Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
16711/05.1YYPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: EXECUÇÃO CAMBIÁRIA
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
CITAÇÃO
PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA
ABUSO DO DIREITO
Nº do Documento: RP2022030716711/05.1YYPRT-A.P1
Data do Acordão: 03/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O requerimento de embargos enquanto meio de defesa do executado perante o requerido pelo exequente, configura um articulado de defesa em resposta a uma pretensão processual, neste aspeto se aproximando de um articulado de contestação, motivo por que está sujeito ao princípio da concentração da defesa previsto no artigo 573º nº 1 do CPC. Princípio este que decorre da necessidade de segurança jurídica e da autorresponsabilidade do executado opoente.
II - Conexionado com o princípio da concentração da defesa está o princípio da preclusão que implica a impossibilidade de o contestante/peticionante posteriormente vir invocar novos factos que integrem exceção dilatória ou perentória à pretensão da contraparte.
Exceções que ao tribunal apenas será permitido conhecer se estiverem em causa questões de conhecimento oficioso.
III - A questão do abuso de direito, bem como a da deserção da instância executiva na medida em que os autos forneçam elementos para dos mesmos conhecer, consideram-se de conhecimento oficioso e nessa medida devem ser apreciadas pelo tribunal.
IV - Com a publicação do CPC de 2013 foi eliminada a figura da interrupção da instância.
E a deserção passa a ser a sanção para o não impulso do processo pelas partes por negligência das mesmas por período superior a 6 meses.
V - Essa negligência não se presume e como tal não é automática a verificação da deserção pelo mero decurso do prazo mencionado no artigo 281º do CPC.
VI - A não imputabilidade ao requerente exequente pela não citação tem de ser aferida em termos de causalidade objetiva ou seja por referência à não contribuição do mesmo para tal situação.
VII - Conforme é entendimento consensual, interposta execução em que o executado não é citado nos cinco dias posteriores à sua instauração, porque a tramitação processual prevê que a citação seja posterior à penhora, beneficia o exequente da interrupção do prazo prescricional previsto no artigo 323º nº 2 do CC decorridos que sejam esses cinco dias, pois que lhe não é imputável a não citação em tal caso.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 16711/05.1YYPRT-A.P1
3ª Secção Cível
Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade
Adjunta - Juíza Desembargadora Eugénia Cunha
Adjunta - Juíza Desembargadora Fernanda Almeida
Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Jz. de Execução do Porto
Apelante/ “AA
Apelado/ “Banco ..., S.A.”

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório
AA deduziu por apenso à execução contra si instaurada por “Banco 1..., S.A.” ora “Banco ..., S.A.” oposição por embargos à execução, concluindo pela procedência da mesma:
“(…)
A) SER JULGADA PROCEDENTE A EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA EXTINTIVA DE PRESCRIÇÃO, CONSIDERADO V. EXA. PRESCRITO O DIREITO DE CRÉDITO CAMBIÁRIO CONSUBSTANCIADO NA LIVRANÇA COMO TITULO DE CRÉDITO EM QUE SE BASEIA A AÇÃO EXECUTIVA E, CONSEQUENTEMENTE,
B) SE DECLARE EXTINTA A INSTÂNCIA COM A CONSEQUENTE ABSOLVIÇÃO DO EMBARGANTE, SUBSIDIARIAMENTE,
C) SER DECLARADA A NULIDADE DA CITAÇÃO COM BASE NA FALTA DO REQUERIMENTO EXECUTIVO JUNTO COM A CITAÇÃO, SENDO ANULADO TODO O PROCESSADO;”

Fundou o embargante a oposição deduzida:
- na prescrição do direito de crédito cambiário fundando em livrança dada à execução, por à data da sua citação terem decorrido bem mais do que os 3 anos a contar da data do respeito vencimento a que alude o artigo 77º da LULL;
- subsidiariamente invocou a nulidade da sua citação por preterição das formalidades prescritas no artigo 191º do CPC.
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A questão da invocada nulidade de citação foi logo de início apreciada pelo tribunal a quo e julgada improcedente por decisão de 16/11/2020 que não mereceu da parte do executado recurso.
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Posteriormente foram os embargos admitidos liminarmente e notificado o exequente para querendo os contestar.
Contestou o exequente, onde concluiu, pela improcedência da invocada exceção de prescrição, para tanto invocando a interrupção da prescrição por força do preceituado no artigo 323º nº 2 do CC.
Neste campo, tendo entre o mais alegado:
“11º Assim, em 20/07/2005, o Embargado deu entrada de requerimento executivo contra o Embargante, para pagamento da quantia de € 7.406,46 (sete mil quatrocentos e seis euros e quarenta e seis cêntimos).
12º. Decorre da lei, nomeadamente do disposto no artigo 323º, n.º 2 do Código Civil, que só é imputável ao Exequente a realização da citação do Executado, não interrompendo a prescrição, se a respetiva causa o é objetivamente, ou seja, por existir um nexo de causalidade objetivo entre a conduta do proponente da ação e o resultado, que poderá ser realmente a infração de qualquer norma relativa ao andamento do processo até à citação que impeça esta.
13º. Mas já não se a demora é assente, ao ponto de excluir o efeito dessa infração ou o torne razoavelmente despiciendo, somente em motivos de índole processual, de organização judiciária, do Tribunal ou de quem perante ele cumpra deveres funcionais, dolo do devedor, acumulação de serviço ou outras circunstâncias anómalas.
14º. Sendo certo que, quando a demora da citação resulta da deficiente conjugação dos preceitos da lei de custas, de processo e de organização judiciária com as normas substantivas, o conflito deve solucionar-se no sentido da prevalência destas, sem que tal possa imputar-se aos que requerem as citações.
15º. É o que se verifica nos presentes autos.
16º.A execução foi instaurada em 20/07/2005, sendo o título oferecido à execução uma livrança com vencimento em 02/06/2004 – correspondendo-lhe um prazo prescricional de três anos, nos termos do artigo 70º, n.º 1 da LULL.
17º. Acontece que, nos termos do disposto no artigo 855.º n.º 3 do CPC, no caso das execuções baseadas em título extrajudicial de obrigações pecuniárias vencida cujo valor não exceda o dobro da alçada do tribunal de 1.ª instância, tal como nos presentes autos, não há lugar a despacho liminar, pelo que, consequentemente, não há lugar à citação, iniciando-se assim a penhora sem citação prévia, conforme despacho de dispensa de citação prévia proferido em 09/11/2005.
18º. Pelo que, conclui-se que ocorreram vicissitudes processuais relativamente às quais a Exequente é inequivocamente alheia.
19º. A prescrição interrompeu-se em data muito anterior à verificação do prazo de prescrição do título executivo.
20º. Destarte, de acordo com o disposto no artigo 259º do Código de Processo Civil, a instância inicia-se pela propositura da ação e esta considera-se proposta, intentada ou pendente, logo que seja recebida na secretaria a respetiva petição inicial, sem prejuízo do disposto no artigo 144º.
21º. Encontrando-se por tal motivo a prescrição interrompida, porquanto, foi manifestado através de ato direto e indireto a intenção de exercer o direito.
22º. Não ocorrendo a citação em virtude do despacho, tem-se a prescrição por interrompida, nos termos do disposto no artigo 323º do Código Civil.
23º. Não é assim imputável ao exequente, ora Embargado, a data de realização da citação, uma vez que nos termos legais ocorria dispensa de citação prévia, começando a execução pelas diligências para penhora, pelo que, os prazos de prescrição em curso interromperam-se cinco dias após a entrada da execução em juízo (neste sentido, veja-se Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Janeiro de 2009, disponível em texto integral na base de dados www.dgsi.pt, com o nº de processo 9584/2008-1).”

Respondeu o executado pugnando de novo pela procedência da prescrição e invocando que uma não citação por parte do agente de execução durante 15 anos não é normal nem crível.
Sendo à exequente imputável a sua não citação enquanto responsável pelo andamento da lide.
Mais alegando que admitir o contrário é premiar a negligência grosseira, sempre constituindo um abuso de direito a pretensão da exequente mesmo que sustentada numa putativa aplicação do artigo 323º nº 2 do CC..
Adicionalmente alegou que por diversas vezes a instância executiva ficou deserta o que deveria pelo tribunal a quo ter sido declarado.
Terminando requerendo:
- que se reconheça a conduta eivada de abuso de direito da exequente a qual em mais de 15 anos não promoveu a citação do executado, deixando os autos arrastar-se por negligência grosseira durante todo esse período, impedindo assim que a mesma beneficie do disposto no nº 2 do artigo 323º do CC;
- Subsidiariamente que se julgue deserta a instância entre 2005 a 2008 e/ou entre 2011 e 2012, absolvendo o executado da instância.

Respondeu a embargada concluindo como na oposição.
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Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, conhecendo do mérito da causa, julgando improcedente a arguida exceção de prescrição e consequentemente decidindo julgar improcedentes os embargos deduzidos pelo embargante.
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Do assim decidido apelou o embargante, oferecendo alegações e formulando as seguintes
Conclusões:
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A recorrida/exequente contra-alegou tendo a final apresentado as seguintes
CONCLUSÕES
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos (da oposição) e com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
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II- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelo apelante serem questões a apreciar:
i- Nulidade da decisão por omissão de pronúncia.
Em causa
. o invocado abuso de direito como meio de impedir a aplicação do artigo 323º nº 2 do CC. Sendo este de conhecimento oficioso;
. a invocada deserção da instância executiva, também esta questão de conhecimento oficioso [vide conclusões 3 a 9];
ii- Nulidade processual por não prolação de despacho a declarar a deserção da instância nos termos do artigo 195º nº 1 do CPC [vide conclusão 10];
iii- erro na aplicação do direito ao não julgar prescrita “a dívida dada à execução” [vide conclusões 11 a 22] e
ao não ter aplicado o instituto do abuso do direito como forma de afastar a aplicação do mencionado artigo 323º nº 2 do CC [vide conclusões 23 e 24].
iv. Ainda – questão suscitada pelo recorrido - inadmissibilidade do requerimento apresentado pelo executado em resposta à contestação da exequente, no qual excedendo o exercício do contraditório deduziu novos fundamentos de oposição à execução em violação do princípio da concentração da defesa – em causa nomeadamente o invocado abuso de direito e a questão da deserção da instância por falta de impulso processual.
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III- Fundamentação.
O tribunal a quo tomou como assentes os seguintes factos:
«São os seguintes os factos a considerar – documentalmente e desde já assentes – para a decisão desta questão:
1 – A execução a que estes embargos correm por apenso foi instaurada em 20.07.2005 pelo exequente ... – BANCO 1... SA, contra o executado AA , tendo por título executivo um livrança subscrita pelo aqui executado – cfr autos principais.
1.1. – Livrança com lugar e data de emissão Porto – 00.02.25; com data de vencimento de 04.06.12, no valor de 1.419.104$, com descrito no “VALOR” com os seguintes dizeres “…” - junta a original a fls. 8 dos autos de execução como doc. 1, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
2. O Executados foram citados para os termos da execução a 26.6.2020 – cfr autos principais de execução”
***
Conhecendo.
As questões sujeitas à nossa apreciação, serão conhecidas por ordem de precedência na medida em que a solução de uma possa prejudicar o conhecimento de outras (vide artigo 608º ex vi 663º do CPC ambos].
E como tal impõe-se em primeiro lugar apreciar da oportunidade da alegada questão da deserção da instância.
Tal como o recorrido realçou, o recorrente deduziu embargos à execução invocando tão só dois fundamentos: um primeiro relacionado com a nulidade da citação e um segundo com a prescrição da livrança dada à execução, por referência à data em que o mesmo foi citado para a execução.
A questão da nulidade da citação julgada improcedente está definitivamente resolvida.
E como tal ficou pendente de apreciação o segundo fundamento da oposição deduzida – o da prescrição que o tribunal a quo apreciou julgando o mesmo improcedente.
Alega o recorrente que o tribunal a quo deveria ter conhecido da questão da deserção da instância executiva por si suscitada nos autos e de conhecimento oficioso.
Tal como da questão do abuso de direito, igualmente por si suscitada mas de conhecimento oficioso igualmente.
Tanto a questão do abuso do direito como a questão da deserção da instância executiva foram suscitadas pelo recorrente não no requerimento de embargos, mas antes e tão só em resposta à contestação do exequente.
O requerimento de embargos enquanto meio de defesa do executado perante o requerido pelo exequente, configura um articulado de defesa em resposta a uma pretensão processual, neste aspeto se aproximando de um articulado de contestação, motivo por que está sujeito ao princípio da concentração da defesa previsto no artigo 573º nº 1 do CPC. Princípio este que decorre da necessidade de segurança jurídica e da autorresponsabilidade do executado opoente.[1]
Conexionado com o princípio da concentração da defesa está o princípio da preclusão que implica a impossibilidade de o contestante/peticionante posteriormente vir invocar novos factos que integrem exceção dilatória ou perentória à pretensão da contraparte.
Exceções que ao tribunal apenas será permitido conhecer se estiverem em causa questões de conhecimento oficioso.[2]
A questão do abuso de direito, bem como a da deserção da instância executiva na medida em que os autos forneçam elementos para dos mesmos conhecer, consideram-se de conhecimento oficioso e nessa medida devem ser apreciadas pelo tribunal.
Desde já se reconhecendo assim a invocada nulidade por omissão de pronúncia por parte do tribunal a quo [artigo 615º nº 1 al. d) do CPC]. Não por que o recorrente as tenha tempestivamente invocado, tal como bem notou o recorrido. Mas por se tratarem de questões de conhecimento oficioso que a este tribunal cumpre suprir (artigo 665º do CPC).

Assente esta posição e as consequências da mesma advenientes, entrar-se-á no mérito das questões colocadas a este tribunal.
Impondo-se, pelo seu efeito preclusivo em relação às demais, conhecer da questão da deserção da instância executiva.
A execução de que estes embargos são apenso deu entrada em 20/07/2005[3].
O primeiro ato praticado e constante do seu histórico está datado de 17/03/2008, seguido de outros atos em 18/03/2008 praticados pelo AE
À data vigoravam os artigos 285º e 291º do CPC de 95, de cuja redação resultava a interrupção da instância na sequência de processo parado por mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos.
Extinguindo-se a instância por deserção ao fim de dois anos de interrupção independentemente de qualquer decisão judicial.
Basta atentar nas datas acima assinaladas para concluir que entre julho de 2005 e março de 2008 nunca teria ocorrido a deserção da instância, não relevando portanto e para o caso aqui tecer considerandos sobre a imputabilidade à parte, in casu exequente, sobre a não prática de atos processuais [e sempre apenas neste momento aferidas pelo histórico da execução]. Já que teria de ser sobre a exequente que tal juízo teria de ser formulado[4]
As mesmas razões e fundamentos afastam o pretendido pela não evidência no histórico de atos praticados entre 21/03/2008 e 03/02/2011.
Entretanto é publicado o novo CPC de 2013 no qual foi eliminada a figura da interrupção da instância.
E a deserção passa a ser a sanção para o não impulso do processo pelas partes por negligência das mesmas por período superior a 6 meses.
Essa negligência não se presume e como tal não é automática a verificação da deserção pelo mero decurso do prazo mencionado no artigo 281º do CPC.
Para que seja decretada a deserção há que exercer um juízo de censura sobre a conduta do exequente a título de negligência pela não promoção do andamento do processo. Implicando para tanto prévia notificação do mesmo quer pelo AE ou tribunal para promover o andamento do processo. Só após se podendo formular um juízo de censura pela não eventual promoção do andamento do processo para os fins do artigo 281º nº 5 do CPC[5].
Tal interpelação não se mostra efetuada.
A ser assim não basta a menção por parte do recorrente dos demais períodos mencionados na conclusão 8, após 2013, para que se possa concluir pela pretendida deserção da instância executiva.
Termos em que se julga improcedente a invocada e pretendida declaração de deserção da instância executiva nos termos do artigo 281º nº 5 do CPC.
Em segundo lugar cumpre conhecer da invocada prescrição da ação cambiária.
Prescrição que sustentou no facto de à data em que foi citado terem já há muito decorrido os 3 anos mencionados no artigo 77º da LULL.
Defendendo ainda o recorrente não ser aplicável ao caso a interrupção da prescrição que o tribunal a quo aplicou prevista no artigo 323º nº 2 do CC.
Tal como consta dos factos apurados, o executado foi citado pra os termos da execução em 26/06/2020.
E a livrança dada à execução e que constitui título executivo tem data de vencimento em 12/06/2004.
Atento o disposto no artigo 70º da LULL aplicável às livranças por via do artigo 77º da mesma LULL, é de 3 anos a contar do seu vencimento, o prazo de prescrição das ações cambiárias.
Pelo que e caso não tenha ocorrido a interrupção do prazo de prescrição, a dita prescrição da ação cambiária teria ocorrido em 12/06/2007.
Nos termos do artigo 323º nº 1 do CC “1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.”
O nº 2 contém uma salvaguarda ao previsto no nº 1, para as situações em que tal citação não ocorra dentro dos 5 dias após ter sido requerida por causa não imputável ao requerente.
Assim dispõe este nº 2 “2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.”
Na execução que in casu foi instaurada não ocorreu a citação como ato imediato à instauração, porquanto por opção legislativa a penhora precedia essa mesma citação (vide artigo 812ºB do CPC então vigente), sobre o AE recaindo a competência para efetuar todas as diligências do processo de execução, incluindo as penhoras (vide artigo 808º do CPC).
A ser assim a não citação no período de 5 dias após ter sido instaurada a execução não pode à exequente ser imputável, tal como decidiu o tribunal a quo, em conformidade com o que é o entendimento jurisprudencial. Implicando a operância da interrupção da prescrição decidida pelo tribunal a quo e que nos não merece censura.
Neste sentido decidiram:
- Ac. TRL de 03/03/2020, nº de processo 2747/08.4TBOER-C.L1-7, no qual e perante ação executiva intentada em 24/04/2008 com citação da executada para além dos 3 anos sobre a data do vencimento da livrança se decidiu (tal como consta no respetivo sumário)
“I- A ação executiva foi intentada em 24.4.2008 pelo que ocorreu a interrupção da prescrição no quinto dia subsequente à instauração da execução porquanto, de acordo com a lei aplicável então e com a factualidade provada, não ocorreu qualquer conduta processual da exequente que tenha determinado o atraso na citação da embargante/executada. A citação da executada para além de três anos sobre a data de vencimento da livrança deveu-se a razões de natureza processual atinentes ao regime da ação executiva, em que a penhora precede a citação, não havendo que imputar tal demora à exequente.
II.– A interpretação referida em I, decorrente dos Artigos 323º, nº2 e 327º, nº1, do Código Civil, não viola os princípios da confiança e da segurança jurídica porquanto trata-se de solução normativa estabilizada desde a entrada em vigor do Código Civil, a qual não sofreu alteração legislativa nem é objeto de dissídio jurisprudencial, sendo que do atraso na realização da citação, por via do regime próprio da ação executiva, não pode derivar uma expectativa legítima do executado de que já não terá de arcar com a sua responsabilidade patrimonial.”
- Ac. STJ de 03/07/2018, nº de processo 1965/13.8TBCLD-A.C1.S1, de cujo sumário resulta afirmado que a não imputabilidade ao requerente pela não citação tem de ser aferida em termos de causalidade objetiva ou seja por referência à (não) contribuição (por conduta sua) para a não citação no mencionado prazo de 5 dias
“I. Nos termos nos artigos 77.º, 32.º, 1.º parágrafo, 78.º, 1.º parágrafo e 70.º, 1.º parágrafo, todos da LULL o prazo prescricional referente ao título de crédito – livrança –é de três anos, a contar do respetivo vencimento.
II O prazo de prescrição interrompe-se pela citação, mas se a citação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias de harmonia com o disposto no artigo 323º, nº2 do CCivil.
III A expressão legal – “causa não imputável ao requerente” – contida naquele citado normativo, deve ser interpretada em termos de causalidade objetiva, ou seja, quando a conduta do requerente em nada tenha contribuído, em termos adjetivos, para que haja um atraso no ato de citação.”
- Ac. TRG de 18/03/2021, onde se analisando os regimes processuais civis que desde 1966 se foram sucedendo quanto ao momento para a citação nas ações executivas [não obstante no caso se tratar de execução instaurada após 2013] se decidiu (conforme sumariado)
“1. Aplica-se o regime de interrupção da prescrição do nº2 do art.323º do C. Civil às ações executivas para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo sumária, prevista nos atuais arts.550º/2-a) a d) e arts.855º ss do C. P. Civil de 2013, aprovado pela Lei nº41/2013, de 26.06.
1.1. O regime da interrupção da prescrição promovida pelo titular do direito, regulada no art.323º do C. Civil, na versão introduzida pelo DL nº47244, de 25.11.1966, aplicável a qualquer processo judicial nos termos do seu nº1, acautela, sobretudo, a inércia do titular, uma vez que, se as previsões dos seus nº1 e nº4 compatibilizam o direito geral do credor exigir o seu direito ao obrigado (acompanhado do dever de o fazer, para a interrupção do prazo de prescrição, através de ato judicial que, direta ou indiretamente, exprima a sua intenção de o exercer e antes de terminado o prazo de prescrição de que o obrigado beneficia) e do direito geral do devedor conhecer que aquele lhe exige o cumprimento da sua obrigação, as previsões do nº2 e do nº3 valorizam a iniciativa judicial do credor, em detrimento do conhecimento efetivo ou do conhecimento perfeito pelo devedor do direito contra si exercido, para efeitos da operância dos efeitos interruptivos, quando não é possível compatibilizar o exercício do direito e o conhecimento em 5 dias ou quando a citação ou a notificação são anuladas.
1.2. Desde a aprovação do regime do art.323º do C. Civil de 1966 encontram-se em vigor regimes processuais civis em que a citação não corresponde ao primeiro ato do processo (quer na redação inicial do Código de Processo Civil de 1961, aprovado pelo Decreto -Lei nº44129, de 28.12.1961, quer nas suas revisões posteriores e na redação do atual Código de Processo Civil de 2013, aprovado pela Lei nº41/2013, de 26.06, em que se alargaram os processos sem citação prévia), sem que estas ações tenham sido excluídas da operância dos efeitos ope legis do art.323º/2 do C. Civil, na redação inicial ou em alteração posterior.
2. Não é imputável ao credor, objetiva ou subjetivamente, de forma a afastar a aplicação do nº2 do art.323º do C. Civil:
a) A organização judiciária e a existência de uma forma do processo em que a citação seja posterior à penhora; os erros ou as faltas de operadores judiciários (nomeadamente, a falta de cumprimento pelo agente de execução das notificações do art.750º/1, ex vi do 855º/4 do C. P. Civil).
b) As omissões pelo exequente, aquando e após instaurar ação executiva para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo sumária: da nomeação dos bens à penhora no seu requerimento executivo inicial, uma vez que a previsão do art.724º/1-i) do C. P. Civil não é obrigatória; de pedir a citação urgente do executado, nos termos do art.561º do C. P. Civil, ex vi do art.551º/1 do C.P. Civil, quer na data da propositura da ação de 08.02.2014 (em que faltava um prazo superior a 2 anos e 10 meses para a obrigação cambiária prescrever, nos termos do art.70º, ex vi do art.77º da LULL), quer após a interrupção do prazo prescricional, nos termos do art.323º/2 do C. Civil; de pedir a notificação do art.855º/4, em referência ao art.750º/1 do C. C. Civil, de competência do agente de execução, quando este omitiu esse cumprimento, sem notificação do exequente do estado do processo.
3. Depois da interrupção do prazo prescricional numa ação executiva para pagamento de quantia certa, nos termos do nº2 do art.323º do C. Civil, operam os efeitos dos arts.326º e 327º do C. Civil, por se tratar de uma interrupção ocorrida num processo judicial que exige decisão final.”
- Ac. TRL de 17/11/2015, Nº de processo 19392/04.6YYLSB-A.L1-1, no qual se reiterou, tal como sumariado, a interrupção da prescrição por via do disposto no artigo 323º nº 2 do CC independentemente da tardia citação e do juízo de censura que sobre a mesma possa em sede própria ser aferido
“1. O benefício concedido ao credor no art. 323º, n.º 2, do C. Civil (interrupção da prescrição), exige que o demandante não tenha adjetivamente contribuído para que a citação não chegasse ao demandado no prazo de cinco dias.
2. O atraso na citação será da responsabilidade do demandante sempre que ele não pratique ou pratique mal os atos processuais que lhe incumbe realizar entre o momento da apresentação do requerimento inicial e o decurso do referido prazo de cinco dias.
3. Perante a regra da oficiosidade na destituição do agente de execução fundada em atuação dolosa ou negligente, plasmada no art. 808º, n.º 4 do CPC, na redação à data vigente, o facto deste ter negligenciado a citação do executado, não é imputável ao exequente apenas por este ter indicado aquele.
4. O agente de execução não é representante do exequente.
5. Tendo o executado, embora tardiamente, sido citado para se defender e tido a oportunidade processual de exercitar os seus direitos, desse atraso, quanto muito, apenas poderá derivar para aquele um direito à reparação por parte do Estado dos danos eventualmente sofridos, que não a extinção ou paralisação do direito do exequente.”
Finalmente também o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a interpretação dada ao artigo 323º nº 2 do CC e por nós seguida (ainda que no âmbito de questão suscitada em execução fiscal) tendo por referência os princípios da segurança e da confiança jurídica consagrados no artigo 2º da CRP tendo sobre a questão exposto o seguinte [cfr. Ac. T. Constitucional nº 214/13 da 1ª secção de 21/01/2014].
“ Na situação em apreciação, a interpretação normativa a sindicar consiste na manutenção do efeito interruptivo da prescrição previsto naquele preceito legal no caso de o executado apenas ser citado para a execução mais de vinte anos após a ocorrência dos factos que, no entender da recorrente viola os princípios da segurança e da confiança jurídica, consagrados no artigo 2.º da Constituição.
(…)
6.7. É comum associar os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, vendo naquele o lado objetivo e neste, o lado subjetivo da garantia geral da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito.
Apesar de a Constituição não enunciar expressamente um princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, ele não deixa de ser reconhecido como um «princípio essencial na Constituição material do Estado de Direito, imprescindível como é, aos particulares, para a necessária estabilidade, autonomia e segurança na organização dos seus próprios planos de vida» (JORGE REIS NOVAIS, Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra Editora, p. 261.)
Sendo dedutível do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição), o princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de proteção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: «o indivíduo tem o direito de poder confiar em que aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos por essas mesmas normas» (J.J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 1998, p. 250).
Enquanto garantia objetiva, este princípio vincula todas as áreas de atuação do Estado.
6.8. No que respeita aos atos normativos, o princípio da segurança jurídica e proteção da confiança desdobra-se nos subprincípios da precisão ou determinabilidade das normas jurídicas, da proibição de pré-efeitos e da proibição de normas retroativas. Por sua vez, as refrações mais relevantes do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança nas funções judicial e administrativa traduzem-se, respetivamente, na inalterabilidade do caso julgado e na tendencial estabilidade dos casos decididos.
Ora, nenhuma destas vertentes do princípio é posta em crise pela norma em apreciação.
Excluindo, desde logo, a atividade administrativa – que não está em causa nos autos - o certo é que não se verificou nenhuma alteração legislativa no preceito legal que acomoda a norma em apreciação desde a celebração do contrato dado à execução.
6.9. De resto, a norma em apreço insere-se num conjunto de normas legais que visam precisamente garantir a segurança nas relações jurídicas, como acima se começou por sublinhar (ponto 6.3.). Não é por acaso que o Código Civil inaugura a matéria da prescrição com a imposição da inderrogabilidade do regime ali definido (artigo 300.º do CC). Qualquer alteração das regras da prescrição implica forçosamente o sacrifício de um dos dois interesses em confronto. Novas regras que facilitem o funcionamento da prescrição, favorecem o devedor. Perante novas regras que dificultem o funcionamento da prescrição, é o credor que resulta favorecido. Daí, a justificação para limitar a autonomia privada na definição destas regras.
Dentro do regime legal da prescrição, a norma em apreciação insere-se no domínio específico das regras referentes à sua interrupção que visam, mais uma vez, acautelar valores como a certeza e a segurança na valoração dos efeitos do tempo nas relações jurídicas.
No equilíbrio do sistema, fundando-se a prescrição no não exercício do direito pelo seu titular, a manifestação da intenção de o exercer, designadamente através do recurso aos tribunais, não pode deixar de interromper aquele efeito, anulando o prazo entretanto decorrido (artigo 326.º do CC).
Evidenciada a intenção de exercer o direito através da interposição de ação judicial em que o mesmo é reclamado, deixa de estar nas mãos do titular do direito o controlo referente à sua efetivação. Por isso a lei prevê que, resultando a interrupção da prescrição da citação, o novo prazo não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (artigo 327.º, n.º 1, do CC).
Pode, porém, acontecer que a citação não se faça logo, o que pode ser causado «por sobrecarga dos tribunais ou por razões atinentes ao próprio devedor» (ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, ob. cit., p. 197). De acordo com este Autor, «nessa altura, depois de requeridas as citações ou notificações, o processo escaparia das mãos do credor. No limite este poderia ter de assistir ao expirar do prazo, mercê de demoras às quais seria estranho. O legislador resolveu o problema no artigo 323.º/2: se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias».
Resulta, assim, patente, que a norma em apreciação não põe em causa o princípio da segurança jurídica.”
Face ao que a final se decidiu:
“a) não julgar inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, na interpretação segundo a qual, numa ação executiva, se a citação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao exequente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias, mesmo que a citação venha a ter lugar mais de vinte anos após a verificação dos factos.”

Em suma, a não imputabilidade ao requerente exequente pela não citação tem de ser aferida em termos de causalidade objetiva ou seja por referência à não contribuição do mesmo para tal situação.
Conforme é entendimento consensual, interposta execução em que o executado não é citado nos cinco dias posteriores à sua instauração, porque a tramitação processual prevê que a citação seja posterior à penhora, beneficia o exequente da interrupção do prazo prescricional previsto no artigo 323º nº 2 do CC decorridos que sejam esses cinco dias, pois que lhe não é imputável a não citação em tal caso.
Perante o exposto é de confirmar o decidido pelo tribunal a quo quanto à improcedência da invocada prescrição da ação cambiária.
Sendo certo que tal juízo que tem como pressuposto precisamente a não imputabilidade ao exequente da citação muito para além do decurso dos 3 anos após o vencimento da livrança dada à execução, nunca poderá sustentar o invocado abuso de direito que o recorrente imputou ao exequente.
Nos termos do art. 334º do Cód. Civil “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Entende-se assim que atua em abuso de direito aquele que exercita um direito de que é titular de forma manifestamente excessiva para lá dos limites impostos pela boa-fé, bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Atentando-se, para determinar os limites impostos pela boa-fé ou bons costumes, de modo especial as conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade.
E para consideração do fim social ou económico do direito, convocando-se de preferência juízos de valor positivamente consagrados na própria lei. Sem excluir os fatores subjetivos ou intenção na atuação do titular, na medida em que estes relevarão para apreciação quer da boa-fé bons costumes quer ao próprio fim do direito[6].
Por tudo o que antes se expôs se a atuação do exequente não merece censura, tão pouco se pode considerar que a mesma configura o exercício abusivo de um direito.

Em suma, improcedem todos os argumentos do recorrente.
Restando confirmar a decisão recorrida.
***
IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso interposto, consequentemente mantendo a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.

Porto, 2022-03-07.
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
________________
[1] Cfr. Rui Pinto in “A Ação Executiva”, edição de 2020, p. 407-409.
[2] Cfr. Francisco Manuel L. F. de Almeida in Direito Processual Civil”, vol. II, edição 2015 p. 143.
[3] Consigna-se a consulta eletrónica dos autos principais.
[4] Cfr. neste sentido Rui Pinto in ob. cit., p. 958 e jurisprudência ali citada na nota 2873.
[5] Cfr. para além de Rui Pinto acima já citado, Ac. TRP de 11/02/2021, nº de processo 1442/12.4TBVNG.P1; Ac. TRL de 07/05/2020 nº de processo 3820/17.3T8SNT.L1-6; Ac. TRL de 03/03/2016, Nº de processo 1423-07.0TBSCR.L1-6 todos in www.dgsi.pt
[6] Assim Antunes Varela in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, ed. 6ª p. 515/516.