Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2465/23.3T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: CONTRATO DE FORNECIMENTO DE CAFÉ
REGIME DE EXCLUSIVIDADE
CLÁUSULA PENAL
Nº do Documento: RP202404092465/23.3T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 04/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A cláusula penal consiste, como preceitua o n.º1 do art.º 810.º do C.Civil, na faculdade que as partes gozam de fixar, por acordo, o montante da indemnização exigível, ou, na convenção através da qual as partes fixam o montante da indemnização a satisfazer, em caso de eventual inexecução do contrato.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Processo n.º 2465/23.3T8PRT-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Execução do Porto - Juiz 3
Recorrente – A..., Ld.ª
Recorridos – B..., Ld.ª e AA
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntos – Desemb. Fernando Vilares Ferreira
Desemb. Lina Castro Baptista

Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ªsecção cível)

I – Por apenso à execução que A..., Ld.ª instaurou no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Execução do Porto vieram os executados B..., Ld.ª e AA, deduzir os presentes embargos de executado, pedindo a extinção da instância executiva, invocando para tanto a caducidade do contrato que constitui a relação material subjacente ao preenchimento da letra - título executivo dado à execução, que o torna inexigível, por se tratar de obrigação cujo vencimento não ocorreu, ou, subsidiariamente, por ser ineficaz e ilegal a resolução promovida pela exequente, considerando que na interpelação admonitória não foi concedido o prazo razoável para o cumprimento da obrigação de pagamento, em violação do legalmente imposto (cfr. n.º 1 do art.º 808.º do C.Civil), condição de validade da mesma, logo, com violação do pacto de preenchimento quanto à data de vencimento, que não ocorreu, persistindo uma situação de mora, nunca convertida em incumprimento definitivo, à data do seu preenchimento.
Pretendem ainda, caso se entenda que não ocorre a caducidade do contrato e
que a resolução é válida, que sejam os presentes embargos ser considerados parcialmente procedentes, condenando-se os executados a pagarem solidariamente à exequente a quantia de €12.984,60, correspondente à restituição do valor do desconto entregue antecipadamente, relativo à quantidade do diferencial de 1.005 Kgs de café, contratualizados e que não foram adquiridos (1.005 Kgs x €12,92).
Para tanto, alegaram, em síntese que a exequente e os executados celebraram o contrato intitulado “Contrato com transação e assunção contratual”, tendo a executada sociedade obrigou-se a adquirir à exequente a quantidade global de 2.700 Kg de café da marca “...”, fracionados pelo período de 60 meses, em quantidades mínimas mensais de 45 Kg de café, e no mesmo período dos 60 meses a executada sociedade obrigou-se a consumir e comercializar no estabelecimento comercial de que é titular, exclusivamente, o café produzido/comercializado pela exequente, impondo a quantidade mínima mensal dos referidos 45 kgs de café;
Da análise do contrato que as partes convencionaram que o mesmo teria a duração de 60 meses, contabilizados desde a data da respetiva assinatura (19.01.2015), cujo termo se verificaria no seu 60.º mês, ou seja, no dia 19.01.2020, o que significa que o contrato, por determinação das partes, caducou no dia 19.01.2020.
A exequente no dia 11.09.2022, enviou uma comunicação aos executados a invocar a existência de incumprimento contratual, manifestando ainda a intenção de resolver o contrato, através do preenchimento da letra de câmbio, caso os executados não procedessem ao pagamento do valor total de €81.084,49.
Desde a data da celebração do contrato (19.01.2015) e até à data em que a exequente fez operar os efeitos da resolução, com o preenchimento da letra (11.10.2022), já haviam decorrido mais de 60 meses, motivo pelo qual, há muito havia caducado o direito de arguir a resolução do contrato com fundamento em eventual incumprimento, que assim, nunca existiu, motivo pelo qual, a exequente está impedida de alegar a resolução do contrato subscrito pelas partes, por esta resolução ser incompatível com a caducidade do contrato, ocorrida em momento anterior;
No caso dos autos a exequente tinha conhecimento que a executada sociedade não estava a obter rendimentos provenientes da exploração do café, que lhe permitisse adquirir as quantidades de café contratualizadas, logo, estava a par das dificuldades de índole financeira com que os executados se deparavam, que sempre tolerou e consentiu, pelo que, no contexto em causa, o prazo suplementar de 10 dias fixado pela exequente,
afigura-se como sendo absolutamente exíguo para o efeito em causa e, por isso, não adequado e muito menos razoável, sendo absolutamente impossível aos executados pagarem €81.084,49 nos 10 dias que lhes foram fixados, não podendo assim dar-se como respeitadas as exigências legais impostas pelo disposto no art.º 808.º do C.Civil, relativas à transformação da mora em incumprimento definitivo.
Durante toda a execução do contrato, desde o seu início, que a executada sociedade nunca adquiriu as quantidades de café contratualizadas, portanto, adquirindo sempre quantidades inferiores às previstas nos termos definidos pela cláusula resolutiva acordada pelas partes e, não obstante, nunca a exequente pretendeu resolver o contrato, nem nunca o fez anteriormente ao dia 11.09.2022. Com esta inércia/tolerância por parte da exequente, esta criou nos executados a convicção (como em qualquer destinatário normal colocado na mesma posição) que nunca exerceria o direito potestativo de resolver o contrato, com base em tal fundamento (quantidades de café inferiores às contratualizadas), antes se bastando com o pagamento pontual das quantidades adquiridas. Isto, não obstante os mais de 5 anos (60 meses) de incumprimento objetivo do contrato em vigor, o que revela que nenhuma das partes considerava que a cláusula resolutiva tinha qualquer valor, isto é, que ela pudesse servir para que a exequente resolvesse o contrato, tanto mais que a exequente sempre soube que os executados nunca conseguiram vender as quantidades de café contratualizadas, estes solicitaram a alteração de tal quantidade mensal junto dos comerciais da exequente, que sempre os tranquilizaram, em relação às consequências de tal impossibilidade, postura que sempre mereceu a confiança dos executados, que nela acreditaram, pelo ao intentar a presente execução agem com abuso de direito.
Os executados não aceitam, nem a data de vencimento aposta na letra (11.10.2022), nem o valor nela inscrito (€81.084,49), por desrespeitar os termos constantes do pacto de preenchimento subscrito. E ainda que se admitisse que o contrato existente não caducou, deverá entender-se que ocorreu uma alteração anormal e superveniente das circunstâncias que estiveram presentes no momento da celebração do contrato, uma vez que a atividade em que se consubstanciava a prestação contratual foi proibida por lei em consequência da pandemia, o estabelecimento comercial da executada esteve encerrado ao público, a normal clientela estava em confinamento, com proibição de se ausentar de casa.
A obrigação exequenda não é exigível, considerando a ineficácia da resolução, face à caducidade do contrato que antecedeu a declaração de resolução, logo, face à inexistência de incumprimento definitivo, por este ser condição para o vencimento da dívida e, não lhes poderá ser exigida a restituição da totalidade do desconto que foi concedido à executada sociedade (€34.898,00), considerando que existiu um consumo/entrega de 1.695Kg de café, com o correspondente pagamento do preço, quantidade esta que deverá considerar-se abrangida pelo desconto de €12,92/Kg convencionada pelas partes. Além disso, as partes não convencionaram que ao valor do desconto acrescia IVA à taxa legal, que assim não poderá ser exigido (como foi, indevidamente) pela exequente, a que não será alheia a natureza de desconto atribuída pelas partes e as regras aplicáveis a tal opção, considerando que o valor tributável em sede de IVA nas transações internas encontra-se regulado no artigo 16.º do Código do IVA.
Em relação aos equipamentos identificados no ponto 1.2 do contrato celebrado entre as partes, aos quais foi atribuído o valor global de €9.898,00 (nove mil, oitocentos e noventa e oito euros) já incluirão IVA à taxa legal, que terá sido liquidado no momento da respetiva aquisição por parte da exequente, pelo que o valor do IVA exigido pela exequente calculado sobre tais equipamentos (€2.276,54 – €9.898,00 x 23%), sempre constituiria uma duplicação no pagamento do imposto, não existindo qualquer justificação para tal exigência, nem está em causa a revenda de tais equipamentos, mas
antes, a restituição do valor correspondente aos mesmos, atribuído unilateralmente pela exequente.
A pretensão indemnizatória refletida no parágrafo 5.º da comunicação que formalizou a resolução do contrato inscreve-se em sede de violação do interesse contratual positivo, não deverá ser admitida, por impossibilidade de cumular com esta o interesse contratual negativo, impondo-se que a exequente opte por uma das indemnizações, afastando-se a cumulação pela mesma pretendida e que encontra reflexo no preenchimento da letra dada à execução, que assim se deverá considerar abusivo.

Notificada a exequente, esta veio contestar pedindo a improcedência dos embargos.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador e, após realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença de onde consta: “Nos termos e fundamentos expostos, julgo a presente oposição à execução parcialmente procedente, devendo a execução prosseguir os seus ulteriores termos, no que concerne aos executados embargantes, para pagamento da quantia exequenda no valor de €51.144,55, acrescida de juros de mora desde 11.10.2022, até integral pagamento, absolvendo-se do demais peticionado.
Custas: a cargo da exequente e executados, na proporção do respetivo decaimento.
Registe e notifique, incluindo o AE”.

Inconformada com tal decisão, dela veio a exequente A..., Ldª recorrer de apelação, pedindo a sua revogação e a substituição por outra que julgo procedente e devido o valor total da cláusula penal.
A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
1. Inicia-se a análise pela sentença emanada do Tribunal a quo, que, com acatamento à instância de origem, concedeu parcial procedência aos embargos de executado.
2. Esta decisão imputou ao executado, aqui recorrido, a responsabilidade pelo pagamento da quantidade de café em falta e proceder ao pagamento de um valor a título de cláusula penal.
3. Contudo, é crucial ressaltar que, e salvo melhor opinião, o Tribunal a quo reduziu equitativamente a cláusula penal, não se tendo percebido o porquê, nem as operações que o mesmo fez, para chegar ao valor que achou justo, o que a recorrente não concorda.
4. Deslocando o foco para o cerne do litígio, encontra-se o contrato celebrado em 19 de janeiro de 2015, intitulado "Contrato de Transação e Assunção Contratual."
5. Neste instrumento, o recorrido comprometeu-se, de modo inequívoco, a adquirir uma significativa quantidade de café, totalizando 2700 kg, em quantitativos mensais de 45 kg, pelo período de 60 meses, contrato esse junto aos autos.
6. No pressuposto único do cumprimento total do contrato, a aqui recorrente concedeu ao recorrido a título de desconto antecipado, o valor de €34.898,00, tendo este sido entregue da seguinte forma: €25.000,00 em cheque e €8.89,008 em bens e materiais escolhidos pelo recorrido.
7. Caso o supra identificado contrato fosse observado de incumprimento imputável ao recorrido, teria este de pagar o valor do café em falta, nos seus exatos termos e de acordo com o PVP e IVA em vigor, acrescido de uma cláusula penal, clausula penal essa, que se afigurava contratualmente, como sendo de valor igual ao do desconto antecipado, ou seja, €34.898,00.
8. Face ao contínuo inadimplemento do recorrido em relação às obrigações contratuais, insiste-se, de forma enérgica, no direito inalienável de pleitear o cumprimento integral das obrigações estabelecidas no contrato.
9. Tal envolve não apenas o pagamento do valor do café em falta, algo que foi assegurado pela sentença do Tribunal a quo, mas também a aplicação da cláusula penal, estipulada no contrato, como uma salvaguarda dos direitos da recorrente e como garantia de que as obrigações contratuais seriam cumpridas.
10. Não tendo sido esta última, corretamente decidida pelo Tribunal a quo, sendo motivo do presente recurso.
11. O ponto de discórdia crítica da sentença reside na redução da cláusula penal determinada pelo Tribunal a quo.
12. Tal redução, foi calculada com base em critérios que, no mínimo, suscitam dúvidas.
13. Tendo sido calculada com base nos kg de café em falta, sendo multiplicados pelo valor do desconto antecipado, acordado por kg.
14. Além disso, foi introduzido o argumento da suposta ausência de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) na operação, um argumento que carece de uma fundamentação jurídica sólida e consistente, pois que, quaisquer operações comerciais, nomeadamente contratos, bem como as consequências destes, têm atinente o imposto devido.
15. A raiz da não concordância, repousa na falta de justificação sólida por parte do Tribunal a quo, quanto à redução da cláusula penal.
16. A sentença carece de uma fundamentação robusta que explique a razão da redução imposta, violando o artigo 810.º e 812.º do C.C, deixando diversas questões sem resposta.
17. Não se vislumbra, de forma inequívoca, o motivo que embasou a diminuição da cláusula penal, especialmente, quando a recorrente entregou a quantia de €34.898,00, estipulando-a como cláusula penal no contrato.
18. É relevante salientar, que o contrato celebrado em 2015, está fundamentado no princípio fundamental da liberdade contratual, conforme previsto no artigo 405.º do Código Civil.
19. Este princípio confere às partes a liberdade de pactuar as suas obrigações contratuais.
20. De acordo com o artigo 406. º do mesmo diploma legal, é obrigatório, que os contratos sejam estritamente cumpridos.
21. A cláusula penal, de acordo com o art.º 810.º do Código Civil representa um elemento de suma importância nos contratos, pois que, esta tem a finalidade de garantir o cumprimento das obrigações contratadas, estabelecendo, de antemão, um valor pecuniário a ser pago pela parte inadimplente em caso de violação do contrato.
22. A essência da cláusula penal é, portanto, dupla: a prevenção do inadimplemento e a compensação do credor lesado.
23. O art.º 812.º do Código Civil estabelece que, em situações em que o valor da cláusula penal se revele manifestamente excessivo, o Tribunal tem a prerrogativa de reduzi-lo equitativamente.
24. Tal implica que o Tribunal, ao analisar uma determinada controvérsia, detém o poder de diminuir o valor estipulado na cláusula penal, se este for considerado desproporcional à gravidade da infração cometida ou ao dano efetivamente suportado pelo credor, ou seja, e de acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 8990/17.8T8CBR.C1 de 23.06.2020 “... A faculdade de redução equitativa de cláusula penal nos termos do artigo 812.º do Código Civil, só deve efetuar-se em casos excecionais, como forma de evitar abusos manifestos, tendo o devedor da indemnização o ónus de peticionar a redução e alegar e provar os factos que demonstrem a desproporcionalidade entre o valor da cláusula e o dos danos...”.
25. Para que ocorra a redução equitativa da cláusula penal, é essencial que se verifiquem determinados pressupostos. Primeiramente, o valor da cláusula penal deve ser manifestamente excessivo, isto é, desproporcional em relação à gravidade da infração ou ao prejuízo efetivamente causado à parte prejudicada. Além disso, a parte inadimplente deve demonstrar que a redução da cláusula penal é justificada, e que o valor originalmente estipulado no contrato não reflete adequadamente a extensão do dano experimentado pela parte que é contraente fiel.
26. No presente caso, à luz das alegações previamente apresentadas, não se verifica uma situação, que demande a redução equitativa da cláusula penal.
27. O recorrido, de forma indiscutível, é o responsável pelo inadimplemento contratual, tendo desrespeitado as obrigações contratadas.
28. Consequentemente, o montante originalmente previsto na cláusula penal, que corresponde a €34.898,00, não pode ser tido como manifestamente excessivo, nem desproporcional à gravidade do descumprimento contratual.
29. Nesse contexto, é inquestionável que a aplicação integral da cláusula penal, no montante estabelecido, se justifica como medida necessária para assegurar o cumprimento dos termos contratuais e garantir a devida reparação dos prejuízos suportados pela parte recorrente.

Não há contra-alegações.

II – Da 1.ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos:
1. A exequente e os executados celebraram o contrato intitulado “Contrato com transação e assunção contratual”, cifrando documento 2 que instrui o requerimento executivo e cujo teor se dá por reproduzido.
2. Nos termos do n.º 3 da cláusula 1.ª do aludido contrato, a executada sociedade obrigou-se a adquirir à xequente a quantidade global de 2.700 Kg de café da marca “...”, fracionados pelo período de 60 meses, em quantidades mínimas mensais de 45 Kg de café.
3. Consta da cláusula terceira o seguinte:


4. Consta ainda da cláusula sétima o seguinte:

5. O preço do café por kg tinha o valor de €30,87, em 4.07.2022.
6. Na data de 06.07.2022, a exequente, dirigiu aos embargantes, carta registada com AR, interpelando os mesmos, e concedendo um prazo de 10 dias para regularizarem a situação contratual, sob pena de transformação da mora em incumprimento definitivo, conforme documentos juntos como n,ºs 3 a 8 com a contestação e que se dão por reproduzidos.
7. A exequente, por intermédio do seu mandatário, através de carta registada, datada de 27.09.2022, recebida pela executada sociedade no dia 30.09.2022 e pelo executado AA no dia 29.09.2022, interpelou os executados para no prazo de 10 dias a contar da respetiva receção, pagarem à exequente a quantia €81.084,49 (oitenta e um mil e oitenta e quatro euros e quarenta e nove cêntimos), sob pena de ser preenchida a letra de câmbio (aquela que foi dada à execução) – cifrando documentos juntos aos autos com o requerimento executivo como n.ºs 4 e 7 cujo teor se dá por integralmente por reproduzido.
8. A executada consumiu as seguintes quantidades de café:
a) No ano de 2015 adquiriu 450Kg dos 540Kg convencionados;
b) No ano de 2016 adquiriu 280Kg dos 540Kg convencionados;
c) No ano de 2017 adquiriu 310Kg dos 540Kg convencionados;
d) No ano de 2018 adquiriu 240Kg dos 540Kg convencionados;
e) No ano de 2019 adquiriu 140Kg dos 540Kg convencionados;
9. No ano de 2020 adquiriu 90Kg; no ano de 2021 consumiu 140kg, e, até setembro de 2022, consumiu 45kg.
10. Os embargantes efetuaram compras à embargada até ao mês de julho de 2022, conforme documento junto como n.º 1 com a contestação nestes autos, que se dá por reproduzido.
11. A exequente, “A..., Ld.ª“, é portadora, de uma letra de câmbio, que os executados subscreveram e deram aval de letra em branco, tendo sido posteriormente preenchida pelo valor de €81.084,49 (oitenta e um mil, oitenta e quatro euros e quarenta e nove cêntimos), com vencimento em 11.10.2022 - cifrando letra de câmbio junta no requerimento executivo (Título Executivo) e cujo teor se dá por reproduzido.
12. Os 1.ª e 2.º executados assinaram Documento de Autorização para Preenchimento de Letra de Câmbio, em caso de Incumprimento Contratual/Resolução e pelo valor global da dívida, à aqui exequente – cifrando documento junto como n.º 3 “Declaração”.
13. Foi pedido pelos executados uma modificação do contrato no que respeita às quantidades de café contratualizadas, por várias vezes.

Não se julgou provado que:
a) Que os quando os executados solicitaram alteração da quantidade mensal junto dos comerciais da exequente, este, sempre os tranquilizaram em relação às consequências de tal impossibilidade.

III – Como é sabido o objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
*
Ora, visto o teor das alegações da exequente/apelante é questão a apreciar no presente recurso:
- Da alegada redução da cláusula penal contratualmente estipulada.

Como resulta do teor da decisão recorrida, o contrato dos autos que esteve por base na livrança que constitui título executivo na execução de que este é um apenso é, como bem se qualificou no Ac. da Rel. de Coimbra de 23.05.2020, in www.dgsi.pt um “contrato de fornecimento de café em regime de exclusividade, acompanhado do comodato de bens móveis, deve ser qualificado como um contrato atípico, misto, de natureza comercial, envolvendo elementos próprios do contrato-promessa, do contrato de prestação de serviços, do contrato de comodato e do contrato de compra e venda”.
In casu”, tal contrato como resultou provado nos autos foi incumprido por causa imputável aos executados/apelados, logo não obstante o mesmo ter continuado em vigor até à resolução contratual que ocorreu com o envio da carta datada de 27.09.2022 à executada sociedade, sendo certo que previamente tinha sido enviada uma outra carta, datada de 6.07.022, que interpelou os executados/apelados para que procedessem ao pagamento, concedendo-lhes o prazo de dez dias sob pena de transformação da mora em incumprimento definitivo.
Pelo que, como se concluiu na decisão recorrida, “tendo a executada sociedade violado a obrigação de consumir o mínimo estipulado quanto à quantidade de café, teremos de concluir que a mesma incumpriu o contrato que celebrou com a exequente, sendo válida e eficaz a resolução operada”.
Por igual forma a 1.ª instância veio a decidir que a atuação da exequente/apelante perante os executados/apelados não constituiu qualquer situação de abuso de direito.
Retornando ao que releva para o presente recurso, mormente quanto ao montante efetivamente devido pelos executados/apelados à exequente/apelante e consequentemente o montante que deverá ser tido em conta na execução de que este é um apenso, como o exigível em sede de título executivo que foi preenchido com o montante de €81.084,49, escreveu-se na decisão recorrida, além do mais, que: “(…) em causa está a aplicação de uma cláusula penal, que tem como finalidade a fixação antecipada de uma indemnização, compensatória ou moratória, pelo incumprimento ou retardamento no cumprimento da obrigação, com intuito de evitar dúvidas futuras e litígios entre elas, quanto à determinação do montante da indemnização (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 4.ª edição, revista e atualizada, pág. 75), pelo que improcede a exceção do abuso no preenchimento da letra, quanto a esta matéria.
Efetivamente, segundo a cláusula sétima do contrato dos autos, que configura uma cláusula penal fixada por acordo das partes, como prevê o artigo 810.º, n.º 1, do Código Civil, tendo sido imputável aos executados a resolução do acordo, tem a exequente o direito a receber o valor do café em falta, de acordo com os seus extratos de consumo, ao PVP e IVA em vigor e sem descontos, pelo que se condena nesta parte os embargantes (1.005kg café x €30,87/kg + IVA).
No que diz respeito à inexigibilidade da obrigação e ao abuso no preenchimento da letra dada à execução, referem os embargantes que não lhes poderá ser exigida a restituição da totalidade do desconto que foi concedido à Executada sociedade (€34.898,00), considerando que existiu um consumo/entrega de 1.695Kg de café, com o correspondente pagamento do preço, quantidade esta que deverá considerar-se abrangida pelo desconto de €12,92/Kg convencionada pelas partes.
Relativamente ao pedido de devolução do que foi dado adiantadamente pela exequente aos embargantes, no valor de €34.898,00 (correspondente a €25.000,00, em cheque entregue aos embargantes e €9.898 em materiais descritos na cláusula terceira), refere o n.º 2 da cláusula sétima do dito acordo que cessa qualquer obrigação da exequente a qualquer desconto a conceder ou contrapartida que, à data do incumprimento não esteja vencida, pelo que têm de ser os embargantes condenados na restituição do valor entregue antecipadamente quanto àquele diferencial de 1.005 kg de café, no valor de €12.984,60 (1.005kg x €12,92), sendo que, não tendo sido feita referência ao IVA na cláusula penal em questão, não se condenará os embargantes ao seu pagamento”.

Vejamos então.
Como se sabe, a cláusula penal consiste, na definição constante do art.º 810.º n.º 1 do C.Civil, na faculdade que as partes gozam de fixar, por acordo, o montante da indemnização exigível, ou, na convenção através da qual as partes fixam o montante da indemnização a satisfazer, em caso de eventual inexecução do contrato, cfr. Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, pág. 437.
A cláusula penal tem a natureza de uma cláusula acessória e quer pela sua localização sistemática, e, muito particularmente, pela sua articulação lógica com o n.º 1 do art.º 811.º, o art.º 810.º n.º 1, também, do C.Civil, ao referir-se à “indemnização exigível”, cujo montante pode ser, previamente definido, através de cláusula penal, tem em vista as situações de inadimplemento, cumprimento a destempo ou cumprimento defeituoso da obrigação. Ela resulta de um acordo das partes e tem como finalidade a fixação antecipada de uma indemnização, compensatória ou moratória, pelo incumprimento ou retardamento no cumprimento da obrigação, com intuito de se evitarem futuras dúvidas e litígios entre as partes, quanto à determinação do montante da indemnização, cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. II, pág. 75. Reveste uma função, fundamentalmente, ressarcitiva e tarifada, de natureza compulsória, agindo como meio de pressão sobre o devedor, mediante a ameaça de uma sanção pecuniária, com vista ao cumprimento pontual das obrigações que assumiu, mesmo que se prove que do seu incumprimento ou mora não adveio qualquer dano, cfr. Ferrer Correia e Henrique Mesquita, in “A Obra Intelectual como Objeto do Contrato de Empreitada”, ROA, Ano 45.º, 129 e ss; que não importa averiguar, em consequência da inexecução da obrigação ou da violação do contrato, nem determinar o seu montante, na hipótese da sua verificação, e bem assim como, igualmente, o respetivo nexo causal.
A cláusula penal “destinando-se a substituir a indemnização que seria arbitrada pelo juiz, é exigível nos mesmos casos em que essa indemnização poderia ser reclamada, supondo, portanto, em termos gerais, a inexecução da obrigação e a culpa do devedor, isto é, só pode ser efetivada se este, culposamente, não tiver cumprido o contrato”, cfr. Galvão Telles, in obra citada, pág. 439.
A cláusula penal (indemnizatória) como refere Pinto Monteiro, in “Cláusula Penal e Indemnização”, pág. 457 constitui “uma liquidação convencional antecipada dos prejuízos em caso de inexecução do contrato. Na situação de incumprimento, se estipulada uma cláusula penal, a indemnização corresponderá ao valor pactuado, a não ser que haja lugar à sua redução, face ao disposto no art.º 812.º do C.Civil, ou seja, convencionado o ressarcimento do dano excedente, nos termos do art.º 811.º n.º 2, do C.Civil, e é para esta última situação que se limita o valor da indemnização, nos termos do n.º 3 deste preceito, que não tem a ver com o valor da pena, quando não é pactuada a indemnização pelo dano excedente.
Trata-se, pois, de uma cláusula indemnizatória. Esta, embora não tenha uma função coercitiva ou de compulsão ao cumprimento, acaba por produzir também esse efeito, na medida em que alerta o devedor para os riscos que corre em caso de inexecução do contrato e, por isso, estimula o cumprimento voluntário das obrigações assumidas.
Trata-se de uma indemnização fixada a forfait, invariável, só redutível por razões de equidade”.
Refere-se no Ac. do STJ de 27.09.2011, in www.dgsi.pt) que cláusula penal, “como é aceite pela doutrina e reconhecido pela jurisprudência, pode revestir três modalidades: cláusula com função moratória ou compensatória, - dirigida, portanto, à reparação de danos mediante a fixação antecipada da indemnização em caso de não cumprimento definitivo ou de simples mora do devedor; cláusula penal em sentido estrito ou propriamente dita, em que a sua estipulação, como refere Gravato Morais (…)., substitui o cumprimento ou a indemnização, não acrescendo a nenhuma delas; e cláusula penal de natureza compulsória, em que há uma pena que acresce ao cumprimento ou que acresce à indemnização pelo incumprimento: a finalidade das partes, nesta última hipótese, é a de pressionar o devedor a cumprir, e já não a de substituir a indemnização. Na cláusula penal de tipo compulsório, afirma Almeida Costa, “as partes pretendem que a pena acresça à execução específica ou à indemnização calculada nos termos gerais” (…)”.
In casu” consta da cláusula 7.º do contrato outorgado pelas partes que:
“1. Consequência da resolução do presente contrato, por motivo imputável, objetiva ou subjetivamente ao segundo outorgante, considera-se perdido o benefício do prazo concedido nos termos da cláusula 1.ª, n.º3 para aquisição do café, tendo a primeira outorgante o direito a receber o valor do café em falta de acordo com os seus extratos de consumo, ao PVP e IVA em vigor, e sem descontos, à data do efetivo pagamento. (negrito nosso).
2. Nesta situação cessa qualquer obrigação da primeira a qualquer desconto a conceder ou contrapartida que, à data do incumprimento não esteja vencida ou, estando fica excecionada”.
António Pinto Monteiro, in “Cláusula Penal e Indemnização”, págs. 282 e 604, faz a distinção entre cláusula penal “stricto sensu”; cláusula de liquidação prévia do dano ou de fixação antecipada da indemnização e cláusula penal puramente compulsória, e segundo o mesmo “A primeira visa, fundamentalmente, compelir o devedor ao cumprimento, legitimando o credor, em caso de incumprimento, a exigir, a título sancionatório, uma outra prestação – a pena –, em alternativa à que era inicialmente devida e de maior vulto que esta. A segunda visa, (…), facilitar a reparação do dano, nos termos previamente fixados pelas partes, não possuindo, pois, especiais intuitos compulsórios, antes a finalidade de evitar dúvidas e litígios ulteriores a respeito do montante da indemnização. Todavia, poderá vir a ter, ainda que indiretamente ou a título meramente eventual, um efeito coercitivo, designadamente quando a soma acordada se revele, na circunstância concreta, superior ao montante indemnizatório a que o credor poderia aspirar, nos termos gerais (…). Finalmente, a cláusula penal puramente compulsória não tem qualquer influência sobre a indemnização. As partes acordam que a pena convencional, não cumprindo o devedor voluntariamente, acrescerá à execução específica da prestação ou à indemnização correspondente.”
Ora, como se pode ler na sentença recorrida, a 1.ª instância decidiu que a execução de que este é um apenso apenas iria prosseguir para pagamento da quantia total de €51.144,55, acrescida de juros de mora desde 11.10.2022, até integral pagamento. Sendo (1.005kg café x €30,87/kg + IVA) = €38.159,95, a título de cláusula penal fixada por acordo das partes, como prevê o artigo 810.º, n.º 1, do C.Civil, tendo sido imputável aos executados a resolução do acordo, tem a exequente o direito a receber o valor do café em falta, no valor de €38.159,95. Acrescendo a tal valor a quantia de €12.984,00, relativamente ao pedido de devolução do que foi dado adiantadamente pela exequente/apelante aos embargantes/apelados, no valor de €34.898,00, (correspondente a €25.000,00, em cheque entregue aos embargantes e €9.898,00 em materiais descritos na cláusula terceira), tem a primeira, direito a receber o valor entregue antecipadamente quanto àquele diferencial de 1.005 kg de café x €12,92) a quantia total de €12.984,00.
Por via do presente recurso alega expressamente a exequente/apelante que “… foi condenado o Embargante ao pagamento de €38.159,95 referente ao pagamento do valor do café em falta; - foi condenado o Embargante ao pagamento de €12.984,00 a título de Cláusula Penal, discordando a aqui Recorrente deste valor”.
Em suma, constata-se que a exequente/apelante lavra em manifesto equívoco, já que no que se reporta à cláusula penal contratualmente assumida pelas partes ela foi fixada, em concreto, no valor de €38.159,95, não tendo sido objeto de qualquer redução equitativa, como a mesma alega e fixada, tão só, em €12.984,00.
Na realidade, a exequente/apelante insurge-se contra o que foi decidido quanto ao pedido de devolução do que foi adiantadamente entregue pela mesma aos executados/apelados – a quantia de €25.000,00 acrescida de um equipamento no valor de €9.898,00, tudo no valor total de €34.898,00.
Não pode ignorar, que resulta dos autos que os executados/apelados adquiriram e pagaram café fornecido pela exequente/apelante por via do contrato subjacente, no montante total de 1.695Kg, sendo que por via do mesmo contrato aqueles se haviam comprometido a adquirir (no total de 2.700Kg) ou seja, os executados/apelados não cumpriram esse acordo, fazendo a efetiva aquisição de mais 1.005Kg de café. Mais está provado que nos termos do contrato, os executados/apelados beneficiariam, relativamente ao total do café que deviam adquirir, de um desconto comercial de €12,92/Kg, no total de €34.898,00, que foi pago antecipadamente, como acima se referiu pela entrega de €25.000,00 e de equipamento no valor de €9.898,00.
Portanto, por força do acordado sob a cláusula 3.ª do contrato, em termos de devolução do adiantado pela exequente/apelante aos executados/apelados, tem aquela direito, a título de perda do benefício do desconto comercial reportado à quantidade de café que faltou adquirir, ou seja, a 1.005Kg x €12,92 = no valor total de €12.984,00 e não à totalidade (€34.898,00).
Destarte e sem necessidade de outros considerandos, improcedem as conclusões da exequente/apelante, confirmando-se a sentença recorrida.

Sumário:
………………………………
………………………………
………………………………

IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar as presentes apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela exequente/apelante.

Porto, 2024.04.09
Anabela Dias da Silva
Fernando Vilares Ferreira
Lina Baptista