Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PAULA LEAL DE CARVALHO | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISÃO TRIBUNAL COMPETENTE ANULAÇÃO DE TRANSAÇÃO HOMOLOGADA POR SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO | ||
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Nº do Documento: | RP2023111312414/22.0T8PRT-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 11/13/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE. REVOGAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. | ||
Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO SOCIAL | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O tribunal competente para o recurso de revisão é o tribunal que proferiu a decisão que se pretende por em causa. II - A parte, para anular transação homologada por decisão judicial transitada em julgado, tem ao seu alcance duas vias por que pode optar: ou lança mão de ação declarativa visando a anulação da transação (art. 291º, nº 2, CPC) e, procedente esta, recorre ao recurso de revisão; ou recorre, desde logo, ao recurso de revisão com vista à anulação da transação e à revogação da decisão homologatória (art. 696º, a. d), do CPC). | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo 12414/22.0T8PRT-A.P1 Relator – Paula Leal de Carvalho (Reg. 1360) Adjuntos: Des. Nelson Fernandes Des. António Luís Carvalhão Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório Na ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, de que os presentes autos de recurso de revisão são apenso e em que figuram, naquela, como trabalhador/A. AA e Ré, A..., Lda., foi, aos 05.09.2022, em audiência de partes na qual se encontravam presentes o A., seu mandatário e mandatária da Ré com procuração com poderes especiais para o efeito, efetuada transação, após o que foi proferida sentença homologatória da mesma, notificada nessa mesma data aos presentes, tudo conforme ata respetiva da qual consta o seguinte: “(…) Presentes: O Trabalhador e os Ilustres Mandatários das partes, com todos os poderes para esta diligência. Apresentou-se, na qualidade de Mandatária da Entidade Empregadora, a Sra. Dra. BB, que juntou a respectiva procuração, a qual, depois de examinada e de rubricada, foi mandada juntar aos autos. Aberta a audiência, pelas 09:40 horas, a Mma. Juiz tentou a conciliação das partes, o que foi alcançado nos seguintes termos: TRANSACÇÃO 1) O Trabalhador reduz o valor peticionado à quantia de €3.000,00 (três mil euros), que a Entidade Empregadora aceita pagar, a título de indemnização global pela cessação do contrato de trabalho; 2) O montante supra referido será pago em 6 prestações, no montante de €500,00 (quinhentos euros) cada uma, sendo a primeira das prestações liquidada até ao próximo dia 08-09-2022 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes; 3) Os pagamentos serão efectuados através de transferência bancária para o IBAN titulado pelo Trabalhador e que é já do conhecimento da Entidade Empregadora; 4) Com o pagamento da quantia acordada em 1), Trabalhador e Entidade Empregadora declaram nada mais terem a reclamar um da outra, seja a que título for; 5) As custas em dívida a juízo serão suportadas em partes iguais por Trabalhador e Entidade Empregadora, sem prejuízo da modalidade de apoio judiciário de que beneficia o Trabalhador. De seguida, a Mma. Juiz proferiu a seguinte: SENTENÇA A transacção celebrada é válida, nos termos do disposto no artº 52º do CPT, quer objectiva, quer subjectivamente. Como tal, homologo-a por sentença, condenando as partes a cumpri-la nos seus precisos termos. Declaro extinta a instância, ordenando o oportuno arquivamento dos autos. Fixo o valor da acção em €3.000,00. Custas na forma acordada, estabelecidas no mínimo legal admissível. Registe e notifique. *** Pelas 09:40 horas, a Mma. Juiz deu por encerrada a apresente diligência.De imediato foram os presentes notificados do despacho que antecede do que disseram ficar cientes. Para constar se lavrou a presente acta que depois de lida e achada conforme vai ser devidamente assinada.” Aos 19.03.2023, o A., em requerimento dirigido à 1ª instância veio, invocando o disposto no arts. 696º, als. c) e d), do CPC, apresentar recurso de revisão da mencionada sentença homologatória, no qual formulou as seguintes conclusões: “1) Transitada em julgado a sentença, que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos art.os 580.º e 581.º, ambos do CPC. 2) O aparecimento de um documento posterior à sentença pode constituir motivo sério e válido para a modificação da decisão; 3) Nos termos das disposições conjugadas dos art.os 291.º, n. os 1 e 2, e 696.º, al. c) e d), do CPC, a decisão transitada em julgado pode ser revista com fundamento na nulidade ou anulabilidade da transação em que se fundou; 4) De acordo com os art.os 251.º, e 247.º, ambos do CC, é anulável a declaração negocial que enferme de erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando referido ao objeto do negócio ou às qualidades desse objeto; 5) No erro vício, o declarante declara o que quer, mas não teria aceitado o que quis e declarou se não fosse o erro que sofreu; 6) A relevância do erro sobre o objeto do negócio ou as suas qualidades, suscetível de causar anulabilidade, depende da verificação cumulativa de três requisitos: que a vontade declarada seja viciada por erro e, por isso, divergente da que o declarante teria tido sem tal erro; que, para o declarante, seja essencial o elemento sobre o qual incidiu o erro e, por isso, ele não teria celebrado o negócio se se tivesse apercebido do erro; que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre o qual incidiu o erro; 7) Se o erro que atinja os motivos determinantes da vontade não se referir à pessoa do declaratário ou ao objeto do negócio, àqueles requisitos acresce a existência de acordo sobre a essencialidade do motivo art.º 252.º, n.º 1 do CC; 8) Deste modo, se for invocado o erro vício como fundamento de anulação de transação, deve admitir-se a revisão da sentença homologatória da mesma; 9) E por conseguinte, deverá o presente recurso de revisão ser admitido e corrida a ulterior e normal tramitação, vir à final ser julgado procedente e, em consequência, revogada a sentença homologatória da mesma. Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, com as legais consequências, (…)”. Aos 21.03.2023 a Mmª Juiz proferiu despacho em que decidiu “Temos, pois, que o requerimento apresentado pelo aqui demandante não poderá ser atendido, por não traduzir qualquer meio processual admissível para que se reverta a sentença homologatória da transação exarada nos presentes autos. Custas do incidente pelo A., fixando-se a taxa de justiça pelo mínimo legal” e, para tanto e em síntese, tendo considerado que o recurso de revisão não é o meio processual adequado, quer porque “o demandante não deduz recurso de revisão, já que não dirige o requerimento” ao Tribunal da Relação, quer porque “se perfilha o entendimento de que apenas os vícios da decisão homologatória, que põe fim ao processo e já transitou em julgado, é susceptível de ser impugnada pelo recurso em apreço, já que os termos da transacção, propriamente dita, apenas serão susceptíveis de serem impugnados em acção própria”. O A., invocando o disposto no art. 643º do CPC, veio apresentar “Reclamação” do mencionado despacho, formulando as seguintes conclusões: “1) Transitada em julgado a sentença, que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos art.os 580.º e 581.º, ambos do CPC. 2) O aparecimento de um documento posterior à sentença pode constituir motivo sério e válido para a modificação da decisão; 3) Nos termos das disposições conjugadas dos art.os 291.º, n. os 1 e 2, e 696.º, al. c) e d), do CPC, a decisão transitada em julgado pode ser revista com fundamento na nulidade ou anulabilidade da transação em que se fundou; 4) De acordo com os art.os 251.º, e 247.º, ambos do CC, é anulável a declaração negocial que enferme de erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando referido ao objeto do negócio ou às qualidades desse objeto; 5) No erro vício, o declarante declara o que quer, mas não teria aceitado o que quis e declarou se não fosse o erro que sofreu; 6) A relevância do erro sobre o objeto do negócio ou as suas qualidades, suscetível de causar anulabilidade, depende da verificação cumulativa de três requisitos: que a vontade declarada seja viciada por erro e, por isso, divergente da que o declarante teria tido sem tal erro; que, para o declarante, seja essencial o elemento sobre o qual incidiu o erro e, por isso, ele não teria celebrado o negócio se se tivesse apercebido do erro; que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre o qual incidiu o erro; 7) Se o erro que atinja os motivos determinantes da vontade não se referir à pessoa do declaratário ou ao objeto do negócio, àqueles requisitos acresce a existência de acordo sobre a essencialidade do motivo art.º 252.º, n.º 1 do CC; 8) Deste modo, se for invocado o erro vício como fundamento de anulação de transação, deve admitir-se a revisão da sentença homologatória da mesma; 9) E por conseguinte, deverá o presente recurso de revisão ser admitido e corrida a ulterior e normal tramitação, vir à final ser julgado procedente e, em consequência, revogada a sentença homologatória da mesma. Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, com as legais consequências, (…)”. A Ré respondeu à “reclamação”, no sentido, pelas razões que alega, da improcedência do recurso de revisão, mais invocando, nos termos do art. 697.º, n.º 2, do CPC, a sua extemporaneidade uma vez que o A. teria tido conhecimento dos factos que servem de suporte ao pedido de revisão (“apresentação de queixa crime por parte de CC”) há mais de 60 dias. * Pela ora relatora foi proferida decisão a convolar a “reclamação” em recurso de apelação, despacho esse com o seguinte teor:“Vem a presente Reclamação interposta da decisão da 1ª instância que não admitiu o recurso de revisão, decisão essa que mais não consubstancia do que um despacho de indeferimento liminar do recurso de revisão (art. 699º, nº 1, do CPC), a qual é passível de impugnação, mas por via da interposição de recurso ordinário, isto é, de apelação (cfr. art. 697º, nº 6, do mesmo) e não por via da Reclamação a que se reporta o art. 643º do CPC, esta tendo por objeto as situações previstas no art. 641º, nº 2, do CPC. Assim, mas tendo em conta, nos termos do disposto no art. 193º do CPC, o princípio do aproveitamento dos atos processuais (de que o citado preceito é corolário), o dever de gestão processual pelo juiz (art. 6º, nº 2, do CPC) e o Acórdão uniformizador n.º 2/2010, publicado no DR 36, série I, de 22 de Fevereiro de 2010, que mantém atualidade, que fixou a seguinte jurisprudência: «fora dos casos previstos no artigo 688.º do Código de Processo Civil (na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Setembro), apresentado requerimento de interposição de recurso de decisão do relator, que não seja de mero expediente, este deverá admiti-lo como requerimento para a conferência prevista no artigo 700.º, n.º 3, daquele Código», há que convolar a mencionada Reclamação em recurso de apelação, sendo que se verificam os pressupostos de admissibilidade do recurso: admissibilidade do recurso, tendo em conta que a ação na qual foi interposto o recurso de revisão é de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, a qual comporta sempre recurso de apelação [art. 79º, al. a), do CPT e, ainda, art. 629º, nº 3, al. c) do CPC, já que o despacho impugnado tem por objeto indeferimento liminar da petição de revisão]; tempestividade e formulação de conclusões (cfr. 641º, nº 2, al. b), do CPC). Assim, convola-se a reclamação apresentada em recurso, que é de apelação, com subida imediata, nos próprios autos (do apenso do recurso de revisão – cfr. 698º, nº 1, do CPC), e com efeito devolutivo. Notifique-se e, oportunamente, d.n, carregando-se na espécie devida e descarregando-se na espécie em que está, efetuando-se a distribuição, por sorteio, no que toca aos desembargadores adjuntos e requisitando-se os autos à 1ª instância (art. 653º, nº 1, do CPC).” Efetuada tal convolação, o Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do provimento do recurso, nele se referindo, para além do mais, o seguinte: “No dia 5 de Setembro de 2022, no processo identificado, entre Recorrente e Recorrida, foi lavrado termo de transacção homologado por sentença, em que, além do mais, foi acordado que “4) Com o pagamento da quantia acordada em 1), Trabalhador e Entidade Empregadora declaram nada mais terem a reclamar um da outra, seja a que título for”. A transacção é, unanimemente, considerada um contrato. Considerada como contrato, a transacção está sujeita à disciplina dos contratos (art.º 405º e segs., do CC) e ao regime geral dos negócios jurídicos (art.º 217º e segs., do CC) – Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. II, 2ª edição, Coimbra Editora, p. 768). A transacção visa por fim a um litigio, podendo ser na pendência de acção ou mesmo antes da instauração. Neste caso Recorrente e Recorrida terminaram a relação laboral acordando nada mais terem a reclamar um da outra, seja a que título for. Posteriormente veio a Recorrida participar criminalmente contra o Recorrente pela prática de um crime p. e p. pelo art.º 181, n.º 1 e 180, ambos do Cód. Penal, onde deduz pedido de indemnização civil de 1.000,00€, por factos ligados à relação laboral que entre eles vigorou. O litígio, assim, não acabou. E este era um ponto essencial; acabar o litigio e nada mais ser reciprocamente reclamado. Ora, como alega o Recorrente, se soubesse que assim era, que o litígio não chegava ao fim e a Recorrida iria reclamar outras quantias, o Recorrente não teria acordado. Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tato nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé – 227º, 1, do CC. Entende-se que estarão assim reunidos os pressupostos que permitem a anulabilidade da transacção em que se fundou a decisão – art.º 696º, d) do CPC. E também razões para instauração do recurso extraordinário de revisão, pelo qual o Recorrente optou – art.º 291º do CPC. O recurso é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever – art.º 697º do CPC. Entende-se, assim, que deveria ter sido recebido o recurso de revisão interposto pelo, ora, Recorrente. * 5. Pelo que, ressalvando sempre diferente e melhor opinião, se emite parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso.”Notificadas, as partes responderam ao mencionado parecer: O A., com ele concordando. A Ré, dele discordando, alega em síntese (das 9 págs. da resposta) que: a Ré nada tem a ver com o processo crime (3893/22.7T9GDM), no qual CC, que neste intervém na qualidade de ofendido/assistente (e o A., na qualidade de arguido) é um trabalhador da Ré, não sendo, nem nunca tendo sido, sócio ou gerente desta, não a vinculando, nem tendo intervindo na transação efetuada, nem podendo a Ré impedir que aquele, a título pessoal, apresentasse queixa crime contra o A.; o parecer não se pronuncia sobre a extemporaneidade do recurso de revisão, alegado pela Ré, ora recorrida, na resposta à “reclamação” que então apresentou e que dá por reproduzida; o recurso de revisão assenta na queixa crime por parte do referido CC, tendo o Recorrente junto documento comprovativo do conhecimento do despacho de acusação referente ao mencionado processo crime, cuja notificação data de 31.01.2023; não obstante, o Recorrente teve conhecimento de tal processo muito antes, ou seja, quando nele foi constituído arguido e prestou TIR, o que ocorreu aos 19.12.2022 (conforme documento oportunamente junto pela Recorrida), sendo que a interposição do recurso de revisão apenas ocorreu aos 19.03.2023, pelo que é o mesmo extemporâneo nos termos do art. 697º, nº 2, do CPC; o Recorrente invoca, como fundamento do recurso de revisão, o disposto no art. 696º, al. c), do CPC, porém não existe qualquer documento novo, nem foi carreado para o processo crime qualquer documento da Recorrida, que nem é parte desse processo, pelo que não se verifica o fundamento do citado preceito; não existe qualquer divergência entre o conteúdo da transação e os alegados novos elementos, pelo que também por essa via deverá o recurso de revisão ser liminarmente indeferido; quanto à invocação da al. d) do art. 696º, pelas razões que invoca, não existe qualquer erro vício que afete a transação. Colheram-se os vistos legais. *** II. Objeto do recurso Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10). Assim, a única questão a apreciar consiste em saber se deve ser revogado o despacho recorrido e, assim, se deve ser admitido o recurso de revisão, com a sua consequente tramitação legal. *** III. Fundamentação de facto Tem-se como assente o referido no relatório precedente. *** IV. Fundamentação de direito 1. Como referido, o objeto do recurso consiste em saber se deve ser revogado o despacho recorrido e, assim, se deve ser admitido o recurso de revisão, com a sua consequente tramitação legal. Mas importa, previamente, centrar devidamente a questão. O A/Recorrente, como fundamento do recurso de revisão, invocou as als. c) e d) do art. 696º e o art. 291º, ambos do CPC, para tanto alegando em síntese que: celebraram a transação, que foi homologada por decisão judicial transitada em julgada, conforme referido no relatório precedente; no entanto, CC, na qualidade de Diretor Geral da Ré, no dia 26 de setembro de 2022, apresentou queixa crime contra o A. que deu origem ao Proc. crime n.º 3893/22.7T9GDM e no qual interveio como testemunha BB, legal representante da Ré, e que originou a dedução, contra o A./Recorrente, de acusação imputando-lhe os crimes de difamação e injúrias; se o A./Recorrente tivesse conhecimento de que existia, por parte daqueles, a intenção de recorrer ao procedimento criminal não aceitaria os termos da transação acima mencionada, pelo que, e pelas demais razões que alega, ocorreu erro vício que determina a anulabilidade da transação e a revisão da sentença homologatória. É o seguinte o teor da decisão recorrida: “Nos presentes autos o aqui demandante veio apresentar requerimento denominado de “alegações” mas endereçado ao Tribunal a quo, invocando os motivos pelos quais considera que a transacção homologada por sentença – cfr. acta refª 439641035 – deverá ser considerada como inválida. Ora, de acordo com o disposto no art. 291º do C.P.C. a transacção é passível de ser anulada ou declarada nula através de acção interposta para o efeito, ou na eventualidade de se mostrarem preenchidos os respectivos requisitos, ser deduzido recurso de revisão, nos termos previstos no art. 696º do mesmo diploma legal. Contudo, não só o demandante não deduz recurso de revisão, já que não dirige requerimento neste sentido ao Venerando Tribunal ad quem, como se perfilha ainda o entendimento de que apenas os vícios da decisão homologatória, que põe fim ao processo e já transitou em julgado, é susceptível de ser impugnada pelo recurso em apreço, já que os termos da transacção, propriamente dita, apenas serão susceptíveis de serem impugnados em acção própria. Neste sentido, tem entendido a jurisprudência, entre a qual se destaca o Ac. da Relação de Coimbra, de 26/04/2022, In, proc. nº 651/20.7T8LMG-A.C1, www.dgsi.pt, quando explicita “A transacção constitui um negócio jurídico privado, com cujo intrínseco conteúdo material o juiz nada tem a ver, limitando-se, para conceder a respectiva homologação, à verificação de determinadas condições que se mostram extrínsecas àquele conteúdo. Assim, a sentença homologatória só pode ser concedida se o objecto do litigio estiver na disponibilidade das partes - art 289º CPC -, tiver idoneidade negocial – 280º e 281º CC-, se as pessoas que intervêm na transacção tiverem capacidade e legitimidade para se ocuparem desse objecto – art 287º CPC -, devendo o juiz, no caso de transacção, «verificar também a pertinência do objecto do negócio para o processo, isto é, a sua coincidência com o pedido deduzido», sem prejuízo de ter em conta que «a transacção pode envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido» – cfr referido art 1248º/2 CC- podendo estas finalidades fazerem intervir terceiro para assegurar a disponibilidade subjectiva do direito [3] . Por isso, a sentença homologatória não constitui «resposta» ao pedido formulado pelo autor na acção. Sendo uma sentença de mérito, não o é por ter conhecido do pedido do A. ou do do R., mas porque absorve o conteúdo do negócio jurídico em que se traduz a transacção, condenando e absolvendo nos termos exactamente pretendidos e resultantes das concessões reciprocas das partes em que aquela se traduz. Com o que, «havendo homologação, a sentença é proferida em conformidade com a vontade das partes e não mediante aplicação do direito objectivo aos factos provados, tutelando o direito subjectivo ou o interesse juridicamente protegido que, em conformidade, se verifique existir». [4] Note-se que, do negócio jurídico em que se traduz a transacção, não resulta, só por si, nem o caso julgado nem a extinção do processo. Estes dois efeitos processuais advêm da intermediação da sentença homologatória, que só pode ser concedida, como acima se referiu, na ocorrência das referidas condições. Ora, se alguma das partes pretende no próprio processo em que foi proferida a sentença de homologação da transacção, que esta seja anulada, e que, em consequência dessa anulação seja reposta a situação anterior à mesma, de modo a que a causa venha a ser julgada em função dos factos nela alegados – como parece ser o caso da aqui apelante - apenas o poderá fazer se no recurso que dela interponha fizer valer a inexistência em concreto de algumas das acima referidas condições para a mesma ter sido proferida. Quer dizer, haverá de demonstrar – pese embora a sua responsabilidade pelo resultado homologatório, pois que o pediu enquanto parte do negócio em que a transacção se analisa - que a fiscalização pelo juiz da regularidade e validade do acordo foi irregularmente realizada, já que, afinal, o objecto do litigio não estava na disponibilidade das partes ou não tinha idoneidade negocial ou as pessoas que intervieram na transacção não se apresentavam com capacidade e legitimidade para se ocuparem desse objecto. O recurso da sentença homologatória da transacção há-de, pois, incidir sobre um vício da própria sentença homologatória, como se faz notar no Ac RL 12/12/2013 [5], sendo que o normal é que, existindo tal vício, se apresente a fazê-lo valer em recurso dessa sentença terceiro que se mostre afectado pelo caso julgado que daquela decorre[6]. Fora desta situação – que as conclusões das alegações no presente recurso não reflectem minimamente – a parte interveniente na transacção, para lograr o objectivo que a apelante parece pretender no recurso – que se reabra a discussão no processo de modo a que o mesmo siga os seus termos normais conducentes a uma sentença que conheça do pedido formulado em função dos factos constantes do mesmo - tem que, fora deste, lograr por um lado, a destruição dos efeitos substantivos da transacção e o processual resultante do caso julgado atribuído a esses efeitos pela homologação da transacção, e por outro, a destruição do efeito processual decorrente da extinção da instância no processo em que foi produzida a sentença homologatória. A destruição daqueles efeitos substantivos obtê-la-á, a parte, em processo autónomo, alegando e provando a existência de vícios da vontade nos outorgantes, ou vício no objecto do negócio jurídico em que se traduz a transacção – cfr Ac RL 3/2/2009 [7] - e pedindo a declaração da nulidade ou a anulabilidade desse negócio jurídico (no caso desta, sem prejuízo da caducidade correspondente), servindo-se para o efeito do regime geral dos negócios jurídicos.”. Temos, pois, que o requerimento apresentado pelo aqui demandante não poderá ser atendido, por não traduzir qualquer meio processual admissível para que se reverta a sentença homologatória da transacção exarada nos presentes autos. Custas do incidente pelo A., fixando-se a taxa de justiça pelo mínimo legal. Notifique. Ou seja, decorre da decisão recorrida que o recurso de revisão foi liminarmente indeferido por duas ordens de razões: i) porque o requerimento em que é deduzido o recurso de revisão não foi dirigido ao Tribunal ad quem, ou seja, a esta Relação; ii) e porque “perfilha ainda o entendimento de que apenas os vícios da decisão homologatória, que põe fim ao processo e já transitou em julgado, é susceptível de ser impugnada pelo recurso em apreço, já que os termos da transacção, propriamente dita, apenas serão susceptíveis de serem impugnados em acção própria”, pelo que o recurso de revisão não é o meio processual próprio “para que se reverta a sentença homologatória da transacção exarada nos presentes autos”. Tendo sido estes os fundamentos para o indeferimento liminar invocados na decisão recorrida são esses os fundamentos que constituem o objeto do recurso de apelação e sobre os quais compete à Relação pronunciar-se. Ou seja, e dito de outro modo, não cabe à Relação, em sede do presente recurso de apelação, pronunciar-se quer sobre outros eventuais fundamentos de inadmissibilidade do recurso de revisão, designadamente os invocados pela Ré/Recorrida (extemporaneidade do mesmo e sua inadmissibilidade), quer sobre o mérito da pretensão do Recorrente e da defesa da Ré/Recorrida [existência (ou não) do invocado erro vício]. 2. Quanto ao 1º dos fundamentos invocados na decisão recorrida para o seu indeferimento liminar: Como referido, entendeu a decisão recorrida que o recurso de revisão não foi endereçado ao tribunal ad quem. Dispõe o art. 697º, nº 1, do CPC que “1. O recurso de revisão é interposto no tribunal que proferiu a decisão”. O recurso de revisão não se insere nos recursos ordinários, não sendo um recurso de reexame ou de reponderação, como o são os recursos ordinários de apelação e de revista. Aquele «é estruturalmente, uma acção (…); trata-se verdadeiramente de uma ação e não de um recurso em sentido técnico-jurídico de rigor” (cfr. José Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, 3ª Edição, Almedina, pág. 320). Conforme decorre do citado art. 697º, nº 1, o recurso de revisão é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever, a este competindo a sua apreciação, e não, tal como nos recursos ordinários, no tribunal superior àquele que proferiu a decisão. Com diz o autor e ob. citada, pág. 320, “O tribunal competente é, pois, o tribunal que proferiu a decisão que se pretende por em causa”. No caso, a transação celebrada entre o A. e a Ré, bem como a sentença homologatória que sobre ela recaiu, estes os atos cuja anulação o A/Recorrente pretende por via do recurso de revisão, foram praticados pela 1ª instância pelo que a esta cabe a sua apreciação, e não ao tribunal ad quem e, assim sendo, o recurso de revisão foi, e bem, dirigido à 1ª instância. Mais se diga que, no requerimento em que interpõe o recurso de revisão, o A/Recorrente a este se reporta expressamente dizendo que: “AA, na qualidade de Autor, vem com base nas alíneas c), e d) do artigo 696.º, do Código de Processo Civil, deduzir, REVISÃO da decisão transitada em julgado, adiantando o seguinte somatório de fundamentos e razões:” (…) Não se verifica, assim, o primeiros dos fundamentos invocados na decisão recorrida para o seu indeferimento liminar. 3. Quanto ao segundo dos fundamentos invocados na decisão recorrida entende esta que o recurso de revisão não constitui o “meio processual admissível para que se reverta a sentença homologatória da transacção exarada nos presentes autos”, mais considerando que o meio processual próprio seria a ação de anulação Dispõe o art. 291º do CPC que “1 - A confissão, a desistência e a transação podem ser declaradas nulas ou anuladas como os outros atos da mesma natureza, sendo aplicável à confissão o disposto no n.º 2 do artigo 359.º do Código Civil. 2 - O trânsito em julgado da sentença proferida sobre a confissão, a desistência ou a transação não obsta a que se intente a ação destinada à declaração de nulidade ou à anulação de qualquer delas, ou se peça a revisão da sentença com esse fundamento, sem prejuízo da caducidade do direito à anulação. (…). [realce e sublinhado nosso] E, por sua vez, de harmonia com o art. 696º, al. d) do mesmo: “A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando: (…); d) Se verifique nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundou;” José Lebre de Freitas, ob. cit., pp. 306 a 308 reportando-se ao fundamento previsto na al. d) do citado art. 696º e embora referindo que nem sempre foi assim (reportando-se ao período anterior ao DL 38/2003) refere, quanto ao período desde tal data, que: “9. (…). É o mesmo fundamento que, segundo o art. 729-i, pode dar lugar à dedução de embargos à execução da sentença homologatória. Num e noutro caso, o trânsito em julgado (pressuposto da revisão, mas não necessariamente da execução: art. 704-1) não obsta à declaração de nulidade ou anulação do negócio de autocomposição do litígio. Estabelece-o também o art. 291º - 2 quanto à revisão, bem como quanto à ação declarativa comum destinada à declaração de nulidade ou à anulação. (…) Se, apesar da possibilidade de o fazer no próprio recurso de revisão, a parte lançar mão da ação declarativa e esta for julgada procedente, a eventual subsequente revisão limitar-se-á a retirar da prejudicial invocabilidade negocial a consequência da revogação da sentença homologatória, servindo de base à revisão. (…). (…). O recorrente que não haja previamente proposto ação de declaração de nulidade ou de anulação tem, na fase rescindente do recurso de revisão, de provar os factos que consubstanciam a invalidade (art. 700-2)”. Ou seja, atualmente, a parte, para anular transação homologada por decisão judicial transitada em julgado, tem ao seu alcance duas vias por que pode optar: ou lança mão de ação declarativa visando a anulação da transação (art. 291º, nº 2) e, procedente esta, recorre ao recurso de revisão; ou recorre, desde logo, ao recurso de revisão com vista à anulação da transação e à revogação da decisão homologatória. Assim também António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, p. 406, “7. Quanto ao fundamento da al. d) (invalidade da confissão, desistência ou transacção), deve ligar-se directamente ao disposto no art. 291º que abre ao interessado duas possibilidades de uso alternativo: instauração de acção para declaração da invalidade ou interposição de recurso de revisão”. E, no mesmo sentido, Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos (Regime do Decreto-lei 303/2007, Quid Juis, pp.343/344 ao referirem que: “Na sua versão original, o Código de 1939 não exigia uma prévia sentença de revogação da confissão, desistência e transacção. Foi com a reforma de 1961, que alterou o preceito do nº 4 do artigo 771º, que tal exigência passou a ser feita. Com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei 32/2003, de 8 de Março, na alínea d), elimina-se a necessidade de instauração de acção autónoma, prévia ao recurso de revisão, passando agora o apuramento da nulidade ou anulabilidade dos referidos negócios processuais a ser feito no âmbito do próprio recurso. Mas nada obsta a que a parte faça ainda assim verificar os fundamentos da alínea d) numa acção autónoma (artigo 301º, nº 2). (…)” Diga-se que tal interpretação é a que se encontra em consonância com a letra, aliás expressa, quer da citada al. d), que se reporta, como fundamento da revisão, à “nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundou” e não em “vícios da decisão homologatória” a que a MMª Juiz se reporta, quer com a letra do art. 291º, nº 2, que também prevê, de forma expressa e em alternativa, a possibilidade de anulação da transação (e da confissão ou desistência) por via de ação de ação destinada a esse fim ou através de revisão da sentença.. No caso, o A. invocou, como fundamento do recurso de revisão, a anulabilidade da transação celebrada com fundamento em vício da vontade (erro), o que, assim, constitui fundamento do recurso de revisão previsto no citado art. 696º, al. d). E, assim sendo, também não se verifica o segundo dos fundamentos invocados na decisão recorrida para indeferir liminarmente o recurso de revisão. Resta salientar que o Acórdão da Relação de Coimbra, de 26/04/2022 a que a decisão recorrida alude versa sobre situação diferente da dos autos em que, pelas razões nele referidas, o recurso subjacente foi tratado, como nele expressamente se refere, como recurso normal de apelação e não como um recurso de revisão (o que faz toda a diferença), como aliás nele se diz, não sendo a situação prevista em tal aresto transponível para o caso ora em apreço em que o que está em causa é um recurso de revisão. E, este, foi, pelo A./Recorrente, como tal devidamente identificado no respetivo requerimento em que interpôs o recurso de revisão, nele especificando-se expressamente que se tratava de um recurso de revisão e, bem assim, invocando-se o art. 696º, als. c) e d), do CPC [ao contrário do que sucedia naquele aresto da RC de 26.04.2022]. Não se verifica, pois, o segundo dos fundamentos invocados pela decisão recorrida para indeferir liminarmente o recurso de revisão. A decisão recorrida deve, assim, ser revogada, cabendo todavia à 1ª instância, e não a esta Relação, como já referido, a apreciação de eventuais outros fundamentos que possam, eventualmente, obstar à sua admissão liminar (arts 697º, nº 1, e 699º, nº 1, do CPC). *** V. Decisão Em face do exposto, acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso, em consequência do que se decide revogar a decisão recorrida, seguindo-se a adequada tramitação legal subsequente, salvo, porém se, por eventual outro fundamento que não os aduzidos na decisão recorrida, tal recurso não dever ser liminarmente indeferido, o que compete à 1ª instância apreciar. Custas pela Ré/ Recorrida. Porto, 13.11.2023 Paula Leal de Carvalho Nelson Fernandes António Luís Carvalhão |