Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | RUI PENHA | ||
| Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA CONFIDENCIALIDADE DE INFORMAÇÕES OU DA RECUSA DA SUA PRESTAÇÃO OU DA REALIZAÇÃO DE CONSULTAS JUÍZOS DE TRABALHO COMPETÊNCIA MATERIAL EMPRESAS ACTIVIDADE SOCIAL DEVER DE INFORMAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP20221128209/22.6T8VFR.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/28/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
| Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Os juízos do trabalho são competentes para conhecer da acção especial de impugnação da confidencialidade de informações ou da recusa da sua prestação ou da realização de consultas, prevista nos arts. 186º-A a 186º-C, nos termos do disposto al. b) do nº 1, do art. 126º da Lei da Organização do Sistema Judiciário. II - Só se verifica a nulidade por omissão de pronúncia quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não se confundindo a mesma com o chamado erro de julgamento. III - Não se verifica a violação do princípio do contraditório a decisão de direito produzida na sequência da não consideração de factos alegado na contestação, quando a parte teve oportunidade de apresentar toda a defesa em tal peça processual. IV - As empresas estão obrigadas à prestação anual de informação sobre a actividade social das mesmas, nos termos do art. 32º, da Lei nº 105/2009, de 14 de Setembro. Esta obrigação não viola o Regulamento Geral de Protecção de Dados (Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Abril de 2016), nem as normas constitucionais sobre a liberdade sindical ou a protecção da privacidade. V - Tais informações são expurgadas de elementos nominativos, excluindo o sexo, com excepção das remunerações em relação aos sindicatos. É, portanto, legítima a pretensão do sindicato que a empresa onde trabalham trabalhadores nele sindicalizados, lhe forneça o Relatório Único anual, com todos os seus anexos, ainda que com as condicionantes legais referidas. VI - O montante da sanção será determinado equitativamente, ponderada a condição do obrigado e os interesses em causa, nomeadamente do credor, mas sem ignorar a finalidade coerciva no cumprimento da obrigação. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo nº 209/22.6T8VFR.P1 Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório O Sindicato ..., com sede na Avenida ..., em S. João da Madeira, patrocinado por mandatário judicial, veio intentar a presente ação especial de impugnação de recusa de prestação de informação contra E..., Lda., com sede na Rua ..., S. João de Ver. Formula os seguintes pedidos: a) Ser a R. condenada a entregar à A. o Relatório Único de 2020, contendo todos os seus anexos, no prazo de 10 dias a contar da data do trânsito em julgado da decisão. b) Ser a R. condenada a pagar a sanção pecuniária compulsória de € 500 (quinhentos euros) por cada dia que se verificar de atraso na entrega efetiva à A. do Relatório Único de 2020 (contendo todos os seus anexos), sendo metade desse valor para o A. e a parte restante para o Estado. Alega em síntese que: é uma associação sindical que tem por finalidade promover e defender os interesses sócio-profissionais dos trabalhadores das indústrias do calçado, malas e afins, sediadas em Portugal; A R. é uma sociedade comercial que se dedica ao fabrico e comercialização de calçado; A R. possui uma fábrica de calçado, onde trabalham cerca de 1200 pessoas, das quais 604 são sócios da A.; o Relatório Único representa uma obrigação única, a cargo dos empregadores, de prestação anual de informação sobre a atividade social da empresa; Na fábrica de calçado da R. não existe comissão de trabalhadores, nem existe comissão intersindical; Na fábrica de calçado da R. existe uma comissão sindical, composta pelas delegadas sindicais da A.; Durante o ano de 2021, a A. solicitou à R. a entrega do Relatório Único, referente ao ano de 2020, através de emails enviados 24-02-2021, 11-03-2021, 24-09-2021 e 07-10-2021; No entanto, até à presente data, a R. não enviou à A. o Relatório Único, referente ao ano de 2020; o documento que a R. enviou à A. apenas faz referência aos trabalhadores da empresa que se encontram sindicalizados na A., omitindo qualquer referência aos restantes trabalhadores não sindicalizados; Para além disto, a R. não enviou à A. os documentos que compõem o Relatório Único de 2020. Regularmente citada, veio a ré contestar, invocando a incompetência material do tribunal, e, impugnando, alega em síntese: A R. forneceu ao Sindicato o quadro de pessoal com a informação completa relativa aos trabalhadores nele sindicalizados; mas entende que não está obrigada a fornecer ao Sindicato os dados pessoais, da intimidade da vida privada e económico-patrimonial, dos seus trabalhadores não sindicalizados; Acresce que a informação salarial envolve a divulgação de matéria de sigilo comercial, podendo colocar em causa a estabilidade e a organização da empresa, no mercado mundial. Impugnou o valor atribuído à acção pelo autor. O autor respondeu à questão da incompetência do tribunal e invocou a inconstitucionalidade da interpretação da ré, ao que esta respondeu sustentando a nulidade da pronúncia quanto à invocada inconstitucionalidade. Foi proferido despacho no qual se consignou: “por razões de economia processual e ao abrigo dos deveres de gestão processual e de adequação formal contemplados nos artigos 6º, nº 1 e 547º, do Código de Processo Civil, determina-se que se mantenha nos autos o articulado em causa na sua integralidade, cujo teor será ponderado pelo Tribunal, indeferindo-se a nulidade invocada.” De seguida foi proferida sentença, na qual se julgou “improcedente a excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal” e se decidiu a final: “julga-se totalmente procedente a presente acção e, em consequência: A) Condena-se a ré a entregar à autora o relatório único de 2020, contendo todos os seus anexos, no prazo de 10 dias, a contar do trânsito em julgado da presente decisão. B) Condena-se a ré a pagar a sanção pecuniária compulsória de € 500,00 (quinhentos euros) por cada dia de atraso que se verificar na entrega efectiva à autora do relatório único de 2020, contendo todos os seus anexos, sendo metade desse valor para a autora e a parte restante para o Estado. C) Condena-se a ré no pagamento das custas processuais. Fixou-se à acção o valor de € 5.000,01. Inconformada interpôs a ré o presente recurso de apelação, concluindo: I- Competência material 1. O presente processo, intentado pelo Sindicato contra uma empregadora, do mesmo setor, tendo em vista a prestação de informação, não se encontra abrangida na competência cível dos Juízos do Trabalho, regulada no art. 126º da LOSJ – Lei 62/2013, caindo na malha do tribunal comum, o que é fundamento de incompetência absoluta do tribunal [art. 96º, a), do CPC]. 2. A competência do tribunal não se confunde com legitimidade processual (art. 5º, nº 6, do CPT) ou substantiva (art. 413º, nº 2, do CT). II- Nulidade – omissão de pronúncia e violação do direito de defesa 3. A sentença desconsiderou o art. 12º da contestação, por tê-lo considerado insindicável em sede judicial. 4. Do art. 413º, nº 1, do CT, não resulta que exista a preclusão determinada. 5. Não se percebe o não conhecimento dessa questão, tanto mais que a troca de correspondência extrajudicial ocorreu entre as partes e sem intervenção ou preocupação de esgrimirem argumentos jurídicos, inexigíveis nessa relação, nem de resto foi expressa ou junta documentação contendo uma qualquer recusa (factos 7 a 10), por parte da empregadora, só sobrevindo em sede judicial o apuramento e fundamentação jurídica das posições divergentes. 6. Tal omissão de pronúncia constitui uma nulidade da sentença, que se argui [art. 615º, nº 1, d), do CPC]. 7. Essa nulidade é relevante e em prejuízo do direito de defesa da R., pois a própria sentença acabou por reconhecer a pgs. 25 que não vislumbrava fundamento para a oposição da R., o que certamente não teria ocorrido se lhe tivesse permitido esgrimir o argumento em contraditório. III- Inexistência de obrigação / inconstitucionalidade 8. O art. 32º, nº 8, da Lei 105/2009, numa interpretação conforme à CRP, deve ser interpretado no sentido de que só com o consentimento dos trabalhadores não sindicalizados é que a empregadora pode fornecer os seus dados pessoais ao Sindicato, por força do art. 28º, nºs 1 e 3, a contrario, da Lei 58/2019 (não existe norma em contrário e a situação não está abrangida em nenhuma das exceções ou especificidades desse artigo), e dos arts. 6º, nº 1, a), e 9º, nº 1 («é proibido o tratamento de dados pessoais que revelem a filiação sindical»), do RGPD. 9. Assim, uma vez que as remunerações permitem identificar o(s) respetivo(s) titular(es), nomeadamente em posições únicas da organização e nas posições intermédias, a R. remeteu ao Sindicato o quadro de pessoal com a informação relativa aos trabalhadores sindicalizados e já não com a dos trabalhadores não sindicalizados. 10. É esta a posição que a R. defende e portanto considera que a sua responsabilidade (art. 5º, nº 2, do RGPD) é de não fornecer ao A. informação adicional, nomeadamente a que ele pretende, por tal contender com a privacidade e intimidade da vida privada e a liberdade sindical dos trabalhadores não sindicalizados e assim, na falta do seu consentimento, se assegurar devidamente o equilíbrio e a colisão de direitos (art. 335º do CC). 11. A entender-se que a norma do art. 32º, nº 8, da Lei 105/2009, impunha o envio à estrutura representativa dos trabalhadores, da informação dos trabalhadores não sindicalizados, nomeadamente dos seus dados pessoais sensíveis constantes do quadro de pessoal, incluindo as remunerações, sem o seu consentimento, tal constituiria uma violação das suas garantias constitucionais dos arts. 26º, nº 1, e 55º, nº 1, da CRP, de forma abusiva e desproporcional (art. 18º, nº 2, da CRP), bem como do art. 28º, nºs 1 e 3, a contrario, da Lei 58/2019 e dos arts. 6º, nº 1, a), e 9º, nº 1, do RGPD, do art. 8º (direito ao respeito pela vida privada e familiar) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e dos arts. 7º (respeito pela vida privada e familiar) e 8º (proteção de dados pessoais) da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. 12. Em relação aos trabalhadores não sindicalizados coloca-se a questão da intimidade da vida privada e da sua situação económico-patrimonial (art. 26º, nº 1, da CRP) e da sua liberdade sindical negativa (que o art. 55º, nº 1, do CRP protege) e a proibição do art. 9º, nº 1 («é proibido o tratamento de dados pessoais que revelem a filiação sindical»), do RGPD, pelo que se suscita a questão da inconstitucionalidade. 13. Quanto aos trabalhadores não sindicalizados, não existe a obrigação jurídica que fundamenta o tratamento de dados e que constitui o fundamento jurídico da desnecessidade do seu consentimento [art. 6º, nº 1, c) do RGPD]: A sua liberdade sindical negativa e a proibição de revelação da sua filiação sindical (ou não filiação), obstam a que seja dado cumprimento à solicitação dessa informação também ao abrigo do art. 6º, nº 1, f) do RGPD e do direito à ação sindical. IV- Subsidiariamente: informação a prestar 14. A condenação da alínea a), de entregar o relatório único, com todos os anexos, sem qualquer limitação, violou a lei e, não respeitando os seus limites, foi além da mera interpretação literal do art. 32º, nº 8, da Lei 105/2009, nem sequer acautelando que «8 - A informação prestada aos representantes dos trabalhadores, com exceção das remunerações em relação aos sindicatos, deve ser expurgada de elementos nominativos, excluindo o sexo». 15. Trata-se de uma condenação genérica, na sequência do pedido genérico – e não específico – formulado, como se assinalou no art. 13º da contestação, devia envolver a absolvição da instância (ac. STJ de 8.2.94, in CJ-STJ, Tomo I, 1994, pgs. 95). 16. Com o devido respeito, a sentença foi excessiva e, salvaguardando-se subsidiariamente a hipótese de se manter a obrigação de prestar a informação, deve ser estabelecido que o seja expurgada de elementos nominativos, excluindo o sexo. Ou seja, deve ser determinada claramente a forma da prestação da informação, a manter-se essa obrigação. 17. Além disso, a sanção pecuniária compulsória é exagerada e desproporcional, não devendo ir além de 150 euros por dia (4.500 euros mês). O sindicato autor não alegou. O Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos, emitindo parecer no sentido de, “com o esclarecimento da informação a enviar e do valor da sanção pecuniária compulsória, ser confirmada a douta decisão em recurso e negado provimento ao recurso”, parecer a que as partes, devidamente notificadas, não responderam. Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas. Questões em discussão: I. (In)competência material do tribunal; II. Nulidade da decisão; III. Inexistência da obrigação de prestar informação; IV. Da informação a prestar; V. Valor da sanção pecuniária compulsória. II. Fundamentação de facto Na sentença considerou-se como provada a seguinte matéria de facto: 1. A autora é uma associação sindical que tem por finalidade promover e defender os interesses sócio-profissionais dos trabalhadores das indústrias do calçado, malas e afins, sediadas em Portugal. 2. A ré é uma sociedade comercial que se dedica ao fabrico e comercialização de calçado. 3. A ré possui uma fábrica de calçado, situada na Rua ..., ... S. João de Ver, onde trabalham cerca de 1200 pessoas, das quais 604 são sócios da autora. 4. Na fábrica de calçado da ré não existe comissão de trabalhadores, nem existe comissão intersindical. 5. Na fábrica de calçado da ré existe uma comissão sindical, composta pelas delegadas sindicais da autora, concretamente por AA, BB, CC e DD. 6. Todas elas eleitas em 02.11.2018, eleição essa que foi comunicada à ré em 07.11.2018. 7. Durante o ano de 2021, a autora solicitou à ré a entrega do Relatório Único, referente ao ano de 2020, através de emails enviados a 24.02.2021, 11.03.2021, 24.09.2021 e 07.10.2021, constantes de fls. 6vº a 9 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 8. Até à presente data, a ré enviou à autora o Relatório Único, referente ao ano de 2020, contendo apenas a referência aos trabalhadores da empresa que se encontram sindicalizados na autora, omitindo qualquer referência aos restantes trabalhadores não sindicalizados. 9. A ré não enviou à autora os documentos que compõem o Relatório Único de 2020, designadamente o formulário com a data de apresentação e o código de certificação na plataforma informática, bem como os anexos A, B, C, D, E, F, que o acompanharam e que foram enviados pela ré à ACT. 10. Até à presente data, a ré não deu a conhecer à comissão sindical da empresa o conteúdo do Relatório Único referente ao ano de 2020. Mais se acrescentou na sentença: “Consigna-se que da factualidade acima descrita não consta o facto alegado pela ré no artigo 12º da contestação, na medida em que tal motivo de recusa de prestação da informação não foi por si invocado perante a autora nem objecto de fundamentação escrita em momento anterior à propositura da acção, sendo por isso, neste momento, insindicável.” III. Fundamentação de direito 1. Da incompetência material do tribunal Alega a recorrente que: “A competência cível dos Juízos do Trabalho encontra-se regulada no art. 126º da LOSJ – Lei 62/2013. O presente processo, intentado pelo Sindicato contra uma empregadora, do mesmo setor, tendo em vista a prestação de informação, não se encontra abrangida nessa competência, caindo na malha do tribunal comum. Com estes fundamentos a R. invocou a incompetência absoluta do tribunal [art. 96º, a), do CPC]. A sentença recorrida entendeu que o Juízo do Trabalho era competente porque o Sindicato A. dispunha de legitimidade, nos termos do art. 5º, nº 6, do CPT, e do art. 413º, nº 2, do CT, pelo que daí derivava a competência material, por força da alínea s) do nº 1 do art. 126º da LOSJ. Salvo o devido respeito, confunde-se legitimidade processual e substantiva com a competência material do Juízo do Trabalho. Em nenhuma daquelas normas a lei atribui competência ao Juízo do Trabalho, mas apenas legitimidade substantiva (CT) e processual (CPT) a determinadas entidades para requererem a informação em causa. A regra da distribuição do art. 21º, nº 12, do CPT, não acrescenta nada à discussão, pois a distribuição só vale sendo o tribunal competente. Ora, a legitimidade é um pressuposto processual diferente da competência. Não havendo atribuição da competência ao Juízo do Trabalho – e tal atribuição de competência devia ser específica, por força da alínea s) do nº 1 do art. 126º da LOSJ, tal competência deve ser deferida à jurisdição comum.” Entende o Exmo. Procurador Geral Adjunto, no seu parecer: “(...) o Recorrido/Autor, propôs, contra a Recorrente/Ré, “acção especial de impugnação de recusa de prestação de informação” e identifica até a disposição legal com base na qual instaura a acção, (art. 186º-A do Código de Processo de Trabalho)”. - v. p.i. E o direito que se arroga, enquanto estrutura de representação colectiva dos trabalhadores, que pretende concretizar judicialmente através do competente processo é o de ser informado e/ou consultado por parte do empregador, neste caso informado mediante o envio de Relatório Único do ano de 2020, contendo todos os anexos. Para determinação da competência do tribunal deverá tomar-se em conta a petição inicial, a forma como a acção é configurada pelo Autor, a causa de pedir invocada e o pedido deduzido. Cremos ser esse o sentido da doutrina e jurisprudência, como pode ver-se, por todos do Ac. da RL de 12.03.2009, proc. 573/09.2YRLSB-4, onde se diz que “a competência material do tribunal constitui um pressuposto processual que se determina pela forma como o autor configura o pedido e a respectiva causa de pedir.” Assim, neste caso dúvidas não podem restar de que, estando o direito invocado pelo Autor/Recorrido previsto no art. 32º, nº 5, al. b) da lei 105/2009, de 14 de Setembro – Regulamento do Código do Trabalho, e Portaria 55/2010, de 21.01, actualizada pela Portaria nº 108-A/2011, de 14.03, e o processo respectivo nos arts. 186º-A a 186º-C do CPT, então o Juízo competente para conhecer desta acção só poderá ser o competente Juízo do Trabalho, neste caso, de Santa Maria da Feira, atendendo à sede da Recorrente/Ré. E o mesmo vem previsto no artigo 126º, nº 1, al. s), da Lei 6272013, de 26 de Agosto - LOSJ.” Consta da sentença: “É consabido que a competência (ou jurisdição) de um tribunal se determina pela forma como o autor configura a acção, definida pelo pedido e pela causa de pedir, isto é, pelos objectivos com ela prosseguidos. In casu, o pedido e a causa de pedir a considerar são os que resultam do relatório sumário que antecede. De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 211º, da Constituição da República Portuguesa, “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”. Por seu turno, dispõe o artigo 64º, do Código de Processo Civil que: “São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.” Em consequência, os tribunais judiciais constituem a regra dentro da organização judiciária e, por isso, gozam de competência não discriminada ou residual, enquanto os restantes tribunais têm a sua competência limitada às matérias que lhe são especialmente atribuídas. Por outro lado, segundo o artigo 65º, do Código de Processo Civil, “As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada”. Ora, dispõe o artigo 126º, da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto, que: (...) Em consequência, caso se entenda que nenhuma das previsões transcritas comete aos Juízos do Trabalho a competência para apreciar a presente acção, esta será da competência da jurisdição comum e, em concreto, dos Juízos Cíveis (artigo 65º, do Código de Processo Civil e artigo 130º, nº 1, da Lei nº 62/2013). A presente acção, ao que julgamos, é subsumível ao processo especial criado pelo Decreto-Lei nº 295/2009, de 13 de Outubro, regulado nos artigos 186º-A a 186º-C, do Código de Processo do Trabalho, distribuído na 12ª espécie (artigo 21º do mesmo diploma), o qual visou dar exequibilidade ao regime substantivo consagrado no artigo 413º, do Código do Trabalho (vide preâmbulo do Decreto-Lei nº 295/2009). Com efeito, este processo especial é aplicável quando se pretenda a impugnação da confidencialidade de informações ou da recusa da sua prestação ou da realização de consultas, objectivo visado pela presente acção, dispondo a autora de legitimidade para a propor (artigo 5º, nº 6, do Código de Processo do Trabalho). Ora, nos termos do nº 2 do artigo 413º, do Código do Trabalho, “a qualificação como confidencial da informação prestada, a recusa de prestação de informação ou a não realização de consulta pode ser impugnada pela estrutura de representação colectiva dos trabalhadores em causa, nos termos previstos no Código de Processo do Trabalho”, pelo que, afigura-se-nos que a delimitação da competência material do Juízo do Trabalho para a apreciação destas acções resulta deste normativo e, como tal, encontra sustentação na alínea s) do nº 1 do artigo 126º, da Lei nº 62/2013. Termos em que, julga-se improcedente a excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal.” O Sindicato autor intentou a presente acção especial de impugnação da confidencialidade de informações ou da recusa da sua prestação ou da realização de consultas, pedindo a condenação da ora recorrente “a entregar à A. o Relatório Único de 2020, contendo todos os seus anexos, no prazo de 10 dias a contar da data do trânsito em julgado da decisão”. Nos termos do art. 126º, nº 1, da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto, Lei da Organização do Sistema Judiciário, compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível: a) Das questões relativas à anulação e interpretação dos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho que não revistam natureza administrativa; b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho; c) Das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais; d) Das questões de enfermagem ou hospitalares, de fornecimento de medicamentos emergentes da prestação de serviços clínicos, de aparelhos de prótese e ortopedia ou de quaisquer outros serviços ou prestações efetuados ou pagos em benefício de vítimas de acidentes de trabalho ou doenças profissionais; e) Das ações destinadas a anular os atos e contratos celebrados por quaisquer entidades responsáveis com o fim de se eximirem ao cumprimento de obrigações resultantes da aplicação da legislação sindical ou do trabalho; f) Das questões emergentes de contratos equiparados por lei aos de trabalho; g) Das questões emergentes de contratos de aprendizagem e de tirocínio; h) Das questões entre trabalhadores ao serviço da mesma entidade, a respeito de direitos e obrigações que resultem de atos praticados em comum na execução das suas relações de trabalho ou que resultem de ato ilícito praticado por um deles na execução do serviço e por motivo deste, ressalvada a competência dos tribunais criminais quanto à responsabilidade civil conexa com a criminal; i) Das questões entre instituições de previdência ou de abono de família e seus beneficiários, quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutárias de umas ou outros, sem prejuízo da competência própria dos tribunais administrativos e fiscais; j) Das questões entre associações sindicais e sócios ou pessoas por eles representados, ou afetados por decisões suas, quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutárias de uns ou de outros; k) Dos processos destinados à liquidação e partilha de bens de instituições de previdência ou de associações sindicais, quando não haja disposição legal em contrário; l) Das questões entre instituições de previdência ou entre associações sindicais, a respeito da existência, extensão ou qualidade de poderes ou deveres legais, regulamentares ou estatutários de um deles que afete o outro; m) Das execuções fundadas nas suas decisões ou noutros títulos executivos, ressalvada a competência atribuída a outros tribunais; n) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja diretamente competente; o) Das questões reconvencionais que com a ação tenham as relações de conexão referidas na alínea anterior, salvo no caso de compensação, em que é dispensada a conexão; p) Das questões cíveis relativas à greve; q) Das questões entre comissões de trabalhadores e as respetivas comissões coordenadoras, a empresa ou trabalhadores desta; r) De todas questões relativas ao controlo da legalidade da constituição, dos estatutos e respetivas alterações, do funcionamento e da extinção das associações sindicais, associações de empregadores e comissões de trabalhadores; s) Das demais questões que por lei lhes sejam atribuídas. O critério de atribuição de competência material ao juiz projecta a vocacionalidade, aptidão, adequação ou agilização do tribunal à causa. Todos são vocábulos de conteúdo homólogo, traduzindo, na essência, a habilitação funcional do tribunal para a matéria que constitui objeto do conhecimento que em cada causa estiver. Idoneidade do juiz, como lhe chamou o Alberto dos Reis, no Comentário ao Código de Processo Civil, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 1944, pág. 107). É a competência ou fracção de poder jurisdicional da categoria orgânica respectiva a que são afectadas certas matérias. Portanto, basta examinar a lei orgânica de determinada categoria de tribunais, para se verificar se certa causa está, ou não, compreendida na área da sua jurisdição (comum ou administrativa, em regra). Por outro lado, não se ignora que as normas atributivas da competência são de interpretação restritiva (conf, Alberto dos Reis, em Processo Ordinario Civil e Commercial, vol. I, Coimbra: Imprensa Academica, 1907, págs. 189-190). Entende a recorrente que nem destas alíneas nem dos arts. 5º, nº 6, do CPT, e 413º, nº 2, do CT, se atribui competência ao Juízo do Trabalho para a presente acção, pelo que o fundamento da competência terá que ser encontrado no art. 80º, nº 1, da LOSJ. Mas é precisamente nas normas que atribuem legitimidade ao sindicato recorrido que se deve encontrar o fundamento da competência dos juízos do trabalho para conhecer do pedido do mesmo. No caso, a competência dos juízos do trabalho da resulta natureza representativa dos trabalhadores do sindicato recorrido. Conforme resulta do art. 56º, nº 1, da Constituição, os sindicatos visam, em primeira linha, defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem – Luís Gonçalves da Silva, em Código do Trabalho Anotado, coord. Pedro Romano Martinez, 9ª ed., 2013, pág. 854 –, o qual refere ainda, “Para assegurar uma efetiva prossecução dos seus fins, tal como existe a liberdade de associação, há, atendendo às especificidades, a liberdade sindical, valor essencial dos sindicatos, e que se projeta, desde logo, numa dupla dimensão: (a) liberdades individuais e (b) colectivas. No primeiro caso, o que está em causa é o exercício de direitos dos sujeitos individualmente considerados, enquanto nas liberdades coletivas, o que está em presença são as atividades da própria associação sindical, como ente distinto daqueles.” No mesmo sentido Pedro Romano Martinez, em Direito do Trabalho, Almedina, 3ª ed., 2006, pág. 1072, referindo que “os sindicatos agem em nome e em prol dos trabalhadores, por vezes, até, dos trabalhadores não sindicalizados.” Esta dimensão individual do direito à informação, da parte da empresa empregadora, que aqui está em causa, resulta expressa do disposto no art. 413º, nº 2, do Código do trabalho, quando fala em “representação coletiva dos trabalhadores em causa”. O mesmo resulta ainda das diversas disposições da Lei nº 96/2009, de 3 de Setembro, que “transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2009/38/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Maio, relativa à instituição de um conselho de empresa europeu ou de um procedimento de informação e consulta dos trabalhadores nas empresas ou grupos de empresas de dimensão comunitária” (art. 1º, nº 1). Sendo assim, a competência dos juízos do trabalho resulta desde logo do disposto na al. b) do nº 1 do art. 126º da Lei da Organização do Sistema Judiciário. Improcede, portanto, este primeiro fundamento da apelação. 2. Da nulidade da decisão por omissão de pronúncia e violação do direito de defesa Alega a recorrente: “Na fundamentação de facto da sentença afirmou-se a pgs. 9 que «Consigna-se que da factualidade acima descrita não consta o facto alegado pela ré no artigo 12º da contestação, na medida em que tal motivo de recusa de prestação da informação não foi por si invocado perante a autora nem objecto de fundamentação escrita em momento anterior à propositura da acção, sendo por isso, neste momento, insindicável». A afirmação não se mostra fundamentada juridicamente. É certo que na fundamentação jurídica (pg. 24) a sentença estriba-se no art. 413º, nº 1, do CT. Mas dessa norma não resulta que exista a preclusão determinada. Nem se percebe porquê, tanto mais que a troca de correspondência extrajudicial ocorreu entre as partes e sem intervenção ou preocupação de esgrimirem argumentos jurídicos, inexigíveis nessa relação, nem de resto foi expressa ou junta documentação contendo uma qualquer recusa (factos 7 a 10), por parte da empregadora, só sobrevindo em sede judicial o apuramento e fundamentação jurídica das posições divergentes. Compete aos tribunais decidir as questões que lhe são submetidas pelas partes (art. 202º, da CRP), pelo que tal omissão de pronúncia constitui uma nulidade da sentença, que se argui [art. 615º, nº 1, d), do CPC], pois é relevante e em prejuízo do direito de defesa da R.. De nada adianta à sentença vir depois a pgs. 25 dizer que não vislumbra fundamento para a posição da R., se não lhe permitiu a defesa e esgrimir o argumento em contraditório. E do facto de informar os salários dos trabalhadores sindicalizados não significa que não haja outras preocupações quanto aos salários de outros trabalhadores não sindicalizados, como foi justificado pela R. no art. 12º da contestação e teria sido esclarecido, se tivesse sido dada oportunidade de defesa.” A este propósito refere o Ilustre Procurador Geral Adjunto o seguinte: “Neste caso a Recorrente não recusou a informação por escrito. Deu a informação quanto aos trabalhadores sindicalizados e entende que a não deve dar em relação aos trabalhadores não sindicalizados, sem autorização destes. A questão é decidir, cremos ser, efectivamente, esta, este motivo de recusa. Situação semelhante (pode comparar-se) à que se passa no caso de despedimento por facto imputável ao trabalhador, onde se podem, apenas, apreciar e decidir as razões ou motivos indicados e constantes da “nota de culpa”. Cremos, assim, que a nulidade invocada não se verifica. Mas, mesmo assim não sendo, estando o direito do Recorrido legalmente previsto, como se disse, a Recorrente não pode nega-lo.” Nos termos do art. 615º, nº 1, al. d), do CPC, a sentença é nula quando a mesma deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (art. 608º, nº 2, do CPC). É a violação deste preceito que aqui é cominada com nulidade da sentença (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, 2012, pág. 142). Já não existirá nulidade se for omitida a consideração de linhas de fundamentação jurídica invocada pelas partes, diferente da que foi seguida na sentença (José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, no Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 2001, pág. 670). Por outro lado, conforme referem a propósito José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, ob. cit., pág. 669, “Há nulidade quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão (...). Não a constitui a mera deficiência de fundamentação”. Este é entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência. Veja-se igualmente Jorge Pai de Amaral, em Direito Processual Civil, 9ª edição, 2010, pág. 393. No art. 12º da contestação, alegou a recorrente: “Acresce que a informação salarial envolve a divulgação de matéria de sigilo comercial, numa área de negócio altamente concorrencial, não só no mercado interno, mas também a nível global, podendo colocar em causa a estabilidade e a organização da empresa, no mercado mundial, em que a multinacional E..., a que a R. pertence, titular marca registada de calçado E..., opera, e tanto mais que semelhante obrigação não existe nos restantes países europeus, por causa do RGPD.” Considerou-se na sentença: “Consigna-se que da factualidade acima descrita não consta o facto alegado pela ré no artigo 12º da contestação, na medida em que tal motivo de recusa de prestação da informação não foi por si invocado perante a autora nem objecto de fundamentação escrita em momento anterior à propositura da acção, sendo por isso, neste momento, insindicável.” Acrescentando-se na fundamentação: “Noutra perspectiva, alega a ré que “a informação salarial envolve a divulgação de matéria de sigilo comercial, numa área de negócio concorrencial, não só no mercado interno, mas também a nível global, podendo colocar em causa a estabilidade e a organização da empresa, no mercado mundial, em que a multinacional E..., a que a R. pertence, titular da marca registada de calçado E..., opera, e tanto mais que semelhante obrigação não existe nos restantes países europeus, por causa do RGPD”. Não resulta da documentação junta aos autos, nomeadamente daquela que acompanha a contestação ou de qualquer resposta aos e-mails enviados pela autora à ré e indicados nos factos provados, que a ré alguma vez tenha invocado o sigilo comercial para fundamentar, por escrito, a recusa da prestação de informação (a tónica foi sempre colocada na circunstância de a informação referente aos trabalhadores sindicalizados ter sido prestada), pelo que julgamos que esta alegação é totalmente extemporânea e insindicável neste processo. Com efeito, nos termos do artigo 412º, nº 3, do Código do Trabalho, o empregador não é obrigado a prestar informações cuja natureza seja susceptível de “prejudicar ou afectar gravemente o funcionamento da empresa ou do estabelecimento”, mas para o fazer, deve fundamentar por escrito a sua posição, “com base em critérios objectivos, assentes em exigências de gestão” (nº 1 do artigo 413º, do Código de Processo do Trabalho), só assim sendo possível à estrutura de representação colectiva dos trabalhadores impugnar a decisão em causa. A ré não o fez, impossibilitando a autora de, nesta acção, querendo, impugnar o fundamento da recusa, pelo que lhe está vedada nesta fase invocar outros fundamentos para sustentar a sua posição. Mesmo que assim não se entendesse, não vislumbramos o motivo pelo qual apenas o salário dos trabalhadores não sindicalizados – 596 em 1200 – está sujeito a sigilo comercial, podendo colocar em causa a estabilidade e organização da empresa, quando mais de metade dos trabalhadores possuem filiação sindical e, quanto a estes, nenhum óbice perspectivou a ré na divulgação dos seus salários.” Como se pode verificar, a Mma. Juíza “a quo” conheceu expressamente da questão, nos termos apontados. A discordância da recorrente reconduz-se antes ao modo como a questão foi apreciada, Porém, conforme se refere no acórdão do STJ de 17 de Outubro de 2017, processo 1204/12.9TVLSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt, “As causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas nesse artigo 615º, visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei.” No mesmo sentido o acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 3 de Outubro de 2017, processo 2200/10.6TVLSB.P1.S1, ainda acessível em www.dgsi.pt. Deste modo, não se verifica igualmente a invocada violação do direito de defesa. Segundo José Lebre de Freitas, em Introdução ao Processo Civil, 2ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2009, pág. 92, “o direito de defesa postula o conhecimento efectivo do processo instaurado, a concessão dum prazo suficientemente amplo para a oposição e o tempero da rigidez das preclusões e cominações decorrentes da falta de contestação.” A recorrente invoca, porém, a violação do princípio do contraditório, alegando: “De nada adianta à sentença vir depois a pgs. 25 dizer que não vislumbra fundamento para a posição da R., se não lhe permitiu a defesa e esgrimir o argumento em contraditório. E do facto de informar os salários dos trabalhadores sindicalizados não significa que não haja outras preocupações quanto aos salários de outros trabalhadores não sindicalizados, como foi justificado pela R. no art. 12º da contestação e teria sido esclarecido, se tivesse sido dada oportunidade de defesa.” Afigura-se evidente que o julgador não tem de advertir as partes com antecedência da não consideração de determinado facto, antes de tirar dessa desconsideração as consequências jurídicas inerentes. O princípio do contraditório consiste na “garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão. O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo.” Por outro lado, porém, como se refere no sumário do acórdão do STJ de 6 de Dezembro de 2016, processo 1129/09.5TBVRL-H.G1.S2, acessível em www.dgsi.pt, “O princípio da preclusão ou da eventualidade é um dos princípios enformadores do processo civil, decorre da formulação da doutrina e encontra acolhimento nos institutos da litispendência e do caso julgado – art. 580º, nº 2, do Código de Processo Civil – e nos preceitos de onde decorre o postulado da concentração dos meios de alegação dos factos essenciais da causa de pedir e as razões de direito – art. 552º, nº 1, d) – e das excepções, quanto à defesa – art. 573º, nº 1, do Código de Processo Civil.” Significa que a recorrente teria que esgrimir todos os seus argumentos na contestação, não podendo pretender que lhe fosse dada nova oportunidade, quando afirma “e teria sido esclarecido, se tivesse sido dada oportunidade de defesa”. Essa oportunidade existiu na fase da contestação. Não se pode, pois, escudar a recorrente numa eventual decisão surpresa, que nem alega. Assim, não se verifica a apontada nulidade, em qualquer das referidas modalidades. 3. Da obrigação de prestar informação Alega a recorrente: “A questão principal é a seguinte: i- A R. forneceu ao Sindicato o quadro de pessoal com a informação completa relativa aos trabalhadores nele sindicalizados (docs. 6, 9 e 10 da p.i. e art. 21º da p.i. e factos 7 a 10) ii- mas entende que não está obrigada a fornecer ao Sindicato os dados pessoais, da intimidade da vida privada e económico-patrimonial, dos seus trabalhadores não sindicalizados, iii- ao passo que o A. entende que deve receber também essa informação – a dos trabalhadores não sindicalizados (docs. 4, 5, 7 e 8 da p.i.). Em causa está o art. 32º da Lei 105/2009, na redação da Lei 60/2018: (…) A norma citada carece de ser conjugada com a Lei fundamental, que consagra a liberdade de filiação sindical (art. 55º, nº 1, da CRP) e à reserva da intimidade da vida privada (art. 26º, nº 1, da CRP), e com o art. 28º, nºs 1 («O empregador pode tratar os dados pessoais dos seus trabalhadores para as finalidades e com os limites definidos no Código do Trabalho e respetiva legislação complementar ou noutros regimes setoriais, com as especificidades estabelecidas no presente artigo») e 3, a contrario, da Lei 58/2019. A R., na interpretação que faz do art. 32º, nº 8, da Lei 105/2009, conjugado com a CRP, entende que só com o consentimento dos trabalhadores não sindicalizados é que pode fornecer os seus dados pessoais ao Sindicato, por força do art. 28º, nºs 1 e 3, a contrario, da Lei 58/2019 (não existe norma em contrário e a situação não está abrangida em nenhuma das exceções ou especificidades desse artigo), e dos arts. 6º, nº 1, a), e 9º, nº 1 («é proibido o tratamento de dados pessoais que revelem a filiação sindical»), do RGPD. As remunerações permitem identificar o(s) respetivo(s) titular(es), nomeadamente em posições únicas da organização e nas posições intermédias. Assim, e aplicando as orientações da ACT e da Associação ..., a ... (doc. que se juntou na contestação), a R. remeteu ao Sindicato o quadro de pessoal com a informação relativa aos trabalhadores sindicalizados (docs. 6, 9 e 10 da p.i.) e já não com a dos trabalhadores não sindicalizados. É esta a posição que a R. defende e portanto considera que a sua responsabilidade (art. 5º, nº 2, do RGPD) é de não fornecer ao A. informação adicional, nomeadamente a que ele pretende, por tal contender com a privacidade e intimidade da vida privada e a liberdade sindical dos trabalhadores não sindicalizados e assim, na falta do seu consentimento, se assegurar devidamente o equilíbrio e a colisão de direitos (art. 335º do CC). A entender-se que a norma do art. 32º, nº 8, da Lei 105/2009, impunha o envio à estrutura representativa dos trabalhadores, da informação dos trabalhadores não sindicalizados, nomeadamente dos seus dados pessoais sensíveis constantes do quadro de pessoal, incluindo as remunerações, sem o seu consentimento, tal constituiria uma violação das suas garantias constitucionais dos arts. 26º, nº 1, e 55º, nº 1, da CRP, de forma abusiva e desproporcional (art. 18º, nº 2, da CRP), bem como do art. 28º, nºs 1 e 3, a contrario, da Lei 58/2019 e dos arts. 6º, nº 1, a), e 9º, nº 1, do RGPD, do art. 8º (direito ao respeito pela vida privada e familiar) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e dos arts. 7º (respeito pela vida privada e familiar) e 8º (proteção de dados pessoais) da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. A sentença recorrida entende que o consentimento dos trabalhadores é dispensável para o cumprimento de obrigações jurídicas [pgs. 14 e 17 e art. 6º, nº 1, c) do RGPD] e que nesse cumprimento reside o fundamento para a licitude do tratamento dos dados pessoais. Porém, aceitou a existência dessa obrigação e não a discutiu ou sopesou, à luz das normas e princípios constitucionais supra referidos. O acesso à informação pelo Sindicato não deve ser o mesmo das entidades que exercem poderes de polícia ou de fiscalização, como a ACT. A compatibilização dos poderes de polícia com a compressão dos direitos pessoais fundamentais tem justificação diferente daquela que existe no direito à ação sindical na empresa e à liberdade sindical positiva, não só considerando exigências de gestão, mas sobretudo – que é o que em primeiro lugar está em causa – dados pessoais. A R. só fez finca-pé em relação aos trabalhadores não sindicalizados, pois enviou a informação pretendida pelo A. relativamente aos trabalhadores sindicalizados (pg. 15). Em relação aos trabalhadores sindicalizados o consentimento decorre da sua filiação e da correspondente liberdade sindical positiva. Relativamente aos trabalhadores sindicalizados o A., o Sindicato, já possui o respetivo consentimento e muitos dos dados que colhe do relatório único, nomeadamente as remunerações por que é feito o desconto da quotização sindical. Em relação aos trabalhadores não sindicalizados coloca-se a questão da intimidade da vida privada e da sua situação económico-patrimonial (art. 26º, nº 1, da CRP) e da sua liberdade sindical negativa (que o art. 55º, nº 1, do CRP protege) e a proibição do art. 9º, nº 1 («é proibido o tratamento de dados pessoais que revelem a filiação sindical»), do RGPD, e por isso se suscita a questão da inconstitucionalidade, que não foi equacionada sob este prisma. Quanto aos trabalhadores não sindicalizados, não existe a obrigação jurídica que fundamenta o tratamento de dados e que constitui o fundamento jurídico para a desnecessidade do seu consentimento [art. 6º, nº 1, c) do RGPD]. A sua liberdade sindical negativa e a proibição de revelação da sua filiação sindical (ou não filiação), obstam a que seja dado cumprimento à solicitação dessa informação também ao abrigo do art. 6º, nº 1, f) do RGPD (pg. 18 da sentença) e do direito à ação sindical, que nestas situações esbarra e deve ceder. Nem se diga que sem a informação relativa aos trabalhadores não sindicalizados o pedido do A. não teria qualquer efeito útil, pois ainda assim o relatório único revela informação de interesse relativa à organização empresarial, como resulta dos anexos B, C, D, E e F. Em suma, a posição da R. de não fornecer a informação dos trabalhadores não sindicalizados obedece às suas obrigações e responsabilidades enquanto depositária de dados pessoais (art. 5º, nº 2, do RGPD), na encruzilhada de direitos, liberdades e garantias fundamentais envolvidas no quadro jurídico aplicável.” Refere o Ilustre Procurador Geral Adjunto: “A única hipótese que, efectivamente, poderia defender-se como possível seria a da invocação da existência de eventual inconstitucionalidade. Quanto à existência ou inexistência da obrigação, cremos que ela existe. Efectivamente, tal direito é-lhe conferido pelo art. 32º, 5 do RCT, já que o Recorrido é um sindicato representativo de trabalhadores da Recorrente, solicitou o envio do Relatório Único do ano de 2020, contendo todos os anexos. E, se considerarmos, o seu interesse na actuação sindical na empresa da Recorrente em defesa dos direitos dos trabalhadores da Recorrente, nomeadamente na área da “discriminação salarial, ou outra, entre trabalhadores sindicalizados e não sindicalizados”, entende-se a utilidade e necessidade desta informação. Cremos, também, ser esta a opinião da Comissão Nacional de Protecção de Dados – CNPD – expressa na página/site, na internet, onde refere que “a aplicação do RGPD não alterou a forma de comunicação ou o conteúdo da informação sobre a actividade social da empresa aos sindicatos, vulgo Relatório Único. Com efeito, há lei especial nacional que prevê a comunicação de dados pessoais aos sindicatos relativos a remuneração de todos os trabalhadores, em conformidade com o artigo 32º, nº 8, da Lei 105/2009, de 14 de setembro. Como o RGPD dá margem aos Estados-Membros para legislar no contexto laboral, a lei nacional tem necessariamente que ser observada. Assim, a obrigatoriedade de remeter a informação prevista na disposição legal acima citada mantém-se. Apenas essa informação pessoal (remunerações) deve ser comunicada; a restante terá de ser expurgada dos dados nominativos. O fundamento de legitimidade para a comunicação dos dados pessoais assenta na alínea c), do nº 1, do artigo 6º do RGPD. Nestes termos, salvo melhor opinião, cremos que só se a obrigação for declarada inconstitucional com força obrigatória geral é que poderá a Recorrente, como as demais empresas, recusar esta informação.” Consta da sentença: “(...) dispõe o artigo 32º, da Lei nº 105/2009, de 14 de Setembro, na redacção introduzida pela Lei nº 60/2018, de 21 de Agosto, sob a epígrafe “Prestação anual de informação sobre a actividade social da empresa” que: “1 - O empregador deve prestar anualmente informação sobre a actividade social da empresa, nomeadamente sobre remunerações, duração do trabalho, trabalho suplementar, contratação a termo, formação profissional, segurança e saúde no trabalho e quadro de pessoal. (...) 5 - O empregador deve disponibilizar a informação aos trabalhadores da empresa e enviá-la, em prazo constante da portaria a que se refere o nº 2, às seguintes entidades: (...) b) Os sindicatos representativos de trabalhadores da empresa que a solicitem, a comissão de trabalhadores, bem como os representantes dos trabalhadores para a segurança e saúde no trabalho na parte relativa às matérias da sua competência; (...) 8 - A informação prestada aos representantes dos empregadores ou dos trabalhadores, com excepção das remunerações em relação aos sindicatos e ao serviço competente para proceder ao apuramento estatístico, deve ser expurgada de elementos nominativos, excluindo o sexo. De acordo com o normativo citado, a autora, enquanto associação sindical, é titular do direito a solicitar e receber da ré/empregadora o relatório único. O modo, prazo e conteúdo da informação a prestar pelo empregador encontram-se regulados na Portaria nº 55/2010, de 21 de Janeiro, que contém o modelo de relatório único. Pode ler-se no preâmbulo deste diploma que a informação sobre a actividade social da empresa, prestada anualmente pelo empregador “... reúne informações até agora dispersas respeitantes ao quadro de pessoal, à comunicação trimestral de celebração e cessação de contratos de trabalho a termo, à relação semestral dos trabalhadores que prestaram trabalho suplementar, ao relatório da formação profissional contínua, ao relatório da actividade anual dos serviços de segurança e saúde no trabalho e ao balanço social. A informação anual inclui ainda aspectos relativos a greves e informação sobre os prestadores de serviço (...)”. O relatório único, para além do relatório propriamente dito, é constituído por seis anexos: Anexo A – Quadro de pessoal; Anexo B – Fluxo de entrada e saída de trabalhadores; Anexo C – Relatório anual de formação contínua; Anexo D – Relatório anual das actividades do serviço de Segurança e Saúde; Anexo E – Greves; Anexo F – Prestadores de Serviços. Este relatório é apresentado pelo empregador através de meio informático, utilizando a plataforma electrónica com o endereço: https://www.relatoriounico.pt. O tratamento da informação recolhida através deste instrumento habilita os destinatários a ter um conhecimento actual e rigoroso do tecido empresarial, dos recursos humanos, da situação da empresa, permite-lhes aferir das condições de exercício da actividade profissional, assim como, para além do mais, o cumprimento da igualdade e não discriminação em razão do sexo (daí até o sentido da alteração introduzida no nº 8 do artigo 32º, da Lei nº 105/2009, de 14-09, pela Lei nº 60/2018, de 21-08, que aprovou medidas de promoção da igualdade remuneratória entre mulheres e homens por trabalho igual ou de igual valor). De salientar, todavia, que a informação a prestar deve já ser expurgada dos elementos nominativos, com excepção do sexo. A ré enviou à autora o relatório único contendo informação relativa somente aos trabalhadores sindicalizados, ou seja, recusou-se a prestar tal informação no que se refere aos não sindicalizados. Argumenta a ré que não está obrigada a fornecer à autora os dados pessoais, da intimidade da vida privada e económico-patrimonial dos seus trabalhadores não sindicalizados, sem o consentimento destes. Em abono da sua posição, invoca desde logo o Regulamento Geral de Protecção de Dados, concretamente, os artigos 6º, nº 1, alínea a) e 9º, nº 1, destacando ser proibido o tratamento de dados pessoais que revelem a filiação sindical, e o artigo 28º, nºs 1 e 3 a contrario, da Lei nº 58/2019, já que não existe norma em contrário e a situação não está abrangida em nenhuma das excepções. Vejamos, pois, quais as obrigações que emergem do Regulamento Geral de Protecção de Dados (Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Abril de 2016), doravante RGPD. O direito à protecção dos dados pessoais está consagrado na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que dispõe no seu artigo 8.°: “1. Todas as pessoas têm direito à protecção dos dados de carácter pessoal que lhes digam respeito. (...) Este direito fundamental está, além disso, estreitamente relacionado com o direito ao respeito da vida privada consagrado no artigo 7º da Carta. O direito à protecção dos dados pessoais também está previsto no artigo 16º, nº 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Foi neste contexto que, em 2016, foi aprovado o Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, que revogou a Directiva 95/46/CE e que é aplicável desde 25 de Maio de 2018. (...) O tratamento de dados pessoais deve processar-se de forma lícita, leal e transparente (artigo 5º, nº 1, alínea a), do RGPD) e no estrito respeito pela reserva da vida privada, na medida em que os dados só devem ser recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas (alínea b) do artigo 5º), devem ser adequados, pertinentes e limitados ao que é necessário relativamente às finalidades para as quais são tratados («minimização dos dados»; alínea c) do artigo 5º). O tratamento será lícito se fundado numa das alíneas do artigo 6º, nº 1, do artigo 9º ou do artigo 10º. (...) Ora, o tratamento de dados é permitido, para além de outras situações, quando baseado no cumprimento de obrigações jurídicas, conforme resulta da excepção ao princípio da proibição de tratamento de dados sensíveis contemplada na alínea b) do nº 2 do artigo 9º, do RGPD e da permissão de tratamento prevista na alínea c) do artigo 6º. Nessa medida, nos termos da alínea c) do artigo 6º, “o tratamento de dados pessoais será lícito sempre que for (i) necessário (ii) para o cumprimento de uma obrigação legal a que o responsável pelo tratamento se encontre sujeito (iii) determinada pelo Direito da União ou de um Estado-Membro, nos termos do artigo 6º/3, (iv) devendo essa imposição legal responder (a) a um objectivo de interesse público e (b) ser proporcional ao objectivo legítimo prosseguido” (cfr. A. Barreto Menezes Cordeiro, [Comentário ao Regulamento Geral de Protecção de Dados e à Lei nº 58/2019”, Almedina, 2021], p. 113). Aliás, ainda a respeito da Directiva 95/46/CE, pronunciara-se o TJUE, no Acórdão de 24 de Novembro de 2011 (C-468/10 e C-469/10), no sentido de que “o artigo 7º da Directiva 95/46/CE prevê uma lista exaustiva e taxativa dos casos em que um tratamento de dados pessoais pode ser considerado lícito na falta de consentimento da pessoa em causa. Por conseguinte, os Estados-Membros também não podem introduzir, ao abrigo do artigo 5º da referida directiva, outros princípios relativos à legitimação de tratamentos de dados pessoais além dos enunciados no artigo 7º nem alterar, através de exigências suplementares, o alcance dos princípios previstos no referido artigo 7º”. Já a alínea b) do artigo 9º permite o tratamento de dados sensíveis, designadamente a filiação sindical, mediante o preenchimento dos seguintes requisitos: “(i) necessário (ii) para efeitos do cumprimento de obrigações e do exercício de direitos específicos do responsável pelo tratamento ou do titular (iii) mas somente em matéria de legislação laboral, de segurança social e de protecção social (iv) e desde que seja permitido pelo Direito da União ou dos Estados-Membros ou em convenção colectiva de trabalho” (cfr. A. Barreto Menezes Cordeiro, Ob. Cit., p. 136). Isto posto, o consentimento não constitui o único fundamento de licitude do tratamento dos dados pessoais, pelo que não podemos concordar com a ré quando afirma que só poderia prestar as informações solicitadas mediante o consentimento prévio dos trabalhadores não sindicalizados. (...) Sendo um dos propósitos centrais do RGPD assegurar um elevado nível de uniformidade no que respeita ao regime aplicável ao tratamento de dados pessoais no espaço da União Europeia, a disposição ora transcrita [art. 88º] reveste natureza excepcional, já que permite aos Estados- Membros e aos outorgantes de convenções colectivas “alguma margem de conformação do regime aplicável em matéria de tratamento de dados no contexto laboral, o que no caso português se manifesta no artigo 28º da LE” (cfr. A. Barreto Menezes Cordeiro (coordenação), Ob. Cit., 2021, p. 524). Também o artigo 28º, da Lei nº 58/2019, de 08 de Agosto, que assegura a execução do RGPD, prevê a possibilidade de o empregador tratar “os dados pessoais dos seus trabalhadores para as finalidades e com os limites definidos no Código do Trabalho e respectiva legislação complementar ou noutros regimes sectoriais, com as especificidades estabelecidas no presente artigo”. Importa não olvidar que “a legislação laboral portuguesa impõe às entidades empregadoras uma multiplicidade de obrigações que implicam, necessariamente, a realização de operações de tratamento de dados pessoais dos seus trabalhadores. A título de exemplo, elenquemos algumas das principais obrigações legais aqui relevantes: (i) nos termos conjugados do art. 8º da Lei nº 70/2013, de 30 de Agosto e do art. 3º da Portaria nº 294-A/2013, de 30 de Setembro, a adesão da entidade empregadora ao Fundo de Compensação de Trabalho é obrigatória (com excepção da possibilidade de opção por adesão a Mecanismo Equivalente), devendo ser comunicada a esse Fundo a admissão de cada trabalhador que venha a ser admitido até à data do início da execução do respectivo contrato, para efeitos da sua inclusão. Para esse efeito são obrigatoriamente comunicados ao Fundo diversos dados de identificação do trabalhador (art. 5º da referida Portaria nº 294-A/ /2013, de 30 de Setembro); (ii) de acordo com o disposto no art. 29º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro, “a admissão de trabalhadores é obrigatoriamente comunicada pelas entidades empregadoras à instituição de segurança social competente, no sítio na internet da segurança social” (destaque nosso); (iii) o número 3 do art. 457º Código do Trabalho estabelece que o “empregador pode proceder ao tratamento informático de dados pessoais dos trabalhadores referentes a filiação sindical, desde que, nos termos da lei, sejam exclusivamente utilizados para cobrança e entrega de quotas sindicais” (...). Acresce que os arts. 281º a 284º do Código do Trabalho impõem um conjunto de obrigações às entidades empregadoras em matéria de segurança e saúde no trabalho, designadamente a obrigação do empregador transferir a responsabilidade pela reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais para entidades legalmente autorizadas a realizar este tipo de seguros, operação que implica, pela sua própria natureza, o tratamento de dados pessoais dos seus trabalhadores. Também em matéria referente ao poder disciplinar, o empregador deve ter um registo actualizado das sanções disciplinares “feito por forma que permita facilmente a verificação do cumprimento das disposições aplicáveis, nomeadamente por parte das autoridades competentes que solicitem a sua consulta.” (art. 332º do Código do Trabalho). O conteúdo desse registo disciplinar individualizado são dados pessoais de cada trabalhador, tratados de acordo com as disposições do RGPD e com fundamento no artigo citado. Por último, recai também sobre as entidades empregadoras o dever de manter o registo dos tempos de trabalho, incluindo dos trabalhadores que estão isentos de horário de trabalho, em local acessível e por forma que permita a sua consulta imediata, conforme o disposto no art. 202º do Código do Trabalho, dados individualizados respeitantes a cada trabalhador, relativamente aos quais o RGPD exige os mesmos cuidados no seu tratamento. Em todas estas situações a base jurídica para o tratamento dos dados pessoais dos trabalhadores residirá, nos termos da alínea c) do número 1 do art. 6º do RGPD, no cumprimento das obrigações legais a que estão sujeitas as entidades empregadoras” (negrito nosso; Sérgio Coimbra Henriques e João Vares Luís, “Consentimento e outros fundamentos de licitude para o tratamento de dados pessoais em contexto laboral”, in Anuário da Protecção de Dados, 2019, CEDIS, p. 29 a 31). [Acessível in http://protecaodedadosue.cedis.fd.unl.pt/wp-content/uploads/2019/05/ANUARIO-2019 Eletronico_compressed.pdf] De resto, citam ainda estes autores o Acórdão do TJUE, de 30/05/2013 (Acórdão do TJ, C-342/12, W..., ECLI:EU:C:2013:355), tirado ao abrigo da Directiva 95/46/CE, nos termos do qual foi declarado que o conceito de dados pessoais abrange o registo dos tempos de trabalho que inclua a indicação, para cada trabalhador, das horas de início e de termo do tempo de trabalho, assim como quaisquer interrupções ou intervalos. Todavia, tal natureza do registo dos tempos de trabalho não impede o acesso a estes pela autoridade nacional com competência para a fiscalização das condições de trabalho, na medida em que essa obrigação seja necessária para o exercício, por essa autoridade, da sua missão de fiscalização da aplicação da legislação em matéria de condições de trabalho. Consequente, decorrendo do artigo 32º, nºs 5 e 8, da Lei nº 105/2009, que sobre a ré, enquanto empregadora, impende a obrigação de enviar à autora/associação sindical, o relatório único da empresa, o qual contempla as informações acima enunciadas, incluindo as relativas aos trabalhadores não sindicalizados, obrigação essa que, ademais, se não for cumprida poderá constituir a prática de uma contra-ordenação (nº 10 do artigo 32º), entendemos que o tratamento dos dados pessoais encontra justificação ao abrigo dos artigos 6º, nº 1, alínea c), 9º, alínea b) e 88.o, do RGDP e artigo 28º, nº 1, da Lei nº 58/2019, de 08-08, sem necessidade do consentimento dos trabalhadores não sindicalizados. Por outro lado, por ter relevância no caso em apreço, convoca-se ainda o fundamento de licitude do tratamento dos dados pessoais consagrado na alínea f) do nº 1 do artigo 6º, do RGPD: tratamento necessário para efeitos de interesses legítimos prosseguidos pelo responsável pelo tratamento ou por terceiro, excepto se prevalecerem os interesses ou direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a protecção dos dados pessoais, em especial se o titular for uma criança. Nos considerandos 47 a 49 do RGPD são enumerados vários exemplos de interesses legítimos, aos quais se poderão acrescentar “os exemplos sugeridos pelo GT29: (vi) protecção e o exercício de direitos – p. ex.: direitos de expressão, de informação, de privacidade, mas também direitos patrimoniais, caso da livre iniciativa económica, direitos de propriedade, em sentido amplo, englobando os direitos de autor e os direitos intelectuais; (vii) publicidade e marketing, de índole comercial, política ou outra; (viii) a prossecução de acções judiciais ou extrajudiciais; (ix) a monitorização de trabalhadores, com fins de segurança ou de administração; (x) a denúncia de práticas ilícitas; ou (xi) o processamento para fins históricos, científicos, estatísticos ou de investigação” - (cfr. A. Barreto Menezes Cordeiro (coordenação), Ob. Cit., 2021, p. 117). Assim, segundo a alínea f) do nº 1 do artigo 6º, do RGPD, o tratamento dos dados será necessário se: “(i) demonstrada a presença de um interesse legítimo do responsável ou de terceiro, (ii) os interesses e as liberdades fundamentais dos titulares dos dados não prevalecerem” (cfr. Autor e Obra citados, p. 118). Donde, nem o RGDP nem a Lei nº 58/2019, de 08-08, mormente o artigo 28º deste diploma, impedem o tratamento (neste caso, transmissão) dos dados pessoais dos trabalhadores a terceiros, ainda que sem o consentimento daqueles, desde que nesse tratamento exista um objectivo legítimo que seja susceptível de justificar uma ingerência na vida privada.” Estamos no essencial de acordo com a sentença. Alega a recorrente que, “na interpretação que faz do art. 32º, nº 8, da Lei 105/2009, conjugado com a CRP, entende que só com o consentimento dos trabalhadores não sindicalizados é que pode fornecer os seus dados pessoais ao Sindicato, por força do art. 28º, nºs 1 e 3, a contrario, da Lei 58/2019 (não existe norma em contrário e a situação não está abrangida em nenhuma das exceções ou especificidades desse artigo), e dos arts. 6º, nº 1, a), e 9º, nº 1 («é proibido o tratamento de dados pessoais que revelem a filiação sindical»), do RGPD.” Não se afigura correcta a chamada à colação do art. 28º, nº 1 e 3, a contrario, da Lei 58/2019, de 8 de Agosto, com a interpretação aludida. Conforme refere Teresa Coelho Moreira, em Direito à Informação Administrativa e Proteção de Dados Pessoais, CEJ, Outubro de 2021, pág. 44, acessível em www.sgeconomia.gov.pt, “o único fundamento que pode legitimar o tratamento de dados pessoais na relação de trabalho é a prossecução de interesses legítimos da entidade empregadora aferíveis em função do caso concreto, e nos termos do art. 6º, nº 1, alínea b), do RGPD, quando o tratamento for necessário para a execução do contrato de trabalho.” Ora, entendemos que o tratamento é aqui necessário para a execução do contrato de trabalho, precisamente a imposição legal do art. 32º da Lei nº 105/2009, de 14 de Setembro. Acrescenta a mesma autora, “Este princípio constitui o princípio verdadeiramente cardinal da proteção de dados, sendo os demais princípios função deste na medida em que os dados devem ser adequados, pertinentes e não excessivos em relação à finalidade pretendida; devem ser exatos, completos e atualizados em função da finalidade; e só devem ser conservados pelo tempo que a finalidade exige. Assim, a finalidade pretendida pelo empregador tem de ser legítima, isto é, deve estar em conformidade com o ordenamento jurídico e ser especialmente respeitadora dos valores fundamentais.” Ou seja, nenhuma alteração operou a norma invocada pela recorrente ao disposto no art. 6º, nº 1, al. c), do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, quando prescreve que “O tratamento só é lícito se e na medida em que se verifique pelo menos uma das seguintes situações: c) O tratamento for necessário para o cumprimento de uma obrigação jurídica a que o responsável pelo tratamento esteja sujeito. Conforme refere Ana Fernanda Neves, na mesma publicação, págs. 82-83: “A comunicação ou a transmissão a outrem de dados pessoais dos trabalhadores constitui uma operação de tratamento de dados (artigo 4º, nº 1, alínea c), do RGPDP) e, como tal, pode ocorrer se existir um título jurídico para o efeito (v.g., artigos 5º, nº 1, alínea a), 6º e 9º do RGPDP). Pode igualmente constituir uma decorrência da finalidade que justificou o seu tratamento originário (artigo 5º, nº 1, alínea b), do RGPDP), como seja, por exemplo, a colocação à disposição da autoridade nacional com competência para a fiscalização das condições de trabalho do registo dos tempos de trabalho. São vários os títulos jurídicos que podem enquadrar a comunicação a terceiros de dados sobre os trabalhadores. Consideremos alguns destes títulos. a) O cumprimento de obrigações do empregador que relevam para o cumprimento de aspetos essenciais da legislação do trabalho. Mencione-se, por exemplo, a obrigação de o empregador enviar informação anual “sobre a atividade social da empresa” – designadamente quanto a “remunerações, duração do trabalho, trabalho suplementar, contratação a termo, formação profissional, segurança e saúde no trabalho e quadro de pessoal” – ao, por um lado, “serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral” e, por outro lado, aos “sindicatos representativos de trabalhadores da empresa que a solicitem”, à comissão de trabalhadores, bem como aos “representantes dos trabalhadores para a segurança e saúde no trabalho na parte relativa às matérias da sua competência” e às “associações de empregadores representadas na Comissão Permanente de Concertação Social que a solicitem” (artigo 6º, nº 1, alínea c), e artigo 9º, nº 2, alínea b), do RGPDP; artigo 32º da Lei 105/2009, de 14.09, e Portaria nº 55/2010, de 21.01). A informação a prestar é nominal, dada a relevância factual da informação para a valia do controlo inerente à atividade social da empresa. No entanto, por força de alteração resultante da Lei nº 60/2018, de 21.08, a informação prestada aos sindicatos e comissão de trabalhadores não é nominativa (salvo quanto ao sexo e quanto às remunerações) quando seja transmitida aos sindicatos (artigo 32º, nº 8). De igual modo, não é nominativa quando transmitida ao serviço competente para tratamento estatístico (artigo 89º do RGPDP). Na verdade, o controlo do cumprimento de normas tão importantes como as relativas à contratação a termo, à discriminação no trabalho e no emprego, à tutela da parentalidade não deve precludir o acesso a informação nominativa funcional pertinente para efeito, por exemplo, do exercício do direito de ação em representação ou apoio dos trabalhadores, designadamente ao abrigo do artigo 9º da Diretiva 2000/78/CE, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional. Em termos gerais, por exemplo, o artigo 443º, nº 1, alínea d), do Código do Trabalho prevê o direito das associações sindicais “[i]niciar e intervir em processos judiciais e em procedimentos administrativos quanto a interesses dos seus associados, nos termos da lei”. Ora, os representantes dos trabalhadores têm de “receber os dados pessoais dos trabalhadores na medida em que tal seja necessário para lhes permitir representar os interesses dos trabalhadores ou se esses dados forem necessários para cumprir ou supervisionar as obrigações previstas nos acordos coletivos”.” Argumenta ainda a recorrente, por contraponto à não identificação nominativa dos trabalhadores constantes da informação, que As remunerações permitem identificar o(s) respetivo(s) titular(es), nomeadamente em posições únicas da organização e nas posições intermédias. Com respeito não se vislumbra a relevância do argumento. Ao estabelecer que a informação é não nominativa, o legislador procurou mitigar os inconvenientes resultantes da privacidade da informação a prestar, mas não pretendeu afectar a mesma, sopesando o confronto dos interesses em causa. Se assim não fosse, teria simplesmente eliminado a obrigação de comunicação em questão. Mais consta da sentença, a propósito da invocada inconstitucionalidade da obrigação da prestação da informação pretendida: “Será a autora titular de um interesse legítimo que deve sobrelevar o direito à intimidade da vida privada? A “liberdade sindical” é tratada nos artigos 55º a 57º, da Constituição da República Portuguesa, normativos estes que, sob o ponto de vista sistemático, fazem parte do Capítulo III (Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores) do Título II (Direitos, liberdades e garantias) da sua Parte I (Direitos e deveres fundamentais). A liberdade sindical é, pois, um dos direitos, liberdades e garantias conferidos constitucionalmente aos trabalhadores, circunstância que se acha em consonância com o direito internacional, designadamente com o artigo 23º, nº 4, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo 22º, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, artigo 8º, do Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, artigo 11º, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e Convenções 87 e 135 da Organização Internacional do Trabalho. Aos trabalhadores é reconhecida a liberdade sindical, “condição e garantia da construção da sua unidade para defesa dos seus direitos e interesses” (artigo 55º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa), a qual “... é hoje mais que uma simples liberdade de associação perante o Estado. Verdadeiramente o acento tónico coloca-se no direito à actividade sindical perante o Estado e os empregadores, o que implica, por um lado, o direito de não ser prejudicado pelo Estado ou pelos empregadores, por causa do exercício de direitos sindicais e, por outro lado, o direito a condições de actividade sindical (direito de informação e de assembleia nos locais de trabalho, dispensa de trabalho para dirigentes e delegados sindicais, etc.)” – cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada – Artigos 1º a 107º”, Coimbra Editora, 2007, p. 730-731; negrito nosso. Donde, o direito à informação e consulta dos representantes eleitos dos trabalhadores, assume dignidade constitucional (artigo 55º, nº 6, da Constituição da República Portuguesa), impondo-se perante os empregadores e o Estado. Constitui núcleo essencial deste direito “o conhecimento da extensão das actividades e da situação da empresa; conhecimento da tomada de decisões empresariais susceptíveis de originar importantes e relevantes na organização do trabalho e dos contratos de trabalho” direito este que, porém, deve articular-se com a “... protecção de outros fins ou direitos das entidades empregadoras que justificarão a dispensa de informação no caso de eles serem susceptíveis de «prejudicar ou afectar gravemente o funcionamento da empresa ou do estabelecimento»” (Cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Ob. Cit., p. 738). É o que, ao nível da normação infraconstitucional, resulta do nº 3 do artigo 412º, do Código do Trabalho, nos termos do qual, “O empregador não é obrigado a prestar informações ou a proceder a consultas cuja natureza seja susceptível de prejudicar ou afectar gravemente o funcionamento da empresa ou do estabelecimento”. Contudo, para tanto, terá de fundamentar a sua recusa por escrito, “com base em critérios objectivos, assentes em exigências de gestão” (nº 1 do artigo 413º, do mesmo diploma), possibilitando assim o controlo da sua decisão por parte dos Tribunais (nº 2 do artigo 413º). O direito de informação é um direito instrumental em relação aos restantes direitos das associações sindicais e demais estruturas representativas dos trabalhadores, pois que, “a liberdade não consiste em ser titular de poderes abstractos sem meios para os exercitar, mas em ser titular de direitos e ter condições para o exercer” (cfr. Jorge Leite, “Direito do Trabalho”, vol. I, Coimbra, 1998, p. 201). Nessa medida, a actividade sindical na empresa é objecto de protecção, prevendo a lei diversos direitos que visam tutelá-la, conforme decorre dos artigos 460º e segs., do Código do Trabalho, entre os quais, o direito a informação e consulta (artigo 466º), tendo os delegados sindicais direito a ser informados e consultados sobre as matérias relevantes para o exercício da sua acção, designadamente sobre a evolução da actividade económica da empresa, a provável evolução do emprego na empresa e as decisão de gestão susceptíveis de alterar substancialmente as condições de trabalho. Além disso, uma das mais importantes actividades do sindicato traduz-se no exercício do direito de contratação colectiva, que apenas poderá efectivar-se perante um conhecimento real e actual da evolução da actividade e situação das empresas, da evolução do emprego e das condições do seu desempenho (artigo 56º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa). A relevância do direito à informação dos trabalhadores decorre ainda do quadro normativo europeu, designadamente da Directiva 2002/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11/03/2002, que estabelece o quadro geral referente à informação e consulta dos trabalhadores na União Europeia e em cujo artigo 4º, nº 2 se estabelece que: “A informação e a consulta incluem: a) A informação sobre a evolução recente e a evolução provável das actividades da empresa ou do estabelecimento e a sua situação económica. b) A informação e a consulta sobre a situação, a estrutura e a evolução provável do emprego na empresa ou no estabelecimento e sobre as eventuais medidas de antecipação previstas, nomeadamente em caso de ameaça para o emprego; c) A informação e a consulta sobre as decisões susceptíveis de desencadear mudanças substanciais a nível da organização do trabalho ou dos contratos de trabalho, incluindo as abrangidas pelas disposições comunitárias referidas no nº 1 do artigo 9º”, assim como da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, concretamente do artigo 27º, nos termos do qual: “Deve ser garantida aos níveis apropriados, aos trabalhadores ou aos seus representantes, a informação e consulta, em tempo útil, nos casos e nas condições previstos pelo direito da União e pelas legislações e práticas nacionais”. É certo que, a protecção de dados pessoais possui dignidade constitucional (artigo 35º, da Constituição da República Portuguesa) e que o tratamento (neste caso, transmissão) de dados pessoais a terceiro contende com o direito à reserva da intimidade da vida privada, igualmente com assento na Lei Fundamental (artigo 26º). Segundo J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Ob. Cit., p. 467, o direito à intimidade da vida privada e familiar inclui “dois direitos menores: (a) o direito a impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar e (b) o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem”. Igualmente no Código do Trabalho cuida-se da tutela dos direitos de personalidade, prescrevendo-se, além do mais, no artigo 16º, sob a epígrafe “Reserva da intimidade da vida privada”, que: “1 - O empregador e o trabalhador devem respeitar os direitos de personalidade da contraparte, cabendo-lhes, designadamente, guardar reserva quanto à intimidade da vida privada. 2 - O direito à reserva da intimidade da vida privada abrange quer o acesso, quer a divulgação de aspectos atinentes à esfera íntima e pessoal das partes, nomeadamente relacionados com a vida familiar, afectiva e sexual, com o estado de saúde e com as convicções políticas e religiosas.” Todavia, como é sabido, os direitos fundamentais não são absolutos nem ilimitados e o direito à reserva da intimidade da vida privada não é excepção. Como sublinha Paulo Mota Pinto, “podemos verificar que a infra-estrutura teleológica do problema da tutela da privacy é caracterizada por uma fundamental contraposição: de um lado, o interesse do indivíduo na sua privacidade, isto é, em subtrair-se à atenção dos outros, em impedir o acesso a si próprio ou em obstar à tomada de conhecimento ou à divulgação de informação pessoal (interesses estes que, resumindo, poderíamos dizer serem os interesses em evitar a intromissão dos outros na esfera privada e em impedir a revelação da informação pertencente a essa esfera); de outro lado, fundamentalmente o interesse em conhecer e em divulgar a informação conhecida, além do mais raro em ter acesso ou controlar os movimentos do indivíduo – interesses que ganharão maior peso se forem também interesses públicos” (in “O Direito à Reserva sobre a Intimidade da Vida Privada”, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. LXIX, p. 508-509). Ora, pode afirmar-se que “o problema dos limites dos direitos fundamentais se coloca, afinal, na maior parte dos casos, como um conflito prático entre valores – entre os valores próprios dos direitos ou entre esses e outros valores comunitários”, sendo que, umas vezes, a limitação dos direitos “resulta dos compromissos naturais entre valores constitucionais que concorrem directamente em determinados tipos de situações e que, nessas circunstâncias, reciprocamente se limitam – estamos perante as colisões de direitos ou conflitos em sentido estrito” (cfr. José Carlos Vieira de Andrade, “Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1976”, 1983, p. 214). Prosseguindo, adverte ainda este autor que “a solução dos conflitos ou colisões entre direitos, liberdades e garantias ou entre direitos e valores comunitários não pode, porém, ser resolvida através de uma preferência abstracta, com o mero recurso à ideia de uma ordem hierarquizada dos valores constitucionais”, devendo procurar-se a solução no quadro da unidade da Constituição, tentando harmonizar da melhor maneira os preceitos divergentes, prosseguindo assim a realização do princípio da sua concordância prática. Deste modo, a compressão do exercício de direitos fundamentais deve limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, segundo critérios de proporcionalidade e adequação (artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa e artigo 335º, do Código Civil). A restrição não pode ser excessiva, inadequada, desproporcionada ou desnecessária. Conforme ensinam Jorge Miranda e Rui Medeiros, in “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, Coimbra Editora, p. 161 e segs., “Explícitas ou implícitas, as restrições reconduzem- se, todas ou quase todas, a dois grandes tipos ou razões de ser: 1º) à conjugação dos direitos, liberdades e garantias entre si e com outros direitos fundamentais; 2º) à conjugação com princípios objectivos, institutos, interesses ou valores constitucionais de outra natureza. O primeiro tipo de restrições pode ser encarado na perspectiva dos critérios de solução de colisões de direitos do artigo 335º do Código Civil. A prevalência que se tenha de dar a uns direitos sobre outros (sejam direitos diferentes ou iguais de diferentes sujeitos ou direitos diferentes do mesmo sujeito) – ou entre bens jurídicos, interesses, valores – há-de assentar, porém, naturalmente, numa ponderação de valores constitucionalmente adequada”. Referem ainda estes autores que “a 2ª parte do nº 2 do artigo 18º da Constituição consagra o princípio da proporcionalidade, que se analisa em três vectores: necessidade, adequação e racionalidade. A necessidade supõe a existência de um bem juridicamente protegido e de uma circunstância que imponha intervenção ou decisão; equivale a exigibilidade desta intervenção ou decisão. A adequação significa que a providência se mostra adequada ao objectivo almejado, se destina ao fim contemplado pela norma, e não a outro; significa, pois, correspondência de meios a fins. A racionalidade ou proporcionalidade stricto sensu implica justa medida; que o órgão competente proceda a uma correcta avaliação da providência em termos quantitativos (e não só qualitativos); que a providência não fique aquém ou além do que importa para se obter o resultado devido – nem mais, nem menos. A falta de necessidade ou de adequação traduz-se em arbítrio. A falta de racionalidade, mais frequentemente em excesso. E, por isso, fala-se correntemente, também em princípio da proibição do arbítrio e da proibição do excesso.” Aqui chegados, para além de se nos afigurar que a prestação de informação aos sindicatos, através do envio do relatório único não contraria o RGPD, pelos motivos que já deixamos expostos, antes resultando do cumprimento de uma obrigação legal a cargo do empregador e dos interesses legal e constitucionalmente protegidos destas estruturas representativas dos trabalhadores, entendemos que o modo como a comunicação deve ser feita, expurgada de elementos nominativos, excepto as remunerações e o sexo, concretiza já a concordância prática entre os direitos fundamentais que aqui colidem. O envio do relatório único aos sindicatos, contendo todas as informações que a lei prevê, incluindo as relativas aos trabalhadores não sindicalizados, não se revela, pela natureza e finalidade do relatório, como abusiva ou arbitrária, não padecendo, portanto, de qualquer inconstitucionalidade a norma do artigo 32º, nº 8, da Lei nº 105/2009. Como bem salienta a autora, cujas palavras fazemos nossas, a obrigatoriedade do envio do relatório único aos sindicatos tem por finalidade, para além do mais, assegurar valores de interesse público estruturante do Estado de Direito Democrático, tais como, o princípio da igualdade de tratamento, a proibição de discriminação salarial, de género e sindical, bem como a proibição de todas as práticas de assédio, designadamente aquelas que assentam na desigualdade de tratamento salarial, valores estes que, na ponderação dos direitos em conflito, devem sobrelevar, na estrita medida do âmbito da informação a prestar tal como legalmente delimitada. Não vislumbramos, aliás, como poderia o relatório único, excluído dos dados relativos aos trabalhadores não sindicalizados, ter qualquer efeito útil. A adoptar-se a posição defendida pela ré, esvaziar-se-ia de qualquer efeito prático o direito à informação que às associações sindicais assiste, por via daquele relatório anual, ou seja, estar-se-ia a restringir desproporcionalmente esse direito. Acresce que, os sindicatos, enquanto destinatários da informação prestada pelos empregadores, ficam sujeitos às mesmas normas sobre a protecção de dados pessoais. Em conclusão, entendemos que a Constituição da República Portuguesa não impõe a interpretação restritiva do artigo 32º, nº 8, da Lei nº 105/2009, nos termos propugnados pela ré, sendo este normativo, com o âmbito e conteúdo prescritos conforme à Constituição, no balanceamento dos direitos, liberdades e garantias que aqui colidem e que importa ponderar. Assim sendo, a recusa da prestação de informação por parte da ré – leia-se, do envio do relatório único completo à autora –, afigura-se-nos, pois, ilegítima.” Mais uma vez, não nos merece qualquer censura a sentença. Conforme se refere no Manual da Legislação Europeia sobre a Proteção de Dados, Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, 2014, acessível em www.echr.coe.int, págs. 22-23, “O direito fundamental à proteção de dados pessoais, consagrado no artigo 8º da Carta, «não é uma prerrogativa absoluta, mas deve ser tomado em consideração relativamente à sua função na sociedade». Assim, o artigo 52º, nº 1, da Carta admite a introdução de restrições ao exercício de direitos como os consagrados nos seus artigos 7º e 8º, desde que essas restrições estejam previstas na lei, respeitem o conteúdo essencial desses direitos e liberdades e, na observância do princípio da proporcionalidade, sejam necessárias e correspondam efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União Europeia, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros. No sistema da CEDH, a proteção de dados é garantida pelo artigo 8º (direito ao respeito pela vida privada e familiar) e, tal como no sistema da Carta, este direito tem de ser exercido respeitando o âmbito de outros direitos concorrentes. Nos termos do artigo 8º, nº 2, da CEDH, «Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para [...] a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros.» Consequentemente, tanto o TEDH como o TJUE têm afirmado repetidamente que a aplicação e a interpretação do artigo 8º da CEDH e do artigo 8º da Carta exigem a conciliação com outros direitos.” Conforme refere José Carlos Vieira de Andrade (citado na sentença), “Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1976”, 4ª ed., 2009, pág. 302, “A solução dos conflitos e colisões entre direitos, liberdades e garantias ou entre direitos e valores comunitários não pode, porém, ser resolvida sistematicamente através de uma preferência abstracta, com o mero recurso à ideia de uma ordem hierárquica dos valores constitucionais. É difícil estabelecer, em abstracto, uma hierarquia entre os bens constitucionalmente protegidos, em termos de obter uma resposta que permita sacrificar sistematicamente os menos importantes. Ainda que se tenha a representação comum de que os direitos não podem valer exactamente o mesmo – até porque se referem com intensidades diversas ao fundamento comum de dignidade da pessoa humana – verifica-se que essa hierarquização natural só pode fazer-se, na maioria parte das hipóteses, quando se consideram as circunstâncias dos casos concretos.” Ora, conforme se refere no Parecer da Comissão de Trabalho e Segurança Social à Proposta de Lei nº 176/XIII/4ª (Gov), acessível em app.parlamento.pt, pág. 5, “Segundo o Governo [a ação de impugnação da confidencialidade de informações ou da recusa da sua prestação ou da realização de consultas, conforme o disposto nos artigos 186º-A a 186º-C, do capítulo V, do título VI, do livro I, do Código] foi criada para garantir o normal funcionamento do dever de reserva e confidencialidade dos membros das estruturas de representação coletiva dos trabalhadores relativamente a informações que lhes tenham sido comunicadas pelo empregador, bem como da possibilidade de recusa de prestação de informações pelo empregador.” Assim, como se conclui na sentença sob recurso, fazendo apelo ao princípio da proporcionalidade, importa concluir pela obrigação de satisfação do pretendido pelo sindicato autor, nos termos decididos na sentença sob recurso. Nestes termos, improcede aqui a apelação. 4. Da informação a prestar Mais alega a recorrente: “A condenação da alínea a), de entregar o relatório único, com todos os anexos, sem qualquer limitação, violou a lei e, não respeitando os seus limites, foi além da mera interpretação literal do art. 32º, nº 8, da Lei 105/2009, nem sequer acautelando que «8 - A informação prestada aos representantes dos trabalhadores, com exceção das remunerações em relação aos sindicatos, deve ser expurgada de elementos nominativos, excluindo o sexo». Trata-se de uma condenação genérica, na sequência do pedido genérico – e não específico – formulado, como se assinalou no art. 13º da contestação, devia envolver a absolvição da instância (ac. STJ de 8.2.94, in CJ-STJ, Tomo I, 1994, pgs. 95). Com o devido respeito, a sentença foi excessiva e, salvaguardando-se subsidiariamente a hipótese de se manter a obrigação de prestar a informação, deve ser estabelecido que o seja expurgada de elementos nominativos, excluindo o sexo. Ou seja, deve ser determinada claramente a forma da prestação da informação, a manter-se essa obrigação.” O Ilustre Procurador Geral Adjunto pronunciou-se nos seguintes termos: É certo que a lei prevê como, aliás, já referido em III, que além das remunerações, a restante informação terá que ser expurgada dos dados nominativos. Mas supomos que os anexos do Relatório contêm já os dados a informar, preenchendo os impressos. Mas, repetindo, a informação deverá respeitar aquele normativo. Refere-se na sentença o seguinte: “O relatório único, para além do relatório propriamente dito, é constituído por seis anexos: Anexo A – Quadro de pessoal; Anexo B – Fluxo de entrada e saída de trabalhadores; Anexo C – Relatório anual de formação contínua; Anexo D – Relatório anual das actividades do serviço de Segurança e Saúde; Anexo E – Greves; Anexo F – Prestadores de Serviços.” Assim é, como se comprova pela análise dos anexos à Portaria nº 54/2010, de 21 de Janeiro. Não se afigura, portanto, que o pedido de junção do Relatório Único e seus anexos, que a recorrente se encontrava obrigada a preencher, seja genérico, ou que seja genérica a condenação da recorrente em tal pedido. Conforme se pode ler no preâmbulo da Portaria, este relatório preenche precisamente a obrigação de informação sobre a actividade social da empresa. Ali se refere: “A regulamentação do Código do Trabalho integrou estes propósitos, através de uma obrigação única, a cargo dos empregadores, de prestação anual de informação sobre a actividade social da empresa, com conteúdo e prazo de apresentação regulados em portaria dos ministros responsáveis pelas áreas laboral e da saúde. Esta informação anual reúne informações até agora dispersas respeitantes ao quadro de pessoal, à comunicação trimestral de celebração e cessação de contratos de trabalho a termo, à relação semestral dos trabalhadores que prestaram trabalho suplementar, ao relatório da formação profissional contínua, ao relatório da actividade anual dos serviços de segurança e saúde no trabalho e ao balanço social. A informação anual inclui ainda aspectos relativos a greves e informação sobre os prestadores de serviço, o que permite superar o procedimento complexo entre as empresas e a administração do trabalho em que até agora assentou a informação sobre as greves. Permite-se também que as matérias a que o relatório único respeita sejam desenvolvidas de modo a que, periodicamente, se disponha de informação mais completa sobre cada uma delas. Os empregadores envolvidos na prestação de informação sobre a actividade social da empresa são os mesmos que são abrangidos pelo Código do Trabalho e pela legislação específica dele decorrente.” Mais refere a recorrente que “deve ser estabelecido que o seja expurgada de elementos nominativos, excluindo o sexo”. Sucede que o art. 32º, nº 8, da Lei nº 105/2009, de 14 de Setembro, excepciona da expurgação dos elementos nominativos o anexo A, no que se refere às remunerações, no caso dos autos, por se tratar de comunicação a um sindicato. Conforme já se deixou expresso, a lei já cumpre os princípios da finalidade e da minimização que devem nortear a comunicação dos dados. Conforme refere Ana Fernanda Neves, loc. cit., pág. 85, “Os dados comunicados pelos empregadores devem ser, de acordo com os princípios da finalidade e da minimização, os “dados relevantes, exatos e atualizados”, o que é “especialmente em relação aos dados que são colocados em linha e acessíveis a um público mais vasto”, sendo passível de gerar responsabilidade a comunicação de dados inexatos, imprecisos e incompletos.” De todo o modo, não pode a decisão sob recurso deixar de ser interpretada de harmonia com os preceitos legais supra referidos, como resulta evidente da sua fundamentação. Ou seja, deve a recorrente entregar ao sindicato o Relatório Único relativa ao ano de 2020, com todos os seu anexos, expurgada de elementos nominativos, excluindo o sexo, com excepção dos dados relativos a remunerações. Assim, improcede a apelação. 5. Valor da sanção pecuniária compulsória Finalmente alega a recorrente que “a sanção pecuniária compulsória é exagerada e desproporcional, não devendo ir além de 150 euros por dia (4.500 euros mês).” Para o Ilustre Procurador Geral Adjunto “Entende-se que neste particular assiste razão à Recorrente. Reputa-se de exagerado o valor diário de sanção fixado de 500,00€. Sendo um direito do Recorrido efectuar este pedido, cremos que o valor encontrado, salvo sempre melhor opinião, é manifestamente exagerado, não devendo, o mesmo, ir além do sugerido pela Recorrente, valor que se mostra mais justo equilibrado e proporcional, neste caso.” Nos termos do art, 829º-A, nº 1, do Código Civil, nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso. Refere-se no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de Abril de 2016, processo 2455/13.4YYLSB-A.L1-2, acessível em www.dgsi.pt: “Tal significa, que a sanção pecuniária compulsória depende de um requisito material – só pode funcionar nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, mas que não exija especiais qualidades científicas ou artísticas, ou obrigação de pagamento de quantia certa – e de um requisito formal – depende de requerimento do credor interessado, não se consentindo a actuação oficiosa do Tribunal. O referido instituto jurídico tem, reconhecidamente, uma dupla finalidade: - de moralidade e de eficácia. Reforça a soberania dos Tribunais, o respeito pelas suas decisões, o prestígio da justiça e, simultaneamente, favorece o cumprimento das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis. A sanção pecuniária compulsória não funciona como indemnização, pois não se destina a indemnizar o credor pelos prejuízos que o inadimplemento da prestação eventualmente lhe venha a causar. Funciona como meio de coerção, destinado, fundamentalmente, a compelir o devedor à realização da prestação devida, (...).” Salienta-se no acórdão do STJ 12 de Setembro de 2019, processo 8052/11.1TBVNG-B.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt, “a sanção pecuniária compulsória prevista no nº 1 do artigo 829º-A tem de ser determinada e concretizada nos seus termos, de forma casuística e equitativa, mediante decisão judicial (...). Porém, (...) o espírito é o mesmo: levar o devedor a encarar as coisas a sério e a não desprezar o interesse do credor e o tribunal.” Mais se considerou-se no acórdão do STJ de 26 de Outubro de 1999, processo 99A740, ainda acessível em www.dgsi.pt, “Cabe ao Tribunal decidir quanto ao montante da sanção segundo critérios de razoabilidade, a fixar por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção do devedor. O Juiz não poderá deixar de ponderar para o efeito, as possibilidades económicas do devedor e o real interesse do credor ao cumprimento, isto sem esquecer que o credor além da parte a que tem direito, poderá ainda ver acrescida uma indemnização nos termos gerais, se a ela houver lugar – Prof. Mota Pinto – “Teoria Geral do Direito Civil” 3. edição, pág. 186; Prof. António Pinto Monteiro – “Cláusula Penal e Indemnização” págs. 124/133; Prof. Calvão da Silva – “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória” pág. 452.” Ou seja, o montante da sanção será determinado equitativamente, ponderada a condição do obrigado e os interesses em causa, nomeadamente do credor, mas sem ignorar a finalidade coerciva no cumprimento da obrigação. Ponderando-se estes princípios afigura-se excessivamente diminuto o valor proposto pela recorrente e mais consentâneo com a capacidade económica da recorrente, que é como dizer com a sua capacidade de resistência à decisão, o que foi considerado na sentença sob recurso. Assim, improcede a apelação. IV. Decisão Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida, com o esclarecimento de que a informação a prestar deverá ser expurgada de elementos nominativos, excluindo o sexo, com excepção dos dados relativos a remunerações. Custas pela recorrente. Porto, 28 de Novembro de 2022 Rui Penha Jerónimo Freitas Nelson Fernandes |