Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5153/17.6T8MTS-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCA MOTA VIEIRA
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS
COBRANÇA DE ALIMENTOS
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
TRIBUNAIS PORTUGUESES
Nº do Documento: RP202311095153/17.6T8MTS-B.P1
Data do Acordão: 11/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O REGULAMENTO (UE) 2019/1111 DO CONSELHO de 25 de junho de 2019, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e ao rapto internacional de crianças, não é aplicável à obrigação de alimentos, conforme alínea e) do artigo 1º desse Regulamento.
II - Já o Regulamento (EU) 4/2009 de 18/12/2008), conforme resulta do artigo 1º deste Regulamento, as suas previsões aplicam-se a todas as obrigações alimentares resultantes de relações familiares, de parentesco, de casamento ou de afinidade garantindo-se, assim, com esta amplitude, uma igualdade de tratamento entre todos os credores de alimentos, devendo o conceito de obrigação alimentar, por não estar definido no Regulamento, ser interpretado de forma autónoma, o que implica que a definição vá sendo concretizada pela jurisprudência do Tribunal Europeu de Justiça.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 5153/17.6T8MTS-B.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo de Família e Menores de Matosinhos - Juiz 2.

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Porto:

I.RELATÓRIO
1.AA, divorciada, CC n.º ..., válido até 03/08/2031, NIF ..., residente em Avenida ..., ..., ..., Pontevedra, Espanha veio, por apenso aos autos de divórcio por mútuo consentimento que correram termos sob o nº 5153/17.6T8MTS, deduzir incidente previsto no artigo 48.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, contra BB, natural de Matosinhos, CC n.º ..., NIF ..., residente em Rua ..., CP ..., ..., Matosinhos.
Para tanto , e no essencial, alegou que por sentença já transitada em julgado, ficou estabelecido que o pai da menor CC, nascida em .../.../2011,pagaria, a título de alimentos a quantia mensal de € 100,00 (cem euros) para a menor, a ser pago por transferência, até ao dia 08 de cada mês, e contribuiria ainda com metade das despesas de saúde decorrentes dos serviços médicos do SNS, bem como metade das despesas com livros e material escolar, mediante a apresentação do respectivo comprovativo, a pagar no mês seguinte ao da apresentação e aquando da prestação de alimentos.
E alegou que, desde a homologação do acordo das Responsabilidades Parentais, até Outubro de 2022, o requerido não pagou a parte que lhe cabe a título de despesas com a menor, no valor de € 2.895,12 (dois mil oitocentos e noventa e cinco euros e doze cêntimos).
2.Aberta conclusão pelo Mmo Juiz do tribunal recorrido foi proferido despacho cujo teor se reproduz:
“Face ao exposto, constatada a incompetência deste Tribunal Português - Juízo de Família e Menores do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, nos termos do Regulamento Bruxelas II-B e dos art.ºs 576.º e 577.º al. a), ambos do CPC, decido julgar verificada a exceção de incompetência internacional deste Juízo de Família e Menores de Matosinhos e declarar este Tribunal internacionalmente incompetente, absolvendo-se, em consequência, a requerida da instância”

3.Inconformada, a requerente interpôs recurso de apelação e concluiu nos termos aqui reproduzidos:
1.O tribunal a quo, na sua decisão ora em recurso, apenas levou em conta um factor, ou seja, que a menor reside em Espanha.
2.O que está em discussão é o incumprimento de uma regulação já efetuada, mais concretamente da obrigação de alimentos fixada por sentença proferida pelo Juízo de Família e Menores de Matosinhos.
3.Não obstante a criança residir com a mãe em Espanha, o pai, devedor de alimentos reside e trabalha em Portugal, sendo, portanto, aqui, em território nacional, que se deverá lançar mão e accionar os competentes mecanismos legais executivos e pré-executivos disponíveis para a cobrança de alimentos.
4.O artigo 48.º do RGPTC não impõe a instauração do incidente para cobrança de alimentos no tribunal da residência actual da criança, sendo que, por força do artigo 41.º, n.º 2 do RGPTC, residindo a criança no estrangeiro, regerá, então, no caso concreto, a competência alternativa prevenida na norma constante do artigo 9.º, n.º 7 do RGPTC.
5.Uma vez que, o progenitor devedor reside e trabalha em Portugal, e estando a Apelante munida de título executivo, o Tribunal português é internacionalmente competente para a cobrança.
6.Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes se, de acordo com as regras da competência em razão do território, algum deles for territorialmente competente para a acção a propor (artigo 62.º, alínea a) do CPC).
7.O que se pretende agora é tornar efectiva a prestação de alimentos fixada pelo Juízo de Família e Menores de Matosinhos, providência que se tornou necessária devido ao incumprimento do requerido no que toca à falta de pagamento de metade das despesas da menor.
8.Para o referido efeito de tornar efectiva a prestação de alimentos, já não é a residência da menor que, necessariamente, releva. Da conjugação do disposto nos artigos 41.º, números 1 e 2, e 9.º, n.º 7, do RGPTC decorre que é territorialmente competente o tribunal da residência do requerente ou do requerido.
9.No momento em que foi apresentado o requerimento em que é deduzido incidente de incumprimento das responsabilidades, o requerido tinha (e tem) residência habitual em ..., Matosinhos, forçoso é concluir que o tribunal português, concretamente, o Juízo de Família Matosinhos é territorialmente competente para conhecer desse incidente e, de harmonia com o disposto no artigo62.º, alínea a), do CPC, também é internacionalmente competente. PARA ALÉM DISSO,
10.O Tribunal a quo não levou em conta, que a menor residiu grande parte da sua vida em Portugal, que a mesma tem nacionalidade Portuguesa, tal como os pais, e que a menor tem em Portugal todos os seus familiares, avós, primos e que a sua cultura é a portuguesa.
11.A fim de que o superior interesse da criança seja respeitado da melhor forma, o conceito de residência habitual traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar, pelo que, para determinar a residência habitual de uma criança, além da presença física, há outros factores suplementares que devem ser levados em conta.
12.No caso em apreço, há diversos elementos de conexão, designadamente a nacionalidade da requerente, do requerido e da menor – Portugal; a residência e local de trabalho do requerido – Portugal; homologação das responsabilidades definitivas – Portugal; a família da menor-Portugal.
13.É o tribunal recorrido o que melhor conhece as circunstâncias familiares, sociais e culturais da menor e do progenitor obrigado ao pagamento da prestação de alimentos, por ser aquele que se encontra em melhores condições de proceder a todas as diligências probatórias e obter os elementos necessários.
14.Maisse diga que, o Tribunal a quo aplicou simplisticamente a norma do artigo 8.° do Regulamento (CE) n.° 2201/2003, de 27/11/2003, devendo proceder a uma interpretação integrada de todo o regulamento, de modo a que entenda que o critério principal para atribuição da competência dos tribunais portugueses é o critério da proximidade.
15.As regras comunitárias não devem ser aplicadas de uma forma mecânica, simplista, antes se impõe que a regra geral do nº 1, do artigo 8.º, seja aplicada sob reserva (como o refere o nº 2, do artigo 8.º), não olvidando nunca o superior interesse da criança e o critério da proximidade (ou como refere o artigo 15.º, o tribunal do Estado-Membro com o qual a criança tenha uma ligação particular).
16.A competência do tribunal está dependente de um critério de maior utilidade para a boa decisão da causa e, por isso, protecção dos interesses da menor, pelo que, sufragamos que a ordem jurídica nacional deve assumir competência tendo em conta o interesse da menor.
17.Existe um efectivo interesse da menor e uma melhor possibilidade de decisão do litígio, no Juízo de Família e Menores de Matosinhos.
18.Acresce que, no âmbito do processo “modificacion de medidas supuesto contencioso 0000299/2023” auto n.º 273/2023 a correr termos no tribunal em Espanha foi proferida decisão que julgou competente para requerer e decidir a alteração das responsabilidades parentais o tribunal onde as mesmas foram homologadas, ou seja, o Juízo de Família e Menores de Matosinhos. DOC 1, que se junta e se dá por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos. Ao abrigo do artigo 651.º, n.º 1 do CPC a junção de documentos na fase de recurso é admitida a título excepcional, sendo que no caso em apreço encontra-se justificada pois o despacho que decide definitivamente da causa que afinal julga verificada a excepção de incompetência internacional do Juízo de Família e Menores de Matosinhos e declara o Tribunal internacionalmente incompetente, absolvendo o requerido da instância, introduz na acção um elemento de novidade que torna necessária a consideração de prova documental adicional.
19.Face do disposto nos artigos 9.°, n.º 7, 41.º, n.º 1 e 2 e 48.º da Lei n.° 141/2015, de 8 de Setembro, do artigo 62.° do CPC e dos artigos 8.º e 15.º Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003 , o correcto é considerar o Tribunal português como sendo o competente internacionalmente para decidir do incidente de incumprimento das responsabilidades parentais.
Termos em que, e pelo que vossas excelências doutamente suprirão, deve dar-se provimento ao recurso, e, diversamente do decidido no douto despacho recorrido justifica-se assim a competência do tribunal a quo e, em consequência, a revogação do douto despacho recorrido e a sua substituição por outro que julgue o tribunal recorrido tribunal competente e ordene a autuação e prosseguimento do incidente suscitado pela requerente.
Mais requereu a junção aos autos de um documento escrito em língua espanhola, não traduzido, o qual, corporiza cópia não certificada de um despacho judicial proferido a de 2 Maio de 2023, no âmbito de um processo instaurado “Por la Procuradora de los tribunales, Sra. DD, en nombre y representación de Dª AA, se ha presentado escrito frente a D.BB, en el que solicita la modificación de las medidas definitivas acordadas en lasentencia de divorcio de fecha 10 de enero de 2018 dictada por el Tribunal de la Comarca de Oporto, Juzgado de Familia y Menores de Matosinhos – Juez 3” e no qual, o juiz espanhol proferiu o seguinte despacho :
“En el presente caso no se trata de una regulación inicial de medidas paternofiliales con un menor que reside en Vigo. Ya existen medidas adoptadas en otro Juzgado, en este caso un Juzgado de Familia y Menores de Matosinhos, por lo que procede la inadmisión a trámite de la demanda”.
Da cópia do documento não consta que o despacho proferido pelo tribunal espanhol tenha transitado em julgado.

4.Foi apresentada resposta pelo Ministério Público.
5.Cumpre decidir.

II.DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Cód. Processo Civil.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas resulta que é a seguinte a questão a resolver por este Tribunal:
- Saber se o tribunal recorrido (Juízo de Família e Menores de Matosinhos do Tribunal Judicial da Comarca do Porto) é internacionalmente competente para conhecer do incidente previsto no artigo 48.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível instaurado por apenso aos autos de divórcio por mútuo consentimento que correram termos sob o nº 5153/17.6T8MTS.

III. FUNDAMENTAÇÃO:
3.1 Questão Prévia.
Como questão prévia, como vimos, a recorrente em sede de alegações de recurso, veio invocar a decisão proferida por um tribunal de Espanha que considerou ser competente para decidir a alteração das responsabilidades o tribunal onde as mesmas foram homologadas, isto é invoca em sede de recurso o mencionado processo “modificacion de medidas supuesto contencioso 0000299/2023” auto n.º 273/2023 a correr termos no tribunal em Espanha, onde foi proferida decisão que julgou competente para requerer e decidir a alteração das responsabilidades parentais o tribunal onde as mesmas foram homologadas, ou seja, o Juízo de Família e Menores de Matosinhos.
E solicitou a junção aos autos do documento a que nos referimos no relatório.
Apreciando e decidindo:
Tratam-se de factos que não foram considerados nem apreciados pelo tribunal recorrido (essa questão apenas foi invocada nas alegações de recurso), constituindo, factos novos, que não podem ser apreciados pela primeira vez por este Tribunal, nomeadamente, para aferir da conformidade da decisão objeto de recurso com o direito, já que os recursos, sendo meios de reapreciação de decisões, não podem apreciar factos ou questões novas.
Assim, rejeita-se o recurso relativamente a essa nova questão suscitada nas alegações de recurso e em consequência, por não revelar para a decisão da acusa não se admite a junção da cópia do documento que a recorrente pretende juntar com o recurso interposto.
Sem prejuízo, cumpre referir que a predita decisão do tribunal Espanhol não tem qualquer influência nestes autos, não afetando em nada a decisão recorrida.

3.2.Da análise dos autos principais de divórcio a que estes estão apensos, bem como, da análise destes autos resultam provados os seguintes factos.
1º - Autora e réu contraíram entre si casamento civil no dia 12 de Agosto de 2010, sem precedência de convenção antenupcial (cfr. doc. de fls. 09 verso).
2º - Do casamento existe uma filha menor, CC, nascida em .../.../2011. (cfr. doc. fls. 11).
3.No âmbito dos autos principais de divórcio por mútuo consentimento a que estes estão apensos no dia 18.01.2018 foi elaborada ata cujo teor, no essencial, se reproduz:
“Seguidamente, pelas partes foi dito pretenderem convolar o presente divórcio litigioso em divórcio por mútuo consentimento, estando acordados nos seguintes termos:
I – A utilização da casa de morada de família fica atribuída à autora, obrigando-se o réu a sair da mesma até ao final do corrente mês.
II - A autora compromete-se a pagar as prestações do empréstimo bancário relativo à casa de morada de família até à venda ou partilha da mesma.
III – Autora e réu prescindem reciprocamente de alimentos.
IV – O exercício das responsabilidades parentais relativo à filha menor de ambos, CC, fica acordado nos seguintes termos:
Residência:
a) A menor fica a residir com a sua progenitora e à guarda desta.
b) O exercício das responsabilidades parentais nas questões de particular importância da vida da criança fica atribuído a ambos os progenitores.
Regime de visitas:
c) O pai poderá estar com a menor sempre que o desejar, sem prejuízo das horas escolares e de descanso daquela, devendo avisar a mãe com a antecedência de 48 horas.
d) As férias escolares do Natal e da Páscoa da menor serão repartidas por ambos os progenitores.
e) Nas férias escolares de Verão, a menor passará 15 dias seguidos ou uma semana, de forma alternada, com cada um dos progenitores, devendo estes combinar qual o período pretendido até ao dia 15 do mês de maio de cada ano, sendo que caso não haja acordo, o pai tem preferência na escolha do período de férias nos anos pares e a mãe nos anos ímpares.
f) Caso a progenitora venha a fixar residência em Espanha, o progenitor autoriza que a menor acompanhe a mãe nessa alteração de residência e aí possa frequentar o respectivo sistema de ensino.
g) Caso se consume essa alteração de residência da mãe, as visitas da menor ao progenitor passarão a ocorrer de 15 em 15 dias, das 20:00 horas de sexta-feira até as 18:00 horas de domingo, ficando as conduções da criança a cargo da progenitora.
Alimentos:
h) A título de alimentos devidos à sua filha, o pai entregará à mãe a quantia mensal de € 100,00 (cem euros), a pagar até ao dia 08 de cada mês, por depósito ou transferência bancária em conta a indicar pela mãe.
i) O pai pagará ainda metade das despesas de saúde decorrentes dos serviços médicos do Serviço Nacional de Saúde, bem como metade das despesas com livros e material escolar, mediante a apresentação do respectivo comprovativo, a pagar no mês seguinte ao da apresentação e aquando da prestação de alimentos.
j) A prestação alimentar supra estabelecida será anualmente actualizada, com início em Janeiro de 2019, de acordo com os índices de inflação publicados pelo INE e relativos ao ano anterior.
De seguida, pelo Mm.º Juiz foi proferido o seguinte: DESPACHO
Face à vontade manifestada pelas partes e por se verificarem os necessários pressupostos, admito a pretendida convolação do presente divórcio litigioso em divórcio por mútuo consentimento – cfr. art. 931º, nº 3, do Código de Processo Civil – e considero realizada, desde já, a conferência a que alude o art. 995º do Código de Processo Civil. Notifique.
De imediato, pelo Mm.º Juiz foi proferida a seguinte: SENTENÇA
I- Relatório
AA intentou a presente acção de divórcio litigioso contra BB pedindo, com os fundamentos constantes da petição inicial, que aqui se dão por reproduzidos, se decrete a dissolução, por divórcio, do seu casamento com o réu.
Realizada a respectiva tentativa de conciliação, os cônjuges persistiram no propósito de se divorciar, anuindo, no entanto, no divórcio por mútuo consentimento, acordando ainda, sobre a casa de morada de família, regime de alimentos e regulação das responsabilidades parentais relativa à filha menor de ambos, realizando-se, de imediato, a respectiva conferência entre os cônjuges a que se refere o art. 995º do Código de Processo Civil e na qual os cônjuges persistiram em se divorciar.
O processo mostra-se isento de nulidades que o invalidem de todo.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções dilatórias, nulidades processuais nem questões prévias de que importe conhecer.
* II- Fundamentação de Facto.
Com interesse para a decisão, encontram-se documentalmente provados os seguintes factos:
1º - Autora e réu contraíram entre si casamento civil no dia 12 de Agosto de 2010, sem precedência de 2º - Do casamento existe uma filha menor, CC, nascida em .../.../2011. (cfr. doc. fls. 11).
* III- Fundamentação de Direito e Decisão.
O divórcio por mútuo consentimento pode ser requerido por ambos os cônjuges – cfr. art. 1773º, nº 1 e 2, do Código Civil.
Deste modo, uma vez concretizados os acordos entre as partes em conformidade com o disposto no art. 1775º, nº 1 do Cód. Civil, ao abrigo do disposto nos arts. 12º, nº1, al. b), 14º, nº 3 e 21º, do D.L. n.º 272/01, de 13.10, e 931º, nº 4 e 994º, do Código de Processo Civil, decreto o divórcio, por mútuo consentimento, entre AA e BB, com a consequente dissolução do seu casamento.
Os acordos supra exarados são válidos, quer pelo seu objecto quer pela qualidade dos intervenientes, motivo pelo qual, homologo-os, por sentença, condenando os requerentes a cumpri-los nos seus precisos termos (art. 1776º do Código Civil).
Custas pelos requerentes, em partes iguais. Valor processual: € 30.000,01.
Registe e notifique.»
4. Na petição inicial a requerente-recorrente alegou de forma expressa que desde o mês de Setembro de 2018 que a menor é acompanhada pelo gabinete psiquiatra em Gondomar, Pontevedra.
5. A menor reside com a mãe, a recorrente, em ..., Pontevedra, Espanha.

3.2 Do Mérito da decisão recorrida.

.Com a presente acção pretende-se cobrar quantias a título de despesas com o menor, a prestar pelo requerido, tendo a requerente optado pelo recurso ao mecanismo previsto na norma do artigo 48.º do RGPTC, que estabelece :
“1 - “Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida nos 10 dias seguintes ao vencimento, observa-se o seguinte:
(…)
2 - As quantias deduzidas abrangem também os alimentos que se forem vencendo e são diretamente entregues a quem deva recebê-las.”

.O tribunal recorrido convocando o Regulamento (UE) 2019/1111, do Conselho de 25 de junho de 2019, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e ao rapto internacional de crianças (reformulação) – vulgarmente conhecido por Regulamento Bruxelas II-B, decidiu decido julgar verificada a exceção de incompetência internacional do Juízo de Família e Menores de Matosinhos e declarar este Tribunal internacionalmente incompetente, absolvendo-se, em consequência, o requerido da instância.
Quid iuris?
.E como é sabido, o presente procedimento previsto no artigo 48º RGPTC (Regime Jurídico do Processo Tutelar Cível ) não tem autonomia relativamente ao processo onde foram fixados os alimentos, constituindo apenas um incidente desse processo, pelo que, à face do direito interno o tribunal competente é o mesmo em que correu o processo no qual foi proferida a decisão que fixou os alimentos.
.Neste particular cremos ser de seguir o entendimento de que neste dispositivo estão em causa “mecanismos pré-executivos”, isto é, contempla-se um "procedimento pré-executivo", que tem por finalidade específica a cobrança coerciva de alimentos devidos a menores, processando-se, por razões de celeridade e simplicidade processual, incidentalmente no próprio processo em que foi proferida decisão a fixar os alimentos e em que foi proferida decisão a condenar o devedor ao seu pagamento.
.Trata-se do chamado “incidente de descontos” [1] incidente que, por razões de celeridade e simplicidade processual, atendendo à premência na obtenção dos alimentos, corre termos no próprio processo, em vez do recurso a uma acção executiva autónoma.

.Estabelece o artigo 9º nº1 do RGPTC (Lei 141/2015) que o tribunal territorialmente competente para as acções tutelares cíveis é o da residência do menor à data em que o processo foi intentado, definindo o artigo 85º nº1 do CPC o domicílio do menor como sendo no lugar da residência da família e, se ela não existir, no domicílio do progenitor a cuja guarda estiver, em conformidade também com o disposto nos nºs 3 e 4 do referido artigo 9º.
.No presente caso, à data da propositura da acção – 15.05.2023 - a menor residia e reside com a mãe em Espanha, sendo tal situação contemplada no nº7 do mesmo artigo 9º, por força do qual, se o menor residir no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, é competente o tribunal da residência do requerente ou do requerido.
.Para se saber se o tribunal português é internacionalmente competente, rege o artigo 59º do CPC que estatui serem os tribunais portugueses internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62º e 63º, ou quando as partes lhe tenham atribuído competência nos termos doa artigo 94º.
.Da mera aplicação conjunta do artigo 9º nº 7 do RGPTC (que permite a opção entre o tribunal da residência do requerente ou do requerido) e da alínea a) do artigo 62º do CPC (que atribui competência internacional aos tribunais portugueses quando a acção possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territoriais estabelecidas na lei portuguesa) se conclui que o tribunal português seria competente para tramitar os presentes autos.
.Mas, ressalvando o artigo 59º do CPC que o aí previsto será sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus ou outros instrumentos internacionais, também por via dos instrumentos internacionais aplicáveis, se chega à conclusão da competência internacional do tribunal português.
Na verdade, pertencendo a Espanha, actual residência habitual da progenitora e da menor, à União Europeia, são suscetíveis de serem convocados para o caso os regulamentos que foram sendo invocados nos presentes autos, (Reg. (CE) 2201/2003 do Conselho de 27/11/2003 e o Reg. (CE) 4/2009 de 18/12/2008) e o Regulamento ( eu) 2019/111, do Conseho de 25 de Junho de 2019, este vulgarmente conhecido por Regulamento Bruxelas II-B- aplicáveis a todos os Estados Membros com exceção da Dinamarca.
.Como tal, atento o disposto no supracitado art.º 59.º do CPC, não se aplicará o preceituado no art.º 62.º do mesmo diploma legal, porquanto a competência internacional será aquela que estiver prevista no Regulamento que for aplicável à situação dos autos e que vigora na ordem jurídica interna, prevalecendo sobre as normas processuais portuguesas, vinculando internacionalmente o Estado Português (cfr. art.º 8.º, n.º 2 da CRP).
.De referir que, tal como resulta do art. 288º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e do art. 8º da Constituição da República Portuguesa, este Regulamento é directamente aplicável em todos Estados Membros da União Europeia e prevalece perante as normas internas reguladoras da competência internacional, o que vem expressamente previsto no art. 59º do CPC.
.Todavia, o Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho (Regulamento Bruxelas II-A), como resulta do seu teor, determina os tribunais competentes em cada Estado-Membro para apreciar as questões em matéria matrimonial ou em matéria de responsabilidade parental, quando exista um elemento internacional. Prevê ainda que uma decisão em matéria matrimonial ou em matéria de responsabilidade parental proferida num Estado-Membro é reconhecida nos outros Estados‑Membros, sem quaisquer formalidades. Consoante o tipo de decisão, pode ser necessária uma declaração de executoriedade («exequatur»).Além disso, ao definir as regras em matéria de cooperação aplicáveis aos casos de rapto parental que ocorram entre Estados-Membros, o Regulamento Bruxelas II-A complementa e reforça a Convenção da Haia de 1980.Cada Estado-Membro designa, pelo menos, uma autoridade central para apoiar a aplicação do Regulamento Bruxelas II-A.
.E esse Regulamento é aplicável às ações judiciais intentadas, aos atos autênticos formalmente redigidos ou registados e aos acordos aprovados ou celebrados em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental antes de 1 de agosto de 2022.
.No que diz respeito às ações intentadas em 1 de agosto de 2022 ou após essa data, o Regulamento Bruxelas II-A foi substituído pelo Regulamento (UE) 2019/1111 do Conselho (Regulamento Bruxelas II-B).
.E por ser relevante, resulta da alínea e) do artigo 1º desse Regulamento, este não é aplicável à obrigação de alimentos;
.Já o Regulamento (EU) 4/2009 de 18/12/2008), conforme resulta do artigo 1º deste Regulamento, as suas previsões aplicam-se a todas as obrigações alimentares resultantes de relações familiares, de parentesco, de casamento ou de afinidade garantindo-se, assim, com esta amplitude, uma igualdade de tratamento entre todos os credores de alimentos, devendo o conceito de obrigação alimentar, por não estar definido no Regulamento, ser interpretado de forma autónoma, o que implica que a definição vá sendo concretizada pela jurisprudência do Tribunal Europeu de Justiça.
.Do conjunto de regras relativas à competência jurisdicional, constantes do Regulamento, ressalta a vontade de se restringir a possibilidade de aplicação de normas de Direito interno na determinação do tribunal competente, razão pela qual o Regulamento não remete, na determinação do tribunal internacionalmente competente, para as regras de direito nacional, tendo antes consagrado um corpo de regras comunitárias, a aplicar.
.Em vista das finalidades em causa, com as previsões sobre conflitos de jurisdição, resulta que a escolha de um tribunal, que não respeite as regras de competência jurisdicional constantes do Regulamento, conduzirá a uma situação de incompetência.

.Posto isto, afigura-se-nos que o Regulamento a convocar para a solucionar a questão decidenda é o Regulamento (EU) 4/2009 de 18/12/2008) e não o Regulamento (UE) 2019/1111 do Conselho (Regulamento Bruxelas II-B) convocado na decisão recorrida.
Para tanto, importa atentar no âmbito restrito de aplicação deste Regulamento, partindo da análise dos considerandos respectivos:
«(8)No âmbito da Conferência da Haia de direito internacional privado, a Comunidade e os seus Estados-Membros participaram em negociações que conduziram em 23 de Novembro de 2007 à aprovação da Convenção sobre a Cobrança Internacional de Alimentos em benefício dos Filhos e de outros Membros da Família (a seguir designada 'Convenção da Haia de 2007') e do Protocolo sobre a Lei Aplicável às Obrigações Alimentares (a seguir designado 'Protocolo da Haia de 2007'). É, pois, conveniente ter em conta estes dois instrumentos no âmbito do presente regulamento.
(9) Um credor de alimentos deverá poder obter facilmente, num Estado-Membro, uma decisão que terá automaticamente força executória noutro Estado-Membro sem quaisquer outras formalidades.
(10) A fim de alcançar esse objectivo, é conveniente criar um instrumento comunitário em matéria de obrigações alimentares que agrupe as disposições sobre os conflitos de jurisdição, os conflitos de leis, o reconhecimento e a força executória, a execução, o apoio judiciário e a cooperação entre autoridades centrais.
(11) O âmbito de aplicação do presente regulamento deverá incluir todas as obrigações alimentares decorrentes das relações de família, de parentesco, de casamento ou de afinidade, a fim de garantir igualdade de tratamento entre todos os credores de alimentos. Para efeitos do presente regulamento, o conceito de 'obrigação alimentar' deverá ser interpretado de forma autónoma.
(12) A fim de ter em conta as diferentes formas de resolver as questões relativas às obrigações alimentares nos Estados-Membros, o presente regulamento deverá aplicar-se tanto às decisões jurisdicionais como às decisões proferidas por autoridades administrativas, desde que estas ofereçam garantias nomeadamente no que se refere à sua imparcialidade e ao direito das partes a serem ouvidas. Essas autoridades deverão, por conseguinte, aplicar todas as regras do presente regulamento.
(13) Pelas razões acima evocadas, é igualmente conveniente assegurar no presente regulamento o reconhecimento e a execução das transacções judiciais e dos actos autênticos, sem que tal afecte o direito de uma ou outra parte em tal transacção ou em tal acto a contestar esses instrumentos perante um tribunal do Estado-Membro de origem.
(14) É conveniente prever no presente regulamento que o termo 'credor' inclui, para efeitos de um pedido de reconhecimento e de execução de uma decisão em matéria de obrigações alimentares, os organismos públicos habilitados a actuar em nome de uma pessoa a quem sejam devidos alimentos ou a solicitar o reembolso de prestações fornecidas ao credor a título de alimentos. Sempre que um organismo público actue nessa qualidade, deverá ter direito aos mesmos serviços e ao mesmo apoio judiciário que o credor.
(15) A fim de preservar os interesses dos credores de alimentos e promover uma boa administração da justiça na União Europeia, deverão ser adaptadas as regras relativas à competência tal como decorrem do Regulamento (CE) n.o 44/2001. A circunstância de um requerido ter a sua residência habitual num Estado terceiro não deverá mais ser motivo de não aplicação das regras comunitárias em matéria de competência, devendo deixar de ser feita doravante qualquer remissão para o direito nacional. Por conseguinte, é necessário determinar no presente regulamento os casos em que um tribunal de um Estado-Membro pode exercer uma competência subsidiária.
(16) A fim de corrigir, em particular, situações de denegação de justiça, deverá ser previsto no presente regulamento um forum necessitatis que permita a qualquer tribunal de um Estado-Membro, em casos excepcionais, conhecer de um litígio que esteja estreitamente relacionado com o Estado terceiro. Poderá considerar-se que existe um caso excepcional quando se revelar impossível o processo no Estado terceiro em causa, por exemplo devido a uma guerra civil, ou quando não se puder razoavelmente esperar que o requerente instaure ou conduza um processo nesse Estado. A competência baseada no forum necessitatis só pode todavia ser exercida se o litígio apresentar uma conexão suficiente com o Estado-Membro do tribunal demandado, como por exemplo a nacionalidade de uma das partes.
(17) Deverá prever-se, numa regra de competência adicional, que, excepto em condições particulares, um procedimento destinado a modificar uma decisão alimentar existente ou a obter uma nova decisão apenas possa ser introduzido pelo devedor no Estado em que o credor tinha a sua residência habitual no momento em que foi proferida a decisão e em que continua a ter a sua residência habitual. A fim de assegurar uma correcta articulação entre a Convenção da Haia de 2007 e o presente regulamento, é conveniente aplicar igualmente esta regra às decisões de um Estado terceiro parte na referida Convenção, na medida em que esta esteja em vigor entre o Estado em causa e a Comunidade e abranja as mesmas obrigações alimentares no Estado em causa e na Comunidade.
(19) A fim de aumentar a segurança jurídica, a previsibilidade e a autonomia das partes, o presente regulamento deverá permitir-lhes escolher de comum acordo o tribunal competente em função de factores de conexão determinados. Para assegurar a protecção da parte mais fraca, essa eleição do foro não deverá ser permitida no que se refere às obrigações alimentares para com menores de 18 anos.
(20) É conveniente prever no presente regulamento que, no caso dos Estados-Membros vinculados pelo Protocolo da Haia de 2007, as disposições aplicáveis em matéria de normas de conflitos de leis são as previstas no referido Protocolo. Para esse efeito, deverá ser inserida uma disposição que remeta para esse Protocolo. O Protocolo da Haia de 2007 será celebrado pela Comunidade em tempo útil de modo a permitir a aplicação do presente regulamento. Para ter em conta a hipótese de o Protocolo da Haia de 2007 não ser aplicável a todos os Estados-Membros, é conveniente estabelecer uma distinção, para efeitos do reconhecimento, da força executória e da execução de decisões, entre Estados-Membros que estão vinculados pelo Protocolo da Haia de 2007 e Estados-Membros que não estão por ele vinculados.
(21) É conveniente especificar, no quadro do presente regulamento, que essas normas de conflitos de leis apenas determinam a lei aplicável às obrigações alimentares e não a lei aplicável ao estabelecimento das relações familiares em que se baseiam as obrigações alimentares. O estabelecimento das relações familiares continua a ser regido pelo direito nacional dos Estados-Membros, nele estando incluídas as respectivas regras de direito internacional privado.
(22) A fim de assegurar a cobrança rápida e eficaz de uma prestação de alimentos e prevenir os recursos dilatórios, deverá, em princípio, ser atribuída força executória provisória às decisões em matéria de obrigações alimentares proferidas num Estado-Membro. É, pois, conveniente prever no presente regulamento que o tribunal de origem deva poder declarar a decisão executória a título provisório, mesmo que o direito nacional não preveja a força executória de pleno direito e mesmo que tenha sido ou possa ainda vir a ser interposto recurso da decisão, nos termos do direito nacional.
(23) A fim de limitar as custas dos processos regidos pelo presente regulamento, será útil recorrer na medida do possível às modernas tecnologias de comunicação, designadamente aquando da audição das partes.
(24) As garantias proporcionadas pela aplicação das normas de conflito de leis deverão justificar que as decisões em matéria de obrigações alimentares proferidas num Estado-Membro vinculado pelo Protocolo da Haia de 2007 sejam reconhecidas e tenham força executória em todos os outros Estados-Membros, sem necessidade de qualquer outra formalidade e sem qualquer forma de controlo quanto ao fundo no Estado-Membro de execução.
(25) O reconhecimento num Estado-Membro de uma decisão em matéria de obrigações alimentares tem como objectivo único permitir a cobrança da prestação de alimentos determinada na decisão. Não implica o reconhecimento por esse Estado-Membro das relações de família, de parentesco, de casamento ou de afinidade subjacentes às obrigações alimentares que deram lugar à decisão.
(29) A fim de garantir o respeito das exigências de um processo equitativo, deverá ser previsto no presente regulamento o direito de um requerido que não tenha comparecido perante o tribunal de origem de um Estado-Membro vinculado pelo Protocolo da Haia de 2007 solicitar, na fase de execução da decisão contra ele proferida, a reapreciação da mesma. Todavia, o requerido deverá solicitar essa reapreciação dentro de um prazo determinado que começa a correr o mais tardar a contar do dia em que, na fase do procedimento de execução, os seus bens tenham ficado pela primeira vez indisponíveis na totalidade ou em parte. Este direito à reapreciação deverá ser um recurso extraordinário concedido ao requerido revel, que não prejudique a utilização de outras vias de recurso extraordinárias previstas no direito do Estado-Membro de origem, desde que essas vias de recurso não sejam incompatíveis com o direito à reapreciação previsto no presente regulamento.
(30) A fim de acelerar a execução de uma decisão proferida num Estado-Membro vinculado pelo Protocolo da Haia de 2007 noutro Estado-Membro, deverá limitar-se os motivos de recusa ou de suspensão da execução que possam ser invocados pelo devedor em virtude do carácter transfronteiriço da prestação de alimentos. Esta limitação não deverá prejudicar os motivos de recusa ou de suspensão previstos no direito nacional que não sejam incompatíveis com os enumerados no presente regulamento, tais como o pagamento da dívida pelo devedor no momento da execução ou o carácter impenhorável de certos bens.
(31) A fim de facilitar a cobrança transfronteiriça de prestações de alimentos, é conveniente instituir um regime de cooperação entre as autoridades centrais designadas pelos Estados-Membros. Essas autoridades deverão prestar assistência aos credores e aos devedores de alimentos para poderem invocar os seus direitos noutro Estado-Membro mediante a apresentação de pedidos de reconhecimento, de declaração da força executória e de execução de decisões existentes, de alteração dessas decisões ou de obtenção de uma decisão. Deverão igualmente trocar entre si informações a fim de localizar os devedores e os credores e identificar os seus rendimentos e activos, na medida do necessário. Deverão por último cooperar entre si mediante o intercâmbio de informações de ordem geral e promover a cooperação entre as autoridades competentes do respectivo Estado-Membro.
(32) As autoridades centrais designadas nos termos do presente regulamento deverão suportar as suas próprias despesas, excepto em casos especificamente determinados, e prestar assistência a qualquer requerente que tenha a sua residência no respectivo Estado-Membro. O critério para determinar o direito de uma pessoa a pedir assistência junto de uma autoridade central deverá ser menos estrito que o critério de conexão de 'residência habitual' utilizado noutras partes do presente regulamento. Todavia, o critério de 'residência' deverá excluir a simples presença.
(44) O presente regulamento deverá alterar o Regulamento (CE) n.o 44/2001 substituindo as disposições desse regulamento aplicáveis em matéria de obrigações alimentares. Sob reserva das disposições transitórias do presente regulamento, os Estados-Membros deverão, em matéria de obrigações alimentares, aplicar as disposições do presente regulamento sobre a competência, o reconhecimento, a força executória e a execução das decisões e sobre o apoio judiciário em vez das disposições do Regulamento (CE) n.o 44/2001 a contar da data de aplicação do presente regulamento.
(45) Atendendo a que os objectivos do presente regulamento, a saber, a criação de uma série de medidas que permitam assegurar a cobrança efectiva das prestações de alimentos em situações transfronteiriças e, por conseguinte, facilitar a livre circulação de pessoas na União Europeia, não podem ser suficientemente realizados pelos Estados-Membros e podem, pois, devido à dimensão e aos efeitos do presente regulamento, ser melhor alcançados ao nível comunitário, a Comunidade pode tomar medidas em conformidade com o princípio da subsidiariedade consagrado no artigo 5.o do Tratado. Em conformidade com o princípio da proporcionalidade consagrado no mesmo artigo, o presente regulamento não excede o necessário para alcançar aqueles objectivos.
E como decorre do artigo 1º deste Regulamento, sob a epígrafe “ÂMBITO DE APLICAÇÃO E DEFINIÇÕES” o regulamento é aplicável às obrigações alimentares decorrentes das relações de família, de parentesco, de casamento ou de afinidade, aplicando-se a todos e entre todos os Estados-Membros da União Europeia, incluindo o Reino Unido.
Abrange o Regulamento (CE) 4/2009, os pedidos de fixação de prestações alimentares e também os de alteração e execução, como é o caso dos autos.
Para efeitos deste regulamento, entende-se por 'Estado-Membro' todos os Estados-Membros aos quais se aplica o presente regulamento.

E o artigo 2.º estabelece, entre o mais sob a epígrafe “Definições”:
1. Para efeitos do disposto no presente regulamento, entende-se por:
1. 'Decisão', qualquer decisão em matéria de obrigações alimentares proferida por um tribunal de um Estado-Membro, independentemente da designação que lhe for dada, tal como acórdão, sentença, despacho judicial ou mandado de execução, bem como a fixação pelo secretário do tribunal do montante das custas ou despesas do processo. Para efeitos do disposto nos capítulos VII e VIII, entende-se igualmente por 'decisão' qualquer decisão em matéria de obrigações alimentares proferida num Estado terceiro;
3. 'Acto autêntico':
a) Um documento em matéria de obrigações alimentares que tenha sido formalmente redigido ou registado como autêntico no Estado-Membro de origem e cuja autenticidade:
i) esteja associada à assinatura e ao conteúdo do instrumento; e
ii) tenha sido estabelecida por uma autoridade pública ou outra autoridade competente para o fazer; ou
b) Um pacto em matéria de obrigações alimentares, celebrado perante autoridades administrativas do Estado-Membro de origem ou por elas autenticado;
4. 'Estado-Membro de origem', o Estado-Membro no qual foi proferida a decisão a executar, foi homologada ou celebrada a transacção judicial e foi estabelecido o acto autêntico, conforme os casos;
5. 'Estado-Membro de execução', o Estado-Membro no qual é requerida a execução da decisão, da transacção judicial ou do acto autêntico;
6. 'Estado-Membro requerente', o Estado-Membro cuja autoridade central transmite um pedido nos termos do capítulo VII;
7. 'Estado-Membro requerido', o Estado-Membro cuja autoridade central recebe um pedido nos termos do capítulo VII;
8. 'Estado parte contratante na Convenção da Haia de 2007', um Estado parte contratante na Convenção da Haia de 23 de Novembro de 2007 sobre a Cobrança Internacional de Alimentos em benefício dos Filhos e de outros Membros da Família (a seguir designada 'Convenção da Haia de 2007'), na medida em que a referida Convenção seja aplicável entre a Comunidade e esse Estado;
9. 'Tribunal de origem', o tribunal que proferiu a decisão a executar;
10. 'Credor', qualquer pessoa singular à qual são devidos ou se alega serem devidos alimentos;
11. 'Devedor', qualquer pessoa singular que deve ou à qual são reclamados alimentos;
2. Para efeitos do presente regulamento, a noção de 'tribunal' inclui as autoridades administrativas dos Estados-Membros competentes em matéria de obrigações alimentares, desde que ofereçam garantias no que respeita à sua imparcialidade e ao direito das partes a serem ouvidas e desde que as suas decisões nos termos da lei do Estado-Membro onde estão estabelecidas:
i) Possam ser objecto de recurso perante uma autoridade judiciária ou de controlo por essa autoridade, e
ii) Tenham força e efeitos equivalentes a uma decisão de uma autoridade judiciária sobre a mesma matéria.
Essas autoridades administrativas são enumeradas no anexo IX. Esse anexo é estabelecido e alterado pelo procedimento de gestão previsto no n.o 2 do artigo 73.o a pedido do Estado-Membro em que esteja estabelecida a autoridade administrativa em causa.
3. Para efeitos dos artigos 3.o, 4.o e 6.o, o conceito de 'domicílio' substitui o conceito de 'nacionalidade' nos Estados-Membros que utilizem este conceito como factor de conexão em matéria familiar.
Para efeitos do artigo 6.o, as partes que tenham o seu 'domicílio' em diferentes unidades territoriais de um mesmo Estado-Membro são consideradas como tendo o seu 'domicílio' comum nesse Estado-Membro.

.E no CAPÍTULO II relativo à COMPETÊNCIA o artigo 3º estabelece:
São competentes para deliberar em matéria de obrigações alimentares nos Estados-Membros:
a) O tribunal do local em que o requerido tem a sua residência habitual; ou
b) O tribunal do local em que o credor tem a sua residência habitual; ou
c) O tribunal que, de acordo com a lei do foro, tem competência para apreciar uma acção relativa ao estado das pessoas, quando o pedido relativo a uma obrigação alimentar é acessório dessa acção, salvo se esta competência se basear unicamente na nacionalidade de uma das partes; ou
d) O tribunal que, de acordo com a lei do foro, tem competência para apreciar uma acção relativa à responsabilidade parental, quando o pedido relativo a uma obrigação alimentar é acessório dessa acção, salvo se esta competência se basear unicamente na nacionalidade de uma das partes.

.Já o artigo 4ºsob a epigrafe “Eleição do foro” refere-se à possibilidade das partes convencionar que o seguinte tribunal ou tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir entre elas em matéria de obrigações alimentares:
a) O tribunal ou os tribunais do Estado-Membro no qual uma das partes tenha a sua residência habitual,
b) O tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro de que uma das partes tenha a nacionalidade,
c) No que se refere às obrigações alimentares entre cônjuges ou ex-cônjuges:

.E o art 6º e 7º referem-se, respectivamente à Competência subsidiária e ao Forum necessitatis
.Quando nenhum tribunal de um Estado-Membro for competente por força dos artigos 3º, 4º, e 5º, e nenhum tribunal de um Estado parte na Convenção de Lugano que não seja um Estado-Membro for competente por força do disposto na referida Convenção, são competentes os tribunais do Estado-Membro da nacionalidade comum das Partes.

.Daqui resulta que o tribunal competente para apreciar o pedido de execução de alimentos em vigor entre as partes será aquele que for competente de acordo com as regras estabelecidas no Regulamento em causa.
.E repetindo-nos, nos termos do art. 3º do Regulamento, e considerando o objecto da presente acção, são competentes para deliberar em matéria de obrigações alimentares nos Estados-Membros:
a) O tribunal do local em que o requerido tem a sua residência habitual; ou
b) O tribunal do local em que o credor tem a sua residência habitual; ou
c) O tribunal que, de acordo com a lei do foro, tem competência para apreciar uma ação relativa ao estado das pessoas, quando o pedido relativo a uma obrigação alimentar é acessório dessa ação, salvo se esta competência se basear unicamente na nacionalidade de uma das partes; ou
d) O tribunal que, de acordo com a lei do foro, tem competência para apreciar uma ação relativa à responsabilidade parental, quando o pedido relativo a uma obrigação alimentar é acessório dessa ação, salvo se esta competência se basear unicamente na nacionalidade de uma das partes.
.No caso vertente, não sendo o pedido de cobrança coerciva de alimentos deduzido pelo requerente acessório de qualquer outro, não são aplicáveis ao caso as normas estabelecidas nas als. c) e d), mas tão somente as constantes das als. a) e b), sendo importante salientar que a requerente reside em Espanha e que o requerido reside em Portugal, mais concretamente no concelho de Matosinhos.
.Logo, é competente para apreciar o pedido formulado pela Requerente, o tribunal do Estado-Membro em que o Requerido ou o credor tem a sua residência habitual, sendo certo que não foi alegado qualquer pacto de jurisdição (v. art. 4º do Regulamento).
.Para efeitos de preenchimento do conceito de residência habitual, embora o Regulamento não contenha qualquer previsão com a sua definição, encontramos, no considerando 32, uma referência a este conceito, ressalvando-se que a residência habitual não se pode identificar com a simples presença num Estado-membro o que, por si só, pressupõe que a conexão feita através deste elemento – o da residência habitual – respeita a uma situação de estabilidade, no âmbito de um conceito europeu, diferindo a noção de residência habitual da noção de domicílio, conceito este que não foi considerado como elemento de conexão, até pelas dificuldades que tal poderia trazer, em termos práticos.
.Posto isto, como resulta destes autos, existe a particularidade de se tratar de acção com vista à cobrança coerciva de alimentos fixada em tribunal português.
Estamos perante a cobrança coerciva de alimentos estabelecidos por sentença que regulou as responsabilidades parentais, através do mecanismo previsto no artigo 48º do RGPTC, sendo certo que essa cobrança poderia ser acionada por via desse mecanismo previsto no artigo 48º do RGPTC, ou da execução especial por alimentos, com previsão no artigo 933º do CPC, cabendo ao credor caberá optar pelo meio que se lhe afigurar ser o mais conveniente, sendo que no caso, a requerente, credora, escolheu o tribunal da residência do devedor.
.Acresce que, estando a requerente, mãe da menor a residir em Espanha, e o requerido a residir em Portugal onde trabalha por conta das sociedades identificadas no art 13º do requerimento inicial, sediadas em Portugal, não seria legalmente possível à autoridade central de Espanha ordenar os descontos dos vencimentos que o requerido aufere em Portugal. Afigura-se-nos que mesmo com o recurso ao Regulamento (EU) 47/009 de 18.12.2008, apenas um tribunal português pode decidir adjudicar parte dos rendimentos auferidos pelo requerido em Portugal à menor, o que, revela que essa solução não é aquela que permite conferir ao pedido de cobrança coerciva de alimentos a celeridade e a simplicidade processual que este pedido demanda.[3]
Em consequência de tudo o exposto, aplicando ao caso dos autos o Regulamento 4/2009 do Conselho de 18-12-2008, sobretudo o disposto no artigo 3º, al a), norma relativa à competência impõe-se a procedência do Recurso, declarando a competência internacional do tribunal recorrido para apreciação e decisão do incidente de cobrança coerciva de alimentos dos presentes autos.
.De resto, esta solução é aquela que se revela mais adequada “para salvaguardar o superior interesse da criança, por permitir de forma mais célere e simples cobrar os alimentos devidos á menor, determinando-se que os autos prossigam os seus termos tal como requerido inicialmente pela progenitora com a tramitação decorrente do artigo 48.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (o que será feito assim que os autos voltarem à 1.ª Instância).
.Face ao exposto, o tribunal português recorrido é internacionalmente competente para recorrido para apreciação e decisão do incidente de cobrança coerciva de alimentos dos presentes autos.
Na situação dos presentes autos, as custas não podem ser imputadas a nenhuma das partes, porquanto o recurso incide sobre decisão proferida oficiosamente e por iniciativa do Tribunal e sem qualquer intervenção do Requerido, pelo que se entende não serem devidas.
Sumário
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IV.DELIBERAÇÃO.
Nestes termos, julgo procedente o recurso interposto, e, revogando o despacho recorrido julgo o tribunal recorrido internacionalmente competente para apreciação e decisão do incidente de cobrança coerciva de alimentos dos presentes autos.
Sem custas.

Porto, 09.11.2023
Francisca Mota Vieira
Aristides Rodrigues de Almeida
Ana Vieira
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[1] Assim vem doutamente qualificado no recente Ac. do T.R. de Coimbra de 09-10-2012, proc. nº 105/05.1TBTNV-C., acessível in www.dgsi.pt/jtrc.
Cf. mais desenvolvidamente sobre a questão REMÉDIO MARQUES, no estudo “Aspectos sobre o cumprimento coercivo das obrigações de alimentos”, a fls. 668 da obra “Comemorações dos 35 anos do Código Civil”.
[2] A propósito do tema: “A intercepção do Regulamento Bruxelas II bis e do Regulamento (CE) n.º 4/2009, de 10.01(regulamento em matéria de obrigações alimentares)” / J. M. Nogueira da Costa In: Revista do Ministério Público - a.41 n.162 (abr.-jun. 2020) - p.225-240.
[3] Acresce que, analisando o Regulamento 4/2009 do Conselho de 18-12-2008 resulta que este nos artigos 56.º e seguintes, não prevê nem exige nenhum recurso prévio ao artigo 41.º do RGPTC, devendo o Tribunal Português perante o pedido de cobrança vindo de uma Autoridade Central Estrangeira, seguir os trâmites ou do artigo 48.º do RGPTC ou da execução especial por alimentos prevista no CPC, sem necessidade de nenhuma prévia decisão de incumprimento nos termos do artigo 41.º do RGPTC.