Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1103/20.0T8VCD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO COSTA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
Nº do Documento: RP202104281103/20.0T9VCD.P1
Data do Acordão: 04/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Através do recurso de impugnação judicial da decisão administrativa o recorrente teve direito a um primeiro grau de recurso, que podia abranger matéria de direito e de facto. Pode recorrer-se para o Tribunal da Relação das decisões judiciais que apreciem aquela impugnação nos casos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 73.º do RGCO.
II - Nos termos do art. 75º o Tribunal da Relação conhece apenas matéria de direito.
III - A regra é a de que a responsabilidade pela contraordenação, sempre que se esteja perante um transporte em regime de carga completa, é imputável quer ao expedidor quer ao transportador.
IV - O DL nº 137/2008 veio introduzir uma exceção a esta regra nos casos em que o expedidor disponha de equipamento de pesagem no local.
V -A coima é individual para cada um dos agentes em comparticipação e fixada em função das especificidades próprias de cada um. Tem o recorrente o ónus de indicar as suas razões e de propor soluções alternativas, não podendo alegar apenas que a coima é excessiva.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n º 1103/20.0T9VCD.P1

Acórdão, julgado em conferência, na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I-Relatório.

Por decisão proferida em 16 de Abril de 2020, foi a arguida “B…, S. A.”, com sede na Rua …, n.º …, ….-… Maia, pela prática de uma contraordenação p. e p. pelo n.º 2 do artº 31.º, do Decreto-Lei n.º 257/2007, de 16-07, porquanto ao ser fiscalizado no dia 12 de Dezembro de 2018, pelas 8h45m, o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula ..-OQ-.. que circulava na A28, em Vila do Conde, verificou-se que o referido veículo efetuava um transporte de xxx, ao abrigo de Guia de Transporte n.º …… sendo que ao ser submetido a pesagem nas balanças acusou um peso total 4.460 kg, quando o veículo tem um peso bruto autorizado de 3.500 kg, verificando um excesso de carga de 960kg.

Não se conformando com esta decisão administrativa, veio a arguida interpor recurso para o juízo local Criminal de Vila do Conde- J3 do tribunal da Comarca do Porto pedindo que a arguida fosse absolvida.

Aquele Juízo Local Criminal de Vila do Conde-J3 em sentença proferida em 30.10.2020 proferiu o seguinte dispositivo “Pelo exposto, o tribunal decide julgar *improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão administrativa.”
*Na decisão recorrida refere-se, por mero lapso de escrita “Pelo exposto, o tribunal decide julgar procedente o recurso”, quando nitidamente queria dizer “(…) julgar improcedente o recurso”, lapso que importa corrigir.
O Tribunal pode proceder "oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando" designadamente, "a sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação substancial", nos termos do disposto no art. 380.º, n.º 1, al. b) do C. P. Penal.
Os erros de escrita ou de cálculo correspondem aos mencionados no art. 249º, do C. Civil a propósito do negócio jurídico, pressupõem que a vontade declarada do juiz não corresponde à sua vontade real: o juiz escreveu uma coisa quando queria escrever outra (José Alberto dos Reis, C. Processo Civil Anotado, Vol. V, 130 e Cons. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 35).

Veio a arguida recorrer nos termos que constam de folhas 102 e ss dos autos, que ora aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos, concluindo pela forma seguinte: (transcrição)

“CONCLUSÕES:
I - Errou o tribunal “a quo” na interpretação do nº4 do artigo 31º do DL nº 257/2007 de 16 de Julho, com as alterações do DL 137/2008 de 21 de Julho.
II - Fez uma leitura da norma que não se compadece com as normas relativas à interpretação da Lei, consagradas no artigo 9º do Código Civil.
III - Ao condenar a Arguida/Recorrente no ilícito contra-ordenacional ocorrido violou o sentido expresso e a ratio legis da norma que aplicou na decisão do caso concreto.
IV - A norma em discussão não é passível de outra interpretação que não a de que, em transportes em regime de carga completa, em que o expedidor disponha de equipamento de pesagem no local do carregamento da mercadoria, havendo excesso de carga, a infração é imputável apenas ao expedidor.
V – Foi demonstrado que a Arguida/Recorrente, na qualidade de transportadora, efetuava um transporte de mercadorias em regime de carga completa.
VI - Foi demonstrado que o veículo havia sido carregado por ordem do expedidor da mercadoria “C…”.
VII - Foi demonstrado no local do carregamento da mercadoria existe equipamento de pesagem.
VIII – Foi demonstrado que mercadoria transportada era composta por embalagens com peso unitário predefinido.
IX - Foi demonstrado que a mercadoria pertencia à empresa expedidora e que foi esta quem contratou o serviço da arguida e autorizou a saída do veículo do local de carga, com excesso de peso.
X – Assim, estão integralmente cumpridos os requisitos legais de aplicação da exceção prevista no artigo n 4 do artigo 31º do DL 257/2007 de 16 de Julho.
XI – Pelo que, só ao expedidor poderia ser imputada a infração em causa.
XII – Mesmo que assim não se entenda, a Arguida/Recorrente não podia, como foi, condenada como única responsável pela infração.
XIII – Pois, tendo o Tribunal “a quo” dado como provado que o transporte era efetuado em regime de carga completa a infração só podia ser imputável à Arguida/Recorrente em comparticipação.
XIV – Visto que, a primeira parte do nº4 do artigo 31º do DL. Nº257/2007, de 16 de Julho, estipula que “Sempre que o excesso de carga se verifique no decurso de um transporte em regime de carga completa, a infração é imputável ao expedidor e ao transportador, em comparticipação (…)”.
XV - Pugna-se, assim, pela sua absolvição, uma vez que a Arguida/Recorrente foi injustamente condenada.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas melhor aduzirão deve o presente recurso ser considerado procedente e, consequentemente, deve ser modificada e substituída a decisão recorrida por nova decisão, que dê provimento às pretensões da Arguida/Recorrente.”

A este recurso respondeu o M.P. a fls. 117 e ss pugnando pelo seu não provimento, concluindo que o recurso apenas pode ser limitado à matéria de direito estando a Relação impedida do conhecimento da matéria de facto, com exceção dos vícios do art. 410º, n º 2 e 3 do CPP.
No mais quanto à questão de direito a decisão a quo não merece censura sendo a coima adequada e proporcional.

O Digno Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se a fls. 128 e ss no mesmo sentido do M.P. de primeira instância.

Cumprido o preceituado no artigo 417º número 2 do Código Processo Penal nada ao processo veio a ser acrescentado de relevante.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
II. Objeto do recurso e sua apreciação.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do CPP, (art. 412º, nº 1 do CPPenal, “ex vi” do disposto no art. 74º nº 4 do Regime-Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27-10 e sucessivamente alterado pelos Decretos-Leis nº 356/89, de 17-10 e 244/95, de 14.9), e os poderes de cognição deste Tribunal encontram-se limitados ao conhecimento da matéria de direito (art. 75º do R.G.C.O).

Perante as conclusões do recurso, a questão a decidir consiste em saber se, a arguida transportadora da mercadoria é responsável pela contra-ordenação prevista no art. 31º, nº 1 e 4 do DL nº 257/2007, de 21-7, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 137/2008, de 21-7.

1. Erro de julgamento, porquanto a decisão baseou-se em factos não provados, pelo que devia ter-se dado como provado que o transporte foi efetuado em regime de carga completa e que o expeditor da mercadoria tinha equipamento de pesagem no local de carregamento da mercadoria e a mercadoria era composta por embalagens com peso unitário predefinido.
2. Matéria de direito, saber se, a arguida transportadora da mercadoria é responsável pela contra-ordenação prevista no art. 31º, nº 1 e 4 do DL nº 257/2007, de 21-7, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 137/2008, de 21-7.
3. Excesso da coima.

Do enquadramento dos factos dados como provados.
Sentença recorrida (que se transcreve nas partes relevantes):
Factos Provados:
1. No dia 18 de Dezembro de 2018, pelas 8h45m, o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula ..-OQ-.., propriedade da aqui Recorrente circulava na AE 28, próximo da área de serviço de Vila do Conde.
2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, verificou-se que o referido veículo efectuava um transporte em regime de carga completa, ao abrigo de Guia de Transporte n.º …… (cfr. fls. 74) e ao ser submetido a pesagem nas balanças acusou um peso total 4.460 kg, quando o veículo tem um peso bruto autorizado de 3.500 kg, verificando um excesso de 960kg, correspondente a 27,52% - cfr. teor do talão de pesagem de fls. 5, que aqui se dá por reproduzido e integrado.
3. A aqui Recorrente, na pessoa do seu motorista, ao circular com violação do peso bruto legalmente admissível, não agiu com o cuidado que lhe era exigível e de que era capaz.
4. A aqui recorrente não pagou voluntariamente a coima aplicada no valor de €1.2500,00.
MAIS SE PROVOU:
5. O local em causa, a balança e o seu operador encontram-se certificados para o efeito – cfr. Certificado de fls. 4.
6. O expedidor da mercadoria “C…” não dispunha de equipamento para pesagem do veículo carregado no local do carregamento da mercadoria.
7. O transporte era efectuado em regime de carga completa para efeitos da alínea n) d art.º 2.ºdo DL 257/2007, de 16-07.
8. Com a conduta descrita, a arguida retirou um benefício económico, pois ou diminuiu o número de trajectos que teria de realizar caso se limitasse a transportar a carga máxima permitida ou terá “economizado” na disponibilização de mais um veículo.
9. Não são conhecidos à arguida outros antecedentes contra-ordenacionais.
*
Factos Não Provados:
Não se provou que o veículo em causa carregado tenha saído da sede do expedidor devidamente pesado;
Não se provou que a balança utilizada não cumpria todos os requisitos legais;
Não se provou que tenha havido um erro de pesagem e que não teve a Recorrente oportunidade de requerer a contraprova.
*
Inexistem outros factos a considerar, com interesse para a decisão da causa por se tratar de matéria de direito ou factos conclusivos.
*
Motivação da decisão de facto:
A convicção do tribunal sobre a factualidade provada resultou da análise crítica e conjugada da prova produzida em audiência de julgamento, conjugada com as regras de experiência comum, designadamente:
- nos documentos juntos aos autos, nomeadamente o talão de fls. 5, e o auto de contra-ordenação e aditamento de fls. 2 e 3, o qual faz fé em juízo e não foi posto em causa pela recorrente, no que supra se deu como como provado quanto ao que consta do mesmo;
- no print de fls. 7;
- no certificado de verificação periódica da balança de fls. 4, que também não foi impugnado pela Recorrente;
- na guia de transporte de fls. 74 junta pela aqui Recorrente;
- no depoimento prestado pelo agente autuante D…;
- no depoimento das testemunhas arroladas pela defesa que que referiram que a aqui Recorrente trabalha em exclusivo para a expedidora da mercadoria que esclareceram que existe balança no local de carregamento mas que com esta balança não se consegue saber o peso do veículo carregado com a mercadoria, pois que não é pesado o veículo, mas apenas a mercadoria, cujos volumes são também medidos, e daí concluir-se que o expedidor não sabia que o peso do camião carregado era superior ao limite legal, sendo certo que a Recorrente também não alegou nem se provou que o expedidor sabia que o peso era superior ao limite legal.
Quanto aos factos não provados, cumpre dizer que não se produziu em audiência qualquer outra prova que permitisse dar como provados outros factos para além dos que nessa qualidade se descreveram.”

Conhecendo.
Quanto aos vícios previstos no art. 410º, n.º 2 do Código de Processo Penal, todos eles têm forçosamente, como decorre do texto do corpo do n.º 2, que resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo possível, para a sua demonstração, o recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações prestadas ou documentos juntos durante o inquérito, a instrução, ou até mesmo no julgamento – cfr. Ac. STJ de 19-12-90, citado por Maia Gonçalves em anotação a este artigo.
Tais vícios são intrínsecos à própria decisão considerada como peça autónoma, não sendo de considerar e ter em conta o que do processo conste em outros locais.

Estabelece o art. 410.º, n.º 2, do CPP, que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.

O erro notório na apreciação da prova é pacificamente aceite como aquele em que incorre o tribunal de modo ostensivo, evidente aos olhos de um observador comum, patente a esse homem de formação média – Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, 3.º volume, página 326, e por exemplo, Ac. da R. Coimbra de 17/12/2014, www. dgsi.pt -.
A violação de análise de regras de experiência pode ser um dos motivos para sustentar um tal erro no sentido de que o tribunal valorava regras de experiência que entendia como existentes quando afinal não existiam ou valorava tais regras existentes num sentido contrário àquele que as mesmas determinavam.
Outro é quando se dá por provados factos que não o poderiam ser. Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura da decisão. Erro tão crasso que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de qualquer exercício mental especial em que as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica ou dela excluindo, algum facto essencial com o qual ou sem o qual, o julgado não faz sentido, Ver CPP anot. de Fernando Gama Lobo, 2ª ed.
Trata-se de vícios da decisão sobre a matéria de facto - vícios da decisão e não de julgamento, não confundíveis nem com o erro na aplicação do direito aos factos, nem com a errada apreciação e valoração das provas ou a insuficiência destas para a decisão de facto proferida - de conhecimento oficioso, que hão-de derivar do texto da decisão recorrida por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum.
Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser autossuficiente.
Ademais:
__O “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º,
verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou
das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).
Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).
Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão da recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal à quo.

Ora, no caso dos autos o que a recorrente pretende é ver vencida a sua versão dos factos, alegando que a sua prova apresentada levaria o tribunal a ter que considerar como provado que a mercadora deveria ter sido pesada no expedidor onde existem balanças eletrónicas e portanto tendo permitido a saída do local de carga com excesso de peso, a responsabilidade seria do expedidor.
Ora, o tribunal a quo na sua motivação explica por que não aceitou tal versão “Recorrente trabalha em exclusivo para a expedidora da mercadoria que esclareceram que existe balança no local de carregamento mas que com esta balança não se consegue saber o peso do veículo carregado com a mercadoria, pois que não é pesado o veículo, mas apenas a mercadoria, cujos volumes são também medidos, e daí concluir-se que o expedidor não sabia que o peso do camião carregado era superior ao limite legal, sendo certo que a Recorrente também não alegou nem se provou que o expedidor sabia que o peso era superior ao limite legal.”
Portanto, o expedidor, ao contrário do que diz a recorrente, não possuía equipamento de pesagem no local do carregamento da mercadoria e veículo em simultâneo, ou seja inexistia balança para pesar ambos, somente da mercadoria. O veículo não saiu devidamente pesado.
Inexistindo erro notório na apreciação da matéria de facto, não pode este tribunal considerar tocar na matéria de facto provada e não provada.

Relativamente ao erro de julgamento, ele existe quando o tribunal faz uma incorreta avaliação da prova.
Ora, atenta a natureza deste processo, está vedado ao Tribunal da Relação conhecer de facto, mas apenas de direito.
De facto, dispõe o artigo 75º, do Dec. Lei nº 433/82, de 27/10 (Âmbito e efeitos do recurso):
1 - Se o contrário não resultar deste diploma, a 2.ª instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.
No Ac. da RP de 23-11-2020 (proc. nº 1508/19.0T8MAI.P1), foi decidido:
“IV - O que a recorrente está a pretender consubstancia inequivocamente uma impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com vista à sua alteração, para se dar como provado matéria que a 1.ª instância deu como não provada. Ora, tal não é admissível, pois conforme decorre do art.º 51.º n.º1, da Lei 107/2009 – em termos paralelos ao disposto no art.º 75.º n.º1, do RGCO - como regra a segunda instância apenas conhece da matéria de direito”- do mesmo relator, o Ac. de 18-05-2020 (proc. nº 1205/19.6T8OAZ.P1).

De todo o modo e ainda subsidiariamente a recorrente não cumpre com o ónus do art. 412º do CPP.
Na verdade, existem três aspetos diferentes que terão como denominador comum a sindicância da matéria de facto, mas que são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências, estando em causa o erro notório na apreciação da prova, o erro na apreciação e valoração das provas, que se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto e a impugnação da matéria de facto possível com a abrangência consentida pelo artigo 412º, nºs 3 e 4, do CPP.
Concretizando, o recurso sobre matéria de facto apresenta duas formas de apelo, subdividindo-se pela invocação dos chamados “vícios da revista alargada” e que estão previstos no artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal e que são: a) – a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) - a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) – o erro notório na apreciação da prova.
Para validamente invocar tais vícios o recorrente só tem que demonstrar a sua existência por simples referência ao texto da decisão recorrida, fazendo apelo à racionalidade e às regras de experiência comum. Não necessita de apresentar prova. Aliás, se tiver que o fazer já não está a invocar este tipo de vício mas sim um vício de facto a exigir impugnação e, por isso, o cumprimento do regime do artigo 412º.
Desta forma ao recorrente pede-se apenas a sua alegação, o mais concreta e precisa possível, mas mesmo que o não faça o tribunal pode suprir tal deficiência pois que estes vícios “notórios” são de conhecimento oficioso. E são-no porque são os vícios extremos de uma decisão judicial e, em absoluto, não são tolerados pela ordem jurídica. Se a sentença apresenta um destes três vícios tem que ser alterada.
Coisa substancialmente diversa se passa com os vícios de facto que não sejam notórios, que se limitem a ser erros de apreciação probatória mas que não sejam patentes, óbvios, pela simples leitura da decisão. Implicam, para nos apercebermos deles, que seja apresentada (produzida em recurso) prova que os demonstre. Aqui já o recorrente tem que apontar de forma especificada e concreta erros de julgamento por invocação de prova produzida e erroneamente apreciada pelo tribunal recorrido, que imponham diversa apreciação. Trata-se da previsão do artigo 412º do Código de Processo Penal.
Aqui já ao recorrente se impõe o cumprimento do ónus de impugnação especificada contido nos números 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal. Ou seja, não lhe basta alegar que o vício existe, tem que o identificar muito clara e concretamente por referência ao facto concreto (provado ou não provado), tem que dizer qual a prova que demonstra a existência do erro e tem que – pela racionalidade – demonstrar que esse erro implica necessariamente que a prova tem que ser apreciada de forma diferente.
Firmou-se doutrina e jurisprudência exigente quanto à necessidade de estrita observância deste ónus de impugnação especificada no acórdão de fixação de jurisprudência nº 3/2012 que veio consagrar a seguinte jurisprudência, alterando ligeiramente o entendimento anteriormente existente pela criação de uma alternativa quanto a um dos pressupostos de impugnação:
«Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às provadas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações».
Podemos portanto concluir que as exigências se apresentam agora com uma configuração alternativa quanto a um dos requisitos e ao recorrente é exigível que cumpra os seguintes ónus processuais:
a) - A indicação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (al. a) do nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal);
b) - A indicação das provas que impõem decisão diversa da recorrida (al. b) do nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal);
c) - Se a acta contiver essa referência, a indicação das passagens em que se funda a impugnação por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364 (nº 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal);
d) – Ou, alternativamente, se a acta não contiver essa referência, a identificação e transcrição nas motivações de recurso das ditas “passagens” dos meios de prova oral (declarações, depoimentos e esclarecimentos gravados).
Cumpridos estes ónus de carácter processual estará garantido o amplo recurso em matéria de facto? Sim, mas com uma precisão. O legislador não exige, apenas, que o recorrente indique as provas que permitam uma diversa apreciação da matéria de facto. O legislador exige que o recorrente indique as provas que impõem uma diversa apreciação da matéria de facto. E aqui o impõe significa “impõe” e não apenas “permite”, “possibilita” ou “consente”.
A razão é clara: o recurso não é um novo julgamento, sim um mero instrumento processual de correcção de concretos vícios praticados e que resultem de forma clara e evidente da prova indicada. É que houve um julgamento em 1ª instância. E do que aqui se trata é de remediar o que de errado ocorreu em 1ª instância. O recurso como remédio jurídico.
Assim é profundamente errada a ideia muito comum de que a existência de gravações da prova oral implica que basta a existência de um recurso para que o tribunal ad quem tenha que apreciar essa prova gravada mais os documentos, sem qualquer esforço do recorrente.
O tribunal de recurso não tem que reapreciar a causa e toda a prova que foi produzida nos autos! O tribunal de recurso só tem que apreciar o recurso nos moldes em que o recorrente o coloca (para além dos vícios de conhecimento oficioso, naturalmente).
Se o recorrente o coloca de forma deficiente – se não demonstra a existência de um “erro de revista alargada” do artigo 410º do diploma nem impugna de forma especificada nos termos do artigo 412º - o tribunal de recurso simplesmente e por imposição legal não pode alterar a matéria de facto (artigo 431º do C.P.P.).
Em resumo, um recurso não é um somatório de argumentos que, por muito interessantes que sejam, não sigam as supra indicadas vias e pela demonstração de erros óbvios ou demonstráveis por prova que tem que ser, laboriosamente, preparada e apresentada pelo recorrente.
Destarte a apresentação de muitos argumentos e a referência a meios de prova produzidos em audiência de julgamento, meramente referida en passant ou de forma genérica e sem a devida concretização como exigido pelo acórdão de uniformização de jurisprudência supra citado é uma atividade votada ao fracasso.

A recorrente não cumpre tal ónus, não indicando as concretas passagens da prova que impõem decisão diversa e por esta razão também a impugnação fática estaria votada ao insucesso. E nem o poderia fazer uma vez que como acima se referiu o recurso para a Relação só pode ser de direito, tanto mais que a prova nem sequer é gravada.

O recorrente através do recurso de impugnação judicial da decisão administrativa teve direito a um primeiro grau de recurso, que podia abranger matéria de direito e de facto. Com efeito, o RGCO prevê que a decisão de autoridade administrativa que aplica uma coima seja suscetível de impugnação judicial (artigo 59.º, n.º 1, do diploma), podendo recorrer-se para o Tribunal da Relação das decisões judiciais que apreciem aquela impugnação nos casos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 73.º do RGCO.
Ora, este regime assegura o direito à apreciação jurisdicional das decisões sancionatórias administrativas que apliquem coimas pela prática de contraordenações, e, nalguns casos, admite-se a existência de um duplo grau de jurisdição na reapreciação dessas decisões, como é o caso em apreço.

Entre o direito penal e o direito de mera ordenação social [categoria jurídico administrativa, embora direito sancionatório de carácter punitivo] e os correspondentes ilícitos há uma distinção material cujo critério normativo fundamentador se encontra nas condutas que os integram. “Assim, a conduta, independentemente, da sua proibição legal, é no primeiro caso axiológico-socialmente relevante, no segundo caso axiológico-socialmente neutra”.
De onde decorre que nas contraordenações:
- o substrato da valoração jurídica não é constituído apenas pela conduta como tal, mas antes lhe acresce um elemento novo, a proibição legal;
- é o substrato complexo formado pela conduta e pela decisão legislativa de a proibir que suporta a valoração da ilicitude;
- o bem jurídico protegido só se desenha quando a conduta se conexiona com a regra legal que a proíbe [daí no direito de mera ordenação o bem jurídico é só motivo e não conteúdo do tipo, ou a ilicitude é só consequência e não causa da proibição legal].vide Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora 2007, págs. 155 a 168.
Acresce a natureza das consequências jurídicas - sanções - aplicáveis a título principal às contraordenações, diferentemente das penas criminais, são meras advertências sociais ou reprimendas, sanções de natureza meramente ordenativa, que o legislador designou de coimas.
A aludida variação do grau de vinculação aos princípios do direito criminal e a autonomia da sanção prevista para as contraordenações, repercute-se a nível adjetivo, não se justificando que sejam aplicáveis ao processo contraordenacional duma forma global e acrítica todos os princípios que orientam o direito processual penal, como aliás decorre do regime consagrado pelo DL 433/82, de 27/10, com as sucessivas alterações, sendo que as últimas [DL 244/95, de 14.09 e Lei 109/2001, de 24.12] pretenderam cobrir-se com a necessidade de uma mais consistente defesa dos direitos e garantias dos arguidos. -vide F. Dias Ob. Cit. Pág. 159.
Posto isto, como se escreveu no Ac. do TC n.º 50/99, de 19 de Janeiro de 1999, jurisprudência com que concordamos e que não vemos razões para não sufragar: «… o registo da prova produzida em audiência, vedado pelo artigo 66º do DL 433/82, não releva em si, mas enquanto meio que permite ou facilita o reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso; mas, não impugnada a constitucionalidade da norma que apenas confere ao tribunal de 2ª instância poderes de revista, o juízo de constitucionalidade relativo ao artigo 66º do DL nº. 433/82 terá que cingir-se à norma em causa em confronto com as regras constitucionais apontadas pelo recorrente, sem qualquer relacionamento valorativo com a inerente limitação que o seu conteúdo perceptivo implica em matéria de reapreciação da matéria de facto.
É que se eventualmente o tribunal entendesse que a proibição de registo da prova infringia as garantias de defesa do arguido isso só teria utilidade se viesse a declarar a inconstitucionalidade da norma do artigo 75º nº. 1 do DL nº. 433/82, o que lhe é vedado pelo princípio do pedido.
(…)
Na dimensão que, por força da limitação do pedido, o tribunal terá que considerar, a norma ínsita no artigo 66º (parte final) do DL nº. 433/82 não viola o artigo 32º nºs. 1 e 8 da CRP, na versão de 89, ou do mesmo artigo nºs. 1 e 10, na redação de 97.
Reduzida ao seu valor em si, não se vê como o não registo da prova produzida em audiência, no processo de contraordenação, viole qualquer garantia de defesa do arguido constitucionalmente tutelada, sendo certo que o recorrente não concretiza qual ela seja.
Trata-se, na verdade, de uma opção legítima do legislador ordinário ajustada ao princípio da celeridade e à natureza do ilícito em causa, sem quebra dos direitos de defesa do arguido.
Registar ou não a prova produzida é, em si mesmo e no confronto com os direitos de defesa do arguido em audiência, irrelevante; o juízo que o julgador de 1ª instância faça, em matéria de facto, sobre essa prova não se determina por princípios diversos consoante a prova é ou não registada. (…) Em suma, pois, a norma ínsita na parte final do artigo 66º do DL nº. 433/82 não viola o artigo 32º nºs. 1 e 8 da CRP, na versão de 89, ou do mesmo artigo nºs. 1 e 10, na redacção de 97.»

Mesmo que se entendesse que o recorrente pretendia impugnar a constitucionalidade da norma [limitar o recurso em processo contraordenacional à matéria de direito viola o direito de defesa e o do processo equitativo, normas do art. 20º e 32º da CRP, quando interpretadas no sentido de impedirem o recurso sobre a matéria de facto nos processos contraordenacionais] abrangendo o artigo 75º nº. 1 do DL nº. 433/82, o que não fez, e tendo por norma constitucional violada o n.º 10 do art. 32º da CRP, ainda assim se defende inexistir qualquer inconstitucionalidade, com a argumentação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 659/06 onde se ponderou: «Com a introdução dessa norma constitucional (efectuada, pela revisão constitucional de 1989, quanto aos processos de contra-ordenação, e alargada, pela revisão de 1997, a quaisquer processos sancionatórios) o que se pretendeu foi assegurar, nesses tipos de processos, os direitos de audiência e de defesa do arguido, direitos estes que, na versão originária da Constituição, apenas estavam expressamente assegurados aos arguidos em processos disciplinares no âmbito da função pública (artigo 270.º, n.º 3, correspondente ao actual artigo 269.º, n.º 3). Tal norma implica tão só ser inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, contra-ordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido (direito de audição) e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), apresentando meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a verdade (cf. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra, 2005, p. 363). É esse o limitado alcance da norma do n.º 10 do artigo 32.º da CRP, tendo sido rejeitada, no âmbito da revisão constitucional de 1997, uma proposta no sentido de se consagrar o asseguramento ao arguido, “nos processos disciplinares e demais processos sancionatórios”, de “todas as garantias do processo criminal” (artigo 32.º-B do Projecto de Revisão Constitucional n.º 4/VII, do PCP; cf. o correspondente debate no Diário da Assembleia da República, II Série-RC, n.º 20, de 12 de Setembro de 1996, pp. 541-544, e I Série, n.º 95, de 17 de Julho de 1997, pp. 3412 e 3466). Ver Ac. RP de, 05 de Abril de 2017 in wwwdgsi.pt

Em face do exposto, a matéria fática não pode ser alterada.

Do direito

Tendo presentes aqueles factos, constata-se que o expedidor não possuía balança eletrónica que pudesse pesar o veículo com a carga e também não ficou demonstrado que as embalagens ou unidades de carga tivessem um peso unitário predefinido.
Dispõe o nº 4 do art. 31º do DL nº 257/2007 com as alterações introduzidas pelo DL nº 137/2008 que “Sempre que o excesso de carga se verifique no decurso de um transporte em regime de carga completa, a infracção é imputável ao expedidor e ao transportador, em comparticipação, salvo nos casos em que o expedidor, os seus agentes ou o carregador dispões de equipamento de pesagem no local do carregamento da mercadoria, ou em casos de embalagens ou unidades de carga com peso unitário predefinido, em que a infracção é imputável apenas ao expedidor.

A regra é a de que a responsabilidade pela contraordenação, sempre que se esteja perante um transporte em regime de carga completa, é imputável quer ao expedidor quer ao transportador.
O DL nº 137/2008 veio introduzir uma exceção a esta regra nos casos em que o expedidor disponha de equipamento de pesagem no local.

Salvo melhor opinião, o legislador não quis com esta norma afastar as regras gerais em matéria de comparticipação, nomeadamente o art. 16º do RGCO, quis sim excluir a responsabilidade do transportador quando este nada tenha a ver com o excesso de carga, ao contrário do que acontecia até à entrada em vigor do DL 137/2008 em que ambos eram responsabilizados ainda que o transportador em nada contribuísse para o excesso de carga ou com ele pactuasse.

Se não existe equipamento de pesagem quer o expedidor quer o transportador têm de admitir como possível que a carga ultrapasse o limite legalmente permitido, ambos se conformando com tal facto, caso em que ambos têm de ser responsabilizados, conforme decorre do art. 16º do RGCO.

Já se o expedidor tem a possibilidade de aferir o peso da carga e não o faz ou permite um transporte com excesso de carga apenas este deve ser responsabilizado.

Como resulta da matéria provada, provou-se que, no dia 20.12.2018, pelas 08h45m, o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula ..-OQ-.., propriedade da aqui Recorrente circulava na AE 28, próximo da área de serviço de Vila do Conde, transportando em regime de carga completa mercadoria.
No âmbito de uma operação de fiscalização levada a cabo pela GNR, no local, dia e hora acima referidos, foi o veículo submetido a pesagem nas balanças Captels modelo ORA 10, daquela autoridade, acusando um peso total de 4.460 kg, sendo o peso bruto do veículo de 3.500 kg, pelo que o excesso de carga representa, no caso concreto, menos que 27,52 % em relação ao P.B. isto é, “transporte por conta de outrem em que o veículo é utilizado no conjunto da sua capacidade de carga por um único expedidor” nos termos do art. 2º, al. n) do DL nº 257/2007.
A entidade expedidora não possui balança para pesagem do veículo com a carga.

O diploma que regula o transporte rodoviário de mercadorias efetuado por meio de veículos automóveis ou conjunto de veículos de mercadorias, com peso bruto igual ou superior a 2500 kg é o DL nº 257/2007 de 16 de Julho, como resulta do seu art. 1º nº 1.

Na sua redação primitiva estabelecia o art. 31º daquele diploma:
“1- A realização de transportes com excesso de carga é punível coma coima de € 500 a 1500 €, sem prejuízo do disposto nos números seguintes:
2- Sempre que o excesso de carga seja igual ou superior a 25% do peso bruto do veículo a infracção é punível com coima de € 1250 a € 3740.
3- (…)
4- Sempre que o excesso de carga se verifique no decurso de um transporte em regime de carga completa, a infracção é imputável ao expedidor e transportador, em comparticipação.”

Do teor do nº 4 do art. 31º do diploma referido resulta que, a arguida que efetuava o transporte em regime de carga completa é responsável pela contraordenação em comparticipação com o expedidor já que não ficou provado que o expedidor, os seus agentes ou o carregador disponham de equipamento de pesagem no local do carregamento da mercadoria, ou em casos de embalagens ou unidades de carga como peso unitário predefinido.
Perante os factos provados, é inelutável a responsabilidade da recorrente em regime de comparticipação.
Afirma a recorrente que não podia ser condenada como única responsável pela infração.
Mas não é assim.
Como enunciou o Ac. da RP de 15-01-2020 (proc. nº 45/19.7T8ILH.P1; Relator: Exmª Desembargadora MARIA LUÍSA ARANTES) “I - As coimas podem aplicar-se às pessoas singulares, às pessoas coletivas, bem como às associações sem personalidade jurídica.
II - As pessoas coletivas ou equiparadas são responsáveis pelas contraordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções.
III - Só não seria assim se o RGCO tivesse norma paralela à do art. 12.º do CP, ou do art. 2.º do DL 28/84, ou à do art. 6.º do RGIT que “estendem” a responsabilidade ao próprio membro do órgão.
IV - Neste domínio não há lacuna, o RGCO é autossuficiente, pelo que não há que aplicar subsidiariamente o art. 12.º do CP.

Ao tribunal a quo apenas cabia decidir da eventual responsabilidade contraordenacional da recorrente, desconhecendo o tribunal da eventual existência de algum outro processo contraordenacional instaurado contra o expedidor da mercadoria, incumbindo-lhe apenas conhecer da decisão administrativa que condenou o recorrente e que lhe foi sujeita a escrutínio.
Por outro lado, não a tem recorrente qualquer legitimidade para requerer a coresponsabilização de comparte no ato infracional de que vem condenada por decisão administrativa.
A responsabilidade contraordenacional é definida essencialmente pela cominação de uma coima (artigo 1.º do Regime Geral das Contraordenações constante do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro),
A sanção normal do direito de ordenação social é a coima, sanção de natureza administrativa, aplicada por autoridade administrativa, com o sentido dissuasor de uma advertência social, pode, consequentemente, admitir-se a sua aplicação às pessoas coletivas e adotar-se um processo extremamente simplificado e aberto aos corolários do princípio da oportunidade»
Não há transmissão da autoria do ilícito contraordenacional em si mesma considerada.

De facto, diz-nos o Artigo 16.º-Comparticipação:

“1 - Se vários agentes comparticipam no facto, qualquer deles incorre em responsabilidade por contra-ordenação mesmo que a ilicitude ou o grau de ilicitude do facto dependam de certas qualidades ou relações especiais do agente e estas só existam num dos comparticipantes.
2 - Cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou do grau de culpa dos outros comparticipantes.
3 - É aplicável ao cúmplice a coima fixada para o autor, especialmente atenuada

E no Artigo 18.º-Determinação da medida da coima:

“1 - A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação.
2 - Se o agente retirou da infracção um benefício económico calculável superior ao limite máximo da coima, e não existirem outros meios de o eliminar, pode este elevar-se até ao montante do benefício, não devendo todavia a elevação exceder um terço do limite máximo legalmente estabelecido.
3 - Quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade.

O que significa que a coima é individual para cada um dos agentes em comparticipação e fixada em função das especificidades próprias de cada um, pelo que a condenação da recorrente nestes autos, constatada a prática da infração contraordenacional, não depende da condenação doutra entidade corresponsável, provado que existiu comparticipação, porquanto não tem efeitos sobre a punição concreta e individual de cada um dos agentes.

Da medida da coima.
Como bem refere o PGA E,Quanto ao princípio da proporcionalidade das sanções, tem, antes de mais, que advertir-se que o Tribunal só deve censurar as soluções legislativas que cominem sanções que sejam desnecessárias, inadequadas ou manifesta e claramente excessivas, pois tal o proíbe o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição. Se o Tribunal fosse além disso, estaria a julgar a bondade da própria solução legislativa, invadindo indevidamente a esfera do legislador que, aí, há de gozar de uma razoável liberdade de conformação [cf., identicamente, os acórdãos nºs 13/95 (Diário da República, II série, de 9 de fevereiro de 1995) e 83/95 (Diário da República, II série, de 16 de junho de 1995)], até porque a necessidade que, no tocante às penas criminais é - no dizer de FIGUEIREDO DIAS (Direito Penal II, 1988, policopiado, página 271) - "uma conditio iuris sine qua non de legitimação da pena nos quadros de um Estado de Direito democrático e social", aqui, não faz exigências tão fortes”- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13.05.2015 (Proc. nº 13721/14.1T8PRT.P1).

No caso vertido, o tribunal aplicou o mínimo da coima legal prevista no nº 2 do artº 31º, do Decreto-Lei n.º 257/2007, de 16/07, pelo que não foi violado o princípio da proporcionalidade.

Por sua vez, a recorrente limita-se a qualificar a pena como excessiva; sem jamais apontar em concreto qual seria a pena parcelar justa aplicável, de modo a cumprir o disposto no art.º 71.º do CP - no fundo a razão que o levou ao dito teor conclusivo.
Como tem sido escrito em inúmeros arestos jurisprudenciais, recorrer não é só dizer que se discorda; tem o recorrente o ónus de indicar as suas razões e de propor soluções alternativas. Colocar uma questão é colocar um problema e este implica pelo menos a existência de um argumento.
Não cumpre este conceito a simples emissão de uma proposição, de uma declaração de discordância, de uma posição assertiva singela: “um argumento é um conjunto de proposições, em que alguma ou algumas têm a pretensão de ser justificadas pelas outras” – cfr. Michel Dufour, Cours de Logique Informelle, 2008, Ed. Armand Colin, pág. 23)”.
Veja-se, a Decisão Sumária de 20.11.2020 (proc. nº 223/20.6GAMAI.P1; Exmº Desembargador João Pedro Nunes Maldonado): “O recurso tem como finalidade a apreciação da justeza e validade da decisão judicial balizada pela fundamentação do recorrente. Só o valimento jurídico-argumentativo recursivo permite reapreciar a decisão recorrida, sendo por isso inepta, para tanto, a simples manifestação adjectiva de discordância. O tribunal de recurso não formula um novo juízo sobre a responsabilidade penal do arguido com fundamento no quadro factual apurado em primeira instância. Reaprecia uma decisão judicial de acordo com os argumentos desconstrutivos apresentados pelo recorrente relativamente a uma decisão judicial.
(…).
Porém, não explica o recorrente em que medida ou forma, face às restantes variáveis envolvidas na determinação da sanção principal e acessória (o referido grau de ilicitude e as fortes exigências de prevenção geral), foram desvalorizados os factos descritos na sentença e pelo recorrente invocados.

Em face do exposto improcede todo o recurso.

Decisão.
Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto mantendo-se a sentença da 1ª instância.
Custas pela recorrente que fixo em 4ucs – artigo 513.º, n.º 1 do CPP.
Notifique.
Sumário (da responsabilidade exclusiva do relator):
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Porto, 28 de abril de 2021.
(Elaborado e revisto pelo 1º signatário)
Paulo Costa
Nuno Pires Salpico