Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
62975/20.1YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: SUBROGAÇÃO
Nº do Documento: RP2024011662975/20.1YIPRT.P1
Data do Acordão: 01/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O banco que, sem demonstrar qualquer instrução nesse sentido dos respectivos titulares, entrega a um credor destes valores que este reclama sobre eles, lançando-os depois a débito e a descoberto na respectiva conta bancária, não pode obter o reembolso das quantias entregues por mero efeito da relação bancária, designadamente por não se verificarem os pressupostos de sub-rogação legal ou convencional.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º 62975/20.1YIPRT.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Santo Tirso - Juiz 1º

REL. N.º 821
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: Maria Eiró
João Proença
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1 - RELATÓRIO

Banco 1..., S.A., com sede em Praça ... – Porto, apresentou requerimento de injunção contra AA e BB, com residência em Rua ..., ..., ... - Santo Tirso, pedindo a sua interpelação para lhe pagarem €6.570,84, correspondente a €5.778,90 de capital, acrescido de juros e despesas, que alegou deverem-lhe por representar o saldo de uma conta de depósitos à ordem, que ficou a descoberto, por o banco ter procedido ao pagamento de diversas quantias, por ordem dos Requeridos, na convicção de que os mesmos posteriormente viriam repor tais montantes. Assim, alegou que, a débito, e no período compreendido entre 16/05/2019 e 03/06/2019, foram lançadas diversas operações, designadamente, pagamentos ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, no valor global de 5,778.9 €.
A tal débito foram acrescidos juros entretanto vencidos, à taxa de 16,1%, jamais tendo os requeridos regularizado tal débito.
À injunção, opuseram-se os requeridos, alegando que jamais deram ordem ao Banco, para que, quando aquela conta não se encontrasse provisionada, procedesse ao pagamento de eventuais quantias, muito menos lhe anunciaram que posteriormente se obrigavam a repor qualquer pagamento. Por isso, eventuais pagamentos feitos pelo Banco foram-no por sua livre iniciativa e sem qualquer consentimento por parte dos Requeridos. Concluíram nada deverem ao requerente.
Prosseguiram os autos, após a sua distribuição, culminando em audiência de julgamento no termo da qual foi proferida sentença que julgou a acção procedente, condenando os requeridos AA e BB a pagar ao autor Banco 1..., S.A., a quantia de €5.778,90 acrescida de juros de mora calculados à taxa de 16,100 %, desde a data de notificação da injunção até à data do efetivo pagamento.
É desta decisão que vem interposto recurso, pelos RR., que o terminaram formulando as seguintes conclusões:
“(…)
Da impugnação da matéria de facto:
III. O Tribunal andou mal ao categorizar o facto: “1. Que os Requeridos nunca movimentaram a conta de depósitos à ordem, objeto dos presentes autos, para além do saldo existente.” como não provado.
IV. Como se evidenciou – e salvo todo o respeito – resultou prestada prova clara para permitir que tal facto fosse inserido na matéria provada, nomeadamente, do que resultou das declarações de parte prestadas pelo Réu (ficheiro de áudio: 20220321095536 _15811653_2871589.wma).
V. As declarações do Réu foram coesas, coerentes e dotadas de veracidade, no entanto, foi de opinião contrária o Tribunal “a quo”, que entendeu que não dotavam de credibilidade em comparação com o depoimento da Testemunha CC.
VI. Depoimento esse que apenas veio dizer que se encontrava presente à data em que o Réu e sua esposa, agora ex-esposa supostamente assinaram um contrato de crédito pessoal. (ficheiro de áudio: 20220321103847_15811653_2871589.wma e 20220321105132 _15811653_2871589.wma).
VII. Em bom rigor o Tribunal “a quo” aceitou a junção aos autos do mesmo, no entanto nesse mesmo dia foi dito e requerido pelo Mandatário dos Réus que não prescindia de prazo para vista, tendo sido ditado para a ata Despacho estabelecendo um prazo de 10 dias nesse mesmo sentido.
VIII. O Mandatário dos Réus apresentou impugnação com os fundamentos que determinou como essenciais, pedindo a final o desentranhamento do mesmo.
IX. No entanto, nunca houve por parte do Tribunal “a quo” qualquer tipo de Despacho Pronúncia sobre o deferimento ou indeferimento do desentranhamento de tal documento.
X. Ora, se tal Despacho nunca existiu não pode o aqui Tribunal “a quo” oferecer mais credibilidade à testemunha do que ao Réu com base no seguinte fundamento: “E daí o mesmo não oferecesse qualquer credibilidade até porque contrariou (…) como aconteceu com assinatura do contrato de mutuo pessoal que acabou por ser junto aos autos no dia da audiência de julgamento, por o ter na sua posse.”
XI. Até porque, não havendo Despacho de Pronúncia, não se concede nem se concebe a existência do suposto documento, desconhecendo-se aqui que contrato de Crédito Pessoal no valor de 11.632,79€ se fala no caso concreto.
XII. Atento aos termos do artigo 393º, nº 2 do Código Civil nos diz que: “2. Também não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena.”.
XIII. Autora não teria outra forma de demonstrar a veracidade dos factos alegados por si para além da apresentação do Contrato de Crédito Pessoal, que demonstrasse que os aqui Réus deram autorização para a Autora, proceder com o pagamento do valor peticionado.
XIV. O que não aconteceu.
XV. Perante tais declarações, não entende o aqui Recorrente como é que o Tribunal “a quo” pôde dar o facto no ponto 1. como não provado, razão pela qual pugna pela sua inserção na matéria provada.
XVI. Determinou, também, o Tribunal “a quo” não ter ficado provado que: “2. Que os Requeridos jamais deram ordem ao Banco, agora, Requerente para quando aquela conta não se encontrar provisionada, proceder ao pagamento de eventuais quantias, muito menos que posteriormente se obrigavam a repor.”
XVII. A este propósito, e para sustentar a nossa tese do erro na apreciação da prova produzida, atente-se ao dito, em sede de audiência de julgamento, sobre este facto, declarações de parte prestadas pelo Réu (ficheiro de áudio: 20220321095536_15811653_2871589.wma).
XVIII. No entendimento dos aqui Recorrentes é mais que óbvio que foram produzidas provas em sede de audiência de discussão e julgamento que comprovassem a veracidade do facto que vem erradamente categorizado como não provado.
XIX. Considerou o Tribunal “a quo” dar como não provado que: “3. Que o pagamento de quantias que não estavam disponíveis naquela conta bancária, foram efetuados por livre iniciativa da Requerente e sem qualquer consentimento por parte dos Requeridos.”.
XX. Como se evidenciou – e salvo todo respeito – produziu-se prova bastante para julgar este facto como provado, nomeadamente, através da declarações de parte prestadas pelo Réu (ficheiro de áudio: 20220321095536_15811653_2871589.wma).
XXI. Não se compreende de que mais explicação precisava o Tribunal “a quo”, uma vez que o depoimento supramencionado foi mais que esclarecedor quanto à falta de autorização do Banco, aqui Recorrido, em proceder com quaisquer tipos de pagamentos.
XXII. Em nenhum momento, foi o seu depoimento efetivamente e claramente contrariado por qualquer testemunha apresentada pela Autora, devendo por isso tal facto ser dado como provado.
XXIII. Andou, mais uma vez, mal o Tribunal “a quo” quando determinou o seguinte facto como não provado: “4. Que o crédito pessoal contratado pelos requeridos e requerente em 23/06/216 com valor mutuado é 11.632,79€ foi integralmente cumprido pelos Requeridos.”
XXIV. Assim o fez, mais uma vez, por não ter considerado, como devia, o Requerimento com referência nº 41823631, junto aos autos pelos Réus, que comprovaram via documento que para além desse Contrato em nada estar relacionado com a causa de pedir da aqui Autora, que o mesmo foi pontualmente cumprido.
XXV. Parece-nos que desde o inicio o aqui Tribunal “a quo” decidiu que a verdade material se encontraria do lado da Autora, sem em nenhum momento questionar e analisar na integra a falta de prova pela mesma produzida.
XXVI. As testemunhas apresentadas pela Autora, apenas e somente vieram comunicar ao Tribunal “a quo” como determinados mecanismos e formalidades funcionam dentro do Banco.
XXVII. Assim, e atendendo a toda a prova produzida em sede de audiência discussão e julgamento, o facto supra descrito deve imperativamente ser dado como provado.
XXVIII. A medida e peso na apreciação da prova devem ser equilibrados e não pode o princípio da livre apreciação da prova ser aplicado de forma infundada e inverificável – e, portanto, arbitrária – da prova produzida.
XXIX. A livre apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever, o dever de perseguir a verdade material, de tal modo que a apreciação há-de ser, em concreto, reconduzível a critérios objetivos e, logo, suscetível de motivação e de controlo, pelo que a “livre” ou a “íntima” convicção do Juiz nunca poderá ser uma convicção puramente subjetiva, emocional, ou seja, arbitrária e discricionária.
XXX. Salvo melhor opinião, a prova documental e as declarações prestadas pelo Réu aos autos vêm de forma, inequívoca, mostrar que de facto, nunca os Réus deram autorização à Autora para proceder com o pagamento da quantia peticionada ao Instituto da Segurança Social.
XXXI. Assim, como se disse, toda a prova carreada nos autos ou que tenha sido produzida em audiência de julgamento não sustenta a convicção do Tribunal recorrido para dar como não provado os factos 1, 2, 3 e 4, pelo que mal andou o Tribunal em considera-lo como tal.
XXXII. Nessa conformidade, esse Venerando Tribunal deve revogar a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” e proferir Acórdão que julgue os factos constantes nos pontos 1, 2, 3 e 4 como provados.
XXXIII. Posto isto, tal matéria dada como não provada deverá ser alterada para PROVADA, com a consequente aplicação do direito, e, nessa sequência serem os Réus absolvidos ao pagamento da quantia peticionada pelo Autor, aqui Recorrido.
XXXIV. Posto isto, resulta claro que foram violadas as seguintes normas: artigo 615º, nº1 do Código de Processo Civil, artigos 393º, nº 2 do Código Civil.
Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, deverá o presente recurso ser julgado totalmente provado e procedente, e em consequência, deverá a sentença recorrida ser revogada, e substituída por Acórdão que:
a) altere a matéria de facto no sentido de os factos descritos em 1, 2, 3 e 4 da matéria dada como não provada, sejam julgados como provados por este Venerando Tribunal e, nessa sequência, ser a sentença recorrida revogada por Acórdão que fixe tal matéria como provada e absolva os Réus no pagamento do valor peticionado, ou ao invés,
b) Caso a matéria de facto se mantenha inalterada, sempre os Réus deverão ser absolvidos no pedido formulado pela Autora, uma vez que estes cumpriram o ónus da prova que lhe incumbia, como factos constitutivos do seu direito, inexistindo qualquer causa conducentes à atribuição da responsabilidade dos Réus;
Fazendo-se deste modo a almejada JUSTIÇA!...”
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O Banco autor juntou resposta, pronunciando-se pela confirmação da decisão recorrida.
O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
Cumpre apreciá-lo.
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2- FUNDAMENTAÇÃO
Não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC - é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso.
Assim, cumpre decidir:
- Da admissibilidade, como meio de prova, do documento junto na audiência de 21/3/2022, designado por “contrato de crédito celebrado entre as partes nos autos”;
- Do mérito da decisão que deu por não provados os factos dados por não provados sob os nºs 1 a 4 e da sua qualificação como provados.
- Da absolvição dos RR., na sequência da alteração da decisão sobre a matéria de facto.
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A apreciação da pretensão do apelante impõe que se atente na decisão proferida pelo tribunal recorrido sobre a matéria de facto, que se passa a transcrever:
Factos provados:
A. Em 24/07/2003, o Banco Requerente e os Requeridos, outorgaram, entre si, um Contrato de Abertura de Conta de Depósitos à Ordem (com o n.º ...), em regime de conta solidária.
B. Com o acordo do Banco, os Requeridos movimentaram a referida conta, a débito, para além do seu saldo, por várias vezes e com a obrigação de repor as quantias que lhe foram sendo disponibilizadas, tratando-se de uma facilidade de descoberto não autorizada.
C. (Eliminada do rol de factos provados a matéria em questão, que consistia no seguinte: “Fruto da relação comercial existente, e apesar, da conta de depósitos à ordem não se encontrar provisionada para o efeito, o Banco procedeu ao pagamento de diversas quantias, por ordem dos Requeridos, na convicção de que os mesmos posteriormente viriam repor tais montantes.”).
D. A débito, e no período compreendido entre 16/05/2019 e 03/06/2019, foram lançadas diversas operações, designadamente, pagamentos ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, no valor global de 5,778.90 €.
E. Em consequência directa dos pagamentos atrás mencionados, foram debitados os respectivos juros devedores, sobre o saldo devedor de 5.778,90 €, contados à taxa de 16,100%, os quais, em 03/06/2019, ascendiam ao montante de 32,94 €, a que acresce o respectivo imposto de selo, no valor de 1,32 €.
F. Em 03/06/2019, a Conta de Depósitos à Ordem tinha um saldo devedor de 5.813,16€.
G. Em 07/06/2019, a Conta de Depósitos à Ordem foi creditada com o montante de €115,20
H. Em 01/07/2019, incluindo os respectivos juros devedores, contados à taxa supra mencionada, e imposto selo, no valor global de 79,79 €, resultando, assim, naquela data, um saldo devedor de 5.777,75 €.
I. Em 05/07/2019, foi lançado um movimento a crédito, no valor de 41,20 €, o qual, foi imputado ao saldo devedor referido no artigo precedente, sendo certo que, “a posteriori”, foram debitados os respectivos juros devedores (contado sobre o capital de 5.736,55 €, à taxa de 16,100%) e, bem assim, o imposto de selo sobre os juros, no valor global de 82,78 €, originando, por consequência, um saldo devedor de 5.819,33€.
J. Inexistindo qualquer movimento a crédito na Conta de Depósitos à Ordem aqui mencionada, em 15/08/2019, foram lançados a debito os respectivos juros devedores (contado sobre o capital de 5.819,33 €, à taxa de 16,100%) e imposto selo, no valor global de 40,59 €, resultando, assim, naquela data, um Saldo Devedor de 5.859,92 €.
K. Em data posterior à realização dos débitos mencionados no artigo precedente, a realização de três movimentos a crédito, nos montantes de 51,92; (06/09/2019); 24,66 € (30/10/2019) e 35,48 € (05/12/2019).
L. Imputados os montantes atrás mencionados, o certo é que, em 05/12/2019, o Saldo Devedor ascendia ao montante de 5.747,86 €, correspondente ao montante adiantado pelo Banco, inexistindo qualquer movimentação a crédito posterior à data aqui mencionada, apesar de instados para o efeito, os Requeridos não regularizaram o referido Saldo Devedor.
- Factos Não Provados
1. Que os Requeridos nunca movimentaram a conta de depósitos à ordem, objeto dos presentes autos, para além do saldo existente.
2. Que os Requeridos jamais deram ordem ao Banco, agora, Requerente para quando aquela conta não se encontrar provisionada, proceder ao pagamento de eventuais quantias, muito menos que posteriormente se obrigavam a repor.
3. Que o pagamento de quantias que não estavam disponíveis naquela conta bancária, foram efetuados por livre iniciativa da Requerente e sem qualquer consentimento por parte dos Requeridos.
4. Que o crédito pessoal contratado pelos requeridos e requerente em 23/06/2016, com o valor mutuado é € 11.632,79 foi integralmente cumprido pelos Requeridos.
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A questão fulcral colocada nestes autos é, em suma, a de se discernir sobre se os pagamentos feitos pelo Banco, apesar do descoberto da conta à ordem dos RR., devem ser tidos por justificados, consequentemente se responsabilizando os RR. pela entrega dos montantes correspondentes.
Para o efeito, os RR. impugnam a decisão relativa à matéria de facto controvertida, o que, como é sabido, exige o cumprimento do regime processual específico do art. 640º do CPC.
Diremos, genericamente, que os RR. observaram esse regime, quer quanto à identificação dos factos sobre os quais a decisão deve ser revertida, o sentido pretendido para a nova decisão e os meios de prova em que sustentam a sua pretensão. Por isso, o seu recurso deve ser apreciado também nessa parte.
É, então, já nesse âmbito que importa apreciar da pertinência, nos autos, do documento junto na audiência de 21/3/2022, designado por “contrato de crédito celebrado entre as partes”.
Alegam os apelantes, em suma, que tendo deduzido oposição a que esse documento fosse junto e permanecesse nos autos, jamais veio a recair qualquer decisão sobre a questão. Por isso, concluem que o tribunal jamais poderia justificar a sua decisão por referência a esse contrato. Subsequentemente, por não haver contrato, sempre haveria de ser dado por provado “Que os Requeridos jamais deram ordem ao Banco, agora, Requerente para quando aquela conta não se encontrar provisionada, proceder ao pagamento de eventuais quantias, muito menos que posteriormente se obrigavam a repor. (facto 2., dos não provados).
Esta tese dos apelantes, no entanto, não pode ser acolhida.
Em primeiro lugar, o documento foi junto aos autos por determinação do tribunal, nos termos do despacho proferido na audiência de 21/2/2022, sobre o qual consta o seguinte: “Durante a inquirição da testemunha, acima referida [CC], pela Mma. Juiz foi ordenada a junção aos autos do contrato de crédito celebrado entre as partes nos autos, e que está na posse da mesma, despacho gravado no Sistema H@bilus Media Studio.-
-----Ato continuo, pela Mma. Juiz foi exibido o contrato ao Il. Mandatário dos Réus, interrompendo-se a presente audiência de julgamento para que o mesmo possa confrontar o Réu com o documento.-
-----De seguida, reiniciada a audiência de julgamento, pelo Il. Mandatário dos Réus foi dito não prescindir do prazo para se pronunciar sobre o mesmo, requerimento gravado no Sistema H@bilus Media Studio.-
-----Seguidamente, pela Mma. Juiz foi proferido despacho a conceder o prazo de dez dias para o Il. Mandatário dos Réus se pronunciar sobre o documento agora junto (…).”
Na sequência desta decisão, os RR. vieram, tal como agora alegam, impugnar a relevância e a eficácia do documento, concluindo:
“11.º Reitera-se que aquele contrato ora junto na audiência de julgamento não tem qualquer correspondência com o que está em análise nestes autos, a não ser os sujeitos processuais.
(…)
14.º Os Requeridos impugnam “in totum” o teor e alcance do documento junto em audiência de julgamento, no contexto e fins apresentados e na força probatória que a Requerente lhe pretende atribuir, devendo ordenar-se o seu desentranhamento dos presentes autos.”
Têm razão os apelantes quando alegam que este requerimento jamais foi alvo de apreciação pelo tribunal recorrido, sendo que o processo, por vicissitudes que agora não importam, acabou por ficar sob a competência de outro juiz que proferiu o seguinte despacho:
“(…) Assim, o facto de a audiência de julgamento ter-se iniciado em 21.03.2022 e decorrido mais de um ano sem se terminar a audiência de julgamento e sem ter sido proferida sentença, sendo imprevisível o regresso da Exma. Colega que nela presidiu, constituem, quanto a nós, circunstâncias que aconselham a repetição dos atos já praticados, solução prevista na referida disposição legal.
Sem prejuízo e tendo em conta que a prova produzida foi gravada, por forma a evitar uma nova deslocação das partes ao tribunal para repetir o que já foi produzido, se as partes se pronunciarem expressamente que não se opõem a que o tribunal aproveite os atos praticados e marque a continuação da audiência de julgamento e ser proferida sentença de seguida, será essa a solução aplicada.
(…)
Caso contrário será decidida a nulidade da prova produzida e designada uma nova data para a realização de toda a audiência de julgamento.”
Ambas as partes manifestaram o seu acordo à continuação, sem mais, da audiência de julgamento, tendo os ora apelantes enunciado o seguinte (req. de 30/5/2023): “(…) vêm dizer que não se opõem a que seja dada continuidade à audiência de julgamento, devendo ser designado dia e hora para as partes poderem efetuar as suas alegações orais, seguindo-se a sentença.”
As partes acabaram por juntar alegações escritas, sendo que os ora apelantes se pronunciaram expressa e desenvolvidamente sobre a irrelevância probatória do referido documento, aliás em idênticos termos aos constantes das presentes alegações de recurso.
Regista-se, assim, que em nenhum momento anterior os apelantes se pronunciaram sobre a ausência de qualquer decisão que fosse necessária a ter-se por admitido o referido documento/contrato.
Atentos estes elementos processuais, começa por constatar-se o erro em que incorrem os apelantes: a admissibilidade do documento não ficou pendente da sua pronúncia: foi o próprio tribunal que, oficiosamente, no uso dos poderes que o art. 411º do CPC lhe confere, determinou que ele ficasse nos autos, requisitando-o da testemunha que o levava. Assim, quando os RR. se manifestaram contra o seu relevo probatório e acabaram a requerer o seu desentranhamento, estavam a requerer algo prejudicado à partida, pois que o tribunal já decidira em sentido contrário. Poderiam ter impugnado essa decisão por diversas formas – o que não fizeram – mas não podiam pretender que o tribunal alterasse a sua própria decisão quanto à permanência do documento nestes autos, em função da sua pronúncia sobre a respectiva relevância.
Pelo exposto, contrariamente ao alegado, não ficou por decidir se o documento deveria ficar, ou não no processo. A sua integração nos autos já estava decidida.
Mas a isso acresce que, ainda que a decisão do tribunal merecesse ser posta em causa, por exemplo por consubstanciar uma nulidade, incluindo por estar em falta qualquer decisão complementar de pronúncia subsequente ao requerimento dos RR. há muito teria passado a oportunidade para a sua arguição. Com efeito, os próprios apelantes intervieram sucessivamente nos autos sem arguir qualquer nulidade. Fizeram-no ao admitirem a simples continuação da audiência, sem nada alegarem sobre a questão do documento; e fizeram-no depois, aquando das alegações escritas com as quais se concluiu a discussão da causa, no âmbito das quais se referiram ao mesmo documento, sem questionar a sua presença nos autos. Por isso, atento o disposto no art. 199º, nº 1 do CPC, se uma tal nulidade tivesse ocorrido, não poderia deixar de ter-se por sanada.
Não assiste, pelo exposto, razão aos apelantes quanto à questão agora suscitada, improcedendo a apelação nesse segmento.
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Neste contexto, cabe prosseguir para a apreciação do mérito do recurso, no tocante à impugnação da matéria de facto.
Está, porém, errada a perspectiva dos apelantes sobre a significância dos factos dados por provados e não provados, carecendo de uma adaptação correctiva a fim de que não se frustre aquela que é a substância da sua pretensão.
Como acima se referiu, a essência do litígio é apurar se os pagamentos feitos pelo Banco, apesar do descoberto da conta à ordem dos RR., devem ser tidos por justificados, consequentemente se responsabilizando os RR. pela entrega dos montantes correspondentes.
Nos termos do art. 342º, nº 1 do C. Civil, cabe ao banco autor a prova de que efectuou tais pagamentos em circunstâncias que determinavam que, ao fazê-lo, se constituía a seu favor um correspondente crédito sobre os réus.
A esse propósito, o banco alegou, nos termos dos arts. 2º e 3º do seu requerimento injuntivo, que: “2. Com o acordo do Banco, os Requeridos movimentaram a referida conta, a débito, para além do seu saldo, por várias vezes e com a obrigação de repor as quantias que lhe foram sendo disponibilizadas, tratando-se de uma facilidade de descoberto não autorizada.” E que “3. Na verdade, fruto da relação comercial existente, e apesar, da conta de depósitos à ordem não se encontrar provisionada para o efeito, o Banco procedeu ao pagamento de diversas quantias, por ordem dos Requeridos, na convicção de que os mesmos posteriormente viriam repor tais montantes.”
Ou seja, alegou o banco que havia uma prática comercial mantida entre si e os RR. nos termos da qual, por várias vezes, sob ordem destes, autorizou pagamentos a descoberto, sobre a respectiva conta à ordem.
Era isso que o banco tinha de provar, cabendo aos RR., não demonstrar o contrário, mas (sem prejuízo disso se a tal conseguissem chegar) afastar a prova daqueles factos constitutivos do direito do autor.
Ou seja: os RR. não têm que provar que jamais deram ordem; têm de evitar que o tribunal se convença de que deram essa ordem – cfr. art. 346º do C. Civil. A sua afirmação de que jamais deram essa ordem é mera impugnação do facto constitutivo invocado pelo banco, não cabendo ser provada pela actividade instrutória dos RR, a qual se tornará eficaz pelo mero afastamento da prova, a cargo do banco, de que a ordem ou uma prática constante existiam.
Ora o tribunal considerou essa mesma factualidade demonstrada, como resulta das als. B) e C) dos factos provados. Por isso, para que o presente recurso possa proceder, não cabe acrescentar ao elenco dos factos provados a matéria dos itens 1º e 2º dos factos não provados. Isso redundaria numa incongruência do substrato factual da decisão, pois que eles resultariam contraditórios para com os factos descritos nas als. B) e C). O vencimento da sua pretensão dependerá, isso sim – e a isso se reconduz essa pretensão - em reverter, para não provada, pelo menos em parte, o conjunto factual descrito naquelas als. B) e C).
Por sua vez, a matéria do facto 3º, além de passível da mesma apreciação que a dos itens anteriores, é meramente conclusiva, pelo que jamais haveria de ser apreciada e, sendo caso disso, inserida entre um rol de factos, como se de um facto se tratasse.
Por fim, a matéria do item 4º é completamente indiferente para a resolução do presente litígio, pelo que a sua apreciação constituiria uma actividade estéril, devendo ser prevenida pelo tribunal. Com efeito, o conhecimento dos termos de um outro negócio celebrado entre as mesmas partes – referente a um crédito pessoal concreto – e o grau do seu cumprimento pelos RR. não releva no âmbito da causa de pedir invocada pelo banco autor. Por conseguinte, não cumpre apreciar o recurso também quanto a esse facto.
Pelo exposto, mostra-se recentrado o objecto do recurso na impugnação que este consubstancia, em substância, contra a decisão de comprovação dos factos descritos nas als. B) e C), isto é, que, com o acordo do Banco, os Requeridos movimentaram a referida conta, a débito, para além do seu saldo, por várias vezes e com a obrigação de repor as quantias que lhe foram sendo disponibilizadas (B), e que, fruto da relação comercial existente, e apesar, da conta de depósitos à ordem não se encontrar provisionada para o efeito, o Banco procedeu ao pagamento de diversas quantias, por ordem dos Requeridos, na convicção de que os mesmos posteriormente viriam repor tais montantes (C).
Justificando a sua convicção, o tribunal recorrido começou por desvalorizar as declarações de parte do réu, apontando algumas contradições registadas entre as mesmas e o depoimento de um funcionário do banco, CC. Certo é, porém, que dessas declarações nada aproveitou para sustentar os factos em questão, relativos à movimentação da conta a descoberto e à existência de alguma ordem para a realização de pagamentos a descoberto.
Recorde-se, a este respeito, que não era ao réu que cabia demonstrar que jamais tinha dado ordens para que a conta fosse movimentada pelo banco, a descoberto, na concretização de pagamentos que fossem solicitados por terceiros, pelo que a falta de persuasão do ré, quanto a essa versão, não tem relevo significativo.
Complementarmente, o tribunal descreveu os depoimentos das testemunhas DD e EE, também funcionários bancários, mas dos quais nada resultou que permitisse sustentar a matéria em causa.
Por fim, dando especial relevo ao depoimento de CC, pelo conhecimento directo que revelou quanto ao relacionamento dos réus com o banco autor, de que era funcionário, afirmou o tribunal que ele descreveu “…a situação de incumprimento e que o crédito a descoberto está relacionado com um crédito pessoal, confirmando que as assinaturas dele foram feitas na sua presença pelos requeridos e exibiu o contrato que estava na sua posse, cuja junção aos autos foi determinada oficiosamente.
Concretizou que este mútuo foi feito por 30 meses, com início em junho de 2016 e que em outubro de 2016 já estava em incumprimento.”
Afirmou ainda o tribunal que desses depoimentos resultou a sua percepção sobre “…como ocorriam os movimentos na conta, a celebração do mútuo, a penhora dos movimentos a crédito na conta dos requeridos.”
Já quanto ao relevo da prova documental, cumpre reconhecer o pouco esclarecimento prestado pelo tribunal, que se reduziu a uma referência genérica aos “documentos juntos”.
Acontece, porém, que nesta situação, a prova documental existente é fundamental, pois as operações concretizadas e o conteúdo das obrigações estabelecidas entre as partes surgem previstos em contrato necessariamente escrito.
Sabemos, assim, que a conta bancária que resultou do contrato celebrado entre as partes é a referida pelo nº ...... contrato relativo à abertura dessa conta mostra-se junto em 21/3/2023 (apesar de a sua junção aos autos ter sido determinada na audiência de 21/3/2022).
Verificado o seu teor, em momento algum se mostra ter sido autorizada pelos titulares da conta a realização de pagamentos, pelo banco, a descoberto, isto é, sem que a mesma conta mantivesse em depósito um valor suficiente para a concretização de qualquer pagamento de valor superior.
Por outro lado, a matéria descrita na al. B) , mesmo que se dê por adquirido o que dela consta, apesar da impugnação dos réus, jamais poderá sustentar a identificação de uma prática tacitamente admitida por ambas as partes, nos termos da qual estivesse previsto que o banco efectuasse pagamentos a terceiros, a descoberto, por ordem ou até apenas com o acordo dos RR., que estes ulteriormente legitimariam, como que ratificando esses pagamentos, por via do provisionamento da conta a posteriori.
Com efeito, ali apenas se refere que, por várias vezes, com o acordo do Banco, os réus movimentaram a referida conta, a débito, para além do seu saldo.
Ora, sem mais matéria – e tornando inútil a discussão desta - não se pode concluir pela identificação de uma relação comercial com base na qual, pela prática e por imperativo de boa fé nela sustentada, o banco autor tivesse a convicção de dever proceder a quaisquer pagamentos a terceiros, a descoberto, por débito na conta bancária em causa, pois que tal lhe seria aprovado pelos RR., que habilitariam depois a satisfação do crédito assim surgido por via do provisionamento da conta com os valores necessários. Note-se que, muito aquém disso, apenas se deu por provado que algumas vezes os próprios RR. movimentaram a conta a descoberto.
De resto, o banco nem sequer estruturou a sua pretensão numa tal relação de continuidade dos termos de operação da conta bancária em questão, bem como numa confiança advinda dessa prática continuada, pois que alegou a existência de ordem dos réus para que procedesse ao pagamento de quantias a terceiros
Acontece, porém, que no outro documento junto na mesma audiência, e que apenas se mostra junto aos autos um ano depois, se revela uma versão dos factos claramente diferente, em ordem a justificar os pagamentos feitos pelo Banco ao ISS, daí resultando o crédito agora exigido.
Nesse documento, constituído por um email do banco dirigido ao réu AA, a justificação para a exigência do valor pedido foi a seguinte:

Resulta deste documento que o débito para com o banco teria resultado, então, da existência, na conta bancária dos RR., de um saldo credor sobre o qual haveria um pedido de penhora, que o banco se limitou a executar.
Foi, aliás, isso que o tribunal extraiu do depoimento de DD, funcionário do banco autor. Assim, referiu: “A testemunha DD, funcionário do Banco, disse conhecer o processo apenas da consulta dos documentos e disse que o autor foi notificado para a penhora de saldos bancários do requerido e que, na altura da notificação, não a fizeram porque o valor aí depositado era inferior ao do RMN, mas estavam legalmente obrigados a manter aquela conta sob vigilância e logo que aí fosse creditado um valor superior àquele tinham o dever de o penhorar, o que aconteceu mais tarde quando retiveram o montante creditado nessa conta e correspondendo à quota parte dele no montante de €5.028,90. Disse que era o próprio sistema que comunicava este alerta de crédito e disse que depois de ser feita a penhora o executado, ora requerido, foi notificado.”
Porém, cumpre reconhecer que se fosse penhorado e entregue ao IGFSS um valor com que a conta estivesse provisionada, não teria sido gerado um saldo devedor. Acresce que jamais foi essa a tese do banco, como resulta do seu requerimento de 13/9/2021, onde explicou: “…notificado dos documentos juntos aos autos pelos Requeridos, vem dizer que o seu teor vem confirmar a razão do Autor, na medida em na conta dos Réus, foram lançados a débito determinados valores entretanto recebidos pela Segurança Social e que mais não representavam do que dívidas daqueles perante aquele Instituto.
Tais valores foram, assim, adiantados pelo Banco, determinando, consequentemente, um saldo a descoberto na conta dos Réus.
Ora, são precisamente esses valores em débito, que o Banco transferiu para terceiros, que pretende reclamar dos devedores.”
Perante esta versão do banco, que é aquela que consubstanciou a causa de pedir invocada no processo, a versão da citada testemunha não pode ser acolhida: não foi penhorado e entregue ao ISS um valor com que a conta tivesse sido provisionada, eventualmente pelo lançamento a crédito de um valor mutuado pelo banco em 2016, através da operação de crédito descrita pelo funcionário EE, mas que é irrelevante para o que aqui se discute, pois não é esse contrato de crédito a fonte da obrigação invocada. Se assim fosse, isto é, se a conta estivesse provisionada, a operação não teria sido feita a descoberto. Diferentemente, segundo a versão do banco inicialmente exposta e depois repetida, a realidade foi outra: a de que a conta não tinha saldo, mas que operaram o pagamento a descoberto, por débito sobre ela dos valores entregues ao IGFSS, por ter ordem dos requeridos para isso e por ter a convicção de que estes haveriam de repor os valores pagos.
De resto, esses pagamentos ao IGFSS, segundo alegado pelo banco e dado por provado na sentença, ocorreram entre 16/05/2019 e 03/06/2019. Ora o empréstimo foi concretizado em 2016 (segundo EE) e a penhora pretendida pelo IGFSS fora decretada em 2014. Por isso, se os pagamentos tivessem sido justificados pela existência de um saldo credor na conta, teriam ocorrido em 2016, já que o pedido de penhora era anterior.
Pelo contrário, como sempre alegou o banco, os pagamentos foram feitos por descoberto em conta, em 2019, quando ela nenhum valor que permitisse tais pagamentos apresentava.
Mal se compreende, assim, neste contexto, o depoimento do referido funcionário DD, do qual se revela que os pagamentos feitos em 2019 ao IGFSS se justificaram para corrigir a omissão do banco, por não ter concretizado a tempo a penhora anteriormente determinada (em 2014) do saldo que chegou a existir, (em 2016). Foi, por isso, que se aprestou a entregar valores ao IGFSS, em 2019, apesar de a conta não ter então provisão para o efeito. Foi esta última a versão do próprio banco, como já se referiu, que pouco tem de semelhante para com a descrição do referido DD.
Temos, em suma, que de meio de prova algum resulta a comprovação da tese do banco autor: a de que procedeu ao pagamento, ao IGFSS, do valor aqui peticionado (a que agora acrescem juros), por ordem dos requeridos e apesar de a conta não estar provisionada para o efeito. Isso não resulta de qualquer documento, tal como não resulta dos depoimentos de CC ou de EE. E, tão pouco, resulta do depoimento de DD, que veio narrar uma história bem diferente daquela que foi apresentada pelo banco autor.
Pelo exposto, temos por certo que a motivação do pagamento operado em 2019 ao IGFSS não se identifica como qualquer ordem expressa dos RR nesse sentido, nem sequer como inerente a uma prática estabelecida no respectivo relacionamento bancário, na qual se possa descortinar uma instrução tácita de igual teor. Nenhuma dessas hipóteses foi demonstrada. Isto implica que não se dê por provado o teor da al. C dos factos provados, relativo à justificação dos pagamentos feitos pelo banco consubstanciada pela relação comercial existente, ou pela existência de qualquer ordem nesse sentido.
Consequentemente, tal matéria haverá de ser dada por não provada, resultando apenas provado, tal como consta da al. D, que, a débito, no período compreendido entre 16/05/2019 e 03/06/2019, foram lançados diversos pagamentos ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, no valor global de 5,778.9 €.
Elimina-se, pois, do elenco dos factos provados a referida alínea, sem que isso implique, como antes se referiu, que se deva dar por provada qualquer asserção de sentido contrário, que o tribunal enunciara como não provada. É, com efeito inútil a avaliação da matéria descrita no item 2º dos factos não provados, por ser mera impugnação de um facto que ao autor cabia exclusivamente alegar e provar, sem que o tenha feito.
Disto se fará referência, acima, no lugar próprio.
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Fixada que se mostra matéria de facto, com uma alteração significativa por referência àquela que vinha provada da 1ª instância, na medida em que se não deu por provado que o banco tivesse actuado por ordem dos requeridos, ao lançar movimentos a débito e a descoberto numa conta bancária que eles mantinham junto de si, cumpre discutir sobre se se continuam a verificar os pressupostos que motivaram a decisão do tribunal recorrido, de condenação dos RR. na reposição do capital pago pelo banco, e juros sobre ele vencidos.
A sentença recorrida reduz a sua fundamentação jurídica, na parte que releva, ao seguinte excerto: “…sendo o descoberto em conta uma operação de crédito, ela é uma forma de concessão de crédito, na medida em que o banco consente que o cliente levante fundos superiores ao saldo da sua conta, com ou sem acordo prévio com o titular da conta.
Deste modo e de acordo com os referidos princípios, e face a factualidade dada como provada, tornaram-se os réus responsáveis pelos prejuízos que causaram ao Banco e agora cessionário, que correspondem ao valor do saldo a descoberto e que em 05/12/2019, (…) ascendia ao montante de 5.747,86 €.”
Face à factualidade provada, todavia, não se conseguem identificar os elementos que constituiriam a premissa menor desta decisão, isto é, que tenham sido os requeridos a levantar fundos de um conta bancária mantida junto do autor, em circunstâncias por ele autorizadas, operando-se assim, por acção dos clientes com a anuência do banco, uma operação de crédito, que teria como obrigação essencial do lado passivo a de restituição do valor concedido em crédito, isto é, do valor mutuado.
Diferentemente, o que temos demonstrado é que, acedendo a uma interpelação do IGFSS, o próprio banco lhe fez a entrega de 5.778,90 €, por conta dos RR, lançando esse valor a débito na conta bancária destes e pretendendo agora que eles lhe paguem esse valor.
Porém, já constatámos que não se pode justificar essa actuação do banco com uma qualquer ordem ou instrução dos próprios RR nesse sentido.
Por outro lado, mesmo admitindo-se (por não haver interesse na demonstração do contrário ou na eliminação do próprio facto) que, com o acordo do Banco, os Requeridos tenham movimentado a referida conta, a débito, para além do seu saldo, por várias vezes, (al B) dos factos provados) isso de forma alguma é de ordem a permitir reconhecer a existência de uma prática fundada numa relação de confiança à luz da qual o banco tenha reconhecido qualquer instrução tácita dos RR. para que procedesse à entrega dos valores em questão ao IGFSS. Como acima se referiu, a matéria alegada pelo banco é insuficiente para que isso se identifique, sendo até em coerência com isso que o banco veio invocar, isso sim, ter feito tais pagamentos em execução de ordens dos RR.
Temos, assim, por inviável identificar qualquer acto dos RR. tendente a que se lhes possa imputar terem instruído o banco para o pagamento daqueles valores que entregou ao IGFSS, por conta dos deles. Fê-lo, então, porque o próprio IGFSS o pediu e, tanto quanto se pode concluir, à revelia dos RR.
Nestas circunstâncias, poderá imputar-se a qualquer outro título, a obrigação de pagamento dos referidos 5.778,90 € aos RR., valor esse a acrescer com juros?
A resposta a esta questão é necessariamente negativa.
Com efeito, tal como dispõe o nº 1 do art. 767º do C. Civil, qualquer terceiro pode realizar a prestação na vez do devedor (salvo no caso de obrigações infungíveis – cfr. nº 2 da mesma norma). Todavia, realizada a prestação, o direito a reavê-la do devedor está condicionado à verificação dos pressupostos de sub-rogação convencional ou legal, nos termos dos arts. 589º, 590º ou 592º do C. Civil.
No caso, desde logo porque o autor não o alegou, não se mostra verificada qualquer das hipóteses. Nem sequer, por exemplo, se pode concluir que o banco tenha realizado a prestação dos RR ao IGFSS por ter qualquer interesse directo na satisfação de um tal crédito.
Por outro lado, não cabe buscar qualquer outra fonte para uma tal obrigação, pois que nenhuma outra é a causa de pedir.
Inevitável é, por isso, concluir que inexiste fundamento para condenar os RR. a satisfazerem ao banco autor os valores por este entregues ao IGFSS e que a injunção tendia a cobrar.
Por consequência, na procedência da apelação, cabe revogar a decisão recorrida, a substituir por outra que, julgando a pretensão do banco autor não provada e improcedente, absolva os RR. de tudo quanto contra si vinha pedido.
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Sumário:
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3 - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em conceder provimento ao presente recurso, com o que, revogando a decisão recorrida, a substituem por outra que declara não provada e improcedente a acção que o Banco 1..., S.A., faz seguir contra AA e BB, absolvendo estes de tudo quanto contra si vinha pedido
Custas pelo apelado, na acção e no recurso.
Registe e notifique.
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Porto, 16 de Janeiro de 2024
Rui Moreira
Maria Eiró
João Proença