Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | CLÁUDIA RODRIGUES | ||
| Descritores: | COMPETÊNCIA TERRITORIAL FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA COMPETÊNCIA DO JUIZ DE INSTRUÇÃO ATRIBUIÇÃO REGRAS GERAIS EXCEPÇÕES COMPETÊNCIA ORGÂNICA SERVIÇOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO | ||
| Nº do Documento: | RP20231115626/23.4T9VFR-A.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/15/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA) | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. | ||
| Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO CRIMINAL | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I – Não obstante ser certo que a competência territorial pode alterar-se até à dedução da acusação e em função da factualidade que se apurar indiciariamente e dela ficar a constar, a competência de um tribunal fixa-se no momento da “propositura” da acção e não anda a variar ao sabor das ocorrências posteriores do inquérito. II – Durante o inquérito a competência do juiz de instrução define-se pelas normas da competência territorial, pelo que as competências a que aludem os artigos 17º, 268º e 269º do CPP têm que ser aferidas à luz das normas atributivas da competência em função do território, ou seja, a competência funcional do juiz de instrução pressupõe uma prévia determinação da sua competência territorial. III – E a tal entendimento não obsta a possibilidade que dimana do nº 2 do artigo 119º da LOSJ donde se extrai que um juiz de instrução competente, e, portanto, também territorialmente competente, para um determinado processo de inquérito, e definida essa competência, pode praticar actos de instrução em áreas geográficas que não pertençam à área territorial do tribunal em que exerce funções, como será o caso de o mesmo juiz efectuar urgentemente, num mesmo dia, várias buscas em locais distintos e localizados em diversas comarcas. IV –Tal significa que a lei, excecionalmente, atribui competência alargada ao Tribunal de Instrução Criminal do Porto por se encontrar na sede do Tribunal da Relação do Porto e quanto a atividades criminosas que ocorram em comarcas diferentes dentro da área de competência deste Tribunal da Relação. V – No entanto, a reorganização interna dos Serviços do Ministério Público não constitui motivo suficiente para dar origem a uma mudança das regras de competência territorial e funcional dos tribunais, por não influir, sem mais, no regime legal que fixa tal competência. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 626/23.4T9VFR-A.P1 Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: * 1. RELATÓRIO No inquérito com o nº 626/23.4T9VFR atualmente a correr termos na 1ª secção do DIAP Regional do Porto, de que foi extraído o presente recurso em separado, o Ministério Público, em 19.07.2023, proferiu despacho a identificar o objeto do processo – favorecimento de vários intervenientes/adjudicatários em vários contratos públicos praticados pelo executivo da Câmara Municipal ... desde 2009 – e, nos termos do art. 86º, nº 3 do Código de Processo Penal promoveu que os autos fossem remetidos ao Juiz de Instrução Criminal para efeitos de atribuição de segredo de justiça. Remetidos os autos principais ao Juízo de Instrução Criminal do Porto (Juiz 3), o Ex.mo Senhor Juiz proferiu, em 21.07.2023, o seguinte despacho: “Tendo em consideração o teor da denúncia, nomeadamente os factos ali descritos e a sua área geográfica, decido excepcionar a competência territorial deste Tribunal de Instrução Criminal, afigurando-se como territorialmente competente o Tribunal de Instrução Criminal referente à área de .... Ainda assim, atenta a natureza do acto processual cuja promoção é requerida, decido validar a decisão do Ministério Público de manter os presentes autos sujeitos ao segredo de justiça durante a fase do inquérito, nos termos do disposto no artigo 86º, nº 3, do Código de Processo Penal. * Notifique o Ministério Público do teor do presente despacho, nomeadamente da primeira parte, para os fins tidos por convenientes, e devolva os autos.”* O Ministério Público, não se conformando com tal despacho, do mesmo interpôs recurso, na parte em que o Ex.mo Senhor Juiz de Instrução decidiu excecionar a incompetência territorial daquele Juízo de Instrução Criminal para a prática de atos no supra identificado processo de inquérito, cuja motivação condensou nas seguintes conclusões:“1. O Ministério Público não se conforma com o douto despacho de 21.07.2023, na parte em que decidiu excepcionar a competência territorial do Juízo de Instrução Criminal do Porto para a prática de actos no presente inquérito cuja competência foi deferida ao DIAP Regional do Porto, nos termos do disposto no artigo 71.º, n.º 1, al. b) da Lei n.º 68/2019, de 27.08. 2. Com efeito, o DIAP Regional do Porto, previsto na Lei n.º 68/2019, de 2/08, tem a sua competência atribuída por duas vias: por crimes previstos em catálogo legal e que ocorram em mais do que uma das comarcas da área territorial definida por lei (71.º, n.º 1, al. a), e por competência deferida quanto a crimes de manifesta gravidade, complexidade ou dispersão territorial da atividade criminosa justificarem a direção concentrada da investigação (71.º, n.º 1, al. b), do NEMP). 3. Por seu turno, o no seu artigo 120.º, n.º 3 da Lei n.º 62/2013 de 26.08 estatui que (...) a competência dos juízos de instrução criminal da sede dos tribunais da Relação abrange a respetiva área de competência relativamente aos crimes a que se refere o n.º 1, quando a atividade criminosa ocorrer em comarcas diferentes dentro da área de competência do mesmo tribunal da Relação. Já o n.° 4 estabelece que nas comarcas em que o movimento processual dos tribunais o justifique e sejam criados departamentos de investigação e ação penal (DIAP), são também criados juízos de instrução criminal com competência circunscrita à área abrangida. 4. É verdade que, de acordo com o artigo 93.º do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março, o Tribunal Judicial da Comarca do Porto integra, entre outras, al. ag) l. a Secção de instrução criminal, com sede no Porto e que a competência se estabelece nos municípios constantes do mapa III anexo ao citado diploma. 5. Contudo, como interpretar as normas do artigo 120.º do Lei n.° 62/2013 de 26.08? Desde logo, a norma do n.º 3 do artigo 120.º é semelhante à al. a) do n.º 1 do artigo 71º da Lei n.º 68/2019, de 27.08. Então, e nos outros casos, como o presente, de deferimento de competência ao DIAP Regional, nos termos da al. b)? 6. Ora, o artigo 120.º, n.º 4, dispõe nas comarcas em que o movimento processual dos tribunais o justifique e sejam criados departamentos de investigação e ação penal (DIAP), são também criados juízos de instrução criminal com competência circunscrita à área abrangida. 7. O DIAP Regional foi criado com as duas competências previstas no art. 71º Lei n.º 68/2019, de 27.08 (cfr. ainda artigo 94.º e 115.º do Decreto-Lei n.° 49/2014, de 27 de março). 8. Não havia necessidade de criar juízos de instrução criminal no Porto, pois estes já estavam criados. 9. Então, só podemos concluir que o Juízo de Instrução Criminal do Porto tem competência na área abrangida pelo DIAP Regional. 10. Caso assim, não se entendesse iriamos subverter completamente a ratio da norma e o que pretendia o legislador. Vejamos: Então se uma qualquer comarca tiver movimento processual, que justifique a criação de um DIAP, poderia criar-se um juízo de instrução criminal com competência circunscrita à área abrangida, de modo a tornar a justiça mais célere, eficaz e próxima. 11. E no Porto, onde que já há juízos de instrução criminal, estes não seriam competentes e iriamos estar a remeter os inquéritos para outros juízos com competência de instrução criminal. Tal interpretação não faz qualquer sentido, nem foi esta a intenção do legislador. 12. Relembremos que a interpretação da Lei não deverá, nos termos do artigo 9.º do Código Civil, cingir-se à sua letra, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 13. De resto, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. 14. Em tempos de aceso combate à criminalidade económico-financeira e criminalidade violenta, não poderia o legislador querer que as normas de competência territorial conduzissem a dificuldades operacionais, nem ao entorpecimento da investigação e da normal tramitação processual, violando todas as orientações de direito nacional, europeu e internacional. 15. Imagine-se, por exercício, a tramitação das formalidades das operações previstas no artigo 188.° do Código de Processo Penal. Pensemos nas “viagens” que o inquérito teria de fazer de quinze em quinze dias do OPC para o DIAP Regional e depois até à comarca com alegada competência. 16. Seguindo a interpretação do Tribunal a quo, além dos elevados custos com o transporte, estaríamos a arrasar os princípios da economia e celeridade processuais, em clara violação do artigo 6.° da Convenção Europeia do Direitos Humanos, uma vez que também a celeridade da investigação enquadra o conceito de processo justo e equitativo, em prazo razoável. 17. Por fim e em conclusão: se o DIAP Regional do Porto tem a sua competência atribuída nos termos do n.º 1 do artigo 71.° da Lei n.° 68/2019, de 27.08 e se, nos termos do disposto o artigo 120.°, n.° 4 da Lei n.º 62/2013, de 26.08, juízos de instrução criminal com competência circunscrita à área abrangida, então os Juízos de Instrução Criminal do Porto são competentes para a prática dos actos jurisdicionais do presente inquérito. 18. Ao decidir como fez, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 120.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 62/2013, de 26.08, 94.º e 115.º do Decreto-Lei n.° 49/2014, em conjugação com o artigo 71.º, n.º 1 da Lei n.° 68/2016, de 27.09 e fez uma interpretação de tais normas desconforme ao artigo 11.º do Código Civil, artigo 8.° da Constituição da República Portuguesa e artigo 6.° da Convenção Europeia do Direitos Humanos. Nestes termos e nos demais de direito, deverá o presente RECURSO ser julgado PROCEDENTE e, em consequência, revogar-se a decisão de 21.07.2023, na parte em que excepciona a competência do Juízo de Instrução Criminal do Porto, declarando-se a sua competência para a prática dos actos jurisdicionais do presente inquérito; Só assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA! * Por despacho proferido em 16.10.2023 foi o recurso regularmente admitido, sendo fixado o regime de subida imediata, em separado e com efeito suspensivo.O Ex.mo Senhor Juiz que proferiu o despacho recorrido, em 20.10.2023 sustentou o seu despacho de incompetência territorial. * Subiram os autos a este Tribunal da Relação, onde a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se reporta o art. 416º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de CPP), defende o provimento do recurso escrevendo, nomeadamente:“(…) parece-me que o recurso interposto pelo Ministério Público deve ser provido, pelas razões invocadas na motivação do recurso, conforme conclusões do mesmo. Acrescenta-se, ainda, em abono da tese do MP, que a competência para a investigação do inquérito por parte do DIAP Regional do Porto não foi atribuída, no presente caso, em virtude da dispersão territorial, mas em virtude da complexidade dos factos criminosos a investigar, ou seja, a competência foi atribuída nos termos do disposto no artigo 71º, n.º 1, al. b) da Lei n.0 68/2019, de 27/08. Assim, parece-me que, ao contrário do sustentado pelo M. º JIC, não tinha o MP que “abordar” a questão da atividade criminosa em Investigação ocorrer em comarcas diferentes dentro da área de competência do Tribunal da Relação do Porto (que é claro não se verificar no presente caso), para considerar que o Juízo de Instrução Criminal do Porto deve ser o territorialmente competente para a realização dos atos jurisdicionais do inquérito. Aliás, parece-me que resulta das motivações de recurso que os fundamentos do mesmo não têm que ver com a aplicação da al. a) do n.º 1 do artigo 71º da Lei n.º 68/2019, de 27/08, mas antes com uma interpretação, conjugada, de várias normas de acordo com o disposto no artigo 9º do Código Civil.” Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir. * 2. FUNDAMENTAÇÃOO âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso. Levando em conta o teor do despacho recorrido acima transcrito e das conclusões do recurso interposto, a única questão a decidir é a de saber se o Juízo de Instrução Criminal do Porto é ou não territorialmente competente para a prática dos actos jurisdicionais do inquérito de que foi extraído o presente recurso. Eis o que está assente e com relevo retirado da certidão junta aos autos: a) Foi apresentada em 13 de Janeiro de 2023 na Procuradoria-Geral da República e no DIAP Regional do Porto (1ª secção Crime Económico-Financeiro e Crime Violento) denúncia anónima, com referência aos factos investigados sob o nome “...”, e através da qual se dá conta de factos praticados pelo executivo da Câmara Municipal ..., desde o ano de 2009, favorecendo vários intervenientes/adjudicatários em vários contratos público de obras/empreendimentos/serviços/concessões e outros. b) Apresentada a despacho tal denúncia anónima em 16.01.2023, é sugerida à Diretora do DIAP Regional do Porto em 17.01.2023, a remessa da denúncia anónima ao DIAP ... (...) por ser o territorialmente competente para conhecer dos factos denunciados e correspondente investigação nos termos do art. 264º, nº 1, do CPP, que mereceu concordância daquela e determinou se procedesse em conformidade. c) Autuados como inquérito com o nº 626/23.4T9VFR pelo DIAP ... (1ª secção de ...), este propôs a remessa dos autos para o DIAP Regional do Porto (1ª secção) a qual foi aprovada em 07.03.2023 pelo Procurador-Geral Regional que deferiu a competência a este último, ao abrigo do disposto no artigo 71º, n.º 1, al. b) do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27/08, mediante o despacho nº 27/2023. d) Enviado o antedito inquérito para a 1ª secção do DIAP Regional do Porto, de que foi extraído o presente recurso em separado, o Ministério Público, em 19.07.2023, proferiu o despacho delimitando a factualidade sob investigação subsumindo-a à prática de crime de prevaricação, por titular de cargo político, previsto e punido pelo art. 11º da Lei 3/87 de 16/07 (praticados pelo executivo da Câmara Municipal ...) sobre o qual se pronunciou a decisão recorrida. Progredindo para a apreciação do mérito do recurso: A decisão recorrida excepciona a competência territorial do Tribunal de Instrução Criminal do Porto para a prática de atos no inquérito (de que estes autos constituem apenso), cuja competência foi deferida ao DIAP Regional do Porto tomando por base o teor da denúncia que consta do inquérito, nomeadamente os factos ali descritos e a sua área geográfica. E aponta como territorialmente competente o Tribunal de Instrução Criminal referente à área de .... Já no despacho proferido posteriormente, em que sustenta o seu despacho de incompetência territorial, o Sr. Juiz de Instrução aprofunda os fundamentos da assumida posição. Vejamos então. As regras processuais que regem sobre a competência de Ministério Público para a realização do inquérito encontram-se nos arts. 264º, n.ºs 1, 2, 3, 4 e 5, e 266º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPP. Decorre por isso à evidência do assinalado complexo normativo (certamente como emanação da exclusividade que lhe cabe na direção do inquérito – art. 263º, n.º 1, do CPP) que tudo o que à dita competência respeita é da “responsabilidade” de Ministério Público, ou seja, é o Ministério Público que define, ainda que vinculadamente, a competência para a realização do inquérito. No caso vertente, como decorre do supra exposto, ocorreu uma transmissão dos autos de inquérito com o nº 626/23.4T9VFR do DIAP Regional do Porto para o DIAP ... (1ª secção de ...) e de novo para o DIAP Regional do Porto, relembrando-se que, considerando os factos denunciados, o Ministério Público delimitou a factualidade sob investigação subsumindo-a à prática de crime de prevaricação, por titular de cargo político, previsto e punido pelo art. 11º da Lei 3/87 de 16/07 (praticados pelo executivo da Câmara Municipal ...). E, como decorre do antedito, a competência para a investigação foi deferida ao DIAP Regional do Porto, em razão da complexidade dos factos criminosos a investigar (art. 71º, n.º 1, al. b), do NEMP - Novo Estatuto do Ministério Público, aprovado da Lei nº 68/2019, de 27.08 “Os DIAP regionais são competentes para: (…) Precedendo despacho do procurador-geral regional, dirigir o inquérito e exercer a ação penal quando, relativamente a crimes de manifesta gravidade, a complexidade ou dispersão territorial da atividade criminosa justificarem a direção concentrada da investigação.”) Isto posto, é ponto assente a competência do DIAP Regional do Porto para a tramitação do antedito inquérito. Por seu turno, como já aflorado supra, de acordo com o disposto no art. 263º, n.º 1, do CPP, cabe ao Ministério Público a direção do inquérito, sendo que, por isso, e para a realização das finalidades do inquérito, pratica os actos e assegura os meios de prova, nos termos do art. 267º do CPP. No entanto, e em conformidade com este mesmo mandamento legal, actos de inquérito há que só podem ser praticados ou autorizados pelo juiz de instrução (estão eles espalhados pelos arts. 268º, n.º 1, als. a) a f), e 269º, n.º 1, als. a) a f), ambos do CPP). Ora, de acordo com o que dispõe o art. 17º do CPP, compete ao juiz de instrução exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito, nos termos previstos nesse Código. No mesmo sentido, igualmente, o art. 119º nº 1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), nos termos do qual, além do mais, “compete aos juízos de instrução criminal (…) exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito”. Nessa decorrência, entende o MP recorrente que compete ao Juízo de Instrução Criminal do Porto a prática dos actos jurisdicionais no inquérito do qual emergiu o presente recurso, na medida em que tem competência na área abrangida pelo DIAP Regional do Porto. Ou seja, entende o recorrente que a competência da Instância Central de instrução criminal do Tribunal Judicial da Comarca do Porto corresponde à área abrangida pelo correspondente DIAP da comarca e, bem assim, pelo DIAP Regional, de acordo com uma interpretação atualista da lei à luz do Novo Estatuto do Ministério Público aprovado pela Lei n° 68/2019, de 27 de agosto. Já o Tribunal recorrido, professa o entendimento de que não é esse tribunal competente para exercer funções jurisdicionais relativas a este inquérito em virtude da área geográfica dos factos descritos na denúncia, por estar a competência do Tribunal de Instrução Criminal do Porto circunscrita aos Municípios do Porto, Gondomar, Valongo e Vila Nova de Gaia conforme mapa III anexo ao Decreto-Lei nº 49/2014, de 27 de março, que regulamentou a sobredita Lei de Organização do Sistema Judiciário (vide ainda art. 93º do referido DL 49/2014 “O Tribunal Judicial da Comarca do Porto integra secções de instância central, designadamente a 1ª Secção de instrução criminal, com sede no Porto - cfr. nº 1, al. g).) Efetivamente os autos revelam que foram denunciados factos ocorridos em ..., e por essa razão enviou o DIAP Regional do Porto a denúncia para o DIAP ..., e os autos lá se iniciaram, acabando por regressar ao DIAP Regional do Porto onde agora estão. Ora, pese embora tivesse o Exmº Procurador Geral Regional de ... toda a legitimidade funcional e legal para dirigir os serviços do Ministério Público da forma que entendesse mais conveniente (abrigado no art. 68º do NEMP), o que não pode ocorrer é que o Ministério Público entenda que tal despacho altera as normas do Código de Processo Penal na vertente da competência territorial. Com efeito, a competência de um tribunal fixa-se no momento da “propositura” da acção e não anda a variar ao sabor das ocorrências posteriores do inquérito, não obstante ser certo que a competência territorial se pode alterar até à dedução da acusação e em função do que se apurar indiciariamente e ficar a constar – como factos – dessa acusação. Isto porque afirma o art. 37º, nº 1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ) que na ordem jurídica interna, “a competência reparte-se pelos tribunais judiciais segundo a matéria, o valor, a hierarquia e o território”, que essa competência se fixa “no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei” (art. 38º do diploma) e que “nenhuma causa pode ser deslocada do tribunal ou juízo competente para outro, a não ser nos casos especialmente previstos na lei”, clássica e sabida proibição de desaforamento (art. 39º). Donde, mesmo durante o inquérito a competência do juiz de instrução define-se pelas normas da competência territorial, pelo que as competências a que aludem os supra referidos arts. 17º, 268º e 269º do CPP, têm que ser aferidas à luz das normas atributivas da competência em função do território. Ou seja, a competência funcional do Juiz de Instrução pressupõe uma prévia determinação da sua competência territorial E a tal entendimento não obsta o nº 2 do art. 119º da LOSJ “Quando o interesse ou a urgência da investigação o justifique, os juízes em exercício de funções de instrução criminal podem intervir, em processos que lhes estejam afetos, fora da sua área territorial de competência.”, pois o que tal norma afirma é que um juiz de instrução competente (e, portanto, também territorialmente competente) para um determinado processo de inquérito (e definida essa competência) pode praticar actos de instrução em áreas geográficas que não pertençam à área territorial do tribunal em que exerce funções. É o caso de o mesmo juiz efectuar urgentemente, num mesmo dia, várias buscas em locais distintos e localizados em diversas comarcas. Não faria qualquer sentido que para diligências deste tipo se exigisse que as buscas em locais situados fora do território da comarca fossem realizadas muito tempo depois por implicarem o envio de deprecadas para buscas. E portanto, a sua intervenção na área de outra comarca está para além da definição da competência territorial prévia do tribunal. Esta, a competência territorial do tribunal onde esse juiz exerce funções, foi definida previamente com a existência de um inquérito numa dada comarca onde o MP requereu a realização de buscas. Já em relação a situações especiais, determina o nº 3 do art. 120º da Lei n.º 62/2013 de 26.08 (LOSJ) que “(…) a competência dos juízos de instrução criminal da sede dos tribunais da Relação abrange a respetiva área de competência relativamente aos crimes a que se refere o n.º 1, quando a atividade criminosa ocorrer em comarcas diferentes dentro da área de competência do mesmo tribunal da Relação. A significar que a lei, excecionalmente, atribui competência alargada ao Tribunal de Instrução Criminal do Porto por se encontrar na sede do Tribunal da Relação do Porto e quanto a atividades criminosas que ocorram em comarcas diferentes dentro da área de competência deste Tribunal da Relação. Todavia, como visto, a atividade criminosa em investigação não ocorre em comarcas diferentes da área de competência deste Tribunal da Relação, nem sequer na zona territorial de atuação do Tribunal de instrução Criminal do Porto. Quanto ao invocado argumento decorrente do preceituado no nº 4 do citado art. 120º “Nas comarcas em que o movimento processual dos tribunais o justifique e sejam criados departamentos de investigação e ação penal (DIAP), são também criados juízos de instrução criminal com competência circunscrita à área abrangida.” também não se nos afigura relevante – a criação juízos de instrução criminal por referência à criação de DIAPs e se o movimento processual dos tribunais o justificar - , pois como o próprio recorrente refere não havia necessidade de criar juízos de instrução criminal no Porto, pois estes já estavam criados, e sequer se sabe se o movimento processual o justificaria. Já as dificuldades operacionais convocadas pelo MP recorrente, adiantando o exemplo da “tramitação das formalidades das operações previstas no artigo 188.° do Código de Processo Penal. Pensemos nas “viagens” que o inquérito teria de fazer de quinze em quinze dias do OPC para o DIAP Regional e depois até à comarca com alegada competência.”, não possuem validade no que ao aspeto jurídico da questão tange pelo que não merecem tratamento nesta sede. Mas mais se adianta que sequer se trata de interpretar a Lei conforme determina o art. 9º do Código Civil - “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.” – conforme pretende o recorrente, pois não nos podemos esquecer que é o próprio Ministério Público que decidiu, e obviamente legitimado pela lei, tramitar o inquérito em apreço à revelia das normas de competência territorial fazendo uso de uma competência que, alheada da dispersão territorial, se alicerça na complexidade dos factos criminoso a investigar. Acresce que, e quando o legislador quis atribuir competência específica a determinado Tribunal de Instrução Criminal, disse-o expressamente como cristalinamente resulta do disposto no invocado art. 120º, n.ºs, 1, 3 e 5, da LOSJ. Aliás a norma que o recorrente invoca em prol da sua tese não foi pensada para a criação de Departamentos de Investigação e Ação Penal Regionais que não se confundem sequer com os Departamentos de Investigação e Ação Penal (departamentos diferentes na mesma estrutura orgânica do Ministério Público). Os primeiros foram criados pelo Novo Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n° 68/2019, de 27/08, e sediados na comarca sede da procuradoria-geral regional, atribuindo-lhes competência exclusiva para dirigirem o inquérito e exercerem a ação penal em matéria de criminalidade violenta, económico-financeira, altamente organizada ou de especial complexidade - cfr. art. 70º. E nesta medida, a competência do DIAP Regional do Porto para processar os actos de inquérito na sequência do despacho do Exmº Procurador-Geral Regional não é coincidente com a competência territorial do JIC para a prática de actos jurisdicionais. Pelo que, a reorganização interna dos Serviços do Ministério Público não constitui motivo suficiente para dar origem a uma mudança das regras de competência territorial e funcional dos tribunais, por não influir, sem mais, no regime legal que fixa tal competência. Nestes termos, e em consequência, o Tribunal de Instrução Criminal do Porto é territorialmente incompetente para exercer as funções jurisdicionais no inquérito à margem referenciado. Aqui chegados, e em conclusão: o recurso não merece provimento. 3. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público confirmando integralmente a decisão recorrida. Sem custas por delas estar isento o recorrente (art. 522º, nº 1 do CPP) Notifique. Porto, 15 de novembro de 2023 Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pelos Meritíssimos Juízes Adjuntos. Cláudia Rodrigues Manuel Soares William Themudo Gilman |