A decisão de primeira instância, quanto à matéria de facto, padece de incorreções de julgamento e insuficiência, atentos os meios probatórios constantes do processo – documentos e depoimentos das testemunhas, que impunham decisão diversa da recorrida, que abaixo melhor se especificará.
15.ª - Não se conforma a ora recorrente com tal decisão, pois entende que da prova efetivamente produzida em audiência não é coincidente com a que foi dada como definitivamente assente.
16.ª - Salvo o devido respeito por opinião diversa, a recorrente entende que a resposta dada a determinados factos articulados não é correta e que decorre de uma interpretação da prova que não sufragamos.
São os seguintes os pontos da matéria de facto que foram incorretamente julgados:
No que respeita aos factos não provados:
d) Submetido o imóvel a inspeção por parte da Polícia Judiciária, foi, claramente, identificada a sua causa do incêndio.
e) O incêndio ocorrido no dia 05/06/2017 foi propositadamente deflagrado e teve a sua origem num ato doloso.
f) Pois, momentos antes da deflagração do fogo, encontravam-se na loja, para além dos funcionários da segurada da Ré, um jovem e um casal;
n) Não obstante a Polícia Judiciária tenha suspeitado que o incêndio foi ateado pelo DD, não logrou prosseguir essa linha de investigação.
o) Porém, a polícia judiciária concluiu, sem margem para dúvidas, que o fogo foi ateado propositadamente e breves momentos antes do acionamento do alarme, numa altura em que só estavam três clientes na loja e os seus funcionários.
p) De resto, um dos clientes que se encontrava na loja nos instantes que antecederam o acionamento do alarme de fogo adquiriu umas luvas de plástico, as quais estavam colocadas junto ao ponto de início do incêndio, tudo apontado que foi essa a pessoa que ateou o incêndio.
q) No estabelecimento em causa apenas existiam objetos que aí eram comercializados, nenhum deles auto-inflamável.
r) Não existiam em todo o espaço da loja materiais ou substâncias que pudessem reagir, entre si, resultando em reação química de autocombustão.
s) Na fração onde foi deflagrado o incêndio (a fração “A”) e na fração “B” existiam apenas umas prateleiras, com material de limpeza e plásticos, nas suas mais diversas formas, todos eles insuscetíveis de se auto-inflamarem.
t) Na fração “C” a segurada da Ré mantinha, apenas, escaparates com sapatos e malas.
u) Nenhum dos bens existentes nas ditas frações “A” e “B” da loja provocaram o incêndio ou deu início ao mesmo.
v) Existia um sistema de videovigilância que captava vários pontos da loja.
17.ª – Vejamos a prova testemunhal - DIA 03/10/2022 - TESTEMUNHA – EE - Ficheiro áudio n.º 20221003095926
18.ª - De igual forma, e para a devida fundamentação do presente recurso, ter-se-á de ter em conta o inquérito de fls. 294 e ss. Vejamos:
19.ª - Esta testemunha é agente da Polícia Judiciária – trabalhando na investigação de incêndios há mais de 12 anos, sendo inspetor-chefe da secção de incêndios.
20.ª - Referiu que como se tratou de um incêndio, a Polícia Judiciária foi chamada ao local para fazer uma inspeção judiciária, tendo a testemunha e uma equipa da Judiciária deslocado ao local do incendio no dia em que o mesmo ocorreu, tendo-se deparado com um enorme incêndio, não conseguindo fazer a inspeção judiciária, nem nesse dia, nem nos dias seguintes.
21.ª - Que ingressou no local do sinistro nos dias 7, 8 e 9 seguintes e que apesar do grande aparato de destruição que tinha, verificou que as marcas deixadas pelo fogo possibilitam leituras, pese embora pelo caminho encontrem materiais bastante inflamáveis, mas as mesmas possibilitam concluir o inicio do incêndio: o mesmo iniciou-se no fundo da loja, numa zona em que continha plásticos, baldes e coisas, e afins.
22.ª - Ao longo do seu depoimento esta testemunha foi clara na afirmação de que o acontecimento em apreço teve origem num ato deliberado, dizendo, concretamente, quando questionado se alguém tinha posto fogo, deliberadamente, ao estabelecimento, que é a conclusão que chega é que aquilo foi posto fogo ali para causar um incêndio que é a única hipótese, foi o que aconteceu.”
23.ª - Ou seja, esta testemunha, com elevada qualificação, disse ter apurado que o incêndio não teve origem acidental, nem que tenha sido um acidente elétrico, uma vez que não havia qualquer colapso elétrico e no local onde se iniciou a deflagração, não havia tomadas elétricas nem contador.
24.ª - Disse, não ter dúvidas absolutamente nenhumas, que o incêndio foi dolosamente provocado por terceiro, embora não lhe tenha sido possível proceder à identificação desse terceiro
25.ª - Concluiu, a referida testemunha, que a forma de início do incêndio foi através de chama direta, mormente isqueiro ou fósforo.
26.ª - Diga-se que foi apenas esta testemunha e a sua equipa – que analisaram o local do sinistro e apuraram as suas causas e consequências. Trata-se de uma equipa com vasta experiência e competência neste domino de investigação, pelo que não vemos qualquer motivo para descredibilizar quer a investigação quer as conclusões obtidas.
27.ª - Pensamos que em face do depoimento da testemunha EE e de toda a averiguação e conclusões constantes do Inquérito, dúvidas não devem subsistir quanto à única causa do sinistro.
28.ª - A testemunha relatou ao tribunal todos estes factos, com prontidão, clareza, espontaneidade e sem qualquer contradição ou obscuridade que motivasse o seu descrédito.
29.ª - Ao longo do seu depoimento, referiu, de forma clara e coerente que no local onde deflagrou o incêndio existiam umas prateleiras com materiais de limpeza e plásticos e que a partir do ponto onde deflagrou o incêndio, verificou-se uma progressão do fogo em “V” desde as prateleiras mais baixas e junto ao chão, atacando as restantes prateleiras, bem como pilares ali existentes.
30.ª - Referiu que o fogo afetou, primeiro, a fracção “A”, de seguida a totalidade da fracção “B” e finalmente, com menor intensidade, parte da fracção “C” e que ao longo do caminho percorrido pelo fogo no indicado sentido, verificou-se, depois de extinto o incêndio, uma maior carbonização na área da fracção “A”.
31.ª - Concretizou que a partir do ponto de início do incêndio, verificou-se na vertical a projecção no tecto, o qual foi destruído junto a esse local, bem como as paredes circundantes, que apresentam um elevado grau de destruição e que a partir daquele ponto situado na fracção “A” e em direcção à fracção “C”, passando pela fracção “B”, o grau e sinais de destruição vão abrandando.
32.ª - Mais referiu que a instalação eléctrica existente nas fracções “A”, “B” e “C” do prédio não apresentava qualquer colapso ou anomalia, estando as cablagens intactas e sem qualquer fusão. E que o incêndio em causa não deflagrou nem ocorreu por qualquer acidente ou acidente eléctrico.
33.ª - Concretizou que na zona onde deflagrou o incêndio não existia qualquer tomada ou aparelho eléctrico, com excepção das lâmpadas de iluminação que não apresentavam, depois de extinto o fogo, qualquer sinal de colapso ou anomalia.
34.ª - Disse, de forma clara, lógica, coerente e com apoio cientifico, que pela investigação que fez, juntamente com a equipa que com ele esteve, que o incendio foi dolosamente provocado por terceiro.
35.ª - Disse ter apurado que o incêndio não teve origem acidental, nem que tenha sido um acidente elétrico, uma vez que não havia qualquer colapso elétrico e no local onde se iniciou a deflagração, não havia tomadas elétricas nem contador.
36.ª - Disse, não ter dúvidas absolutamente nenhumas, que o incêndio foi dolosamente provocado por terceiro, embora não lhe tenha sido possível proceder à identificação desse terceiro: “Assim, nesta fase é afastada qualquer hipótese de acidente eléctrico, sendo tratado como incêndio doloso”. Doloso, pressupõe a intervenção de terceiros. Vide Relatório:
Assim, nesta fase é afastada qualquer hipótese de acidente eléctrico, sendo tratado como incêndio Doloso
37.ª - Referiu que as luvas de borrachas que foram compradas pelo rapaz estavam na zona em que começou o incêndio.
38.ª - Disse que da averiguação efetuada, exclui que o incendio tenha sido provocado pelo sócio gerente da Ré – que nem sequer estava no local quando o mesmo deflagrou – nem pelos funcionários presentes na loja, concluindo apenas que foi um terceiro não identificado. – Vide depoimento: até porque nas câmaras de vigilância vê-se o indivíduo na caixa e, logo a seguir, vê-se a azáfama dos funcionários a correrem, a acorrerem ao sítio onde começou a arder.
39.ª-Tudo conjugado com a demais prova produzida, mormente o inquérito junto aos autos, deverá a Sentença recorrida ser revogada nesta parte impugnada, e substituída por outra que determine a alteração da matéria de facto, o que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes, não tendo sido a prova produzida nos autos analisada de forma global e crítica, como o legislador prevê no artigo 607.º, n.º 4 do CPC.
40.ª - Ora, cremos que a conjugação destes factos e da análise crítica da prova, impõe a revogação da decisão de facto atinente, devendo ser dada como assente a seguinte matéria de facto:
d) Submetido o imóvel a inspeção por parte da Polícia Judiciária, foi, claramente, identificada a sua causa do incêndio.
e) O incêndio ocorrido no dia 05/06/2017 foi propositadamente deflagrado e teve a sua origem num ato doloso.
f) Pois, momentos antes da deflagração do fogo, encontravam-se na loja, para além dos funcionários da segurada da Ré, um jovem e um casal;
n) Não obstante a Polícia Judiciária tenha suspeitado que o incêndio foi ateado pelo DD, não logrou prosseguir essa linha de investigação.
o) Porém, a polícia judiciária concluiu, sem margem para dúvidas, que o fogo foi ateado propositadamente e breves momentos antes do acionamento do alarme, numa altura em que só estavam três clientes na loja e os seus funcionários.
p)De resto, um dos clientes que se encontrava na loja nos instantes que antecederam o acionamento do alarme de fogo adquiriu umas luvas de plástico, as quais estavam colocadas junto ao ponto de início do incêndio, tudo apontado que foi essa a pessoa que ateou o incêndio.
q) No estabelecimento em causa apenas existiam objetos que aí eram comercializados, nenhum deles auto-inflamável.
r) Não existiam em todo o espaço da loja materiais ou substâncias que pudessem reagir, entre si, resultando em reação química de autocombustão.
s) Na fração onde foi deflagrado o incêndio (a fração “A”) e na fração “B” existiam apenas umas prateleiras, com material de limpeza e plásticos, nas suas mais diversas formas, todos eles insuscetíveis de se auto-inflamarem.
t) Na fração “C” a segurada da Ré mantinha, apenas, escaparates com sapatos e malas.
u) Nenhum dos bens existentes nas ditas frações “A” e “B” da loja provocaram o incêndio ou deu início ao mesmo.
v) Existia um sistema de videovigilância que captava vários pontos da loja.
41.ª - De acordo com a alteração da matéria de facto proposta, o fogo verificado nos imóveis pertencentes à A... Unipessoal, Lda não ocorreu de forma acidental, mas antes propositada.
42.ª - De facto, esse incendio iniciou em resultado de uma ação deliberada e dolosa, praticada por terceiros. O incêndio não deflagrou em resultado de qualquer característica, componente ou elemento associados ao imóvel.
43.ª - E, conseguindo as Rés provar que o incêndio teve a sua origem, proveniência ou causa no interior do imóvel do réu – fração A, estes produziram a prova necessária e suficiente para ser imputada a este último a responsabilidade pelos danos causados, não sendo exigível que provassem a causa, ou melhor, a sub-causa que em concreto originou o dito incêndio, porventura um bico do fogão acesso ou um curto circuito na instalacão elétrica.
44.ª - Constata-se que os danos na fração do A. foram provocados pelo incêndio que teve origem na fracção “A”, utilizada pela 1.ª R., certo é que se logrou provar o o fenómeno concreto que originou a deflagração do incêndio na fracão “A”, assim afastando a presunção de ilicitude e culpa da 1.ª R., por violação do dever que enquanto locatária e única utilizadora tinha de vigilância do seu estado e das suas condições de funcionamento.
45.ª - Foi, isso sim, um incêndio propositado e dolosamente provocado por terceiro. Logo, também por essa razão, nenhuma responsabilidade pode ser atribuída à segurada da Recorrente e, consequentemente, esta nada deve ao A recorrido.
46.ª - Ora, radicando a causa do incêndio numa atuação dolosa de terceiro e não tendo este originado de qualquer defeito de construção, de manutenção, com violação do dever de vigilância, é patente que não se mostram preenchidos os requisitos do artº 493º, no 1 do C.C.."
47.ª - Assim, nenhuma das características da fração onde o incêndio deflagrou e para as quais se alastrou contribuíram, de modo direto ou indireto, para a ocorrência do mesmo.
48.ª – O alarme imediatamente emitiu um sinal sonoro bem percetível, o qual alertou os funcionários da 1ª Ré para a deflagração do incêndio, o que permitiu a imediata reação destes a tal ocorrência, nos termos já descritos.
49.ª - E só o facto de esse incêndio ter assumido, logo nos primeiros momentos, grande proporção, impediu os funcionários da 1ª Ré de o extinguirem. De facto, encontra-se provado que escassos segundos depois de detetado o fogo, o sistema de iluminação do estabelecimento deixou de funcionar, tornando em quase total escuridão o interior da loja.
50.ª - Em suma, nenhuma responsabilidade pode ser assacada à 1ª Ré e, muito menos, à ora recorrente, pelo que, por tudo o exposto, impõe-se a absolvição da ora contestante de todos os pedidos.
51.ª - Por se revelar importante para o julgamento do presente recurso, convém trazer aqui à colação o recente Acórdão do STJ de 19 de Outubro de 2022 para uniformização de jurisprudência– R.U.J. n.º 933/15.0T8AVR.P1.S1, com o seguinte sumário:
b) Uniformizar jurisprudência nos seguintes termos:
“ A cláusula contratual geral inserta em contrato de seguro, mesmo facultativo, em que se define o sinistro “incêndio” como “combustão acidental”, não cobre, no seu âmbito e alcance, o incêndio causado dolosamente por terceiro, ainda que não seja identificado o seu autor”.
52.ª-Deste modo, não só pelo que vimos de referir, como também face a todo o exposto, ao decidir nos termos da douta Sentença em recurso, o Tribunal a quo violou, entre outras disposições legais, o disposto nos artigos 342.º, n.º 1, 373.º a 376.º e 493.º e seguintes do Código Civil, sendo manifesto o erro na apreciação da prova.
Caso assim se não entenda,
53.ª - Dos autos, resultou provado que o incêndio ocorrido no dia 05/06/2017 teve início na fração “A” do imóvel e propagou-se, de seguida, para as demais frações da loja da segurada da Ré, incluindo a sua fração “B” e “C”.
54.ª - Sucede que a 1.ª R. havia celebrado um contrato de seguro titulado pela apólice n.º ... que, enquanto seguro de responsabilidade civil, cobre, nos termos do art. 137.º da Lei do Contrato de Seguro, o risco de constituição, no património do segurado, a 1.a R., da obrigação de indemnizar terceiros por danos relacionados com a fraccão “A”.
55.ª - Como decorre dos factos provados, entre a 2.ª Ré, como seguradora, e A... Unipessoal, Lda., foi celebrado em 8 de Setembro de 2015 um contrato de seguro do ramo contrato de seguro do ramo responsabilidade civil empresarial- responsabilidade de exploração, titulado pela Apólice nº ..., que se rege nas condições especiais ou particulares, sendo o local de risco correspondente à Rua ..., ... ( fração A).
56.ª - Ao valor do capital seguro, 250.000,00 €, a 2.ª R. tem direito a deduzir a franquia a cargo do segurado, 1.a R., no valor correspondente a 10% a abater no valor da indemnização devida.
57.ª - Ora, o capital seguro foi, todavia, fixado por sinistro, pelo que, sendo vários os lesados, pode suceder que o valor total das indemnizações ultrapasse o capital seguro, in casu 250.000,00 €, caso em que as pretensões dos lesados, por forca do art. 142.º, n.º 1 da LCS, são proporcionalmente reduzidas até à concorrência desse capital.
58.ª - Desconhecendo-se, no caso e neste momento, se o valor das indemnizações devidas ultrapassa ou não o capital seguro, o Tribunal não dispõe de elementos suficientes para fixar com exatidão o valor da indemnização devida ao A., pelo que, ao abrigo do 609.º, n.º 2 do CPC, é forcoso condenar a 2.ª R. no que vier a ser liquidado.
59.ª - Tudo para dizer que o limite da condenação da aqui Recorrente deve estar limitado ao capital seguro e à franquia contratual de 10%, valor esse que será apurado em sede de liquidação e após apuramento da total responsabilidade da Ré Segurada pelas consequências do presente sinistro.
60.ª - Certamente por lapso, consta da sentença recorrida:
As custas são devidas pelos Autores e pela Ré, nos termos dos nos 1 e 2 do artigo 527o do Código de Processo Civil, na proporção de 2% para o Autor e 98% para a 2a Ré ( artigo 607o, no 6 do CPC).
61.ª - Ora, nesta matéria, dispõe o artigo 446.º do CPC: Regra geral em matéria de custas:
1 - A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condenará em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.
2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
3 - No caso de condenação por obrigação solidária, a solidariedade estende-se às custas.
62.ª - Ora, assim sendo, a condenação deveria ser assim:
As custas são devidas pelo Autor e pelas Rés, na proporcão do decaimento.
63.ª - Ao assim não decidir, a sentença recorrida violou, entre outras disposições legais, constante do art.º 446.º do CPC.
Concluiu, pedindo que a decisão recorrida seja revogada na medida acima assinalada.

8. Os Apelados apresentaram contra-alegações pugnando pela confirmação do julgado.

9. Aquando do despacho de admissão dos recursos, foi emitida pronúncia sobre a nulidade suscitada em sede de alegações de recurso, tendo tal despacho o seguinte teor:
“Venerandos Desembargadores
A Recorrente B... invocou a nulidade da sentença nos termos do art. 615º, nº 1, b), do C.P.Civil, alegando que a o tribunal não se pronunciou sobre os factos que alegou nos arts. 1º a 43º da contestação, relativos às coberturas, exclusões e limites referentes aos contratos de seguro por si celebrados e que deveriam ter sido dados como provados, pelo que o tribunal incorreu em omissão de pronúncia quanto a esses factos.
Cumpre decidir.
Nos artigos 1º a 43º da contestação a Recorrente, ora Ré, alega, reproduzindo, o que consta de cada um dos contratos de seguro celebrados entre esta e a Ré A... Unipessoal, Lda., cujos documentos junta sob os documentos 1, 2. 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12.
Fá-lo, de forma descriminada, exaustiva e com copia dos documentos que junta, no que respeita às condições particulares, gerais e especiais e propostas contatuais, caraterização do risco e do local de risco, coberturas base e complementares, capitais seguros, planos contratados, franquias, exclusões, limites, etc..
Na sua sentença, o tribunal não deixou de atender a esses documentos e de dar com assente nos pontos 63) a 76), o essencial de cada um dos três contratos de seguro ora celebrados, no que respeita à caraterização do risco e local de risco, coberturas base e complementares, capitais seguros, planos contratados, franquias, etc..
Refira-se que não é pelo fato de não ter reproduzido na factualidade dada como provada, o que a Ré alega mais pormenorizadamente nesses artigos 1 a 43º da contestação, que fere a sentença de nulidade por omissão de pronuncia.
Ademais, os factos não são todos os alegados pelas partes mas apenas os relevantes no quadro do litígio, tal qual foi conformado pelo pedido, pela causa de pedir e pelas exceções invocadas.
Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 552.º do CPC, os factos que constituem a causa de pedir, são os factos essenciais expostos na petição inicial, o que significa que não é toda e qualquer alegação efetuada pelas partes que há-de ser vertida na fundamentação de facto da sentença, mas apenas aquela que, essencial ou complementarmente, fundamente o direito invocado.
Acresce dizer que a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo antes revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto, tudo dependendo do meio probatório em causa.
Assim, se se pretende aplicar a regra da responsabilidade contratual, é evidente que a celebração de determinado contrato é essencial; mas se se pretende aplicar à mesma situação a regra da responsabilidade extracontratual, já o contrato poderá não ser facto principal.
Como refere o acórdão do STJ de 10.12.20201 “A nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes.”
Por ultimo, diremos que, a nulidade da sentença prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC só se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, quer no respeitante aos factos, quer no tocante ao direito o que não é o caso.
Pelo exposto, em nosso entender, a sentença recorrida não enferma de qualquer nulidade, designadamente a indicada pela Recorrente, considerando-se que não assiste razão à recorrente, pelo que nada há a sanar.
No entanto, V.Ex.as melhor decidirão, fazendo justiça.
Notifique e subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação do Porto.”

10. Foram observados os vistos legais.
*
II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes perante o Tribunal de 1ª instância, sendo que a instância recursiva, tal como configurada no nosso sistema de recursos, não se destina à prolação de novas decisões, mas à reapreciação pela instância hierarquicamente superior das decisões proferidas pelas instâncias. (1)
*
As questões a decidir nos presentes recursos são as seguintes:
A. Recurso interposto pela 1ª Ré A..., Unipessoal, Lda:
1ªQuestão- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
2ªQuestão-- Exclusão da responsabilidade da 1ª Ré pelos danos sofridos pelos Apelados por ter sido ilidida a presunção de culpa.

A. Recurso interposto pela 2ª Ré B...- Companhia de Seguros ..., SA:
1ªQuestão-Nulidade da sentença;
2ªQuestão- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
3ªQuestão-Exclusão da responsabilidade da 2ª Ré pelos danos sofridos pelos Apelados por o incêndio ter sido doloso;
4ªQuestão-Condenação a liquidar posteriormente, atendendo à necessidade de rateio do capital seguro;
5ª Questão- Reforma quanto a custas.
**
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
1. O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1) Os AA. são proprietários da fracção autónoma designada pela letra “Z”, correspondente a uma habitação ..., no quarto piso (segundo andar) e aparcamento duplo com arrumo no piso menos um (primeira cave), do prédio sito à Rua ..., em ..., Matosinhos, inscrita na matriz da União de freguesias ..., ... e ..., sob o artigo ..., descrito na conservatória do registo predial de Matosinhos sob o nº ... e aí definitivamente registado a favor dos AA.pela ap. ... de 2020/05/27.
2) na sequência da outorga no dia 27 de Maio de 2020 de contrato de compra e venda e mútuo, autenticado por FF, advogada, titular da cédula profissional ..., por compra a GG e mulher HH,
3) com quem os Autores tinham celebrado 3 de Agosto de 2016 contrato promessa de compra e venda,
4)e pelo preço da prometida venda, os AA. entregaram aos promitentes vendedores a quantia de € 20.000,00 e comprometeram-se a pagar-lhes mensalmente a quantia de € 600,00, como reforços do sinal até outorga da escritura da prometida venda.
5)Nessa mesma data de 03 de Agosto de 2016 os promitentes vendedores autorizaram os AA. a usufruir do imóvel, foi-lhes entregue a chave e os AA. entraram na posse da identificada fração,
6) data a partir da qual os AA. passaram habitar a identificada fração com carácter habitual e permanente, juntamente com três filhos, II, JJ e KK, os dois primeiros, fruto de uma relação anterior do A. marido e a terceira filha do casal,
7) fazendo dele a casa de morada de família, nela pernoitando, confeccionando e comendo as refeições, nela recebendo familiares e amigos e recebendo correspondência, á vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e eram considerados por todos como os donos da referida fracção, e,
8) passaram a suportar todas as despesas inerentes à fracção tais como, água, luz, seguro do imóvel, IMI, condomínio, o fundo de reserva e demais despesas que o imóvel causasse,
9) pelo que que os documentos relativos a tais despesas eram-lhes remetidos pelos promitentes vendedores aos AA. e estes efetuavam o respetivo pagamento.
10) Conforme estipulado na cláusula quinta do mencionado contrato de promessa de compra e venda, a escritura definitiva de compra e venda deveria ser celebrada no prazo máximo de 24 meses a contar da data da outorga do alegado contrato, ou que é o mesmo até ao dia 3 de Agosto de 2018.
11) A primeira Ré A... Unipessoal, Lda. é uma sociedade unipessoal por quotas, que tem por objecto social o comércio a retalho de outros produtos novos, em estabelecimentos especializados, não especificados, habitualmente conhecido por "bazar de artigos de origem chinesa".
12) E desenvolvia esta a sua atividade nas frações “A”, “B” e “C”, frações do prédio em regime propriedade horizontal descrito na conservatória do registo predial de Matosinhos sob o nº ... onde se situa a fração identificada em 1), propriedade dos Autores,
13) O qual é composto por 4 blocos (A, B, C, D) e 52 fracções, designadas pelas letras "A" a "AZ".
14) Corresponde à fracções "A" incluindo as 17 frações de aparcamento no piso 0 (segunda Cave) - “AZ” a “BP” a permilagem de 148 e às frações "B" e "C" a permilagem respetivamente de 148; 22 e 7,8 e áreas respetivamente de 1.838 m2, 228,70 m2 e 81.30 m2 e ocupam, no piso 0, a totalidade da área dos blocos A, B e C e parcialmente o bloco D.
15) Encontrando-se a aquisição e propriedade da fração “C” registada a favor da primeira Ré A... Unipessoal, Lda. na conservatória do registo predial de Matosinhos sob o nº ... , pela ap. ... de 2011/01/20, e corresponde a um estabelecimento comercial no piso 0 (segunda cave) destinado ao ramo alimentar, prestação de serviços e outras actividades que não exijam alvará sanitário, com entrada pelo n.° ... da Rua ...,
16) e a aquisição das frações “A”, “B” a favor da Banco 1..., CRL respetivamente pela aps. ... de 2015/09/14 e ... de 2016/03/14.
17) Estando ainda registada a favor da primeira Ré A... Unipessoal, Lda. a locação financeira das frações “A”, “B” rspetivamente pelas aps. ... de 2015/09/14 e ap. ... de 2016/03/14,
18) na sequência da celebração a 11.09.2015 do contrato de locação financeira imobiliária nº ... no que respeita à fração A e a 11.03.2016 do contrato de locação fincanceira nº 101.184 que respeita à fração B juntos aos autos e que damos aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
19)Correspondendo as identificadas frações, respetivamente a estabelecimentos comerciais no piso 0 (segunda cave), destinados a restaurante e bebidas, prestação de serviços, ramo alimentar e outras actividades, a fração A com entrada pelos n.°s ... e ... da Rua ..., com duas zonas de armazenagem, 17 aparcamentos no piso 0 (segunda Cave) com entrada pelo n.° ... da Rua ..., e a fração B com entrada pela Rua ..., ...,
20) utilizando assim a primeira Ré A... Unipessoal, Lda. a fração “C”, na qualidade de proprietária e possuidora, e as frações “A” e “B” na qualidade de locatária e única utilizadora,
21) No dia 5/06/2017, cerca das 20 horas, quando o Autor marido se encontrava na sua identificada fracção juntamente com os três filhos e o cão, começou a sentir cheiro a queimado e verificando que estava a sair muito fumo junto ao portão da garagem e se tratava de um incendio, saiu à pressa do apartamento para o exterior, levando consigo os filhos, o cão as chaves, a carteira e o telemóvel.
22) No exterior verificou que saía muito fumo preto e começava a aparecer labaredas da zona das garagens, designadamente nas frações onde se situava o estabelecimento da 1ª Ré.
23) O incêndio rapidamente atingiu uma proporção tal que se propagou às fracções, entre elas a dos AA., as ruas foram cortadas e os moradores evacuados.
24) Para combater o incêndio foi necessária a intervenção de 32 veículos e 94 elementos de 13 corporações de bombeiros de vários concelhos (Gondomar, Vila Nova de Gaia, Matosinhos, Maia, Paços de Ferreira, Porto, Paredes e Trofa) e 4 veículos e 11 operacionais da Policia de Segurança Pública para controlar o trânsito e demais situações.
25) O A. marido pediu para familiares virem buscar as crianças e o cão e assim aconteceu.
26) Durante toda a noite o A. marido sentiu-se horrorizado ao visualizar o incêndio a tomar enormes proporções, e sentiu-se angustiado ao verificar que a sua fracção foi atingida.
27) E ficou toda a noite na rua na expectativa do fogo ser extinto e poder aceder à fracção para retirar alguns pertences.
28) Mas tal não foi possível pois o mesmo foi considerado dominado no dia 06 de Junho de 2017 após cerca de 13.00H de combate ao mesmo.
29)E apesar de dominado manteve-se numa fase de combustão lenta o que impossibilitou o regresso dos AA. à sua habitação por razões de segurança, tendo consigo levado apenas o que tinham vestido.
30) E ficaram interditados pelo Serviço Municipal de Protecção Civil de Matosinhos de lá permanecer ou, sequer, entrar.
31) E não mais puderam os AA. voltar a utilizar a fracção até o edifício ter sido restaurado.
32) Em consequencia do incendio, a escritura pública não pôde ser realizada e, por consequência, o contrato promessa foi objecto de um aditamento a 11 de Janeiro de 2018 prorrogando o prazo para outorga da escritura pública até ao dia 31 de Agosto de 2019.
33) E porque devido ao incêndio a escritura pública não podia realizar-se também até 31 de Agosto de 2019, porque as obras teriam uma duração prevista de 9 meses, em 16 de Agosto de 2019 foi outorgado novo aditamento e neste foi alterada a realização da escritura até 31 de Outubro de 2019.
34) Devido ao incêndio a fracção dos AA., tal como as demais, ficou repentinamente inabitável e sofreu inúmeros estragos designadamente, todas as paredes e tetos da fracção dos AA. ficaram completamente negras, as madeiras chamuscadas e havia fuligem por toda a fracção, tornando-a completamente inabitável.
35) Para repor a fracção em condições de habitabilidade os AA. tiveram de contratar trolhas, pintores e carpinteiros para proceder às obras de reparação de pintura da sala de visita, dos quartos identificados com os nºs 1 , 2 e 3 , tectos das duas casas de banho, tecto da cozinha, teto do hall de entrada, Raspagem e envernizamento do piso da sala, Raspagem e envernizamento do piso dos quartos nºs 1, 2 e das paredes do hall, três rouperios e oito portas e limpeza da habitação cujo custo pese importar para os Autores a quantia de € 4.980,90, foi aceite que fosse pago pela companhia de seguros C..., seguradora da fração dos AA. apenas o valor de 4.800,87.
36) Além destes danos na fração inúmeros bens, nomeadamente peças decorativas, louças, panelas, talheres, copos e demais bens necessário ao governo doméstico ficaram completamente negros e sujos com a fuligem para cuja limpeza, os AA. dispenderam a quantia de €1.152,65.
37) Além disso ficaram completamente destruídos bens que compunham o recheio da fração dos Autores antes do incendio, cujo custo pese importar para os Autores a quantia de € 4.550,15, foi aceite que fosse pago pela pago pela companhia de seguros C..., seguradora da fração dos AA. apenas o valor de €3.699,31, excluindo a mesma companhia de seguros o pagmento do valor de €1802,50 relativo aos danos reclamados sob a rubrica “Diversos arbustos qe estavam no terraço” por não estar subscrita a cobertura “danos em jardins e plantações”.
38) Na sequência do incendio, todas as questões relacionadas com o imóvel, incluído o seguro foram tratadas pelos AA.
39) Os danos da sua fração e recheio foram constatados corresponderam a um prejuizo para os Autores avaliado em €11.333,55.
40) Os prejuízos materiais sofridos em consequência do incêndio foram parcialmente pagos pela companhia de seguros C..., seguradora da fração dos AA., e atendendo às exclusões contratuais, apenas deixou de pagar aos Autores a quantia de € 1802,50 relativa ao valor reclamado pelos Autores pelos arbustos que estavam no seu terraço cujo valor considerou ajustado para substituição dos diversos arbustos e limoeiros de PAP médio.
41) Em 17 de Março do corrente ano de 2020 os AA. foram notificados do edital para levantamento da interdição relativamente às partes da restauração do edifício e que permite a habitação dos apartamentos.
42) Os AA. deram inicio às mudanças e preparação do apartamento o que concluíram no dia 29 de Abril de 2020, data em que aí voltaram a habitar.
43) Ficaram assim privados do uso da sua fração 35 meses, ou seja, desde o dia 5 de Junho de 2017 até ao dia 29 de Abril de 2020.
44) Apesar de terem continuado a pagar o condomínio da sua fração, fundo de reserva, seguro do edifício e, mensalmente, pagavam ainda o reforço do sinal no montante de € 600,00 que foi alterado posteriormente para €500,00.
45) Em Matosinhos, na Zona onde se situa a fração dos AA. o arrendamento de um apartamento da tipologia do dos AA. custa em média entre € 600,00 a € 700,00 mensais.
46) Os AA. foram obrigados a deixar o conforto do seu lar, um apartamento tipologia 3, com duas casas de banho e três quartos, de razoáveis dimensões e foram viver para casa dos avós da A. mulher, de apenas dois quartos, sala, cozinha e uma casa de banho,
47) que, devido à sua dimensão não tinha (nem tem) condições suficientes para albergar 7 pessoas, os avós da A. mulher, os AA e os três filhos,
48) onde permaneceram durante cerca de dois meses, com o filho de 16 anos a dormir no sofá da sala, a filha JJ com 14 anos e a filha KK a dormir juntas na única cama disponível e os Autores a dormir no chão, em cima de cobertores, não conseguindo dormir a maior parte das noites devido ao desconforto e dureza do chão.
49) O que tinha reflexos no desempenho profissional do A. marido que é agente da PSP e sentia muita dificuldade acrescida no desempenho de uma profissão de risco,
50) E causou à Autora dificuldades de concentração na Autora mulher que porque exerce a profissão de podologista tem de ter muita perícia e cautela nos cuidados que presta aos seus pacientes.
51) Tendo sido um período pavoroso para os AA. e para os seus filhos, ainda mais porque, como a casa só dispunha de uma casa de banho para 7 pessoas, era muito difícil de gerir, principalmente com as crianças.
52) Ademais, a roupa ficava toda amontoada por falta de espaço o que causava imenso desconforto e angústia aos AA. que, com três filhos sendo uma de tenra idade, ficavam desesperados.
53) A partir de Agosto de 2017 foi-lhes emprestada uma casa, pertencente a um senhor que vive no Brasil de nome CC e como contrapartida os AA. pagavam as despesas de condomínio, que ascenderam a € 1.762,81,
54) mas tiveram de sair em Julho de 2019 e levar todos os seus pertences, porque o proprietário veio passar férias a Portugal durante um mês, indo viver temporariamente para uma casa na Maia pertencente a uma senhora que, à data, estava a viver com a filha na Inglaterra.
55) Quando o Sr. CC regressou ao Brasil, os AA. saíram da casa onde estavam, voltaram a pegar em todos os seus pertences e regressar à casa do sr. CC, nunca mais tendo recebido visitas.
56) Tudo isto causando aos AA. inúmeros incómodos, angústia, preocupações, irritações, ansiedade e a humilhação de recorrer a favores de outras pessoas, e choravam com frequência.
57) Tendo ainda procedido a uma pintura do interior da casa deste, ficarão sempre com uma sensação de obrigação em relação ao mesmo.
58) Além disso durante esse período a relação conjugal começou a deteriorar-se, as discussões entre ambos aumentaram e agudizaram-se e eram cada vez mais frequentes ao ponto de o casal ter cogitado a hipótese de se divorciar.
59) Devido ao stress e exaustão que esta situação, em consequência direta e necessária do incêndio, provocou na A. mulher esta teve de receber tratamento médico,
60) pois passou a sofrer de ansiedade, a ter ataques de pânico, suores, tremor, sensação de desmaio, aperto no peito e irritabilidade,
61) e teve de ser medicada com anti depressivos - Fluoxetina – que ainda continua a tomar pois ainda não recebeu alta.
62) O referido incendio deu origem ao inquérito nº 1670/17.6JAPRT, que correu termos junto do DIAP da Comarca do Porto, 2º secção de Matosinhos.
63) Entre a 2.ª Ré, como seguradora, e A... Unipessoal, Lda., foi celebrado em 7 de Setembro de 2015 um contrato de seguro do ramo Comércio e Serviços — MR Empresas, titulado pela Apólice n.° ..., com o capital seguro de € 750.000,00 independentemente do número de lesados para a cobertura de responsabilidade civil extracontratual por danos patrimonias e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causadas a terceiros de proprietário multiriscos, que se rege por condições gerais, especiais e particulares.
64) E, nos termos do aí contratado foi escolhido o “plano de cobertura 3 - Multiriscos, Cobertura Base, Assistência no Estabelecimento e Proteção Jurídica”, que inclui, incêndio, ação mecânica de queda de raio e explosão, com limite de indemnização (por sinistro e ano) equivalente ao valor do capital seguro, sem franquia por sinistro (sobre prejuízos indemnizáveis), e que correspondente a 25% do capital contratado para o edifício de € 750.000,00 (187.500,00 €), deduzido da franquia de 10% com o mínimo de 100,00 €, a abater na eventual indemnização devida.
65) Nos termos dessa apólice e dentro dos limites nela estabelecidos, ficam garantidos os riscos expressamente subscritos pela tomadora A... Unipessoal, Lda. para a atividade descriminada nas condições particulares da apolice, exercida na fração A sita na Rua ..., em ..., na sequencia da celebração de contrato de locação financeira com a credora Banco 1..., CRL.
66) O n.° 2 da mesma cláusula 45 estabelece as seguintes exclusões relativamente a esta cobertura: "Para além das exclusões mencionadas das cláusulas 3.a e 38.° das presentes Condições Gerais, ficam ainda excluídos desta cobertura os danos resultantes: a) Ato criminoso praticado pelo Segurado ou pessoas por quem seja civilmente responsável; b) Deficiências de construção ou de projeto; c) O edifício já se encontrar, no momento da ocorrência do sinistro, danificado, defeituoso, desmoronado ou deslocado das suas fundações, de modo a afetar a sua estabilidade e segurança global; d) Desuso ou abandono do edifício; e) Exploração da atividade desenvolvida no edifício; f) Ascensores, monta-cargas e antenas de televisão individuais ou coletivas; g) Os danos decorrentes de obras no local de risco; h) Os danos causados por instalações precárias ou que não obedeçam aos requisitos legais de montagem, instalação e segurança; i) A responsabilidade civil emergente da propriedade de imóveis ou outras instalações não seguras por esta apólice; j) Os danos sofridos pelo Segurado e/ou por qualquer das pessoas que constituem o seu agregado familiar, independentemente da coabitação; k) Os danos sofridos por qualquer pessoa que mantenha com o Segurado relações de sociedade ou de trabalho; 1) Os danos resultantes de qualquer atividade económica desenvolvida no local de risco; m) A responsabilidade e profissional; n) A responsabilidade criminal; o) As multas de qualquer natureza e as consequências pecuniárias de processo criminal ou de litígio
67) Entre a 2.ª Ré, como seguradora, e A... Unipessoal, Lda., foi celebrado em 8 de Setembro de 2015 um contrato de seguro do ramo contrato de seguro do ramo responsabilidade civil empresarial-responsabilidade de exploração, titulado pela Apólice nº ..., que garante a responsabilidade civil do segurado no ambito da qualidade expressamente referida nas condições especiais ou particulares, com respeito à atividade segura na morada Rua ..., ....
68) Designadamente a “Condição especial 04. Proprietário de Imóveis”, que cobre até ao limite contratado de 250.000,00 euros, deduzida a franquia de 10% sobre o valor do sinistro, no mínimo de €250,00 e no máximo de € 1.000,00, as indemnizações que possam recair sobre o proprietário segurado por responsabilidade civil extracontratual, designadamente “Por quaisquer materiais, equipamentos, utensilios ou decorações, interiores ou exteriores, incluindo tabuletas ou outros objetos de identificaçao ou publicidade, existentes no estabelecimentos, instalações ou outros espaços ocupados pelo Segurado para o exercicio da sua atividade; b) Por mercadorias e embalagens de qualquer especie, existentes nos estabelecimentos, instalaçoes ou outros espaços ocupados pelo Segurado para o exercicio da sua atividade; c)Na qualidade de proprietário de terrenos, edificios, instalações e equipamentos afetos a atividade objeto do presente contrato”.
69) De acordo com a Cláusula 1.ª das suas Condições Gerais e Especiais consta como Objeto o seguinte:” 1- A presente Condição Especial tem por objeto a garantia da responsabilidade civil do Segurado na sua qualidade de proprietário de bens imóveis. 2 — A presente Condição Especial é contratada como seguro facultativo, não visando cumprir qualquer obrigação de seguro que possa estar prevista na lei para a qualidade mencionada no número anterior.”
70) Por sua vez a cláusula 2.ª do referido item 04 daquelas condições dispõe que "1. A presente Condição Especial cobre, até ao limite de capital fixado nas Condições Particulares, as indemnizações que possam legalmente recair sobre o Segurado, por responsabilidade civil extracontratual, por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais, decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causadas a Terceiros, na qualidade de proprietário do imóvel ou fração referida nas Condições Particulares da Apólice" e que "2. No caso do Tomador do Seguro ser o administrador do imóvel, em regime de propriedade horizontal, cada um dos condóminos será considerado também como terceiro".
71) Entre a 2.ª R., como seguradora, e 1.ª R. A... Unipessoal, Lda., foi celebrado em Março de 2016 um contrato de seguro do ramo comércio e serviços — MR Empresas, titulado pela apólice n.° ... que se rege por condições gerais, especiais e particulares, com capital seguro de 139.500,00 €, com franquia conforme mencionado nas condições gerais e especiais da apólice independentemente do número de lesados para a cobertura de responsabilidade civil extracontratual por danos patrimonias e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causadas a terceiros de proprietário multiriscos,
72) E, nos termos do aí contratado foi escolhido o “plano de cobertura 3 - Multiriscos, Cobertura Base, Assistência no Estabelecimento e Proteção Jurídica”, que inclui, incêndio, ação mecânica de queda de raio e explosão, com limite de indemnização (por sinistro e ano) equivalente ao valor do capital seguro, sem franquia por sinistro (sobre prejuízos indemnizáveis), e que correspondente a 25% do capital contratado para o edifício de € 139.500,00 (34.875,00 €), deduzido da franquia de 10% com o mínimo de 100,00 €, a abater na eventual indemnização devida.
73) Nos termos dessa apólice e dentro dos limites nela estabelecidos, ficam garantidos os riscos expressamente subscritos pela tomadora A... Unipessoal, Lda. para a atividade descriminada nas condições particulares da apólice, exercida na fração B sita na Rua ..., ..., ..., na sequencia da celebração de contrato de locação financeira com a credora Banco 1..., CRL, e com as exclusões referidas na cláusula 45º, nº2 reproduzidas no ponto 66) supra.
74) Entre a 2.ª Ré, como seguradora, e 1. Ré R. A... Unipessoal, Lda., foi celebrado em 3 de Março de 2016 um contrato de seguro do ramo contrato de seguro do ramo responsabilidade civil empresarial- responsabilidade de exploração, titulado pela apólice n.° ..., que garante a responsabilidade civil do segurado no âmbito da qualidade expressamente referida nas condições especiais ou particulares, com respeito à atividade segura na morada Rua ..., ..., ... (fração B).
75) Designadamente a “Condição especial 04. Proprietário de Imóveis”, que cobre até ao limite contratado de 250.000,00 euros, deduzida a franquia de 10% sobre o valor do sinistro, no mínimo de €250,00 e no máximo de € 1.000,00, as indemnizações que possam recair sobre o proprietário segurado por responsabilidade civil extracontratual, designadamente “Por quaisquer materiais, equipamentos, utensílios ou decorações, interiores ou exteriores, incluindo tabuletas ou outros objetos de identificação ou publicidade, existentes no estabelecimentos, instalações ou outros espaços ocupados pelo Segurado para o exercício da sua atividade; b) Por mercadorias e embalagens de qualquer espécie, existentes nos estabelecimentos, instalações ou outros espaços ocupados pelo Segurado para o exercício da sua atividade; c)Na qualidade de proprietário de terrenos, edifícios, instalações e equipamentos afetos a atividade objeto do presente contrato”.
76) que se rege por condições gerais, especiais e particulares designadamente as clausulas referidas em 69) e 70), ficando garantidos, nos termos dessa apólice e dentro dos limites nela estabelecidos, os riscos expressamente subscritos pela tomadora A... Unipessoal, Lda. Para a atividade descriminada nas condições particulares da apolice, exercida na fração B sita na Rua ..., ..., ..., e na sequência da celebração de contrato de locação financeira com a credora Banco 1..., CRL.,
77) Em data não concretamente apurada, mas entre Setembro de 2009 e o ano de 2011, a 1ª Ré removeu todas as paredes interiores designadamente as que ligavam as frações "A", "B" e “C”, uma vez que as frações “A” e “B” eram adjacentes à fração "C".
78) E consequentemente, desde essa ultima data, o espaço dessas três frações passou a ser um único espaço, amplo, sem paredes divisórias, sem, no entanto, ter sido alterada a propriedade horizontal em termos de licenciamento, legais ou registrais.
79) O incêndio ocorrido no dia 05/06/2017 teve início na fração “A” do imóvel e propagou-se, de seguida, para as demais frações da loja da segurada da Ré, incluindo a sua fração “B” e “C”.
80) Pelas 20h30m foi acionado o alarme de fogo existente na loja (sistema Automático de Deteção de Incêndios), o qual passou a emitir um sinal sonoro.
81) Além disso, escassos segundos depois de ter sido detetado o fogo, o sistema de iluminação do estabelecimento deixou de funcionar, o que mergulhou a loja numa quase total escuridão.
82) Assim, dada a intensidade das chamas, a quantidade de fumo produzido e o total escuridão que se instalou, os funcionários da loja não foram capazes de proceder ao combate ao fogo, pese se terem munido de extintores existentes no estabelecimento da Ré.
83) E sob pena de risco para a sua própria integridade física, os funcionários da 1.ª Ré tiveram de sair da loja e refugiar-se no exterior, alertando, de imediato, as entidades de segurança telefonicamente, às 20.35 h, nomeadamente os bombeiros que acudiram de imediato ao local.
84) Os bombeiros de ... saíram do Quartel pelas 20.39 h e chegaram ao local pelas 20.45 h, tendo, de imediato, iniciado o combate às chamas, tendo, de imediato, iniciado o combate às chamas, cerca de 15 minutos depois da deflagração do incêndio
85) Ora, submetido o imóvel a inspeção por parte da Polícia Judiciária, foi identificado o ponto de início do incêndio ao fundo da loja/área C/ zona do Bloco A/zona onde se situavam os 17 aparcamentos antes da unificação dessa área com a fração A.
86) A partir do ponto onde deflagrou o incêndio, verificou-se uma progressão do fogo em "V" desde as prateleiras mais baixas e junto ao chão, atacando as restantes prateleiras, bem como pilares ali existentes.
87) O fogo afetou, primeiro, a totalidade da fração “A”, de seguida a totalidade da fração “B” e finalmente, já com muito menor intensidade, parte da fração “C”.
88) Ao longo do caminho percorrido pelo fogo no indicado sentido, verificava-se, depois de extinto o incêndio, uma maior carbonização na área da fração “A”.
89) Verificou-se, ainda, uma nítida destruição descendente desde o pilar 1 até ao pilar 4, identificados na identificada planta, todos eles colocados na fração “A” do prédio.
90) A partir do ponto de início do incêndio, verificou-se, também, na vertical, a projeção no teto, o qual foi totalmente destruído junto a esse local, bem como as paredes circundantes, que apresentam um elevado grau de destruição.
91) A partir daquele ponto situado na fração “A” e em direção à fração “C”, passando pela fração “B”, o grau e sinais de destruição vão abrandando.
92) A instalação elétrica existente nas frações “A”, “B” e “C” do prédio não apresentava qualquer colapso ou anomalia, estando as cablagens intactas e sem qualquer fusão, indiciador de que o incêndio em causa deflagrou ou ocorreu, por causa de qualquer acidente ou incidente elétrico, até porque, na zona onde deflagrou o incêndio não existia qualquer tomada ou aparelho elétrico, com a exceção das lâmpadas de iluminação, as quais não apresentavam, depois de extinto o fogo, qualquer sinal de colapso ou anormal.
93) Na zona onde deflagrou o incêndio existia, apenas, um quadro elétrico, o qual se situava na parede oposta àquela onde teve início o fogo e extinto o fogo e examinado esse quadro elétrico, o mesmo não apresentava qualquer sinal de curto-circuito ou anomalia.
94) O estabelecimento da R. dispunha de vários extintores portáteis.
95) A loja dispunha de um alarme de deteção de incêndio (Sistema Automático de Deteção de Incêndio) que se encontrava em funcionamento e foi acionado.
96) Existia um sistema de videovigilância que captava o balcão da loja, e sistema de deteção de incêndio composto por alarme sonoro.

2. O Tribunal de 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:
a) A fração A integrando as áreas das 17 frações de aparcamento “AZ” a “BP” tem a área de 1874,60 m2. b) O estabelecimento da 1ª Ré tinha licença de utilização ou exploração do imóvel
c) Que foi depois de ter celebrado os referidos contratos de locação financeira identificados em 17) e 18), que a 1ª Ré removeu as paredes interiores que ligavam a fracções "A" às frações "B" e “C”.
d) Submetido o imóvel a inspeção por parte da Polícia Judiciária, foi, claramente, identificada a sua causa do incêndio.
e) O incêndio ocorrido no dia 05/06/2017 foi propositadamente deflagrado e teve a sua origem num ato doloso.
f) Pois, momentos antes da deflagração do fogo, encontravam-se na loja, para além dos funcionários da segurada da Ré, um jovem e um casal;
g) Ademais, cerca de 3 meses antes do incêndio, um tal de DD foi surpreendido na loja enquanto tentava furtar dois casacos.
h) Para tanto, o DD removeu o alarme instalado nesses casacos e envergou-os por baixo do vestuário que, então, usava.
i) Apesar de o DD ter tentado ausentar-se da loja com esses casacos ocultados, acabou por ser detetado por funcionários do estabelecimento, os quais o intercetaram antes de conseguir sair.
j) Confrontado pelos funcionários da Loja, o DD envolveu-se em agressões com aqueles, mas acabou por devolver os casacos.
k) Porém, ainda assim, a vítima do furto, ou seja, a sociedade A... Unipessoal, Lda. apresentou participação policial destes factos, tendo em vista a instauração de procedimento criminal contra o DD.
l) Posteriormente, a mãe do DD tentou um acordo com a sociedade A... Unipessoal, Lda., que passaria pelo pagamento dos casacos, em troca da desistência da queixa.
m) Porém, a A... Unipessoal, Lda. não aceitou a desistência da queixa, pelo que esta acabou por seguir os seus trâmites normais.
n) Não obstante a Polícia Judiciária tenha suspeitado que o incêndio foi ateado pelo DD, não logrou prosseguir essa linha de investigação.
o) Porém, a polícia judiciária concluiu, sem margem para dúvidas, que o fogo foi ateado propositadamente e breves momentos antes do acionamento do alarme, numa altura em que só estavam três clientes na loja e os seus funcionários.
p) De resto, um dos clientes que se encontrava na loja nos instantes que antecederam o acionamento do alarme de fogo adquiriu umas luvas de plástico, as quais estavam colocadas junto ao ponto de início do incêndio, tudo apontado que foi essa a pessoa que ateou o incêndio.
q) No estabelecimento em causa apenas existiam objetos que aí eram comercializados, nenhum deles auto-inflamável.
r) Não existiam em todo o espaço da loja materiais ou substâncias que pudessem reagir, entre si, resultando em reação química de autocombustão.
s) Na fração onde foi deflagrado o incêndio (a fração “A”) e na fração “B” existiam apenas umas prateleiras, com material de limpeza e plásticos, nas suas mais diversas formas, todos eles insuscetíveis de se auto-inflamarem.
t) Na fração “C” a segurada da Ré mantinha, apenas, escaparates com sapatos e malas.
u) Nenhum dos bens existentes nas ditas frações “A” e “B” da loja provocaram o incêndio ou deu início ao mesmo.
v) Existia um sistema de videovigilância que captava vários pontos da loja.
w) As frações que compunham o estabelecimento integravam a “UT” (utilização tipo) VIII – Comerciais.
x) No que respeita ao risco de incendio o estabelecimento assume a classificação 1ª categoria de risco, já que, H<9 m; 0 pisos abaixo da cota de referência; Efetivo < 100
y) No que respeita à compartimentação geral de fogo, na 1ª categoria de risco, o estabelecimento pode comportar até 8.000 m2 de espaço amplo, num único piso.
z) No que respeita a equipamentos e sistemas de extinção, na 1ª categoria de risco não estão previstos meios suplementares a não ser extintores e marcos de incendio na via publica.
aa) Apenas para as duas categorias mais graves (3ª e 4ª), os estabelecimentos devem ser equipados com rede de sprinklers.
bb) Nenhuma das frações que compunham o estabelecimento carecia de sprinklers e nunca foi imposto à 1ª Ré a colocação desses dispositivos.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.

A. Recurso interposto pela 1ª Ré A..., Unipessoal, Lda:
1ª Questão- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Perante as exigências estabelecidas no art. 640º do CPC, constituem ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a seguinte especificação:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
“Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primeiro: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Terceiro: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.”(2)
São as conclusões das alegações de recurso que estabelecem os limites do objecto da apelação e, consequentemente, do poder de cognição do Tribunal de 2ª instância, de modo que, na impugnação da matéria de facto devem constar das conclusões de recurso necessariamente os concretos pontos de facto impugnados e a decisão alternativa que o recorrente propõe para cada um dos factos impugnados, admitindo-se, tal como alguma jurisprudência e doutrina, que a análise pormenorizada dos concretos meios probatórios possa constar apenas do corpo das alegações ou motivação propriamente dita, tal como as concretas passagens das gravações ou transcrições dos depoimentos de que o recorrente se socorre.
Analisadas as conclusões deste recurso, concluímos que tais ónus de impugnação da matéria de facto foram cumpridos pela Apelante, uma vez que constam das conclusões de recurso os factos impugnados e a decisão alternativa e, quanto aos concretos meios de prova embora não constem das conclusões, constam do corpo das alegações, sendo feita referência aos exactos segmentos da gravação dos depoimentos invocados.
Segundo o disposto no art. 662º nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
No âmbito do recurso de impugnação da decisão de facto, o Tribunal da Relação pode e deve realizar uma efectiva reapreciação da prova produzida, levando em consideração, não só os meios de prova indicados no recurso, como outros que relevem para a decisão relativa aos pontos da matéria de facto impugnados, com vista a formar a sua própria convicção, sem prejuízo de só o dever efectuar se da fundamentação vertida na sentença recorrida for evidente erro de apreciação dos factos controvertidos à luz das regras de experiência ou de prova vinculada, atendendo ao princípio da imediação e livre apreciação da prova.
Não podemos escamotear a importância extrema do princípio da imediação da prova, estando o Juiz de 1ª instância, sem dúvida, melhor posicionado para ter plena percepção da forma como os depoimentos são prestados, as hesitações e linguagem corporal das testemunhas e partes, dificilmente percetível em gravações exclusivamente sonoras, para mais quando o Juiz da Instância de recurso se vê limitado a ouvir os depoimentos prestados sem poder interrogar de modo a esclarecer-se convenientemente.
Para podermos reapreciar a decisão proferida pelo tribunal a quo, em função dos meios probatórios produzidos perante ele e, formarmos a nossa própria convicção, de molde a podermos decidir se houve algum erro de julgamento sobre a matéria de facto- se se impunha decisão diferente da que foi tomada- socorremo-nos da audição completa e integral de toda a prova gravada e da análise da documentação junta aos autos, devidamente articulada entre si e analisada à luz das regras de experiência.
Importa, pois, decidir se foi produzida prova cabal e consistente que imponha decisão diferente da que foi tomada pelo tribunal a quo, sobre os factos mencionados pela Apelante nas Conclusões 3ª a 11ª.
Nesta sede, cumprindo minimamente os mencionados ónus de impugnação da matéria de facto, alegou a Apelante que, face à prova produzida, encontram-se incorrectamente julgados os pontos das alíneas d), e), n), o), q), r), s), u) dos factos não provados, os quais devem ser dados como provados, com base no relatório da Polícia Judiciária e no depoimento da testemunha EE (inspector da policia judiciária).
Sustenta, ainda, a Apelante que aqueles factos dados como não provados contradizem os factos dados como provados nos pontos 80, 82, 83, 85, 87, 92, 93, 94, 95 e 96, concluindo que, outra conclusão não se pode retirar que não seja a de que os factos daquelas alíneas deviam ter sido dados como provados.
Salvo o devido respeito, não se compreende esta última afirmação, porquanto ainda que houvesse contradição a consequência não seria automaticamente considerar tais factos como provados, podendo bem o erro existir quanto aos factos que foram dados como provados, que não foram impugnados.
Por uma questão de facilidade de exposição e perceção da matéria de facto impugnada, passamos a transcrevê-la, seguido da decisão que a Apelante pretende relativamente a cada um dos factos impugnados, em função dos meios probatórios invocados para o efeito, ou da alegada contradição com os mencionados factos provados:
d) Submetido o imóvel a inspeção por parte da Polícia Judiciária, foi, claramente, identificada a sua causa do incêndio.
e) O incêndio ocorrido no dia 05/06/2017 foi propositadamente deflagrado e teve a sua origem num ato doloso.
n) Não obstante a Polícia Judiciária tenha suspeitado que o incêndio foi ateado pelo DD, não logrou prosseguir essa linha de investigação.
o) Porém, a polícia judiciária concluiu, sem margem para dúvidas, que o fogo foi ateado propositadamente e breves momentos antes do acionamento do alarme, numa altura em que só estavam três clientes na loja e os seus funcionários.
q) No estabelecimento em causa apenas existiam objetos que aí eram comercializados, nenhum deles auto-inflamável.
r) Não existiam em todo o espaço da loja materiais ou substâncias que pudessem reagir, entre si, resultando em reação química de autocombustão.
s) Na fração onde foi deflagrado o incêndio (a fração “A”) e na fração “B” existiam apenas umas prateleiras, com material de limpeza e plásticos, nas suas mais diversas formas, todos eles insuscetíveis de se auto-inflamarem.
u) Nenhum dos bens existentes nas ditas frações “A” e “B” da loja provocaram o incêndio ou deu início ao mesmo.
Começando pela alegada contradição com os factos provados, passamos a elencá-los:
80) Pelas 20h30m foi acionado o alarme de fogo existente na loja (sistema Automático de Deteção de Incêndios), o qual passou a emitir um sinal sonoro.
82) Assim, dada a intensidade das chamas, a quantidade de fumo produzido e o total escuridão que se instalou, os funcionários da loja não foram capazes de proceder ao combate ao fogo, pese se terem munido de extintores existentes no estabelecimento da Ré.
83) E sob pena de risco para a sua própria integridade física, os funcionários da 1.ª Ré tiveram de sair da loja e refugiar-se no exterior, alertando, de imediato, as entidades de segurança telefonicamente, às 20.35 h, nomeadamente os bombeiros que acudiram de imediato ao local.
85) Ora, submetido o imóvel a inspeção por parte da Polícia Judiciária, foi identificado o ponto de início do incêndio ao fundo da loja/área C/ zona do Bloco A/zona onde se situavam os 17 aparcamentos antes da unificação dessa área com a fração A.
87) O fogo afetou, primeiro, a totalidade da fração “A”, de seguida a totalidade da fração “B” e finalmente, já com muito menor intensidade, parte da fração “C”.
92) A instalação elétrica existente nas frações “A”, “B” e “C” do prédio não apresentava qualquer colapso ou anomalia, estando as cablagens intactas e sem qualquer fusão, indiciador de que o incêndio em causa deflagrou ou ocorreu, por causa de qualquer acidente ou incidente elétrico, até porque, na zona onde deflagrou o incêndio não existia qualquer tomada ou aparelho elétrico, com a exceção das lâmpadas de iluminação, as quais não apresentavam, depois de extinto o fogo, qualquer sinal de colapso ou anormal.
93) Na zona onde deflagrou o incêndio existia, apenas, um quadro elétrico, o qual se situava na parede oposta àquela onde teve início o fogo e extinto o fogo e examinado esse quadro elétrico, o mesmo não apresentava qualquer sinal de curto-circuito ou anomalia.
94) O estabelecimento da R. dispunha de vários extintores portáteis.
95) A loja dispunha de um alarme de deteção de incêndio (Sistema Automático de Deteção de Incêndio) que se encontrava em funcionamento e foi acionado.
96) Existia um sistema de videovigilância que captava o balcão da loja, e sistema de deteção de incêndio composto por alarme sonoro.
Confrontados estes factos provados, com as alíneas dos factos não provados que foram impugnados, não se vislumbra qualquer contradição insanável entre eles e, em bom rigor nem sequer a Apelante esclarece quais são as contradições que encontrou.
Os pontos impugnados dos factos não provados dizem todos respeito à alegada determinação da causa do incêndio, atribuída a um acto doloso, no sentido de a deflagração ter sido propositada, afastando-se a causa de autocombustão de materiais ou substâncias auto-inflamáveis.
Por seu turno, os pontos dados como provados alegadamente em contradição, dizem respeito às medidas tomadas pelos funcionários da Ré após a deteção do incêndio, a identificação do ponto de início do incêndio, os sistemas de videovigilância, alarme e extinção de incêndio existentes no local e o afastamento de colapso eléctrico como possível causa do incêndio.
Resulta evidente que os factos em confronto em nada se contradizem, dizendo respeito a factos perfeitamente autónomos, embora interligados, mas em nada antagónicos.
Vejamos, de seguida, se os meios de prova invocados pela Apelante impunham decisão diversa da proferida pelo tribunal a quo relativamente aos factos não provados que foram especificamente impugnados.
A Apelante limitou-se a referir que do relatório da PJ e do depoimento da testemunha EE resulta exactamente o contrário do decidido, sustentando que com base nesses dois meios de prova devem ser dados como provados os factos vertidos nas alíneas d), e), n), o), q), r), s) e u) dos factos não provados, não tendo feito qualquer análise crítica, como se impunha, da fundamentação vertida na decisão recorrida.
Será raro o julgamento em que não haja a mínima prova sobre todos os factos alegados e controvertidos, cuidando as partes de se socorrer dos meios de prova ao seu dispor para o efeito, porém, como resulta evidente, isso pode não ser suficiente para os dar como provados, uma vez que o julgador não se limita a assistir à prova passivamente, nem está limitado na sua apreciação (a não ser relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes, hipóteses que não se verificam relativamente aos factos impugnados), tendo a obrigação de analisar criticamente as provas, articulá-las entre si, compatibilizar toda a matéria de facto adquirida e extrair dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência, especificando na decisão sobre a matéria de facto os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto e, desde que essa convicção não esteja totalmente desfasada da prova produzida, analisada criticamente e segundo as regras da experiência, não padecerá de erro de julgamento, mas tratar-se-á de uma convicção distinta daquela com que a parte ficou da análise, necessariamente mais subjectiva, que da mesma retirou.
No caso em apreço, o tribunal a quo não desconsiderou os meios de prova invocados pela Apelante, a eles se tendo referido expressamente a propósito desses factos impugnados e de outros factos dados como provados, esclarecendo devidamente o relevo que deu a tais meios de prova no conjunto da prova produzida, pois que, embora importantes para a decisão da causa, enquanto parecer técnico e opinião avalizada e experiente em matéria de incêndios, o relatório da PJ e o depoimento da testemunha EE não foram os únicos meios de prova produzidos e, apesar da clareza da exposição daquela testemunha ficaram por explicar factos de que o tribunal necessitaria para afirmar com segurança (porque certeza absoluta nunca existe neste tipo de prova) que aqueles factos estavam provados.
Resulta da análise do referido relatório da PJ de 23/1/2018, subscrito pela testemunha EE, que nele foi escrito que naquela fase “foi afastada qualquer hipótese de acidente eléctrico ( facto que o tribunal deu como provado) sendo tratado como incêndio doloso”, também nele está escrito que “ verificando-se pelas câmaras de vídeo que no local apenas se encontravam o casal e o jovem de óculos, parece-nos inequívoco imputar a autoria a algum deles”, isto é, resulta do relatório, que depois veio a ser reforçado no depoimento que a testemunha EE prestou, que foram colocadas como hipóteses para o deflagrar do incêndio a origem eléctrica, rapidamente excluída, e logo depois se focaram no incêndio doloso apontando como suspeitos os últimos clientes.
Ora, parece-nos que entre uma hipótese e outra haveria uma multiplicidade de factores a ter em conta que poderiam conduzir a investigação noutro sentido, sendo do senso comum, à luz das regras da experiência, que para se poder afirmar que houve um comportamento doloso temos de poder afirmar que alguém teve o propósito de atear fogo àquela loja e que o terá feito e, para isso é necessário que haja indícios consistentes de intervenção humana na eclosão do acidente, ainda que se desconheça efectivamente o autor, geralmente por sinais deixados no local que se devem descrever, não basta afirmá-lo, porque dizem-nos as regras da experiência e da lógica que, na falha daquele tipo de indícios presentes no local do sinistro tem de se admitir a possibilidade de uma combustão acidental (quer por acto humano negligente, quer mesmo por autocombustão de materiais existentes no local despoletadas por elevadas temperaturas, por causa espontânea, ou mesmo desconhecida), podendo chegar-se ao final das diligências e o resultado ser inconclusivo, tal como o disse a testemunha LL (perito averiguador que fez relatório para a companhia seguradora).
O que viola todas as regras da experiência e da lógica é pura e simplesmente afirmar-se que não se tem dúvidas que o incêndio foi doloso e depois não se consegue explicar que indícios foram encontrados no local que permitem afirmar ter tido intervenção humana e, para além disso que essa pessoa (podendo a sua identificação ser desconhecida) teve o propósito de atear aquele incêndio, que foi doloso, quando se desconhece totalmente qual foi a origem do incêndio, como e de que forma se iniciou o incêndio.
No inquérito aberto para apuramento de indícios de crime de incêndio, que relevou aquele mesmo relatório da PJ, foi inclusivamente proferido despacho de arquivamento, do qual consta expressamente o seguinte: “Porém, findo o inquérito, resulta das diligências efectuadas (designadamente pelas autoridades policiais – Policia Judiciária) não ter sido possível apurar as causas deste incêndio e muito menos a identidade do(s) seu(s) autor(es), se é que os há – cfr., designadamente, fls. 2 a 14 e 216 a 226 do inquérito da PJ.”
Deste modo, não vemos como se poderia, de forma séria, segura e consistente, nestes autos considerar que aquele mesmo relatório da PJ, ou mesmo o depoimento de quem o elaborou, seja prova bastante para dar como provado que “submetido o imóvel a inspeção por parte da Polícia Judiciária foi claramente identificada a causa do incêndio” ( al. d) dos factos não provados), ou que “o incêndio ocorrido no dia 5/6/2017 foi propositadamente deflagrado e teve a sua origem num acto doloso” ( al. e) dos factos não provados) ou mesmo que, “a polícia judiciária concluiu, sem margem para dúvidas, que o fogo foi ateado propositadamente e breves momentos antes do acionamento do alarme” (al. o) dos factos não provados) se nada disso se concluiu no inquérito crime onde tal meio de prova se realizou.
Tal como consta da motivação da decisão sobre a matéria de facto, da prova produzida quanto à causa do incêndio, ao tribunal a quo tudo lhe pareceu “absolutamente incerto”, e que apesar do depoimento da testemunha referida pela Apelante, o qual relatou as diligências promovidas e as suas suspeitas, fez-se constar que “ permite-nos perceber que a causa do incêndio não só é desconhecida como é desconhecido se se deve a um qualquer terceiro, à Ré ou seus empregados e colaboradora filha do sócio gerente, ou mesmo a mão humana.”, considerações que subscrevemos inteiramente face á fragilidade manifesta da prova produzida.
Relativamente à alínea n) dos factos não provados foi o próprio inspector da PJ EE que no seu depoimento disse que aquele suspeito inicial tinha sido afastado, porque concluíram que não tinha sido ele.
No que respeita às alíneas q), r), s) e u) dos factos não provados, também não podemos retirar do relatório da PJ e do depoimento da referida testemunha que esteja provado que no estabelecimento em causa, em todo o seu espaço, não existissem objectos ou produtos auto-inflamáveis, com zero risco de autocombustão ( tal é a sua dimensão e a quantidade elevada de artigos que um bazar desta natureza costuma ter) e, ainda que se estivesse a reportar ao local de início do incêndio, não vemos como um cliente esporádico como era a testemunha EE pudesse garantir, sem sombra de dúvidas, que naquele local não havia produtos de limpeza facilmente inflamáveis se entrassem em contacto com uma fonte de calor (ainda que sem qualquer propósito de atear o fogo), quando se retira do relatório técnico da FEUP, que também foi valorado e mencionado na motivação da decisão recorrida, designadamente fls. 13, que na visita que efectuaram ainda numa fase de rescaldo confirmaram as informações dos bombeiros de que a tipologia dos materiais armazenados dificultou o combate ao incêndio que requereu para além da utilização de água o emprego de grandes quantidades de espumíferos antifogo (…) e com interesse para a decisão da causa a grande quantidade de material de fácil combustão que se encontrava no pavimento e/ou que permanecia em exposição nas estantes do estabelecimento da Ré, produtos esses referenciados pelas testemunhas funcionários da Ré.
Efectivamente, era preciso que os meios de prova invocados pela Apelante impusessem decisão diferente da proferida pelo tribunal a quo, que essa prova impusesse (diferente de permitisse) considerar tais factos impugnados como provados, o que manifestamente não aconteceu face ao resultado inconclusivo das diligências promovidas pela PJ e, ao real desconhecimento quanto às causas do incêndio, que inclusivamente pode não ter tido origem em mão humana e, ainda que porventura a tenha tido, pode perfeitamente ter sido por incúria ou acidental, sendo como é desconhecida a origem ou o modo como foi despoletado o incêndio.
Deste modo, nenhuma censura merece a decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto impugnada, a qual se mantém inalterada porque os meios de prova invocados pela Apelante não impõem decisão diferente da que foi proferida pelo tribunal de 1ª Instância.

2ªQuestão-- Exclusão da responsabilidade da 1ª Ré pelos danos sofridos pelos Apelados por ter sido ilidida a presunção de culpa.
A argumentação em que a Apelante alicerçava o afastamento da presunção de culpa ficou arredada perante a inalterabilidade dos factos não provados, sendo inegável concluir que na ausência de prova que o incêndio tenha sido dolosamente deflagrado por terceiro, esta Apelante não logrou ilidir a presunção de culpa e de ilicitude que sobre ela impendia por força da aplicação do disposto no art. 493º nº 1 do CC.
Segundo o referido preceito legal, quem tiver em seu poder coisa imóvel, com o dever de a vigiar responde pelos danos que a coisa causar, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
Tal como Maria da Graça Trigo e Rodrigo Moreira aludem em anotação a este art. 493º nº 1 do CC, “não é apenas o proprietário da coisa (…) que pode ser responsabilizado ao abrigo deste regime. Para que o mesmo seja aplicável, basta que haja mera detenção, isto é, controlo material da coisa, acompanhado de um dever de vigilância, de origem legal ou negocial ( apontando a existência de um poder de determinação sobre a coisa, enquanto condição indispensável para a tomada de medidas de segurança necessárias, pessoalmente ou por intermédio de terceiros e, consequentemente, para a responsabilidade pela sua violação ( Mascarenhas Ataíde, 2015:389).
No que toca a danos causados por coisas, frequentemente será o proprietário a pessoa responsabilizada. Todavia, caso haja um detentor adstrito a esse dever de vigilância [e.g., um comodatário, artigo 1135º, al. a)], um depositário [artigo 1187º nº 1 al. a)], ou um credor pignoratício [artigo 671º, al. a)], será ele, cumulativa ou exclusivamente responsável, consoante o proprietário permaneça ou não vinculado à vigilância da coisa- não permanecerá, por exemplo, no caso de a coisa estar na posse exclusiva do credor pignoratício, hipótese em que o proprietário não tem qualquer controlo material sobre a coisa.”(3)
Acrescentaremos o caso em que o detentor exclusivo da coisa imóvel seja locatário com base num contrato de locação financeira, como era também o caso da Apelante/1ª Ré, a quem assim incumbia a obrigação de vigiar as frações que ocupava, quer na qualidade de proprietária da fração C, quer enquanto locatária das frações A e B (pontos 12 e 15 a 18 dos factos provados) sendo que na prática a loja onde explorava a sua actividade havia sido por si transformada num espaço só.
Não é despiciendo salientar que tais frações inserem-se em prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sendo obrigatório o seguro contra o risco de incêndio do edifício, quer quanto às fracções autónomas, quer relativamente às partes comuns a cargo de cada proprietário, por força do disposto no art.1429º do CC, (o qual poderá estar contido num seguro multirriscos), assim como o locatário está obrigado a efectuar o seguro do bem locado, contra o risco da sua perda ou deterioração e dos danos por ela provocados, relativamente às frações sujeitas ao regime da locação financeira, por força do disposto no art. 10º al. j) do DL nº 149/95 de 24/6.
Por conseguinte, não bastava à Apelante demonstrar, como ficou demonstrado, que o estabelecimento dispunha de vários extintores portáteis, que dispunha de um alarme de deteção de incêndio que se encontrava em funcionamento e foi acionado e que existia um sistema de videovigilância que captava o balcão da loja e sistema de deteção de incêndio composto por alarme sonoro, ou mesmo que os funcionários da loja pese embora se tenham munido daqueles extintores não tenham sido capazes de proceder ao combate ao fogo, dada a intensidade das chamas, a quantidade de fumo produzido e a total escuridão que se instalou por o sistema de iluminação ter deixado de funcionar, tendo alertado de imediato as entidades de segurança, acudindo os bombeiros de imediato ao local.
A presunção prevista no art. 493º nº 1 do CC não se ilide com a mera prova daquele tipo de factos, quando muito serviriam para mostrar que a Apelante havia empregue todas as providências exigidas pelas circunstâncias, pelas normas regulamentares, com o fim de prevenir aquele tipo de danos, destinada a afastar a presunção de culpa prevista no art. 493º nº 2 do CC.
Porém, neste concreto aspecto, não acompanhamos o entendimento perfilhado pelo tribunal recorrido de que a actividade desenvolvida pela Apelante seja uma actividade perigosa.
Almeida Costa defende que a atividade perigosa deve tratar-se de atividade que, mercê da sua natureza ou da natureza dos meios utilizados, tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral.(4)
Por seu turno, já Vaz Serra definia actividades perigosas como as “que criam para os terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de receber dano, uma probabilidade maior do que a normal derivada das outras atividades”.(5)
O que determinará, assim, a qualificação de uma atividade como perigosa será a sua especial aptidão para produzir danos, aptidão que há-de resultar da sua própria natureza ou da natureza dos meios utilizados.
A este propósito podemos ler no sumário do Ac STJ de 17/5/2017 que “A lei não indica, porém, um elenco de actividades que devam ser qualificadas como perigosas para efeitos dessa norma e também não fornece um critério em função da qual se deva afirmar a perigosidade da actividade, esclarecendo apenas que, para o efeito, tanto releva a natureza da própria actividade como a natureza dos meios utilizados.
A perigosidade é apurada caso a caso, em função das características casuísticas da actividade que gerou os danos, da forma e do contexto em que ela é exercida. Trata-se afinal de um conceito indeterminado e amplo a preencher pelo intérprete e aplicador da norma na solução do caso concreto, o que deve ser feito tendo por base a «directriz genérica» indicada pelo legislador.
Deve ser considerada perigosa a actividade que possui uma especial aptidão produtora de danos, um perigo especial, uma maior susceptibilidade ou aptidão para provocar lesões de gravidade e mais frequentes.
A actividade perigosa, geradora de culpa presumida, é todo o processo construtivo, globalmente levado a efeito com determinado meio dotado de elevada potencialidade para causar danos - escavações, abertura de vala, remoção de inertes, elevação e transporte de cargas (manilhas) – e não apenas cada uma dessas operações, isolada e atomisticamente considerada.”(6)
Não vemos como se pode sustentar, neste caso em apreço, que a actividade de comércio a retalho de produtos, num estabelecimento habitualmente conhecido por “bazar de artigos de origem chinesa” possa ser considerada uma actividade perigosa, quer por sua natureza, quer pela natureza dos meios utilizados, não revelando aquela actividade, nem em abstracto, nem no caso concreto, maior perigosidade que qualquer outro estabelecimento comercial de venda a retalho, que acarretasse um risco ou perigo especial, fora da normalidade, que potenciasse danos de maior gravidade.
Nem se pode afirmar, face à factualidade apurada nos autos, que a Ré vendia produtos/materiais altamente e facilmente inflamáveis e de fácil combustão, quando essas asserções não encontram arrimo nos factos dados como provados (contando até dos factos não provados).
Ana Mafalda Castanheira Neves de Miranda Barbosa defende que, no nº 2 do art. 493º do CC “estamos diante de presunções de culpa e não da consagração de hipóteses de responsabilidade objectiva.
(…) A definição de actividade perigosa, para efeitos do nº 2 do art. 493º não é oferecida pelo legislador, cabendo ao julgador concretizar o conceito em face dos casos decidendi. A perigosidade de uma actividade deve aferir-se segundo as regras da experiência. É perigosa uma actividade que, segundo aquelas regras, envolve uma grande propensão para ocorrência de danos. Note-se, ademais, que a perigosidade deve ser entendida objectivamente, deixando-se de lado meros temores pessoais de uma potencial vítima. Além do mais, se considerarmos que todos os comportamentos, actuações e objectos são potencialmente perigosos, deve ser por referência às circunstâncias do caso decidendum que se qualifica o carácter perigoso ou não da actuação.
(…) Na interpretação do perigo, e atenta a natureza arriscada das sociedades hodiernas, há que tratar-se de um especial perigo- um risco que ultrapasse o limiar da normalidade.” (Lições de Responsabilidade Civil, Principia, p. 242/244)
O tipo de actividade desenvolvida pela Apelante/1ª Ré não determina um perigo especial ou potencia danos de maior gravidade (diferente seria se vendesse produtos explosivos ou maioritariamente de matéria altamente inflamável como o gaz ou gasolina, o que não ficou demonstrado ser o caso).
Não obstante não considerarmos aplicável o regime previsto no nº 2 do art. 493º do CC, recai ainda assim uma presunção de culpa sobre a Apelante /1ª Ré por força do regime previsto no nº 1 do mesmo preceito legal, como acima fizemos alusão.
E, tal como foi escrito por Maria da Graça Trigo e Rodrigo Moreira em anotação a este art. 493º nº 1 do CC, “o âmbito exacto da presunção tem sido alvo de alguma controvérsia jurisprudencial e doutrinal (…).Segundo a orientação tradicional, a presunção abrange apenas o pressuposto da culpa, concretizando a ressalva final do art. 487º, nº 1, pelo que ao lesado caberá demonstrar a ilicitude, para além dos demais requisitos da responsabilidade civil, não bastando a mera demonstração da existência de danos ( Ac STJ 21.11.1978 e, por exemplo, ALMEIDA COSTA, 2009: 586-587). No entanto, segundo orientação distinta, que tem colhido crescente apoio, a presunção de culpa neste âmbito da responsabilidade delitual é indissociável da presunção da própria ilicitude, pelo que abrange ambos os pressupostos (Ac STJ 30.09.2014, MENEZES CORDEIRO, 2014:580 e 584, MASCARENHAS ATAÍDE, 2015: 857-864 e MAFALDA MIRANDA BARBOSA: 2017, 244-245).
(…) Segundo a opinião maioritária na doutrina e na jurisprudência, a parte final do nº 1 estabelece um caso de relevância negativa da causa virtual do dano, ao isentar o agente de responsabilidade se este provar que os danos causados pela coisa (…) que lhe cabia vigiar se teriam produzido ainda que não houvesse culpa sua”(7)
Ana Prata em anotação ao mesmo preceito legal refere que “embora neste preceito pareça clara a letra da lei no sentido de consagrar uma presunção de culpa, o STJ já afirmou que a “norma do art. 493º nº 1 do CC estabelece uma presunção de culpa que, em bom rigor, é, simultaneamente, uma presunção de ilicitude, de tal modo que, face à ocorrência de danos, se presume ter existido, por parte da pessoa que detém a coisa, incumprimento do dever de vigiar”(ac. De 10-12-13, 68/10.1TBFAG.C1,S1; Nuno Cameira). Não é realmente fácil destrinçar a ilicitude (omissão de vigilância) da culpa (diligência na vigilância), mas julgamos que, apesar das dificuldades que a apreciação das situações possa colocar, deve, na medida do possível, procurar separar-se as duas realidades, apenas considerando presumida a segunda.”(8)
Apesar destas reservas quanto à presunção também do pressuposto da ilicitude, a mesma Autora reitera que, “como acontece com os dois artigos anteriores, compensa-se a presunção de culpa com a relevância negativa de causa virtual: o agente afastará a sua responsabilidade se provar que uma outra causa desencadearia idêntico prejuízo, ainda que não tivesse ocorrido a falta de diligência na vigilância.“
Aquelas reservas não têm sido secundadas pela maioria da jurisprudência do tribunais superiores que têm vindo a acolher a corrente que atribui uma presunção simultânea de culpa e de ilicitude, bastando ao lesado provar o evento lesivo e os danos por ele causados, presumindo-se ter existido por parte da pessoa que detém a coisa imóvel (proprietário e/ou locatário) o incumprimento do dever de vigilância.
Como exemplo dessa posição citamos, entre outros, o recente Ac RP de 27/2/2023, num caso em tudo similar, ao que cremos de um outro lesado deste mesmo incêndio dos presentes autos, em que a sentença final tem o seguinte sentido decisório:
“O ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, incluindo o dos factos a consubstanciar a culpa, cabe ao lesado (nº1, do art. 342º, art. 483º e art. 487º), salvo existindo presunção de culpa, o caso do nº1, do art. 493º, todos do Código Civil, a dispor “Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”, em materialização da responsabilidade por violação de deveres de prevenção do perigo.
E, no âmbito da responsabilidade delitual por danos causados por coisas ou animais por quem tem o dever de os vigiar, a presunção de culpa é indissociável da ilicitude, pelo que a presunção abrange estes dois pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, consagrando o nº1, do art. 493º, do Código Civil, uma presunção de culpa que, em rigor, é, também, uma presunção de ilicitude, presumindo-se, por isso, nos termos do referido preceito, perante a ocorrência de danos, a existência de incumprimento do dever de vigiar por parte da pessoa que detém a coisa, respondendo a mesma civilmente pelos danos causados, a menos que logre ilidir aquela presunção ou prove que outra causa desencadearia idêntico prejuízo, ainda que não tivesse ocorrido a falta de diligência na vigilância.
Assim, perante um incêndio em fração locada pela Ré lesante, o ónus da prova de que o facto ocorreu ou foi causado pela coisa sob vigilância desta cabe ao Autor (nº1, do art. 342º, do CC) e mostra-se cumprido com a prova de que o incêndio que danificou o seu imóvel começou na fração detida pela Ré lesante, não sendo exigível a prova da sub-causa, isto é, do que concretamente o originou, para que esta responda pelos danos, a não lograr afastar a presunção de culpa, o caso, e, consequentemente, perante a existência de contrato de seguro de responsabilidade civil, também a Seguradora seja responsável nos termos e com os limites estabelecidos no contrato de seguro de responsabilidade civil entre ambas celebrado.”(9)
Salienta-se que no caso em apreço os actos por si adoptados a que a Apelante fez referência para afastar a sua culpa (como as câmaras de videovigilância, os extintores existentes no estabelecimento ou o alarme sonoro de deteção de incêndio) não foram suficientes para afastar a presunção da ilicitude (omissão de vigilância) e da culpa (diligência na vigilância), ou mesmo só desta última, sabendo-se que os Apelados sofreram danos em consequência do incêndio que teve origem no estabelecimento comercial da Apelante que a mesma não conseguiu evitar, não tendo a Apelante provado que actou com a diligência que se lhe impunha para evitar aqueles danos, ou que uma outra causa desencadearia idêntico prejuízo.
Deste modo, não tendo a Apelante/1ª Ré logrado afastar a presunção de culpa e ilicitude que sobre a mesma recaía, terá de responder perante os Apelados a título de responsabilidade civil extracontratual, indemnizando-os dos danos que o incêndio lhes causou.

B. Recurso da 2ª Ré B...-Companhia de Seguros ..., SA:
1ª Questão- Nulidade da sentença prevista no art. 615º nº 1 al. b) do CPC.
Sob as Conclusões 1ª a 7ª a Apelante sustenta que relativamente aos contratos de seguro celebrados com a 1ª Ré o tribunal a quo omitiu pronúncia sobre um conjunto de factos alegados nos arts. 1º a 43º da sua contestação, factos esses respeitantes às coberturas, exclusões e limites referentes aos contratos de seguro por si celebrados.
Perfilha o entendimento de que constitui matéria carecida de prova e suscetível de decisão pelo julgador e que forçosamente deveria o tribunal ter-se pronunciado sobre esses factos.
Concluiu que a sentença incorreu em omissão de pronúncia quanto aos factos alegados nos arts. 1º a 49º da contestação, o que acarretaria a nulidade da sentença nos termos do disposto no art. 615º nº 1 al. b) do CPC e, que esse vício determina a anulação da sentença, devendo o processo regressar ao tribunal de 1ª instância, para ser suprida tal nulidade.
Simultâneamente, numa postura algo errática, nas Conclusões 8ª e 9ª afirmou que “mesmo assim se não considerando, sempre existiria um manifesto erro de julgamento no que toca aos factos dos pontos 1º a 43º da contestação, uma vez que os factos dos pontos 63º a 77º da matéria provada, não reproduzem, de forma fiel, o conteúdo dos contratos de seguro celebrados entre as Rés”, pretendendo que alguns desses factos vejam a sua redação reformulada nos moldes que apresenta.
Ficamos sem perceber se a Apelante invoca a nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto, nulidade a que alude a alínea b) do art. 615º nº 1 do CPC de que se socorreu, ou se invoca a nulidade por omissão de pronúncia, termo por ela utilizado, mas que está prevista na alínea d) e não na alínea b) do referido preceito legal.
De todo o modo, também invocou o erro de julgamento, a propósito da mesma decisão sobre a matéria de facto, o qual não se confunde com as nulidades da sentença, nem, a verificar-se, conduz ao mesmo resultado.
Parece-nos, pois, que a Apelante confunde o vício da nulidade da sentença por falta de fundamentação, com o erro de julgamento da matéria de facto, sustentando que existe nulidade da sentença porque nos pontos 63 a 77 dos factos provados não foram reproduzidos de forma fiel o conteúdo dos contratos de seguro, quanto à descrição das coberturas, limites e exclusões.
Fá-lo, embora tenha simultâneamente apresentado impugnação da decisão proferida quanto aos factos provados e não provados, pugnando pela alteração da decisão proferida quanto á matéria de facto nos moldes expostos nas Conclusões 12ª e 13ª (contendo a reformulação de redação daqueles pontos 63 a 76 dos factos provados).
O art. 615º do CPC consagra especificamente as causas de nulidade da sentença.
Sendo o elenco das alíneas do n.º 1 do art. 615º do CPC, um elenco taxativo (10), só nas hipóteses ali expressamente consignadas se coloca a hipótese de nulidade da sentença.
Segundo o invocado art. 615º nº 1 al. b) do CPC, para o que aqui importa:
“É nula a sentença quando:
(…)
b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
(…).”
A nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o disposto no art. 607º, n.ºs 3 e 4 do CPC, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
A propósito da relevância da fundamentação do acto decisório, refere Alberto dos Reis, que “As partes precisam de ser elucidadas a respeito dos motivos da decisão. Sobretudo a parte vencida tem o direito de saber por que razão lhe foi desfavorável a sentença; e tem mesmo necessidade de o saber, quando a sentença admita recurso, para poder impugnar o fundamento ou fundamentos perante o tribunal superior. Este carece também de conhecer as razões determinantes da decisão, para as poder apreciar no julgamento do recurso.
Não basta, pois, que o juiz decida a questão posta; é indispensável que produza as razões que apoiam o seu veredicto. A sentença, como peça jurídica, vale o que valerem os seus fundamentos. “ (11)
Assim defende Anselmo de Castro, quando refere que,“Há ainda que ter em conta os destinatários da sentença que, aliás, não são só as partes, mas a própria sociedade. Para que umas e outras entendam as decisões judiciais, e não as sintam como um acto autoritário, importa que as sentenças e as decisões se articulem de forma lógica. Uma decisão vale, sob o ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos. E, embora a força obrigatória da sentença ou despacho esteja na decisão, sempre a força se deve apoiar na justiça. Ora os fundamentos destinam-se precisamente a formar a convicção de que a decisão é conforme à justiça.” (12)
Dito isto, e tendo, pois, por assente a exigência de fundamentação da sentença ou de qualquer outro acto decisório (que não seja de mero expediente), não é, todavia, qualquer eventual vício ao nível da fundamentação que conduz à nulidade da sentença.
Como é entendimento pacífico da Jurisprudência e Doutrina, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do citado art. 615º do CPC.
A mera fundamentação deficiente, incompleta, não convincente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz a sua nulidade. (13)
Desde logo, como salientam quer Alberto dos Reis, quer A. Varela, não basta para que exista falta de fundamentação de facto e/ou de direito que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta ou não convincente; é preciso que haja falta absoluta ou total de fundamentação, seja de facto, seja de direito. (14)
Assim sendo, para que haja falta de fundamentação, enquanto causa de nulidade da sentença, é necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e os não coloque na base da decisão, ou, ainda, quanto aos fundamentos de direito, que o juiz não explicite as razões jurídicas que servem de apoio à solução por si adoptada. (15)
Perante o antes exposto, afigura-se-nos que no caso em apreço não ocorre o sobredito vício, uma vez que na sentença recorrida foram devidamente discriminados os factos que o tribunal a quo julgou provados e não provados, bem como foram devidamente especificados os fundamentos jurídicos subjacentes à decisão tomada.
A discordância da Apelante quanto à referida não reprodução fiel de factos por si alegados nos pontos 63 a 77 dos factos dados como provados, não consubstancia qualquer nulidade por falta de fundamentação, a sua divergência quanto aos fundamentos de facto utlizados pelo tribunal na decisão, com exclusão dos demais factos alegados, traduz argumentação a esgrimir e a resolver em sede de apreciação do mérito substantivo da sentença, da impugnação da decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, mas não em sede de vício de nulidade da sentença. (16)
A decisão recorrida contém, manifestamente, quer os fundamentos de facto, quer as razões jurídicas (fundamentos de direito) pelos quais o Tribunal a quo julgou o litígio, que alicerçam e justificam o sentido decisório a que chegou, de procedência da acção com condenação da Apelante no pedido.
Da própria argumentação da Apelante em sede do recurso interposto, resulta que o que está em causa não é uma falta (absoluta) de fundamentação de facto da sentença – que, manifestamente, não existe -, mas uma discordância quanto ao julgamento feito em 1ª instância quanto aos factos dados como provados e não provados, tendo também apresentado impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
A nulidade da sentença por falta absoluta de fundamentação de facto não se confunde com o erro de julgamento, isto é, com o erro na apreciação ou valoração da prova que se reflectiu na decisão sobre a matéria de facto considerada provada ou não provada.
Se houve redação deficiente dos factos provados, como alega a Apelante, o vício reconduz-se a um erro de julgamento passível de reapreciação em sede de recurso de mérito, enquanto impugnação da decisão da matéria de facto (que a Apelante também suscitou), mas não em sede de verificação de nulidade da sentença.
Não há falta em absoluto de fundamentação de facto, a Apelante é que não concorda com a decisão tomada pelo tribunal a quo quanto aos factos considerados provados, aos não provados e à desconsideração de alguns factos por si alegados.
Em conclusão, a sentença recorrida não enferma de qualquer falta de fundamentação (designadamente de facto) para efeitos do preceituado no art. 615º n.º 1 al. b) do CPC, improcedendo o recurso nesta parte.
Sem prejuízo, para o caso de se entender que a Apelante também suscitou a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, sobre ela teceremos algumas considerações, ainda que breves.
Segundo o disposto no art. 615º, n.º 1 al. d) do CPC é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Este comando normativo é consequência do princípio consagrado no art. 608º, n.º 2 do CPC, em que se prescreve que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Segundo ensinamento de Miguel Teixeira de Sousa, o aludido princípio é um «corolário do princípio da disponibilidade objectiva (arts. 264º, n.º 1 e 664º, 2ª parte) (17) que significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões. (…) Também a falta de apreciação de matéria de conhecimento oficioso constitui omissão de pronúncia.» (18)
Questões para efeito do referido preceito legal são «… todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes» (19), não se confundindo com os argumentos, razões ou pressupostos (de facto e de direito) em que a parte funda a sua posição sobre a questão suscitada.
Diferente das questões a decidir referidas no citado art. 608.º n.º 2 do CPC, são os factos, os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista.
São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer facto, consideração, argumento ou razão produzida pela parte.
Quando as partes submetem ao Tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o Tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão». (20)
Este entendimento tradicional decorrente da lição do Prof. Alberto dos Reis, tem sido perfilhado pela Jurisprudência, a qual, de forma reiterada, perfilha a posição de que a não apreciação de um ou mais argumentos aduzidos pelas partes não constitui omissão de pronúncia, pois que o Juiz não está obrigado a ponderar todas as razões ou argumentos alegados nos articulados para decidir certa questão de fundo, estando apenas obrigado a pronunciar-se «sobre as questões que devesse apreciar» ou sobre as «questões de que não podia deixar de tomar conhecimento.» (21)
Em suma, ao Tribunal cabe o dever de conhecer do objecto do processo, definido pelo pedido deduzido (à luz da respectiva causa de pedir) e das excepções deduzidas, devendo apreciar e decidir todas as questões trazidas aos autos pelas partes e todos os factos em que assentam, mas já não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos esgrimidos nos autos, nem sobre todos os factos alegados pelas partes, não sendo forçoso, como sustenta a Apelante, que o tribunal se tenha de socorrer ou submeter a prova todo e qualquer facto alegado pelas partes, apenas e só aqueles que forme essenciais para a decisão da causa.
A não apreciação de algum argumento jurídico invocado pelo Apelante, ou a desconsideração de um facto essencial para a decisão da causa pode, eventualmente, traduzir um erro de julgamento, mas não traduz qualquer nulidade por omissão de pronúncia e, menos o traduz a omissão de factos ainda que reputados pela parte como essenciais para o conhecimento de mérito do litígio em apreciação.
A sentença recorrida conheceu do objecto do processo, das questões que lhe incumbia conhecer, nas quais se incluíam os contratos de seguro celebrados entre as Apelantes/Rés, suas coberturas, exclusões, limites e franquias, atendendo aos aspectos que entendeu por relevantes vertidos de forma sintetizada nos pontos 63 a 77 dos factos provados, em termos suficientes para poder decidir sobre aquelas questões, sem prejuízo de sempre se poder socorrer da documentação integral junta aos autos e que corporiza tais contratos de seguro, como se extrai da decisão recorrida.
A Apelante pode discordar da decisão tomada pelo tribunal a quo de não reproduzir tais factos da forma ipsis verbis como foram por si alegados, o que não pode é alegar que a sentença é nula por omissão de pronúncia só porque não concorda com a redação daqueles pontos de facto dados como provados, porque nesse caso não se está perante uma nulidade mas uma discordância a escalpelizar em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Em conclusão, a sentença recorrida não enferma da nulidade apontada pela Apelante, improcedendo o recurso nesta parte.

2ª Questão- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Em primeiro lugar impõe-se uma palavra, ainda que breve, sobre o alegado erro de julgamento sobre os apontados factos dados como provados nos pontos 63 a 77, porque efectivamente o preciosismo apontado pela Apelante não passa disso mesmo, sendo a impugnação verdadeiramente inócua para a decisão da causa.
Isso mesmo se evidencia do facto de, desde logo, a Apelante não referir que as alterações de redação que pretende venham a ter alguma influência na decisão final e nesse caso qual.
Ora, devidamente analisadas as pretendidas alterações de redação daqueles pontos impugnados, em nada contribuirão para a pretendida revogação da condenação que lhe foi imposta, condenação essa que tomou em consideração as coberturas dos contratos de seguro, os limites do capital seguro e, da franquia a cargo da Apelante/1ª Ré, independentemente do que se mostra mais ou menos reproduzido nos pontos 63 e 77 impugnados.
A sentença recorrida conheceu das questões que lhe incumbia conhecer, nas quais se incluíam os contratos de seguro celebrados entre as Apelantes/Rés, suas coberturas, exclusões, limites e franquias e, não é pelo simples facto de não ter reproduzido fielmente todos os 49 pontos da contestação que a eles se referiam, que não os tenha sintetizado nos pontos 63 a 77 dos factos provados em termos suficientes para poder decidir aquelas questões, estando, como estão, os documentos que corporizam tais contratos de seguro juntos aos autos, os quais nem sequer foram impugnados e por conseguinte, contrariamente ao referido pela Apelante, não estavam carecidos de prova.
Não constituindo a impugnação da decisão de facto um fim em si mesmo, antes se mostra admitida enquanto meio ou instrumento que visa permitir à parte que impugna a decisão de facto a revogação/alteração da decisão final, ou seja, como meio que visa a demonstração de um determinado direito que a sentença não concedeu, entendemos que, a impugnação da decisão de facto é de rejeitar quando, em razão das circunstâncias específicas do caso submetido a julgamento, em razão das regras do ónus da prova ou do regime jurídico aplicável, a eventual alteração da decisão de facto não assume relevo para a decisão a proferir, pois que, em tal circunstancialismo, a respectiva actividade jurisdicional revelar-se-ia como inconsequente ou inútil. (22)
Assim, sendo esse o caso e, tendo sido dada como provada de forma mais sintetizada a matéria de facto que importa para a decisão da causa e, não estando demonstrado que a alteração tenha alguma consequência ao nível da decisão final proferida, revelando-se o seu conhecimento inútil, não se conhecerá deste segmento da impugnação da decisão da matéria de facto relativamente à pretendida alteração de redação dos pontos 63 a 77 dos factos provados
Relativamente às Conclusões 14ª a 40ª, cumprindo minimamente os mencionados ónus de impugnação da matéria de facto, nos moldes apontados aquando do conhecimento da mesma questão suscitada pela Apelante/1ª Ré, que aqui se reiteram, alegou a Apelante/2ª Ré que, face à prova produzida, encontram-se incorrectamente julgados os pontos das alíneas d), e), f), n), o), p), q), r), s), t), u) e v) dos factos não provados, os quais devem ser dados como provados, com base no relatório da Polícia Judiciária e no depoimento da testemunha EE (inspector da policia judiciária).
Uma vez que grande parte dos pontos impugnados foram já decididos aquando do conhecimento da mesma questão suscitada pela Apelante/1ª Ré, sendo inútil a sua repetição nesta sede, dá-se tudo quanto diz respeito às alíneas d), e), n), o), q), r), s) e u) aqui por reproduzido, avançando-se para o conhecimento dos restantes pontos impugnados relativos às alíneas f), p), t) e v) dos factos não provados.
Para melhor percepção da matéria de facto que está em causa, passa-se a reproduzi-los:
f) Pois, momentos antes da deflagração do fogo, encontravam-se na loja, para além dos funcionários da segurada da Ré, um jovem e um casal;
p) De resto, um dos clientes que se encontrava na loja nos instantes que antecederam o acionamento do alarme de fogo adquiriu umas luvas de plástico, as quais estavam colocadas junto ao ponto de início do incêndio, tudo apontado que foi essa a pessoa que ateou o incêndio.
t) Na fração “C” a segurada da Ré mantinha, apenas, escaparates com sapatos e malas.
v) Existia um sistema de videovigilância que captava vários pontos da loja.
Relativamente à matéria vertida nas alíneas f) e t) dos factos não provados não se vislumbra que relevância possam ter no resultado que se pretende com a impugnação destes pontos de facto, pois que ainda que viessem a ser dados como provados, conforme pretendido pela Apelante, em nada interferem com a sentença final, sendo inconsequentes, não permitindo a revogação da condenação que foi imposta à aqui Apelante, logo, pelos fundamentos anteriormente referenciados, destes pontos impugnados não se conhecerá .
No que diz respeito à alínea v) dos factos não provados, atendendo a que a existência do sistema de videovigilância no estabelecimento da Apelante já consta do ponto 96 dos factos provados, também não se vê utilidade na pretendida alteração.
Quanto à alínea p) dos factos não provados, ainda que se desse como provado que “um dos clientes que se encontrava na loja nos instantes que antecederam o acionamento do alarme de fogo adquiriu umas luvas de plástico, as quais estavam colocadas junto ao ponto de início do incêndio”, não foi produzida prova suficiente, séria e consistente de que tenha sido esse cliente, ou qualquer outro cliente, o autor do incêndio, nem que tivesse pretendido causar aquele incêndio, que o mesmo tenha sido dolosamente deflagrado por aquela pessoa.
Não há indícios seguros, coerentes, consistentes, para que se possa afirmar “tudo apontando que foi essa a pessoa que ateou o incêndio”, pelo contrário, aliado á ausência de prova, afigura-se-nos contrário às regras da experiência e da lógica que alguém que tivesse esse propósito e tivesse ateado fogo momentos antes, se mantivesse calmamente junto à caixa para pagar, aguardando a funcionária que naquele momento ali não se encontrava, de rosto e cabeça destapados, perfeitamente sujeito a ser identificado nas câmaras de videovigilância, câmaras essas que não desconheceria existirem como habitualmente existem neste tipo de bazares de venda de artigos chineses, como se pode comprovar das imagens extraídas desse sistema de videovigilância e que se mostram juntas aos autos.
Deste modo, nenhuma censura merece a decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto impugnada, a qual se mantém inalterada pelas razões acima expostas.

3ªQuestão-Exclusão da responsabilidade da 2ª Ré pelos danos sofridos pelos Apelados por o incêndio ter sido doloso.
Em bom rigor, tal como aconteceu com a Apelante/1ª Ré, também a argumentação em que a Apelante/2ª Ré alicerçava o afastamento da sua responsabilidade enquanto seguradora ficou arredada perante a inalterabilidade dos factos não provados, sendo inegável concluir que na ausência de prova que o incêndio tenha sido dolosamente deflagrado por terceiro e, tendo sido celebrado seguro de responsabilidade civil com a Apelante /1ª Ré que cobre o risco de indemnizar os danos causados a terceiros em virtude de responsabilidade civil imputável à segurada, designadamente decorrente da sua actividade, tendo o incêndio tido inicio na loja onde tal actividade era exercida, que embora se tenha iniciado na fração A, propagou-se para as demais frações da loja da segurada da Apelante/2ª Ré, incluindo a fração B e C, estando todas na posse exclusiva da segurada e afectas ao exercício da sua actividade como se de uma única fração se tratasse ( sendo esta responsável quer como proprietária, quer como locatária), não tendo a Apelante seguradora logrado fazer a prova de que o incêndio não teria tido causa acidental, por se tratar de matéria impeditiva do direito invocado pelos Apelados ( art. 342º, nº 2, do mesmo Código), sobre ela recai igualmente o dever de suportar as indemnizações em que a sua segurada foi condenada, tal como o decidiu o tribunal a quo.
A esse propósito pode-se ler na sentença recorrida o seguinte:
“No que diz respeito à ré seguradora, provou-se que foi celebrado entre as duas Rés quatro contratos de seguro, dois deles que cobrem as indemnizações que possam recair sobre o proprietário segurado por responsabilidade civil extracontratual, designadamente “Por quaisquer materiais, equipamentos, utensílios ou decorações, interiores ou exteriores, incluindo tabuletas ou outros objetos de identificação ou publicidade, existentes no estabelecimentos, instalações ou outros espaços ocupados pelo Segurado para o exercício da sua atividade; b) Por mercadorias e embalagens de qualquer espécie, existentes nos estabelecimentos, instalações ou outros espaços ocupados pelo Segurado para o exercício da sua atividade; c)Na qualidade de proprietário de terrenos, edifícios, instalações e equipamentos afetos a atividade objeto do presente contrato” e outos dois que cobrem especificamente os riscos de incendio resultante da atividade exercidas nos locais identificados com exercício da atividade da 1ª Ré.
O contrato de seguro celebrado entre as rés tem a sua previsão nos artigos 425º e seguintes do Código Comercial, na altura em vigor e entretanto revogados e substituídos pelo DL 72/2008 de 16/04, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2009.
No contrato são previstas exclusões da responsabilidade, nomeadamente no caso de incêndio (artigo 4 g) do capítulo I, título II das condições gerais), mas não foi feita a prova de que as mesmas se verificaram, prova cujo ónus cabia à ré seguradora, por força do artigo 342º nº2 do CC.
E, quanto à transferência da responsabilidade por danos causados a terceiros, decorrendo a mesma da atividade da 1ª ré e prevendo-se como condição de cobertura dos danos causados a terceiros que o sinistro faça incorrer a segurada em responsabilidade extracontratual tal condição está preenchida, já que, como acima se expôs, a 1ª ré incorre em responsabilidade extracontratual pelos danos causados a terceiros com o incêndio por via da atividade exercida no local e por via da sua qualidade de proprietário/locatário da referida atividade e locais onde a mesma se exerce.
Está, portanto, também a 2ª ré obrigada a indemnizar os prejuízos sofridos pelos Autores.”
Sustentando a exclusão da responsabilidade que lhe é imputada na sentença recorrida, a Apelante/2ª Ré convocou, ainda, em abono da sua posição, o Ac STJ de 19/10/2022 que uniformizou a seguinte jurisprudência (AUJ nº 9/2022):
“A cláusula contratual geral inserta em contrato de seguro, mesmo facultativo, em que se define o sinistro “incêndio” como “combustão acidental”, não cobre, no seu âmbito e alcance, o incêndio causado dolosamente por terceiro, ainda que não seja identificado o seu autor.”
Cremos, porém, que a jurisprudência aí uniformizada não tem aplicabilidade no caso em apreço, nem permite, como pretende a Apelante, excluir a sua responsabilidade.
No AUJ nº 9/2022 é referido, com interesse para o que aqui se discute, que o objecto do recurso de uniformização de jurisprudência é a “interpretação, através da contribuição das regras definidas no artigo 236º, nº 1, do Código Civil (teoria da impressão do destinatário), do âmbito e alcance da cláusula contratual geral inserta no contrato de seguro respeitante ao sinistro “Incêndio”, definido como a “combustão acidental, com desenvolvimento de chamas, estranha a uma fonte normal de fogo, ainda que nesta possa ter origem, e que se pode propagar pelos seus próprios meios”.
Debate sobre a inclusão ou exclusão do incêndio causado dolosamente por terceiro (ainda que não identificado) no conceito-base do contrato de seguro de incêndio.
Assim, importará concretamente saber se tal fórmula, de carácter genérico e abstracto, deverá ser interpretada no sentido de abranger não só o incêndio de origem casual ou fortuita, mesmo que com a participação negligente do segurado mas sem intervenção humana dirigida propositadamente à sua eclosão, ou, de forma mais ampla e favorável ao segurado, o incêndio dolosamente provocado por terceiro (excluindo o segurado e/ou pessoa por quem seja civilmente responsável), ainda que não seja identificada a concreta autoria do acto.
Isto em eventual consonância ou conjugação com a cláusula de exclusão de cobertura onde se prevêem os “actos ou omissões dolosas do Tomador do seguro, do Segurado, ou de pessoas por quem seja civilmente responsável”, pelo facto de nenhuma outra cláusula de exclusão incluir, em termos estritamente formais e no seu efeito excludente, os actos dolosos de incêndio praticados por terceiro.
O que significa apurar, aproveitando a contribuição prestada pelo critério legal referente à impressão do destinatário (segurado), expresso no artigo 236º, nº 1, do Código Civil, se tal cláusula reclama uma interpretação mais lata (conjugada com a cláusula de exclusão de cobertura que apenas alude à responsabilidade do segurado ou de pessoa de quem seja civilmente responsável), que integre, no âmbito de cobertura do contrato de seguro, os actos dolosos praticados por terceiros causadores do sinistro incêndio, ou, pelo contrário, uma interpretação mais restrita, confinando-se nesses termos a cobertura do seguro ao incêndio de origem meramente acidental, não provocado, em qualquer circunstância, por mão humana (intencional).”
No final, a conclusão a que se chegou neste AUJ nº 9/2022 foi a de que “ a combustão acidental que constitui conceptualmente o sinistro no contrato de seguro de incêndio é aquela que nasce espontaneamente, sem programação ou premeditação, de forma fortuita e casual, inadvertidamente, o que não sucede quando o incêndio é provocado voluntariamente, de forma dolosa, por terceiro.”
E assim, a uniformização de jurisprudência recaiu apenas e só, como não podia deixar de ser, sobre a interpretação a dar à cláusula aposta nos seguros de incêndio (obrigatórios ou facultativos) sobre o conceito de incêndio enquanto combustão acidental.
Como é bom de ver, não está em questão, nestes autos, qualquer interpretação sobre tal cláusula nos contratos de seguro celebrados entre as Apelantes, não se discute o sentido a dar a tal tipo de cláusula, se estão ou não cobertos os incêndios causados dolosamente por terceiro, desde logo porque nenhuma das partes suscitou tal questão, nem demonstram dissentir na interpretação desse tipo de cláusula.
O que realmente está em causa nestes autos é o pressuposto prévio de que partiu aquela jurisprudência, que o incêndio tenha sido causado dolosamente por terceiro, ainda que esse terceiro não se tenha conseguido identificar- pressuposto esse que dependia necessariamente de prova e, cujo ónus recaía inegavelmente sobre ambas as Apelantes/Rés.
Para que fosse convocado o referido AUJ nº 9/2022, necessário seria que as Apelantes /Rés, de forma a excluírem a sua responsabilidade, tivessem logrado provar factos concretos que permitissem concluir que o incêndio teve origem em mão humana, foi provocado, premeditado, intencional, por alguém com o propósito de deflagrar aquele incêndio.
Sendo secundária a questão da identificação do terceiro causador do incêndio, não deixa de ser essencial a prova de que o incêndio teve origem em intervenção humana dirigida propositadamente à sua eclosão.
Para que a responsabilidade das Apelantes fosse excluída, seria sempre necessário que tivesse ficado positivamente provado que o incêndio teve intervenção humana, qualquer que tenha sido o meio ou a forma utilizada para o atear, dirigida propositadamente para a sua deflagração, o que manifestamente não ficou provado.
Falhando essa prova do acto doloso de incêndio praticado por terceiro, cair-se-á no conceito de combustão acidental, onde se inclui qualquer origem casual ou fortuita, meramente acidental, inadvertida, ou com participação humana mas meramente negligente (do segurado ou de outrem), que fará recair a responsabilidade civil extracontratual pelos danos causados a terceiros sobre a proprietária/locatária da coisa onde o incêndio teve início e, a seguradora que garantiu por meio de seguro o pagamento das correspondentes indemnizações decorrentes desse tipo de sinistro.
A Apelante 1ª Ré só não responderia perante os Apelados se tivesse logrado provar que o incêndio se devera a acto doloso de terceiro, por forma a ilidir a presunção de culpa e de ilicitude que resulta do art. 493º nº 1 do CC, prova essa que não logrou fazer.
Por seu turno, a Apelante 2ª Ré só não responderia se tivesse logrado provar que o incêndio fora causado dolosamente por terceiro- nele se incluindo o segurado ou qualquer outro terceiro- ainda que não fosse identificado o seu autor, por forma a excluir esse sinistro da cobertura do seguro de incêndio, prova essa que também não logrou efectuar.
O AUJ só teria aplicabilidade se estivesse provado que o incêndio tinha tido origem em intervenção humana dirigida propositadamente para a sua eclosão, porque provado esse pressuposto, segundo a referida jurisprudência uniformizada, ainda que se desconhecesse a pessoa concreta que o despoletou, tal incêndio estaria excluído do seguro.
Não é manifestamente o caso dos autos, em que não está provado que o incêndio tenha tido origem em intervenção humana dirigida propositadamente para a sua eclosão, logo, ambas as Apelantes respondem perante os Apelados pelos danos que estes sofreram em virtude daquele incêndio.
Tal como exemplarmente decidido no Ac STJ de 10/11/2022 que, ao que se conhece, traduz a jurisprudência consolidada dos tribunais superiores, com plena aplicabilidade ao caso em apreciação, “atendendo às regras de repartição do ónus de prova, cabe ao lesado alegar e provar a ocorrência do incêndio e os danos sofridos, como factos constitutivos do seu direito (art. 342º, nº 1, do C.Civil), recaindo sobre a seguradora a prova de que o incêndio não teria tido causa acidental, por se tratar de matéria impeditiva do direito invocado ( art. 342º, nº 2, do mesmo Código).
Assim, não se apurando a causa de um incêndio, deve a consequência da ausência de prova consistente funcionar contra quem tinha o ónus de demonstrar que o incêndio não foi acidental, ou seja, contra a seguradora.”(23)
Sendo também esse o nosso entendimento, nada há que alterar na sentença recorrida a esse propósito, mantendo-se a condenação da Apelante/2ª Ré a pagar aos Apelados os prejuízos comprovadamente resultantes do incêndio que se iniciou nas frações seguras por esta Apelante.

4ªQuestão-Condenação a liquidar posteriormente, atendendo à necessidade de rateio do capital seguro.
Nesta sede a Apelante alega que ao valor do capital seguro de €250.000,00 tem direito a deduzir a franquia a cargo da segurada- 1ª Ré- no valor correspondente a 10% a abater no valor da indemnização devida.
A sentença recorrida acolheu essa pretensão, pois que na condenação desta Apelante mandou deduzir a franquia de 10%, colocando-a a cargo da 1ª Ré, pelo que nada há a alterar relativamente a esse segmento decisório.
Mais alegou a Apelante que o capital seguro foi, todavia, fixado por sinistro, pelo que, sendo vários os lesados, pode suceder que o valor total das indemnizações ultrapasse o capital seguro, in casu 250.000,00€, caso em que as pretensões dos lesados, por força do art. 142.º, n.º 1 da LCS, são proporcionalmente reduzidas até à concorrência desse capital.
Consequentemente, pretende que a sua condenação seja no que vier a ser liquidado, ao abrigo do art. 609º nº 2 do CPC, por se desconhecer, no caso e neste momento, se o valor das indemnizações devidas ultrapassa ou não o capital seguro, não dispondo o tribunal de elementos suficientes para fixar com exactidão o valor da indemnização devida aos Apelados.
Referiu ainda que, desconhecendo-se, no caso, se o valor das indemnizações devidas ultrapassa ou não o capital seguro, o Tribunal não dispõe de elementos suficientes para fixar com exactidão o valor da indemnização devida ao A., pelo que, ao abrigo do 609.º, n.º 2 do CPC, é forçoso condenar a 2.ª R. no que vier a ser liquidado.
A esse propósito o tribunal a quo na fundamentação de direito, local próprio para abordar tal questão que lhe havia sido suscitada pela 2ª Ré em sede de contestação, nada disse, tendo a final condenado a 2ª Ré em quantia líquida, sem relegar a fixação da indemnização para liquidação, com excepção do segmento vertido na al. b) do dispositivo, respeitante aos danos não patrimoniais dados como provados.
Porém, essa questão foi abordada em sede de “Motivação”, embora nenhuma matéria de facto a esse propósito tenha sido levada ao elenco dos factos provados e não provados.
Dessa decisão pode ler-se o seguinte:
“ De referir ainda que, não obstante, ter sido feita prova nos autos de que são muitos os lesados pelo incendio, que à data 05/06/2017, existiam e estavam em vigor várias apólices de seguro que cobriam o risco de danos decorrentes de incêndio sofridos por diversas frações do prédio em regime de propriedade horizontal onde ocorreu o incêndio, bem como os danos sofridos pelas partes comuns desse edifício, na proporção da permilagem de cada uma das frações em seguras, e que algumas das seguradoras como a D..., Companhia de Seguros, SA, a E..., Companhia de Seguros, SA, a C..., Companhia Portuguesa de Seguros, SA, a F..., Companhia de Seguros, SA , entre as demais, já assumiram os riscos por incêndio sofridos pelas frações por si seguradas ou seguradas por apólice celebrada pelo condomínio, e procederam ao pagamento das indemnizações reclamadas com o custo da construção, reconstrução ou reparação do imóvel (partes comuns) e suas frações, mediante prévia avaliação.
Mais provou, que se encontram a correr ações judiciais intentadas por vários proprietários e/ou detentores de frações integradas nesse prédio em regime de propriedade horizontal, que identifica e cujas ações judiciais e valores dessas também identificou, destinadas estas a obter o ressarcimento dos danos que alegam ter sofrido em resultado do incêndio.
Considerando que a Ré não identificou mais quaisquer ações judiciais e que considerando a data de incendio, o direito de mais alguém vir a intentar se encontra prescrito, assim como está prescrito o direito de as seguradoras que pagara virem pedir a sub-rogação pois o prazo de prescrição do direito da seguradora que houver pago a indemnização, não se conta desde a data do incendio mas sim desde a data do pagamento, por aplicação analógica do disposto no nº 2 do art. 498º do C. Civil.
Considerando ainda as ações intentadas e os valores das ações identificadas que não serão correspondentes necessariamente às condenações mas ainda que sejam, os valores dos contratos de seguro em referencia, são suscetíveis de cobrir todos os valores indicados pela 2º Ré no ponto 247º da sua contestação, não se vêm razões para se relegar para momento ulterior a fixação e quantificação da indemnização aos Autores, considerando que os danos a indemnizar foram concretizados pelos Autores, resultam provados.”
Embora conste dos autos que do mesmo sinistro resultaram vários lesados e, que os danos terão sido avultados, não existe matéria de facto no elenco dos factos provados que comprove a provável necessidade de redução da indemnização atribuída aos aqui Apelados em função de um eventual rateio do capital seguro caso a Apelante/2ª Ré venha a responder por várias importâncias indemnizatórias, decorrente de o capital seguro ter sido fixado por sinistro.
A indemnização pelos danos de natureza patrimonial foi liquidada em quantia certa, por se terem apurado os elementos necessários à sua fixação, o mesmo não tendo acontecido relativamente aos danos de natureza não patrimonial, que o tribunal a quo relegou para liquidação prévia à execução de sentença, tal como inicialmente havia sido pedido pelos Autores.
Na parte da condenação em quantia certa, respeitante aos danos patrimoniais e dano da privação do uso (al. a) do dispositivo da sentença recorrida) não estamos perante um caso de desconhecimento do valor exacto do dano, porquanto os elementos de facto apurados a esse respeito revelaram-se suficientes para a quantificação da indemnização.
O que é discutível é a eventual necessidade de rateio do capital seguro por vários lesados, para além dos aqui Apelados, caso em que, por força do disposto no art. 142º nº 1 da LCS, as pretensões dos lesados deverão ser proporcionalmente reduzidas até à concorrência desse capital.
Contudo, essa necessidade neste momento não está concretizada em termos de podermos concluir que será realmente necessária alguma redução na indemnização fixada aos aqui Apelados, tudo dependerá das quantias indemnizatórias que vierem a ser fixadas aos outros lesados (que de algum modo estão balizadas pelos pedidos judiciais já formulados nas acções pendentes).
Estando remetido para liquidação outra parte da indemnização, relativa aos danos não patrimoniais, sabendo-se que a necessidade de eventual rateio só será possível de aferir quando todas as reclamações indemnizatórias pendentes estiverem definitivamente liquidadas, essa questão poderá ser atendida nessa sede, de liquidação da indemnização global, desde que a Apelante/2ª Ré convoque os factos necessários à sua atendibilidade.
Deste modo, considera-se que nada impede a condenação no pedido líquido relativo aos danos de natureza patrimonial e do dano da privação do uso, mantendo-se a condenação nos termos em que foi proferida pelo tribunal a quo, a qual inclui igualmente condenação a liquidar posteriormente quanto aos danos de natureza não patrimonial, sem prejuízo de eventual necessidade de ser operada redução proporcional nos termos do art. 142º nº 1 da LCS nessa fase.

5ª Questão- Reforma quanto a custas.
A Apelante pede a reforma da sentença quanto a custas, alegando que a condenação deveria ter sido assim:
As custas são devidas pelo Autor e pelas Rés, na proporção do decaimento.
Invocou para o efeito o disposto no art. 446º nº1, 2 e 3 do CPC, certamente por lapso, pois que tal matéria está actualmente vertida no art. 527º do CPC que dispõe que a decisão que julgue a acção condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito, entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for e, que no caso de condenação por obrigação solidária, a solidariedade estende-se às custas.
No caso em apreço os Apelados/Autores haviam formulado na petição inicial um pedido líquido e dois pedidos genéricos, estes a liquidar em execução de sentença, como se pode ver do final desse articulado:
“a) – Serem as RR. condenadas a pagar aos AA. a titulo de privação de uso, danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência directa e necessária do incêndio em apreço a quantia global de € 15.971,18 (quinze mil novecentos e setenta e um euros dezoito cêntimos.
b) – Serem os RR. condenados a pagar à A. mulher a quantia que vier a ser fixada pelos danos não patrimoniais por esta sofridos com o estado de ansiedade de que padece, em consequência directa e necessária do incêndio em apreço, cujo cômputo se relega para execução de sentença uma vez que ainda se estão a produzir por ainda não se encontrar curada.
c) Serem os RR. condenados a pagar aos AA. a quantia que estes vierem a despender na pintura da casa que habitaram da propriedade de CC, cujo cômputo se relega para execução de sentença uma vez que ainda se estão não procederam à pintura da mesma e desconhecem, neste momento, qual o preço que tal acarreta.”
Da sentença recorrida consta o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência:
a) Condeno a 1ª Ré a pagar aos Autores, a titulo de danos patrimoniais e dano de privação de uso, a quantia global de € 12.315,31 (doze mil trezentos e quinze euros e trinta e um cêntimos) e a 2ª R. a pagar esta mesma quantia, deduzida de 10% da franquia a cargo da 1ª Ré, acrescidas uma e outra de juros de mora de 4% ao ano desde a citação até integral pagamento, absolvendo-as do restante peticionado a estes títulos.
b) Condeno a 1º Ré a pagar aos Autores quantia a liquidar em incidente de liquidação desta sentença, do valor respeitante aos danos não patrimoniais dados como provados e a 2ª Ré da quantia que vier a ser liquidada, deduzida a franquia de 10% a cargo da 1ª Ré, o valor que vier a ser liquidado, acrescidas uma e outra de juros de mora de 4% ao ano desde a citação até integral pagamento, absolvendo-as do restante peticionado.
As custas são devidas pelos Autores e pela Ré, nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 527º do Código de Processo Civil, na proporção de 2% para o Autor e 98% para a 2ª Ré ( artigo 607º, nº 6 do CPC).”
Tal como referem A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Pires de Sousa, em anotação aos arts. 527º e 609º do CPC, “a lei não estabelece uma regra segura quanto à atribuição da responsabilidade pelas custas nos casos de condenação total ou parcialmente ilíquida. A solução deve ser encontrada através da ponderação dos referidos princípios.
(…) Assim, se a condenação genérica tiver subjacente a formulação de um pedido genérico, a responsabilidade recairá sobre o réu.
Já se tiver sido formulado um pedido líquido e a sentença for ilíquida, a solução passa por condenar ambas as partes na proporção adequada, sem prejuízo dos acertos que forem justificados pelo resultado final, após a efectivação da liquidação.
Regras que serão de aplicar, mutatis mutandis, nos casos em que, tendo sido formulado pedido líquido, a sentença se dividir em duas partes, uma liquida e outra ilíquida ( Cf. Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, pp.240 e 241).
(…) Se a decisão proferida na acção importar a responsabilidade solidária de diversos devedores, também essa característica se transmite automaticamente á obrigação de pagamento de custas.”(24)
Não temos dúvidas que ambas as partes ficaram vencidas, uma vez que a pretensão dos Apelados/Autores só foi julgada parcialmente procedente e, na parte em que ambas as Apelantes/Rés ficaram vencidas nessa proporção deverão ficar ambas responsáveis pelas custas.
Sendo certo que houve condenação numa parte líquida e noutra ilíquida, não é menos certo que quanto a esta última o pedido também já havia sido inicialmente feito em termos genéricos.
Em suma, o mais correcto seria terem sido condenados em custas os Autores e as Rés, na proporção do respectivo decaimento, que foi fixada em 2% para os Autores e 98%para as Rés, provisoriamente, sem prejuízo dos eventuais acertos que se julguem justificados pelo resultado da liquidação do pedido genérico, o que agora se determina.
*
Relativamente às custas nesta instância de recurso, afigura-se-nos que apesar de a Apelante B...- Companhia de Seguros ..., SA, ter obtido vencimento no segmento das custas fixadas em 1ª instância, na economia do recurso esse vencimento tem uma expressão ínfima, praticamente irrisória, já que se manteve a sua condenação nas indemnizações devidas aos Apelados e inclusivamente a sua condenação nas custas, apenas tendo visto alargada a condenação em custas à co- Ré A..., Unipessoal, Lda.
Deste modo, as custas, nesta instância, serão a suportar maioritariamente pelas Apelantes/Rés, na proporção de 99%, ficando 1% a cargo dos Apelados.
**
V. DECISÃO:
Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto:
1. julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Apelante A..., Unipessoal, Lda, mantendo-se a sentença recorrida.
2. julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela Apelante B...- Companhia de Seguros ..., SA, reformulando a condenação em custas proferida na sentença recorrida, dela passando a constar:
Custas a cargo dos Autores e das Rés, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa provisoriamente em 2% para o Autor e 98% para as Rés, sem prejuízo dos eventuais acertos que se julguem justificados pelo resultado da liquidação do pedido relativo aos danos não patrimoniais
No mais mantendo-se a sentença recorrida.
Custas, neste instância, a cargo de Apelantes e Apelados, na proporção de 99% e 1% respectivamente.
Notifique.

Porto, 12 de Julho de 2023
Maria da Luz Seabra
Artur Dionísio Oliveira
Maria Eiró

(O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)
________________
(1) F. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 147 e A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, pág. 92-93.
(2) Cadernos Temáticos De Jurisprudência Cível Da Relação, Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consultável no site do Tribunal da Relação do Porto, Jurisprudência
(3) Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, UCP, pág. 321
(4) Direito das Obrigações, 11ª ed., págs. 585/6
(5) BMJ, nº 85, pág. 378
(6) Proc. nº 1506/11.1TBOAZ.P1.S1, www.dgsi.pt
(7) Ob. Cit, pág. 322
(8) Código Civil Anotado, Vol. I, 2017, pág. 639
(9) Proc. Nº 641/20.0T8PVZ.P1, www.dgsi.pt
(10) A. Varela, Manual de Processo Civil, pág. 686.
(11) Alberto dos Reis, CPC Anotado, Volume V, p. 139
(12) Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume III, p. 96/97; no mesmo sentido A. Varela, Manual de Processo Civil, pág. 687/689.
(13) A. VARELA, M. BEZERRA, S. NORA, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 687-688; AC STJ de 14.12.2016, www.dgsi.pt.
(14) Alberto dos Reis, ob. Cit., pág. 140 e A. Varela, ob. Cit., pág. 687
(15) A. Varela,ob. cit., pág. 688.
(16) neste sentido AC RP de 13.05.2013, www.dgsi.pt.
(17) Paulo Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil , I volume, 2ª edição, pág. 34-46.
(18) Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 1997, pág. 220-221.
(19) A. Varela RLJ, ano 122º, pág. 112.
(20) Alberto dos Reis, CPC Anotado, volume V, 1984, pág. 143.
(21) AC STJ de 7.07.2016, relatora Consª. Ana Luísa Geraldes, AC STJ de 21.10.2014, relator Consº. Gregório Silva Jesus e AC STJ de 8.02.2011, relator Consº. Moreira Alves, www.dgsi.pt.
(22) Vide, neste sentido, por todos, A. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil – Novo Regime, 2ª edição, 2008, pág. 297-298, AC STJ de 29.09.2020, relator Sr. Juiz Conselheiro JORGE DIAS, AC STJ de 17.05.2017, relator Sr.ª Juíza Conselheira FERNANDA ISABEL PEREIRA, AC RC de 27.05.2014, relator Sr. Juiz Desembargador MOREIRA do CARMO e AC RP de 19.05.2014, relator Sr. Juiz Desembargador CARLOS GIL, todos disponíveis in dgsi.pt.
(23) Proc. Nº 3311/16.0T8PDL.L2.S1, www.dgsi.pt
(24) CPC Anotado, Vol. I, pág. 602 e 755-756