Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | CARLOS CUNHA RODRIGUES CARVALHO | ||
| Descritores: | VALOR DA CAUSA FIXAÇÃO CRITÉRIOS | ||
| Nº do Documento: | RP202503201641/24.6T8STS-A.P1 | ||
| Data do Acordão: | 03/20/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
| Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A regra para definir o valor da causa é o recurso à utilidade económica imediata do pedido e está expressa no artigo 296º do Código de Processo Civil: nº1 – «A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade imediata do pedido.» II - Para surpreender qual a utilidade económica do pedido é também essencial atender à causa de pedir, visto que aquele deve ser lido à luz dos seus fundamentos. III - A utilidade económica imediata do pedido não é considerado abstratamente, mas sim em confronto com a causa de pedir. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. 1641/24.6T8STS-A.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I AA deduziram ACÇÃO DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO sob a forma de Processo comum, contra BB, CC e DD.
Invoca para o efeito que celebrou com a mãe das RR um contrato de compra e venda de eucaliptos, 100 toneladas, pelo valor de 5.800,00€, já pago.
Desses eucaliptos fez o corte e remoção de 75 toneladas, tendo ficado impedido de o fazer em relação ao remanescente por oposição das demandadas, remanescente esse cujo valor cifra em 1.750,00 €.
Pede: Nestes termos e nos melhores de direito, deve a presente acção ser julgada provada e procedente e, consequentemente, condenar-se as Rés: a) A permitir a entrada do A. no terreno, para cortar e remover as arvores que estão marcadas, que comprou e pagou; b) Reconhecer ao A. o direito aos eucaliptos vendidos pela sua mãe, com conhecimento de todos os filhos; c) A pagar juros de mora vencidos e vincendos sobre a quantia acima referida, que representa o valor da madeira em falta, desde Novembro de 2023, até efectivo e integral pagamento.
Citadas as RR., além do mais, impugnaram o valor oferecido pelo A, oferecendo outro em sua substituição, 5.800,00 €.
Alegam para o efeito que o critério determinativo do valor da acção será o que se encontra previsto no art.301.º nº1 do CPC, relativa à apreciação da existência, validade, cumprimento (…) de um acto jurídico. * Foi proferido despacho sanador, encabeçando-o a decisão quanto ao suscitado incidente do valor da causa:
«Aferindo-se que a utilidade económica da ação se adstringe ao valor da madeira referenciado no art.º 15.º) da petição inicial, fixa-se o valor da causa em €1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros), em consonância com o preceituado nos artigos 296.º/1, 297.º/1, 305.º/4 e 306.º/1, do Código de Processo Civil.»
Fixou-se o
«DO OBJECTO DO LITÍGIO: Analisando-se os autos, atesta-se que a lide se estriba nas seguintes questões fundamentais: A) Do reconhecimento do direito de propriedade do Autor; B) Da pretensão reconstitutiva e do direito do Autor ao ressarcimento.»
…e os «DOS TEMAS DA PROVA 1) A celebração do acordo descrito nos arts. 2.º) e 3.º) da petição inicial e o respetivo circunstancialismo; 2) A marcação das árvores descritas no sobredito acordo; 3) As toneladas de madeira correspondentes às árvores cortadas pelo Autor em decorrência do indicado em 1) e 2); 4) A factologia referenciada nos arts. 11.º) a 13.º) da petição inicial.»
É daquela decisão que fixou o valor da acção de que se recorre, tendo as RR. concentrado o respectivo recurso nas seguintes conclusões:
I) O presente recurso versa, unicamente, sobre a matéria de direito atinente à decisão respeitante à fixação do valor da causa proferida no despacho saneador, objeto do presente recurso, pelo Tribunal a quo.
II) Na petição inicial, o Autor indicou como valor da causa a quantia de 1.750,00€.
III) As Recorrentes impugnaram, nos termos do preceito 305.º, n.º1,doCPC,ovalor da causa indicado pelo Autor e ofereceram outro em substituição (5.800,00€) - cfr. arts. 36.º a 48.º da contestação.
IV)Sucede que, o Tribunal a quo fixou, no despacho saneador, aqui recorrido, o valor da causa na quantia de 1.750,00€, invocando os arts. 296, n.º 1, 297.º, n.º 1, 305.º, n.º 4 e 306.º, n.º 1, do CPC.
V) Salvo o devido e merecido respeito, as Recorrentes não se conformam com essa decisão, por erro na determinação da norma aplicável. O valor da causa deveria ter sido fixado na quantia de 5.800,00€, ao abrigo do art. 301.º, n.º 1, do CPC.
VI) No que concerne à fixação do valor da causa, o artigo 297.º, n.º 1, do CPC consagra o designado critério geral. Os artigos 298.º e seguintes, todos daquele mesmo diploma legal, expõem critérios especiais em relação àquele critério geral.
VII) Pela análise da petição inicial, nomeadamente dos artigos supra transcritos, juntamente com o Doc n.º1(contrato de compra e venda) junto pelo Autor, constata-se que ele invoca um contrato de compra e venda de 100 toneladas de madeira celebrado, em Abril de 2023, pelo preço de 5.800,00€.
VIII) E alega um incumprimento parcial por parte das Rés / Recorrentes que supostamente impedem ou opõem-se a que o Autor corte determinadas árvores que o mesmo considera ter direito no âmbito desse contrato celebrado.
IX) O pedido principal do Autor (alínea a)) consiste em exigir o cumprimento do contrato de compra e venda, mediante o pedido de entrada do Autor no terreno das Recorrentes para cortar e remover as árvores que estão marcadas, que alegadamente comprou e pagou por via desse contrato.
X) Em nenhuma das alíneas do pedido o Autor reclama o pagamento da quantia de 1.750,00€. Esse montante encontra-se referido, unicamente, no art. 15.º da petição inicial.
XI) Portanto, o Autor peticiona, a título principal, o cumprimento do contrato em apreço.
XII) Ora, nos termos do art. 301.º, n.º 1, do CPC - “Quando a ação tiver por objeto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um ato jurídico, atende-se ao valor do ato determinado pelo preço ou estipulado pelas partes”.
XIII) O contrato de compra e venda cujo cumprimento se pretende foi junto com a petição inicial como doc n.º 1 e dele decorre que o preço convencionado entre as partes para a venda da madeira foi o de 5.780,00€.
XIV) Salvo melhor entendimento, dúvidas não restam que o valor da presente causa deveria ter sido fixado na quantia de 5.780,00€, conforme alegado e requerido pelas Recorrentes em sede de contestação.
XV) Na fixação do valor da causa, o Tribunal a quo incorreu em erro na determinação da norma aplicável. O Tribunal a quo deveria ter aplicado a norma legal prevista no art. 301.º, n.º 1, do CPC.
XVI) Assim, em cumprimento do disposto nesse preceito legal, sendo peticionada nesta acção o cumprimento do mencionado acto jurídico (contrato de compra e venda), que tem por base um preço (5.780,00), deverá ser este o valor a considerar para efeitos de determinação do valor da causa. * Não foram apresentadas contra-alegações. * O recurso foi regularmente admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. * Foram colhidos os vistos legais. * II. É consabido que resulta dos artº635º, n.ºs 3 a 5 e 639º, n.ºs1 e 2, ambos do CPC, que o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das respetivas alegações[1], sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso.
Assim, em síntese, do que resulta das conclusões, caberá apreciar unicamente se o valor da acção fixado pelo tribunal a quo é o correcto ou, ao invés, é-o o proposto pelas RR III.
III.1 Damos aqui por reproduzido o despacho atacado, a fixação do objecto do litígio e temas da prova descritos no relatório que antecede.
III.2 Defendem as recorrentes que o valor da acção deve ser definido tendo por base o critério que resulta do artº 301.º, n.º1 do CPC.
Vejamos.
A cada causa deve atribuir-se um valor, é o que estabelece o artigo 299º nº 1 do Código de Processo Civil.
Além do mais, este valor releva por determinar a competência do tribunal e a suscetibilidade do recurso, nos casos em que outra norma especial o não permita[2].
A regra para definir o valor da causa é o recurso à utilidade económica imediata do pedido e está expressa no artigo 296º do Código de Processo Civil: nº1 – «A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade imediata do pedido.»
Para surpreender qual a utilidade económica do pedido é também essencial atender à causa de pedir, visto que aquele deve ser lido à luz dos seus fundamentos.
A utilidade económica imediata do pedido não é considerado abstratamente, mas sim em confronto com a causa de pedir.
Como refere Lebre Freitas e Isabel Alexandre, «[h]á, porém, que ter em conta que o pedido se funda sempre na causa de pedir, que o explica e delimita. Dela não abstrai o critério da utilidade económica imediata do pedido, pelo que do pedido este não é considerado abstratamente, mas sim em confronto com a causa de pedir, para apuramento do valor da causa; (…)
Tal como o pedido desligado da causa de pedir não basta à determinação do valor da acção, também a causa de pedir, por si, não o determina: com base num contrato pelo qual é devida a quantia de 1.000, pode pedir-se a condenação do réu em 100 apenas; este é o valor da acção.»[3]
Por conseguinte, com vista à definição da «utilidade que as partes podem obter com a procedência dos pedidos que formulam há que verificar o que está em litigio e logo o que efetivamente pedem que seja decidido, afastando-se os pedidos que apenas foram formulados por serem pressupostos da efetiva pretensão das partes, mas que não correspondem a uma utilidade autónoma que pela ação pretendem fazer valer.
Esta ideia tem apoio também no artigo 297º do Código de Processo Civil, que estabelece os “[c]ritérios gerais para a fixação do valor”, afirmando que se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa e se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício.
Remete, pois, sempre, para o benefício concreto que a parte aufere com a ação, caso seja procedente.» [4]
Ora, se analisarmos a p.i., e a causa de pedir que a enforma e sustenta o petitório, o que de facto está em crise é a entrega ao A. de 30 toneladas de eucaliptos que alegadamente lhe foram vendidas, 30 toneladas dum total de 100 e por 70 já lhe terem sido entregue.
Nada mais interessa ao A., tudo o demais é instrumental a este substancial interesse que pretende tutelado. Pretende que lhe seja facultado o corte e remoção do remanescente eucaliptal.
Invoca para o efeito um contrato de compra e venda, fixando-se, como preço das 100 toneladas, a quantia de 5.800,00.
Ponderado o valor total referido, operando-se a «regra de três simples», resulta que ao valor das 30 toneladas corresponderá o montante de 1740,00 €.
É aquela a pretensão substantiva que aqui está em causa[5], a tutela do direito de propriedade que se pretende reconhecido sobre as 30 toneladas de eucaliptos não removidas e vista a oposição das RR.
A base legal da qual se afere o valor do pedido será, pois, o que resulta do art.302.º, n.º 1, do CPC («Se a acção tiver por fim fazer valer o direito de propriedade sobre uma coisa, o valor desta determina o valor da causa»), devidamente interpretado e por forma permitir o seu ajuste porque no caso se gira apenas em torno de parte do que foi objecto de compra e venda[6].
Àquele valor, porque se faz um pedido, de resto muito atípico por não se pedir previamente a condenação das RR. em qualquer quantia, quando muito somar-se-iam os juros que se pedem sobre aquele montante a computar desde Novembro de 2023 - al.c) do pedido (art.297.º, n.º2, do CPC).
Pelo exposto, considera-se ajustado o valor proposto pelo A. e fixado pelo tribunal a quo, assim improcedendo o recurso.
IV. Nestes termos e pelos fundamentos que antecedem, nega-se provimento ao recurso, confirmando inteiramente o decidido pela 1ª instância.
Custas pelas recorrentes. * Sumário: ……………………………… ……………………………… ……………………………… |