Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANA LUCINDA CABRAL | ||
Descritores: | DECISÃO DO CONSERVADOR DE REGISTO PREDIAL IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DOCUMENTO PARTICULAR AUTENTICADO REQUISITOS DA AUTENTICAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP20210525578/20.2T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 05/25/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Para efeito de servir de base a um registo predial não tem valor de documento particular autenticado o documento particular elaborado por advogado que em simultâneo é quem subscreve o termo de autenticação. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 578/20.2T8PFR.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este Juízo Local Cível de Paços de Ferreira Acordam no Tribunal da Relação do Porto I – Relatório B…, não se conformando com a decisão de qualificação de recusa do pedido de registo de aquisição, proferida pela Exma. Conservadora do Registo Predial de Paços de Ferreira, veio dela interpor RECURSO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL, ao abrigo dos artigos 140.º e segs., do Código do Registo Predial. Alega, em síntese, que: - Foi apresentado para elaboração de registo predial que incide sobre o imóvel descrito sob o n.º 855 da freguesia …, concelho de Mangualde, distrito de Viseu, documento particular elaborado e assinado pelo impugnante devidamente acompanhado por termo de autenticação. - O motivo de recusa não é válido, uma vez que apenas poderia recusar-se o registo se o documento particular apresentado, objecto de autenticação, não se encontrasse assinado pela entidade autenticadora. - A assinatura da entidade autenticadora tem que constar de todos os documentos que compõem ou acompanham o documento particular autenticado. - Encontram-se preenchidos todos os requisitos exigidos por lei para regularidade dos documentos apresentados para registo, pelo que inexiste fundamento para a sua recusa - Assim sendo, o despacho de recusa deve ser revogado, ordenando-se a concretização do registo apresentado, como definitivo. A Exma. Sr.ª Conservadora do Registo Predial de Paços de Ferreira sustentou a sua decisão, referindo, em suma, que o documento particular autenticado não foi lavrado de acordo com os requisitos legais que lhe são próprios, uma vez que a entidade autenticadora outorgou e assinou o documento particular, participando na sua elaboração e lavrando termo de autenticação de seguida, o que não é possível, para além de que a verificação da identidade das partes e a referência aos documentos exibidos e arquivados foi incorrectamente efectuada no documento particular, pois tais referências devem constar obrigatoriamente do termo de autenticação. Assim, o documento particular autenticado não chegou a adquirir a natureza de documento particular autenticado, inviabilizando, por isso, o seu ingresso definitivo no registo. Por último, refere que o processo de registo em apreço não foi instruído com documento comprovativo do efectivo pagamento do imposto de selo devido pela partilha subsequente ao divórcio. Pelo que, se não fosse a qualificação de recusa, sempre seria o registo lavrado como provisório por dúvidas. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de não merecer provimento o recurso. Foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:” Nestes termos e abrigo das disposições legais supracitadas, julgo improcedente o presente recurso, confirmando-se o despacho de qualificação de recusa do pedido de registo de aquisição requerido pela ap. 59 de 06/01/2020, referente ao prédio urbano descrito sob o n.º 855/20060601, na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira.” B… veio interpor recurso de apelação, concluindo: 1. Foi recusada a apresentação nº 59 de 16-01-2020 porquanto, alegadamente, o documento particular autenticado que serviu de base ao registo, não obedecia aos requisitos legais; 2. Concretamente, os constantes dos art. 43.º, 68.º, 69.º, nº 1, al b), todos do Código de Registo Predial. 3. Por não se concordar com o despacho de recusa proferido, foi apresentada impugnação judicial que, sumariamente, confirma o despacho administrativo proferido. 4. Com efeito, foi apresentado documento particular autenticado, acompanhado do respectivo termo de autenticação para elaboração de registo predial de aquisição. 5. Documento validamente elaborado e legalmente suficiente para o acto, conforme resulta do nº 1 do art. 35.º do Cod. Notariado. 6. Tanto o Documento Particular Autenticado, como o respectivo Termo de Autenticação encontram-se elaborados com o estrito cumprimento dos requisitos previstos no art. 46.º do Cod. Notariado, conforme facilmente resulta da análise dos mesmos. 7. Deste modo, inexiste qualquer falta ou insuficiência dos elementos indispensáveis e resultantes do disposto no art. 46.º do Cod. Notariado, da qual resultasse nulidade ou ineficácia. 8. A Sra. Conservadora responsável pela recusa do registo, entende que o facto de o termo de Autenticação se encontrar assinado pela Advogada, na qualidade de entidade autenticadora, resulta em motivo de recusa. 9. Ora, tal conclusão resultará certamente de lapso na interpretação da Lei, porquanto, a falta de assinatura sim representaria motivo de recusa. 10. Tanto mais que, a assinatura da entidade autenticadora como requisito de validado do documento consta prevista na al. n) do nº 1 do art. 46.º, bem como do art. 56.º, ambos do Cod. Notariado. 11. Deste modo, encontrando-se amplamente reconhecida a competência de Advogados para a elaboração e autenticação de documentos particulares autenticados, pelo Decreto- Lei nº 76-A/2006, de 29 de Março; 12. E constando dos documentos juntos o cumprimento de todos os requisitos conducentes á sua validade como documentos suficientes para o acto cujo registo se requereu; 13. Nenhum motivo existe para a recusa da concretização do registo apresentado; 14. Devendo o presente recurso ser liminarmente admitido e, em consequência; 15. Ser ordenada a revogação da decisão de recusa proferida e substituída por outra que ordene a concretização do registo de aquisição requerido, nos termos em que o foi. NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS. DEVE: A) SER A DECISÃO PROFERIDA REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE ORDENE A CONCRETIZAÇÃO DO REGISTO APRESENTADO, COMO DEFINITIVO. ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA! Nos termos da lei processual civil são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal. Assim, a questão a resolver consiste em saber se há justificação para a recusa do registo por o documento particular autenticado não se encontrar correctamente lavrado, não constituindo, por isso, título suficiente para registo. II – Fundamentação de facto O tribunal recorrido considerou provado: 1) Mediante documento escrito denominado “Partilha em consequência de divórcio”, outorgado no dia 30 de novembro de 2019, no escritório da Exm.ª Sr.ª Advogada Dr.ª C…, pela mesma foi dito que, perante si, compareceram, como outorgantes, B… e D…, com a identificação constante de fls. 18, que, perante a Sr.ª Advogada, declararam o teor de fls. 18 a 20, que aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente que, em 29-06-2017 procederam à dissolução do casamento contraído por meio de divórcio e que na constância do matrimónio adquiriram a casa de habitação composta por rés-do-chão e 1.º andar, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 723 da freguesia de … e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 855.º, a qual, pelo presente contrato de partilha, adjudicam a B…, tendo D… declarado que já recebeu tornas do adjudicante, dando a respetiva quitação. 2) Desse documento consta que pela Sr.ª Advogada, Dr.ª C…, foi conferida a identidade dos declarantes pela consulta dos documentos de identificação …………, válido até 08-08-2028 e …………., válido até 17-07-2028 e foi declaro que as cópias eram arquivadas em anexo. 3) Consta ainda que a Sr.ª Advogada conferiu a identificação e titularidade do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 723 da freguesia de Quintela de Azurara e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 855.º, pela consulta da certidão eletrónica predial n.º PP-….-…..-……-…… e respetiva certidão de teor, cuja cópia declarou que arquivou em anexo. 4) A Sr.ª Advogada fez constar, do referido documento, “Feita a leitura e explicação do presente contrato aos declarantes, é pelos mesmos declarado que se encontram totalmente esclarecidos do teor do presente contrato e que com o mesmo concordam por corresponder à real expressão das suas vontades. Nada mais havendo a declarar, assinam o presente contrato que é por mim autenticado e registado no Portal da Ordem dos Advogados com o n.º ……/.. de 30-11-2019”. 5) O documento suprarreferido mostra-se assinado por B…, D… e pela Sr.ª Advogada Dr.ª C…. 6) Anexo ao documento suprarreferido mostra-se o documento de fls. 21 denominado “Termo de Autenticação” com o teor de fls. 21 que aqui se dá por integralmente reproduzido, assinado por B…, D… e Dr.ª C… e o documento comprovativo de registo on-line dos atos dos advogados com o n.º ……/.., com o teor de fls. 22 a 23 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 7) Pela ap. n.º 59 de 06/01/2020, a Exm.ª Sr.ª Advogada, Dr.ª C…, requereu o registo de aquisição sobre o prédio urbano descrito sob o n.º 855/20060601, da freguesia …, concelho de Mangualde, a favor de B…, tendo por base o documento referido em 1) a 5) com os anexos referidos em 6). 8) A instruir o referido requerimento, juntou, para além de tal documento, uma caderneta predial urbana e um duplicado fiscal. 9) O registo foi recusado mediante despacho de qualificação com o seguinte teor: “(…) o documento particular autenticado apresentado não se encontra corretamente lavrado na medida em que o próprio documento particular foi outorgado e assinado pela entidade autenticadora, não constituindo, por isso, título suficiente para registo. A celebração de documento particular que titule atos sujeitos a registo predial passa por três fases: a elaboração do documento particular, a sua apresentação à entidade autenticadora que exarará o termo de autenticação com observância dos requisitos legais a que o ato está sujeito e um terceiro e último momento que é o depósito na plataforma eletrónica através do sítio na internet com o endereço www.predialonline.mj.pt – cfr. Artigo 24º do D.L. n.º 116/2008 e Portaria n.º 1535/2008. Na primeira fase o documento particular é outorgado e assinado unicamente pelas partes, a entidade autenticadora nesta fase não outorga nem subscreve o documento. Ora, pela análise do documento apresentado a instruir o peticionado registo de aquisição verifica-se que o mesmo não obedece aos referidos requisitos legais, motivo pelo qual o registo não pode deixar de ser recusado. Caso o presente registo não fosse recusado, o mesmo seria lavrado como provisório por dúvidas uma vez que não foi apresentado o comprovativo do pagamento do imposto de selo devido pelo ato objeto de registo – artigo 72.º, do Código do Registo predial. Normativo aplicável: artigos 43.º, 68.º e 69.º, n.º1, al. b), do Código do Registo Predial.” III – Fundamentação de direito A tradição no ordenamento jurídico português era a de que, de acordo com o disposto nos artigos 363.º, n.º 3 do Código Civil, 35.º, n.º 3, e 150.º, n.º 1 do Código do Notariado, os documentos particulares eram havidos por autenticados quando confirmados pelas partes perante notário, nos termos prescritos na lei notarial. O DL 116/2008 de 04/07, que adoptou medidas de simplificação, desmaterialização e eliminação de actos e procedimentos no âmbito do registo predial e actos conexos, alterou a forma de diversos actos (artigo 22º), permitindo em alternativa à escritura pública o documento particular autenticado. Diversos negócios jurídicos sobre imóveis passaram a ser titulados por solicitador, mediante autenticação (termo autenticação). O documento particular autenticado deverá respeitar todos os requisitos de legalidade, (aplicável ao negócio jurídico em concreto) aplicando-se (com as necessárias adaptações) as normas do Código do Notariado. (artigo 24º, nº-1 DL116/2008). Em suma, a par da escritura pública, passou a ser documento formalmente válido para a celebração dos actos previstos nas alíneas a) a g) do artigo 22.º do mesmo Decreto-Lei. Por seu turno, o Decreto-Lei n.º 76-A/2006, no âmbito da simplificação e eliminação de actos e procedimentos notariais e registrais, no seu artigo º 38.º, estabeleceu: “1- Sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.º 244/92, de 29 de Outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos nos termos previstos na lei notarial. 2- Os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efectuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial.” Conceptualmente, a escritura é um documento elaborado pelo notário, mediante a sujeição a um rigoroso procedimento que passa pelas exigências da sua redacção em língua portuguesa, da presença simultânea de todos os intervenientes, do controlo da identidade das partes, da validade da sua representação e da legalidade do acto que nele consigna, por forma expressa e escrita, a declaração da vontade das partes, e que é subscrito pelo próprio e pelos outorgantes (cuja vontade o mesmo exprime e autentica - n.º 2 do artigo 42.º, C.N), noção esta à qual é ainda inerente o facto do original do documento ficar arquivado (art.º 36.º, n.º 1 do Código do Notariado). Ao invés, o documento particular é outorgado e assinado pelas partes, sendo que nesta altura a intervenção da entidade autenticadora apenas ocorrerá, eventualmente, na sua qualidade de profissional habilitado e no exercício da função de aconselhamento técnico jurídico, que lhe é própria, ajudando as partes na redacção do documento em causa ou até redigindo-o para depois ser assumido e assinado somente pelas partes. Ao permitir-se que actos que anteriormente só podiam ser celebrados por escritura pública possam igualmente ser titulados por documento particular autenticado, operou-se um reforço de rigor no tradicional documento particular autenticado com vista à manutenção da segurança jurídica que a natureza e a função destes actos exigem, designadamente: a) quando titulem actos sujeitos a registo predial, devem conter os requisitos legais a que estão sujeitos os negócios jurídicos sobre imóveis, aplicando-se subsidiariamente o Código do Notariado (artigo 24º, nº1); b) o titulador deve assegurar-se do integral cumprimento das obrigações fiscais – artigo 25º; c) a obrigatoriedade do autenticador proceder ao arquivo dos originais dos documentos particulares autenticados, bem como dos documentos que o instruam e que não constem de arquivo público – artigo 24º, nº6 e artigo 4º, nº 1 da Portaria nº 153/2008, de 30 12; d) o depósito electrónico do documento particular autenticado, bem como dos documentos que fiquem arquivados, do qual depende a validade do documento particular autenticado – artigo. 24º, nº2; e) a imposição ao titulador das mesmas obrigações de verificação, comunicação ou participação nos actos como se fossem celebrados por escritura pública – artigo 23º, nº3. Portanto, na constituição deste título divisam-se três momentos: um primeiro momento em que o documento particular é outorgado e assinado pelas partes; um segundo momento em que o documento é apresentado à entidade tituladora para autenticação; e um terceiro momento em que o documento particular e os documentos que o instruíram e que devem ficar arquivados devem ser depositados na plataforma electrónica. Para que este depósito electrónico seja válido, deve ser efectuado na data da autenticação (artigo 7.º, n.º 1, da referida Portaria nº 153/2008), admitindo-se, porém, que isso aconteça nas quarenta e oito horas seguidas, unicamente quando, em virtude de dificuldades de carácter técnico respeitantes ao funcionamento da plataforma electrónica, não for possível realizar o depósito, situação em que este facto deve ser expressamente mencionado em documento instrutório a submeter, indicando o motivo, a data e a hora do facto e a identificação da entidade autenticadora (nº. 2 do artigo 7.º). Deste modo, quando o dito depósito for inválido, porque efectuado fora do prazo mencionado ou com inobservância dos demais requisitos legais, essa invalidade irá afectar a validade da autenticação, não chegando o documento, por tal razão, a adquirir a natureza de documento particular autenticado. O aproveitamento pelas partes desse documento particular implica uma nova confirmação do seu conteúdo perante a entidade autenticadora (que pode ser a mesma ou outra), seguida de novo depósito electrónico. A questão que se coloca nos autos, e que vem sendo debatida, é a de ter sido a Srª advogada a autenticar o documento particular, isto é, conferir-lhe fé pública, participando ainda na elaboração do mesmo. Considerando que a autenticação significa que uma entidade externa, independente dos interesses verifica e autentica o documento, conferindo-lhe, assim, fé pública e que o traço distintivo entre a escritura pública e o documento particular autenticado continua a ser a de que neste o titulador não participa na sua feitura deve respeitar-se, em termos estritos, os respectivos procedimentos caracterizadores, sob pena de poder surgir uma qualquer ambiguidade que venha abalar a certeza que a fé pública confere ao documento em todo o tráfego jurídico. Quer dizer, se o acto lavrado por escritura pública (com os efeitos previstos no artigo 22º) se diferencia daquele que é formalizado por documento particular autenticado, desde logo, por ser o notário e não as partes a redigir o documento, não pode esta diferença ser escamoteada na prática corrente. Embora a força probatória dos documentos autênticos apenas incida sobre os factos que neles se referem “como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora” (artigo 371.º, n.º 1, Cód. Civil), é exigida a assinatura dos intervenientes (os que proferem as declarações registadas) na escritura pública porque se trata da própria realização do negócio jurídico; e este tem os seus autores o que é atestado com as suas assinaturas. O termo de autenticação é feito por uma pessoa só (a que o subscreve) mas tendo por base uma declaração confirmatória do conteúdo do documento cuja autenticação se requer, declaração essa feita pelas partes perante o subscritor do termo. É isto o que a lei exige não sendo necessária a assinatura dos intervenientes no termo pois as menções indicadas no artigo 46.º do Código do Notariado apenas se aplicarão ao termo de autenticação mas com as devidas adaptações. Cumprir a totalidade das disposições do artigo 46º equivaleria à realização de uma escritura, esta sim, um acto notarial a que aplica na totalidade estas prescrições, acto para o qual um advogado não dispõe de competência, face ao disposto no art.º 38.º, do Decreto-Lei n.º 76-A/2006. É preciso, pois, exactidão no recurso aos procedimentos próprios da autenticação dos actos de modo a não haver uma única dúvida nos traços distintivos. E, no plano da publicidade registral, interessa consequentemente determinar, com precisão, o tipo de documento pois, face ao disposto no n.º 1 do artigo 43.º do Código do Registo Predial – “Só podem ser registados os factos constantes dos documentos que legalmente os comprovem.” Ao nível da EU é importante a demarcação dos documentos autênticos, salientando-se a Resolução do Parlamento Europeu, de 18 de Dezembro de 2008, que contém recomendações à Comissão sobre o acto autêntico europeu (2008/2124(INI)) no sentido de instaurar um quadro jurídico claro e completo que garanta aos cidadãos e aos operadores económicos a segurança e a previsibilidade das situações jurídicas e das transacções realizadas por mandatários do Estado. Aí se consigna:” Considerando que a característica essencial do documento autêntico é a sua força probatória, superior à de um documento privado, e que esta força probatória, que se impõe ao tribunal, lhe é regularmente cometida pela legislação dos Estados-Membros devido à confiança de que beneficiam os documentos lavrados, no quadro das transacções jurídicas, por um agente público habilitado para o efeito ou por uma autoridade pública (…) Considerando que a noção de documento autêntico é inexistente em sistemas de common law, em particular nos regimes jurídicos de Inglaterra e do País de Gales, tal como nos países nórdicos; que, embora na Inglaterra e no País de Gales existam advogados (solicitors) que agem como notários, assim como notários de profissão (scrivener notaries), estes profissionais da justiça não podem exarar documentos autênticos, mas tão-somente reconhecer assinaturas, pelo que cumpre, nesta conformidade, ao ser adoptada legislação em matéria de documentos autênticos europeus, tomar medidas no sentido de que não possa ser gerada qualquer confusão neste domínio; que há, por conseguinte, que tomar todas as precauções para garantir que os documentos autênticos não possam ser utilizados em países em que não exista a possibilidade de os mesmos serem efectuados por cidadãos nacionais desses países no intuito de contornar procedimentos prescritos pelos regimes jurídicos existentes nesses países (por exemplo, homologações de testamentos); que, por outro lado, no intuito de consciencializar os profissionais da justiça nos Estados-Membros em que não existam documentos autênticos, a Comissão deveria lançar uma campanha de informação adequada, havendo que empreender todos os esforços para garantir que os profissionais da justiça que operam no domínio da common law tenham consciência do trabalho efectuado por funcionários públicos que actuam no domínio do direito civil e das vantagens potenciais para os respectivos clientes — sobretudo, em termos de certeza jurídica — que advêm da utilização de documentos autênticos em transacções que pretendam concluir em países em que aquele instrumento é utilizado; que tal circunstância põe em evidência a necessidade frequentemente expressa pela Comissão dos Assuntos Jurídicos do Parlamento Europeu de redes transeuropeias de profissionais da justiça, de campanhas e material de informação, assim como de formação geral, que cumpre à Comissão promover…” Todas as razões expendidas convocam no sentido da justificação da recusa do registo por o documento particular autenticado não se encontrar correctamente lavrado, não constituindo, por isso, título suficiente para registo. Elo exposto, delibera-se julgar totalmente improcedente a apelação confirmando-se a sentença recorrida que julgou improcedente recurso e confirmou o despacho de qualificação de recusa do pedido de registo de aquisição requerido pela ap. 59 de 06/01/2020, referente ao prédio urbano descrito sob o n.º 855/20060601, na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira. Custas pelo apelante Porto, 25 de Maio de 2021 Ana Lucinda Cabral Maria do Carmo Domingues Atesta-se que o presente acórdão tem voto de concordância do Exmº Desembargador Adjunto José Carvalho, nos termos do disposto no artigo 15º-A do DL 10-A/2020, de 13/3, na redacção introduzida pelo artigo 3º do DL 20/2020, de 1/5. (A relatora escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.) |