Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JUDITE PIRES | ||
Descritores: | CONTRATO DE EMPREITADA DEFEITOS DA OBRA VIAS LEGAIS DISPONÍVEIS FIXAÇÃO DE PRAZO INCUMPRIMENTO DEFINITIVO | ||
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Nº do Documento: | RP202206087859/21.6YIPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/08/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA A DECISÃO | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O empreiteiro/subempreiteiro deve realizar a obra em conformidade com o que foi convencionado ou projectado e sem vícios que excluam ou reduzam o seu valor, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou contratualmente previsto. II - Apresentando a obra vícios que a afectem, o dono da obra poderá exigir do empreiteiro a reparação dos defeitos, ou a realização de uma obra nova no caso de não ser possível eliminá-los, e caso não seja possível uma ou outra solução, ou recusando-as o empreiteiro, poderá obter a redução do preço ou a resolução do contrato. III - O exercício de cada um desses direitos não pode fazer-se de forma aleatória ou discricionária, mas de modo sequencial, de acordo com as regras dos artigos 1221.º e 1222.º do Código Civil. IV - Se não o fizer com a denúncia dos defeitos, o dono da obra tem de interpelar o empreiteiro, em acto autónomo, para este proceder à sua eliminação, podendo conferir ou não carácter admonitório a essa interpelação. Se esta não tiver esse cariz, a ultrapassagem do prazo fará o empreiteiro incorrer em simples mora no cumprimento da obrigação de eliminar os defeitos. Caso a fixação do prazo contenha inequivocamente a advertência de que o seu decurso determinará o fim da possibilidade do próprio empreiteiro proceder às obras de reparação, a ocorrência desse facto determinará o incumprimento definitivo dessa prestação. V - Não será necessário estabelecer qualquer prazo para o cumprimento da obrigação de eliminação de defeitos, se o empreiteiro desde logo se recusar peremptoriamente a efectuar os respectivos trabalhos, considerando-se então definitivamente incumprida a obrigação. VI - Também deverá ser encarada como uma situação de incumprimento definitivo, a hipótese do empreiteiro não ter logrado eliminar o defeito, apesar de ter efectuado trabalhos com esse objectivo. VII - No caso de o empreiteiro/subempreiteiro não haver procedido à eliminação do defeito ou à construção de obra nova, o dono desta tem direito à redução do preço contratado, desde que a obra, apesar do defeito que padece, não deixe de ter utilidade para ele, aceitando-a como tal. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 7859/21.6YIPRT.P1 Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo de Competência Genérica de Vagos Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.RELATÓRIO 1. “F..., Lda.” apresentou requerimento de injunção contra “D..., Lda.”, ao abrigo do artigo 7.º do Decreto-Lei (DL) 269/98, de 01.09, com vista a obter o pagamento da quantia de 7.485,33 € (sete mil quatrocentos e oitenta e cinco euros e trinta e três cêntimos), acrescida da quantia de 238,30 € (duzentos e trinta e oito euros e trinta cêntimos), a título de juros de mora vencidos, e da quantia de 102,00 € (cento e dois euros), a título de taxa de justiça. Para tanto alegou que, no âmbito da sua actividade, forneceu à requerida portas, sacadas, basculantes vidros e outros, que originaram a factura n.º ..., vencida em 14.08.2020. A requerida procedeu ao pagamento da quantia de 3.458,92 € (três mil quatrocentos e cinquenta e oito euros e noventa e dois cêntimos), ficando em dívida o montante peticionado, que não foi pago com o argumento de que o dono da obra não gostou do material. A requerida deduziu oposição, invocando que efectuou várias reclamações relativas à aplicação e afinação da caixilharia, nunca esta tendo funcionado de forma correcta e normal. A autora nada fez com vista a sanar os defeitos, pelo que, volvidos dois meses, o dono-da-obra não aceitou os vãos de correr; nessa sequência, informou a autora que ia iniciar a desmontagem dos mesmos. O dono da obra acabou por chamar a si a responsabilidade da substituição do material, o que causou à ré um prejuízo de cinco mil euros, que deve ser compensado com o crédito que eventualmente se entenda que a autora possui. Assim não se entendendo, deve ser relegada para execução de sentença o montante correspondente à diferença entre os serviços efectivamente prestados e os não prestados, com vista à redução do preço. Conclui peticionando que: - se julgue verificada a excepção do não cumprimento do contrato; - se julgue definitivamente incumprida a obrigação da requerente e que o prejuízo da requerida ascendeu a cinco mil euros, o qual deve ser compensado com o eventual crédito daquela; - se condene a requerente ao levantamento dos materiais fornecidos, avaliando-se os mesmos em montante que deve ser compensado com o eventual crédito daquela. Subsidiariamente, peticiona a sua condenação a entregar à requerente o material retirado da obra e a pagar à requerente o montante líquido da diferença existente entre o valor da prestação em falta e o valor necessário à redução do preço correspondente aos serviços não prestados. Após distribuição, prosseguiram os autos sob a forma de processo especial para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, nos termos do artigo 17.º do Anexo ao DL 269/98, de 01.09. Convidada para o efeito, a ré aperfeiçoou a oposição deduzida, concretizando os defeitos que a obra apresentou. A autora pronunciou-se por escrito acerca da matéria de excepção invocada, sustentando, em síntese, que foi a ré que escolheu o sistema que foi instalado na obra, pretendendo a solução mais económica, sendo que quando iniciou a instalação da caixilharia se apercebeu de que a estrutura onde a mesma ia assentar tinha sofrido alterações devido a trabalhos existente no interior da obra. Por determinação da ré foi iniciada a montagem dos vãos, tendo a proprietária da obra informado que parassem a mesma, por não ser o que estava previsto e, após intervenção do Engenheiro AA, foi aquela concluída. Após a comunicação da ré acerca da existência de anomalias, foi dada resposta a algumas questões relacionadas com a caixilharia, a qual não era aceite pela dona-da-obra e, em 15 de Outubro, a estrutura continuava com problemas que não permitia resolver o problema das afinações, tudo indicando que ia haver alterações daquela. No entanto, sem que nada o fizesse prever, a 29 de Outubro[1] foi informada de que o dono da obra não aceitou os vãos e que iriam retirar os caixilhos. Os materiais fornecidos não padeciam de qualquer defeito e não se verifica a invocada excepção de não cumprimento, além de que a relação jurídica estabelecida entre as partes é comercial, estando há muito decorrido o prazo para exame da coisa comercializada e, como tal, extintos os eventuais direitos que pudessem assistir à ré. Acrescenta que a compensação só pode ser exercida por reconvenção, a qual não foi deduzida, nem é admitida. Realizou-se a audiência de julgamento, tendo na segunda sessão sido proferido despacho através do qual foram comunicados às partes factos instrumentais e complementares dos oportunamente alegados, susceptíveis de serem considerados pelo Tribunal, na sentença a proferir, nada tendo sido requerido ou invocado por aquelas, nessa sequência. A ré requereu a rectificação da oposição aperfeiçoada, esclarecendo que o vão fixo com sete vidros, indicado no artigo 2.º, ponto I., não apresentou problemas, devendo ser incluído no artigo 1.º, como ponto VII., do mesmo articulado, como material fornecido e não reclamado. Após exercício do contraditório, foi deferida a rectificação requerida. Concluído o julgamento, foi proferida sentença que finda com o seguinte dispositivo: “Por tudo o exposto, decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente e, em conformidade, CONDENAR a ré “D... Unipessoal, Lda.” a pagar à autora “F..., Lda.”, a quantia de 5.054,75 € (cinco mil e cinquenta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora vincendos desde a presente data, até integral pagamento, à taxa supletiva legal para os juros comerciais sucessivamente em vigor. Custas da acção pela autora e pela ré, na proporção dos respectivos decaimentos, que se fixa em 2/5 do valor da acção para aquela, e 3/5 para esta – artigo 527.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil”. 2. Inconformada com tal decisão, dela interpôs a ré recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões: 1. Autora/Recorrida e Ré/Recorrente celebraram um contrato segundo o qual a Recorrida fornecia e instalava, entre outros, sacadas de correr na obra que havia sido adjudicada à Recorrente. Acontece que, 2. efetuada a instalação das referidas sacadas, em 04 de agosto de 2020, as mesmas apresentavam defeitos no seu funcionamento, nomeadamente, não se encontravam afinadas, havendo deficiência no deslizar das folhas, estavam desalinhadas o que não permitia o seu fecho. 3. Daqueles defeitos foi imediatamente dado conhecimento por parte da Recorrente à Recorrida que, por duas vezes tentou a sua reparação, sem sucesso. 4. A Recorrida apesar de posteriormente instada a proceder à eliminação dos defeitos nunca o fez e a Recorrente em 29 de Outubro de 2020 comunica-lhe que o seu cliente, dono da obra, não aceitou os vãos de correr por não estarem e nunca terem estado a funcionar corretamente e que, por essa razão, iria iniciar a desmontagem dos mesmos. Assim, 5. atenta a inércia da Recorrida, a Recorrente viu-se forçada, a pedido do Dono de Obra, a proceder à desmontagem dos vãos de correr, bem como do vão fixo (que embora não apresentasse defeito, por razões estéticas, em função da solução encontrada, tinha de ser substituído) e a proceder ao desconto de € 5.000,00 no valor orçamentado, tendo o Dono de Obra chamado a si a responsabilidade de contratar novo fornecimento e instalação daqueles vãos. Ora, 6. tendo o Tribunal a quo dado como provado que a Autora/Recorrida procedeu à afinação da caixilharia, pelo menos duas vezes. 7. Tendo o Tribunal a quo dado como provado que após essas intervenções os defeitos se continuavam a verificar. 8. Tendo o Tribunal a quo dado como provado que a Autora/Recorrida após essa intervenção não logrou proceder à afinação das sacadas e que a Ré/Recorrente se viu forçada a fazer um desconto de € 5.000,00, ao valor global que o seu cliente lhe pagou. 9. Tendo o Tribunal a quo dado como assente que os meios de prova produzidos pela Autora foram inidóneos a demonstrar que a responsabilidade do incorreto funcionamento dos vãos de correr não lhe é imputável. 10. Tendo o Tribunal a quo dado como assente que parte dos trabalhos realizados pela Autora/Recorrida “apresentavam, efetivamente, defeitos, ou seja, vícios e imperfeições que, pelo menos, reduzem a aptidão dos vãos de correr para o respetivo uso ordinário, implicando, assim uma desvalorização da obra ... nessa medida, estamos perante um cumprimento defeituoso da execução (de parte) da obra, pela autora.”. Mais, 11. Tendo o Tribunal a quo dado ainda como assente que “Provada a existência dos defeitos, incumbia à autora, na qualidade de empreiteira, alegar e provar que os mesmos não de culpa sua, mas sim de facto de terceiro, de força maior ou de caso fortuito, o que não sucedeu.” (sublinhado nosso). Concluindo que, 12. “deve considerar-se legítima e justificada a decisão da ré (isto é, do seu cliente) de adjudicar a reparação dos defeitos a terceiro, na medida em que esta se assomava urgente e que as reparações ocorridas, sem sucesso, eram idóneas a provocar uma perda de confiança na correta execução dos trabalhos, pela autora. ... impõe-se concluir que a reparação dos defeitos já não se mostra possível, devendo ter lugar a redução do preço da obra ...” (sublinhado nosso). Ora, 13. em face de tamanha fundamentação, não se consegue alcançar qual o critério aplicado ao dispositivo final. Isto é, 14. estando assente o cumprimento defeituoso da execução e não tendo a Recorrida logrado provar que esse incumprimento não procedeu de culpa sua, impunha-se, no nosso modesto entendimento, uma decisão diferente da recorrida. 15. Na verdade, da decisão do Tribunal a quo retiramos uma responsabilidade pelo pagamento superior para a Recorrente, que em nada contribui para os defeitos apresentados, do que aquela que recai sobre a Recorrida que foi quem efetivamente incumpriu o contrato. No entanto, 16. a Recorrente, conforme já havia reconhecido e ciente das suas obrigações e compromissos, dos € 5.054,75 em que foi condenada, já procedeu ao pagamento da quantia de € 2.043,24, correspondente ao vão fixo retirado, mas que não apresentou qualquer defeito. No entanto, 17. não efetuou, nem compreende a que título poderá efetuar o pagamento da quantia remanescente de € 3.011,51 em que foi condenada, porquanto respeita, única e exclusivamente aos vãos de correr que foram defeituosamente instalados. Razão pela qual, 18. da conjugação dos factos supra elencados e à luz das regras de experiência comum não poderia o Tribunal a quo ter condenado a Recorrente nos termos em que o fez, impondo-se a revogação parcial da Sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA”. A apelada declarou prescindir do direito de contra-alegar, interpondo recurso subordinado cujas alegações findam com as seguintes conclusões: A/ A Ré na sua defesa invocou a exceção de não cumprimento do contrato, como, aliás, em conformidade com o ponto 20. da sentença, já o havia feito extrajudicialmente e, nessa altura, se defeito existisse, bem, dado que, ainda, ninguém havia mexido na obra executada pela A. e, portanto, estava esta, ainda, em condições de poder nela intervir; B/ Como o revela a matéria de facto exarada na decisão em crítica (pontos 22º e 23º), a Ré optou por comunicar à A. que iria proceder à desmontagem de parte da obra, sem mais, o que, pelos vistos, sucedeu e, por isso, daí em diante ficou afastada a possibilidade de opor à contraparte a figura da exceptio, uma vez que, deixou de estar na esfera da A. a realização de qualquer prestação; C/ A R. lançou mão de uma espécie de resolução, ainda que parcial, do contrato que outorgou com a A., o que fez sem intimar esta a cumprir, por meio da concessão de um prazo razoável com a cominação pretendida, nada nos revelando a matéria de facto quanto à urgência na substituição ou reparação da obra executada pela A., para que, desnecessário se tornasse tal interpelação, pelo contrário, o tempo decorrido era de escassos meses e, por isso, nem a Ré, nem o seu cliente estavam autorizados a retirar a caixilharia nos termos em que o fizeram e a matéria de facto o sugere, aliás, a isso se tinha oposto a A.; D/ Cremos que a relação jurídica em discussão nos autos, sendo comercial, se subsume às malhas legais do Código Comercial e não do Código Civil e, desse modo, eventuais direitos da Ré mostram-se extintos pelo decurso do tempo, mas, a admitir-se o regime do Código Civil, como se sabe, o direito do dono da obra à eliminação dos defeitos, na falta de reparação voluntária pelo empreiteiro após a denúncia, deve ser exercido mediante instauração de ação judicial sob pena de caducidade dos seus direitos (artº 1224º nº 1 do CC) e não mediante simples interpelação extrajudicial; E/ A Ré não tem o direito que a Sentença lhe deu, pois, repete-se, o seu comportamento subsequente à denuncia não tem apoio legal. Existe o pedido de um orçamento para alteração da obra, pois, o dono dela não queria ver tanto alumínio, mas mais vidro (a matéria de facto também o revela, assim como a fundamentação de facto). Portanto, se havia um pedido de orçamento para alteração da obra a ser analisado, do qual esperava a A. resposta, não se compreende, sem mais, uma mera comunicação da Ré àquela dando conhecimento que iria desmontar a caixilharia e, subsequentemente pretender a sua responsabilização; F/ A Ré, outrossim, se fosse o caso, deveria ter dito à A. que o orçamento apresentado não servia e, como tal, dispunha de um prazo razoável para expurgar a obra dos, alegados, defeitos (que não existiam), sob pena de o não fazendo ser responsável pelo danos causados àquela, nomeadamente, derivados da sua reparação, substituição ou outros conexos. Tanto mais que, não provou que as caixilharias não eram suscetíveis de serem afinadas, como o adianta a matéria de facto que o Tribunal considerou não provada e que foi por si alegada; G/ A Ré não interpelou a A. nos apontados termos, antes, optou, a expensas suas e do seu cliente, por retirar as caixilharias e, por isso, está, evidentemente, obrigada a pagar à A. o que deve do serviço que lhe encomendou. E, se prejuízo teve; se dinheiro lhe foi descontado do orçamento com o seu cliente, isso não é oponível à A.; H/ O lesado com a defeituosa execução da obra, para se ressarcir dos respetivos prejuízos, terá de observar a prioridade dos direitos consagrados nos Artºs. 1221º, 1222º e 1223º do Código Civil. É bem de ver que a Ré o não observou; I/ Assim, não existindo interpelação do empreiteiro para cumprir, ou seja, para acabar a obra e eliminar os pretensos defeitos, antes se assumindo a opção de resolver, sem mais, o contrato, o não cumprimento por parte do empreiteiro, a ter existido, apenas ao dono da obra tem de ser imputado; J/ Com a resolução do contrato em tal condicionalismo por parte da Ré colocou-se esta na situação de não poder reclamar do empreiteiro qualquer indemnização com fundamento em defeitos a corrigir ou até por pretensos danos decorrentes da defeituosa execução da empreitada, permanecendo, por outro lado, na obrigação de cumprir para com a A. com o que havia acordado no âmbito da empreitada, no caso, o pagamento integral do preço. Termos em que, nos melhores de Direito cujo proficiente suprimento desse Colendo Tribunal se invoca, deverá o presente recurso merecer total provimento, revogando-se a decisão recorrida nos apontados termos, assim se fazendo Justiça. A apelante respondeu ao recurso subordinado, pugnando pela sua improcedência. Colhidos os vistos, cumpre apreciar. II.OBJECTO DO RECURSO A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito. B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, no caso dos autos cumprirá apreciar a questão da redução do preço devido à demandante pela execução da obra com defeitos e, a ser admissível, os termos dessa redução. III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. 1. Pelo tribunal recorrido foram considerados provados os seguintes factos: 1) A autora exerce a actividade de fabrico, montagem e venda de artigos de alumínio, metal, vidro, caixilharias, janelas, portas, vedações e outros. 2) No dia 15 de Junho de 2020 a ré solicitou à autora um orçamento, para a obra designada “Edifício ...”, através de um mapa de vãos com a indicação do por si pretendido, informando que queria a solução mais económica possível. 3) Entre 18 e 23 de Junho de 2020 a autora enviou à ré dois orçamentos de sistemas diferentes, acompanhados das respectivas fichas técnicas dos vidros e alumínio a aplicar, para esta analisar e escolher o que pretendia, 4) (…) tendo a ré escolhido o sistema mais económico apresentado e, após ter sido acertado o valor final e as condições pagamento, solicitou à autora a respectiva execução, no dia 26 de Junho de 2020. 5) No dia 20 de Julho de 2020 a autora e a ré acordaram, por escrito, na introdução de alterações à encomenda inicial. 6) Em dia não concretamente apurado, ocorrido entre 20 de Julho de 2020 e 4 de Agosto de 2020, a autora deslocou-se à obra para rectificar as medidas da caixilharia. 7) No dia 4 de Agosto de 2020 a autora iniciou a aplicação da caixilharia. 8) No decurso da mesma, surgiu uma das proprietárias da obra, que solicitou a paragem da montagem dos alumínios, por não corresponderem ao que pretendia. 9) Após conversações entre a mesma e AA, engenheiro que, à data, trabalhava por conta da ré, a autora prosseguiu com a montagem dos caixilhos. 10) Assim, no âmbito da sua actividade, a autora efectuou, a pedido da ré, o fornecimento e montagem das seguintes portas, sacadas, basculantes, vidros e outros, na obra referida em 2): 10.1) V1 – Fixo dividido com 7 vidros, no valor de 2.043,24 € (dois mil e quarenta e três euros e vinte e quatro cêntimos); 10.2) V2 – Sacada de correr com 6 Folhas, no valor de 2.095,81 € (dois mil e noventa e cinco euros e oitenta e um cêntimo); 10.3) V2 – Sacada de correr com 6 folhas, no valor de 2.095,85 € (dois mil e noventa e cinco euros e oitenta e cinco cêntimos); 10.4) V3 – Sacada de correr com 6 folhas, no valor de 1.884,85 € (mil oitocentos e oitenta e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos); 10.5) V4 - Porta de abrir com fixo lateral; 10.6) V5 - Basculante 1 F série PK; 10.7) V6 – Fixo série PK40; 10.8) V7 – Basculante 1 F série PK; 10.9) V8 – Fixo com dois vidros; 10.10) V6 – alteração da composição do vidro interior a ser de 6 mm fosco; 10.11) V7 alteração da composição do vidro interior a ser 6 mm fosco; 10.12) V8 alteração da composição do vidro interior a ser 6 mm fosco; 10.13) Extras cantoneiras de remate nos vãos V5/6/7/8/9. 11) Por sugestão da autora, foram aplicados alumínios da marca HASTE, referência PB03 H. 12) A ré pretendia fechar a obra para poder avançar com os trabalhos interiores da mesma. 13) Após concluir a montagem referida em 10), a autora emitiu a factura n.º ..., em 14 de Agosto de 2021, vencida em 14 de Outubro de 2021, que entregou à ré, no montante de 10.944,25 € (dez mil novecentos e quarenta e quatro euros e vinte e cinco cêntimos). 14) Após a realização dos trabalhos referidos em 10): 14.1) a autora e a ré fecharam para férias; 14.2) a ré verificou que os caixilhos referidos em 10.2), 10.3) e 10.4) não se encontravam afinados, havendo deficiência no “deslizar” das folhas, e que estas não se conseguiam alinhar e fechar totalmente. 15) Logo que a autora retomou a sua actividade, a ré comunicou-lhe o referido em 14.2), nomeadamente, por escrito, em 09-09-2020, e verbalmente. 16) Na sequência da comunicação escrita referida em 15): 16.1) as partes estabeleceram conversas acerca da possibilidade de serem introduzidas alterações na caixilharia montada pela autora, aproveitando parte da mesma e reduzindo o número de prumos/alumínio; 16.2) a autora procedeu à afinação da caixilharia, pelo menos, duas vezes. 17) Após o referido em 16.2), continuava a verificar-se o referido em 14.2), 18) (…) o que não permitia que as portas da caixilharia ficassem trancadas, permitindo a respectiva abertura por terceiros. 19) No dia 23 de Setembro de 2020 a autora enviou à ré um orçamento com o custo das alterações referidas em 16.1). 20) Por conta da factura referida em 13), em 15 de Outubro de 2020 a ré pagou à autora a quantia de 3.458,92 € (três mil quatrocentos e cinquenta e oito euros e noventa e dois cêntimos), informando que só procederia ao pagamento do montante remanescente quando as sacadas estivessem afinadas. 21) Após o referido em 17) e 19), a autora não procedeu à afinação das sacadas referidas em 14.2), 22) (…) pelo que no dia 29 de Outubro de 2020 a ré lhe comunicou que o seu cliente, dono da obra referida em 2), não aceitou os vãos de correr por não estarem e nunca terem estado a funcionar correctamente e que, por essa razão, iam iniciar a desmontagem dos mesmos. 23) Em consequência do referido em 16.2), 17), 18) e 21), o cliente da ré procedeu à substituição da caixilharia fornecida pela requerente, identificada em 10.1), 10.2), 10.3) e 10.4), por sua conta, 24) (…) e a ré subtraiu a quantia de cinco mil euros, ao valor global que o seu cliente lhe pagou pela obra referida em 2). 2. E julgou não provados os seguintes factos: a) entre 20 de Julho e 4 de Agosto a autora tivesse efectuado outras deslocações à obra, além da referida em 6) e que tivesse informado a ré de que não estavam reunidas as condições para serem rectificadas as medidas, muito menos, para assentar caixilharia de alumínio b) (…) e que tal tivesse dado origem a algumas rectificações da estrutura de madeira, nessa ocasião; c) quando do referido em 7), a estrutura onde ia ser montada a caixilharia se tivesse alterado e que tal tivesse sucedido devido a trabalhos existentes no seu interior, nomeadamente colocação de materiais pesados, como tijoleira, cimentos, colas, que devido ao seu peso, fizeram com que a estrutura de madeira cedesse em alguns pontos; d) a montagem referida em 7) tivesse ocorrido por determinação da ré com conhecimento do referido em a) parte final e em c); e) o nome da proprietária referida em 8) seja BB; f) a ré tivesse efectuado alterações ao projecto da obra referida em 2), no que concerne aos alumínios, sem o conhecimento dos proprietários da mesma; g) quando do referido em 16.2) e 17), a proprietária não aceitasse a obra, por não gostar do resultado final da mesma; h) no dia 15 Outubro de 2020 a estrutura da obra continuasse com problemas que não permitiam resolver o problema das afinações i) (…) e que, nessa data, tudo indicasse que ia haver alterações à mesma; j) o teor da comunicação referida em 22), tivesse sido recepcionada pela autora sem que nada o fizesse prever; k) a ré não tivesse pago o valor da factura com o argumento que o dono da obra não gostou do material fornecido; l) a ré tivesse procedido ao pagamento do vão referido em 10.1); m) as sacadas de correr aplicadas tivessem, concretamente, cerca de 3m de altura e 8,5m de comprimento, outras duas cerca de 3m de altura e 6,9 m de comprimento e outra com cerca de 3m de altura e 6m de comprimento; n) os alumínios referidos em 11) sejam recomendados, apenas, para janelas de correr, de 2 folhas, com cerca de 2,8m de altura por 1,4m de comprimento; o) após a aplicação dos alumínios, tivesse sido de imediato perceptível a sua fragilidade, nomeadamente no que respeita à espessura para suportar os vãos, com as dimensões que possuem; p) a ré tivesse colocado o material retirado à disposição da autora por diversas vezes; q) atenta a referida fragilidade das estruturas aplicadas, referidas em 10.2), 10.3) e 10.4), não fosse possível, proceder à sua correcta instalação e afinação, sendo necessário proceder à sua substituição por outras caixilharias adequadas à dimensão dos vãos. IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. Por questão metodológica, visto os fundamentos jurídicos para a apreciação do recurso principal e do recurso subordinado entroncarem entre si, e de modo a evitar repetição de argumentos, procede-se à análise conjunta dos fundamentos convocados em ambos os recursos. Alegando ter fornecido à demandada “D..., Lda.” portas, sacadas, basculantes vidros e outros materiais, que originaram a factura n.º ..., vencida em 14.08.2020, instaurou “F..., Lda.” procedimento judicial com vista a obter daquela o pagamento da quantia de € 7.485,33 (sete mil quatrocentos e oitenta e cinco euros e trinta e três cêntimos) – além de juros vencidos -, correspondente ao remanescente do preço que a mesma não pagou. A tal pretensão opôs-se a demandada argumentando, para o efeito, que a caixilharia fornecida pela demandada revelou anomalias, tendo a mesma apresentado diversas reclamações quanto à aplicação e afinação dessas caixilharias, nunca tendo tais defeitos sido devidamente corrigidos, pelo que, volvidos dois meses, o dono da obra não aceitou os vãos de correr fornecidos e aplicados pela demandante, pelo que a demandada informou aquela que ia proceder à montagem dos mesmos. Sustentando que tendo o dono da obra chamado a si a responsabilidade da substituição do material, o que causou à demandada um prejuízo no valor de € 5.000,00, pretende que seja operada a compensação desse valor em relação ao crédito que a demandante eventualmente tenha sobre si. Assim não se entendendo, defende que deve ser relegada para execução de sentença o apuramento do montante correspondente à diferença entre os serviços efectivamente prestados e os não prestados, com vista à redução do preço. Assim, como precisa a sentença recorrida, a questão que importa equacionar nos autos, tomando por base o quadro factual neles recolhido, “é a de saber se a ré deve ser condenada a pagar à autora o remanescente do preço dos serviços que solicitou à mesma ou, ao invés, se tal não se verifica, total ou parcialmente, em virtude de os trabalhos realizados apresentarem defeitos e de a ré ser detentora de um crédito, sobre a autora, emergente dos prejuízos sofridos com a ocorrência daqueles”. O artigo 1154.º do Código Civil define o contrato de prestação de serviços como “aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”, sendo extensíveis aos contratos de prestação de serviço não regulados especialmente na lei, como sucede designadamente com o contrato de empreitada, as disposições relativas ao contrato de mandato, como decorre do artigo 1156º do mesmo diploma legal. No contrato de empreitada, tendo como contrapartida o preço acordado, o empreiteiro obriga-se à realização da obra, que constitui a prestação principal a seu cargo. É o que resulta do artigo 1207.º do Código Civil. Deste modo, “…a obrigação do empreiteiro é uma obrigação de resultado, em que este assume a obrigação de realização de uma determinada obra, de acordo com o convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o seu valor, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (art.º 1208.º do C.C.), não sendo responsável pela não obtenção deste resultado, quando esse fracasso é imputável a causas que não possa dominar”[2]. Como destaca Carlos Ferreira de Almeida[3], “o conceito de obra é portanto essencial para qualificar um contrato como de empreitada e determinar, em consequência, se se lhe aplica o respectivo regime jurídico ou o regime de outros contratos de troca com os quais o contrato de empreitada tem mais afinidades: o contrato de compra e venda (em especial, a compra e venda futura) ou o contrato de prestação remunerada (mas independente) de serviço indiferenciado. Em relação a este, a relevância da qualificação decorre principalmente da aplicação supletiva de um regime bem diferenciado do contrato de empreitada, embora também pertencente à categoria genérica dos contratos de prestação de serviço – o regime do contrato de mandato (artigo 1156º). Em vários direitos, a lei ou a doutrina distinguem o (simples) serviço e a obra consoante a prestação tenha como objecto a actividade em si mesma ou o seu resultado. O mesmo critério tem sido usado pela doutrina portuguesa, mas parece incompatível com o preceito legal segundo o qual a prestação de serviço consiste em proporcionar a outrem certo resultado do trabalho intelectual ou manual (artigo 1154º). Como, na lógica do Código Civil, a obra é uma espécie de serviço, a empreitada teria por objecto a realização do resultado...do resultado. Por isso, sendo a obra um resultado, há de ser um resultado com caracteres específicos em relação ao objecto de outros contratos de prestação de serviço”. E, assim, conclui o mesmo autor: “na falta de definição legal e de um conceito jurídico estabilizado, dever-se-á recorrer à noção comum de obra, por um lado, e ao regime legal do contrato, por outro lado. O resultado de uma actividade exercido no interesse de outrem só tem a natureza de uma obra se obedecer aos seguintes requisitos cumulativos: 1.º Se o resultado se materializar numa coisa concreta, susceptível de entrega de aceitação (cfr. artigo 1218º); 2.º Se o resultado for específico e discreto (isto é, separado em relação ao processo produtivo e em relação a outros resultados obtidos no interesse de quem realiza a actividade ou no interesse de outrem); 3.º Se o resultado houver de ser concebido em conformidade (cfr. artigo 1208º) com um projecto (encomenda, caderno de encargos ou plano, cfr. artigo 1214º) entregue ou aprovado pelo beneficiário [...]. Os dois primeiros permitem distinguir a obra de outros resultados de prestação de serviço. O terceiro requisito permite distinguir a empreitada da compra e venda”. Subempreitada, por sua vez, é o contrato pelo qual um terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra vinculado, ou uma parte dela[4]. Sem controvérsia, caracteriza a sentença impugnada de subempreitada a relação negocial estabelecida entre demandante e demandada: “...subsumindo a factualidade provada supra referida a estes normativos legais, temos que a autora se vinculou, perante a ré, a fornecer e montar caixilharia de alumínio, vidros e acessórios, na obra designada “Edifício ...”, da propriedade de terceiro – 1) a 11) e 22) dos factos provados. Existia, assim, um contrato entre a ré e um terceiro, dono-da-obra, tendo a ré adjudicado a realização de parte da mesma à autora, o que consubstancia uma subempreitada”. De acordo com a realidade factual traduzida nos autos, deve efectivamente caracterizar-se como de subempreitada o contrato celebrado entre autora e ré, no âmbito do qual a primeira se comprometeu a fornecer e aplicar, numa obra que esta estava a realizar para um terceiro, caixilharia de alumínio, vidros e acessórios. Segundo o n.º 1 do artigo 406.º do Código Civil, que consagra o princípio pacta sunt servanda, traduzido no reconhecimento da força vinculativa dos contratos, tal como foram concluídos, em relação aos contratantes “o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contratantes ou nos casos admitidos na lei”. E de acordo com o artigo 762.º do Código Civil, “o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado”. O cumprimento deve, pois, ter por objecto a coisa ou o facto sobre os quais versa a obrigação. No contrato de empreitada, tendo como contrapartida o preço acordado, o empreiteiro obriga-se à realização da obra, que constitui a prestação principal a seu cargo. É o que resulta do artigo 1207º do Código Civil. Poder-se-á, assim, concluir que do contrato de empreitada – do qual é sub-espécie o contrato de subempreitada – derivam para o empreiteiro, e para o subempreiteiro, direitos e deveres recíprocos, com génese no mesmo pacto: para o primeiro, o direito de receber a obra nos termos convencionados – no prazo e de acordo com as condições técnicas ajustadas -, com a correspondente obrigação do pagamento do preço; para o segundo, a obrigação de executar a obra em conformidade com as condições acordadas com o empreiteiro e no prazo convencionado entre ambos, tendo, como contrapartida, direito a receber o preço acordado. Deste modo, “…a obrigação do empreiteiro é uma obrigação de resultado, em que este assume a obrigação de realização de uma determinada obra, de acordo com o convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o seu valor, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (art.º 1208.º do C.C.), não sendo responsável pela não ob*tenção deste resultado, quando esse fracasso é imputável a causas que não possa dominar”[5]. Tal pressupõe que deva o empreiteiro realizar a obra sem defeitos, isto é, em conformidade com o que foi convencionado ou projectado e sem vícios que excluam ou reduzam o seu valor, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou contratualmente previsto[6]. A inexactidão do cumprimento tanto pode ser quantitativa (prestação parcial, a que se seguem os efeitos do não cumprimento em relação à parte da prestação não cumprida - mora ou incumprimento definitivo), como qualitativa (diversidade na prestação, deformidade, vício ou falta de qualidade da mesma; isto é, a inexecução da obrigação pode ocorrer não apenas quando o devedor nada faz para a executar, como ainda quando a realiza de forma deficitária ou mal executada[7]. Com efeito, no âmbito da inexecução do contrato, além da mora e do incumprimento definitivo, destaca-se também a execução defeituosa do contrato, ou cumprimento defeituoso do contrato, na designação acolhida pelo artigo 799.º, n.º 1 do Código Civil. Ou seja: o devedor executa materialmente a prestação, mas em desconformidade com o convencionado com a outra parte – “a prestação realizada pelo devedor não corresponde, pela falta de qualidades ou requisitos dela, ao objecto da obrigação a que ele estava adstrito”[8]. Poder-se-á, assim, considerar que ocorre cumprimento defeituoso da obrigação quando a prestação efectuada não tem requisitos idóneos a fazê-la coincidir com o conteúdo obrigacional tal como este resulta do contrato e do princípio geral da correcção e da boa fé, podendo o defeito ser quantitativo ou qualitativo[9]. O mesmo é dizer, “no cumprimento defeituoso, o devedor cumpre a obrigação que lhe estava imposta, mas não como lhe estava imposta, isto é, cumpre mas de forma defeituosa, com vícios ou deficiências”[10]. Vícios são, no esclarecimento de João Cura Mariano[11], “anomalias objectivas da obra, traduzindo-se em estados patológicos desta, independentemente das características convencionadas”. No que nos autos se discute, como dá conta a sentença recorrida, “a ré verificou que os caixilhos dos três vãos de correr, identificados 10.2), 10.3) e 10.4) dos factos provados, não se encontravam afinados, havendo deficiência no “deslizar” das folhas, e que estas não se conseguiam alinhar e fechar totalmente – cf. 14.2) dos factos provados. Estes factos demonstram que parte dos trabalhos realizados pela autora apresentaram, efectivamente, defeitos, ou seja, vícios e imperfeições que, pelo menos, reduzem a aptidão dos vãos de correr para o respectivo uso ordinário, implicando, assim uma desvalorização da obra – artigo 1208.º do Código Civil. Nesta medida, estamos perante um cumprimento defeituoso da execução (de parte) da obra, pela autora”. Os artigos 1221.º a 1225.º do Código Civil preveem e regulam vários direitos reconhecidos ao dono da obra em reacção a um cumprimento defeituoso da prestação a cargo do empreiteiro. Existindo defeitos que afectem a obra, traduzem-se esses direitos/deveres, a incidirem, respectivamente, na esfera jurídica do dono da obra e na do empreiteiro, na eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato e indemnização. Os mesmos não podem, todavia, ser exercidos de uma forma aleatória ou discricionária, antes tendo de se subordinar à ordem estabelecida nos preceitos legais referidos, podendo, embora, a indemnização cumular-se com os demais. Ou seja: apresentando a obra vícios que a afectem, o dono da obra poderá exigir do empreiteiro a reparação dos defeitos, ou a realização de uma obra nova no caso de não ser possível eliminá-los, e caso não seja possível uma ou outra solução, ou recusando-as o empreiteiro, poderá, sequencialmente, obter a redução do preço ou a resolução do contrato. Esclarece, a propósito, o acórdão da Relação do Porto de 26.06.2012[12] que “…tal como é jurisprudência pacífica, a lei concede ao dono da obra, cinco meios jurídicos de actuação, no sentido de por cobro aos aludidos defeitos, que a R., na qualidade de empreiteira, tem a obrigação de eliminar, e que se enquadram nos seguintes grupos, segundo um esquema de prioridade ou precedência de direitos: A)- O de exigir a reparação das deficiências, se puderem ser eliminadas, ou a realização de obra nova, salvo se as respectivas despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito a obter - artigo 1221, n.ºs 1 e 2 do C. Civil -, com carácter precípuo sobre os demais, como melhor forma de alcançar a reconstituição natural, consagrada pelos artigos 562º e 566º, do C. Civil; B)- O de pedir a redução do preço ou a resolução do contrato, se não forem eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, e aqueles a tornarem inadequada aos fins a que se destina – artigo 1222º, n.º1 do C. Civil; C)- O de requerer uma indemnização, nos termos gerais dos artigos 562º e seguintes – artigo 1223º do C. Civil. No entanto, os direitos supra enunciados, que a lei coloca ao dispor do dono da obra, com vista a obter do empreiteiro a eliminação dos defeitos, não podem ser exercidos arbitrariamente, mas sim sucessivamente e pela ordem supra indicada. De onde decorre que, no nosso direito, o cumprimento defeituoso pelo empreiteiro não confere ao dono da obra o direito de, per si ou por intermédio de terceiro, eliminar os defeitos ou reconstruir a obra à custa daquele. Tal como se escreve no Acórdão do STJ, de 04.12.2007, Proc. 06B4505, in www.dgsi.pt, “o dono da obra não pode por si proceder à reparação, sem dar primeiro ao empreiteiro o conhecimento dos defeitos e a oportunidade de os eliminar”. Mesmo após a condenação do empreiteiro, se este não eliminar os defeitos ou executar a obra nova no prazo que lhe foi fixado, o dono da obra não pode executá-la directamente. Tem de recorrer ao tribunal para a sua execução (art. 828º do C. Civil; Pires de Lima e Antunes Varela em anotação ao artigo 1221.º, in "Código Civil Anotado", vol. II). Só assim não será nos casos de manifesta urgência em que, para evitar maiores danos, é admissível que o dono da obra, por si ou por terceiro, proceda à eliminação dos defeitos, exigindo o reembolso das respectivas despesas - neste sentido, cfr. Pedro Romano Martinez, obra citada, pág. 389; Ac. do STJ, de 04.12.2007, supra citado, e Ac. desta Relação de 22.1.1996, in CJ, ano XXI, tomo I, pág. 202). Ou ainda na hipótese de se verificar um incumprimento definitivo daquelas obrigações, imputável ao empreiteiro - neste sentido cfr. J. Cura Mariano, in "Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra", 3.ª ed., pág. 147 e ss.”. O empreiteiro responde por todos os defeitos relativos à execução dos trabalhos ou à qualidade, forma e características dos materiais utilizados, quer quando o contrato não fixe as regras de execução, quer quando as efectivamente usadas não correspondam às aprovadas, incumbindo ao dono da obra a prova da existência dos mesmos. Não basta, porém, a prova do defeito, exigindo-se igualmente a demonstração da sua gravidade, de modo que esta afecte ou comprometa o uso da obra objecto do contrato ou diminua significativamente o seu valor. Além disso, para que se possa fazer valer qualquer direito em virtude da verificação de defeitos, o dono da obra tem que provar a precedência de denúncia dos mesmos ao empreiteiro. Note-se que “a possibilidade de ser exigida ao empreiteiro a eliminação dos defeitos satisfaz não só o interesse do dono da obra em ver a prestação a que tem direito fielmente cumprida, mas também o interesse do empreiteiro em ser ele a efectuar essa obra de reparação, permitindo-lhe o controlo dos seus custos e evitar o agravamento dos prejuízos causados pelo defeito”[13]. Após montagem das sacadas, a ré – que, em relação à autora, tem uma posição contratual equiparável à do dono da obra relativamente aos trabalhos que à mesma adjudicou – constatou que os caixilhos das sacadas mencionadas em 10.2), 10.3) e 10.4) não se encontravam afinados, havendo deficiência no “deslizar” das folhas, e que estas não se conseguiam alinhar e fechar totalmente, facto que comunicou à autora logo que esta, que havia encerrado para férias, retomou a sua actividade, nomeadamente, por escrito, em 09-09-2020, e verbalmente. Para que o empreiteiro possa proceder à eliminação dos defeitos da obra e ser contratualmente responsabilizado, caso o não faça, deverá o dono da obra exercer o dever de denúncia desses defeitos, no prazo fixado no artigo 1220.º do Código Civil. Em contrapartida, para que o dono da obra possa substituir-se ao empreiteiro na eliminação dos defeitos detectados na obra, por si próprio ou por intermédio de terceiro, ficando aquele obrigada a suportar o reembolso dos respectivos custos, exige-se não só a denúncia dos defeitos, como ainda a não eliminação dos mesmos, no prazo para o efeito fixado pelo dono da obra, ou manifestação de recusa do empreiteiro em promover tal eliminação. Consta do ponto 15.º dos factos provados que logo que a autora retomou a sua actividade, a ré comunicou-lhe o referido em 14.2), isto é, que os caixilhos de três das sacadas montadas por aquela na obra não se encontravam afinados, havendo deficiência no “deslizar” das folhas, e que estas não se conseguiam alinhar e fechar totalmente, nomeadamente, por escrito, em 09.09.2020, e verbalmente. A comunicação electrónica de 09.09.2020 tem o seguinte teor: “Boa tarde CC, Precisamos de falar acerca de algumas Anomalias/defeitos na caixilharia do ...”. A mesma não expressa qualquer reclamação com vista à eliminação dos defeitos em causa, desconhecendo-se se essa reclamação foi efectuada de forma verbal. Demonstram, todavia, os autos que, na sequência da referida comunicação escrita de 09.09.2020, as partes estabeleceram conversações acerca da possibilidade de serem introduzidas alterações na caixilharia montada pela autora, aproveitando parte da mesma e reduzindo o número de prumos/alumínio, tendo a autora procedido à afinação da caixilharia, pelo menos, duas vezes, mas sem que o problema que antes afectava as caixilharias tivesse ficado solucionado. E também resulta neles comprovado que por conta da factura n.º ..., com data de 14 de Agosto de 2021, vencida em 14 de Outubro de 2021, no montante de 10.944,25 € (dez mil novecentos e quarenta e quatro euros e vinte e cinco cêntimos), em 15 de Outubro de 2020 a ré pagou à autora a quantia de 3.458,92 € (três mil quatrocentos e cinquenta e oito euros e noventa e dois cêntimos), informando que só procederia ao pagamento do montante remanescente quando as sacadas estivessem afinadas. Não obstante essa comunicação, a autora não procedeu à afinação das sacadas que apresentavam anomalias, pelo que, no dia 29 de Outubro de 2020, a ré comunicou-lhe que o seu cliente, dono da obra, não aceitou os vãos de correr por não estarem e nunca terem estado a funcionar correctamente e que, por essa razão, iam iniciar a desmontagem dos mesmos. Segundo Cura Mariano[14], “não tendo sido reclamada a eliminação dos defeitos no momento da denúncia da sua existência, o dono da obra tem de interpelar o empreiteiro, em acto autónomo, para este proceder à sua eliminação. O início das obras de reparação e o seu termo deve ocorrer num prazo razoável e com o mínimo de transtorno, tendo em consideração a natureza dos trabalhos e o fim a que o dono da obra a destina[...], nada obstando a que este fixe esses prazos aquando da interpelação ou posteriormente, podendo conferir ou não carácter admonitório a essa interpelação. Se esta não tiver esse cariz, a ultrapassagem do prazo fará o empreiteiro incorrer em simples mora no cumprimento da obrigação de eliminar os defeitos. Caso a fixação do prazo contenha inequivocamente a advertência de que o seu decurso determinará o fim da possibilidade do próprio empreiteiro proceder às obras de reparação, a ocorrência desse facto determinará o incumprimento definitivo dessa prestação (art.º 808.º, n.º 1 do C.C.)[...]. O mesmo ocorrerá se, entretanto o dono da obra perder o interesse na realização da obra, devendo essa perda ser apreciada objectivamente (art.º 808.º, n.º 2 do C.C.)[...]. Não será necessário estabelecer qualquer prazo para o cumprimento da obrigação de eliminação de defeitos, se o empreiteiro desde logo se recusar peremptoriamente a efectuar os respectivos trabalhos, considerando-se então definitivamente incumprida a obrigação[...]. Também deverá ser encarada como uma situação de incumprimento definitivo, a hipótese do empreiteiro não ter logrado eliminar o defeito, apesar de ter efectuado trabalhos com esse objectivo, não tendo o dono da obra o dever de lhe conceder mais oportunidades”. Tendo a autora aceite a existência dos defeitos[15] nos três vãos por si aplicados na obra e a obrigação de os eliminar – já que, para o efeito, procedeu à afinação da caixilharia por duas vezes, pelo menos, mas subsistindo as anomalias detectadas, que impediam que as portas das caixilharias trancassem -, não tendo, por conseguinte, logrado eliminar tais defeitos, nem fazendo qualquer outra tentativa para corrigir as anomalias em causa, mesmo após a comunicação enviada pela ré a 15.10.2020, tanto basta que, sem necessidade de qualquer outra interpelação, se considere que a subempreiteira, no caso, a autora, incorreu em incumprimento definitivo relativamente à obrigação de reparação das deficiências que afectavam as referidas três sacadas e que impediam o seu regular funcionamento. Como resulta do ponto 12) dos factos provados, a ré pretendia fechar a obra para poder avançar com os trabalhos interiores da mesma. É do conhecimento comum que o fecho da obra ao exterior, através da colocação de portas, janelas ou outros equipamentos similares que vedem o acesso ao seu interior constitui fase nuclear da obra, uma vez que o prosseguimento da mesma, com a realização dos trabalhos no interior da construção, depende do referido fecho. A omissão da eliminação dos vícios detectados nas três sacadas montadas pela autora, que impedia que as portas da caixilharia ficassem trancadas, permitindo a respectiva abertura por terceiros, constituía, assim, obstáculo ao prosseguimento dos trabalhos no interior da obra e à normal utilização do espaço. Neste específico circunstancialismo, considerando ademais que a autora procedeu, pelo menos, por duas vezes à afinação da caixilharia, mas subsistindo os defeitos denunciados, exigia-se uma pronta reparação dos mesmos, e não sendo aceitável maiores delongas, podendo as mesmas comprometer o equilíbrio das obrigações derivadas do contrato celebrado, não tendo a autora/subempreiteira logrado eliminar os defeitos, podia a ré/empreiteira, ou mesmo o dono da obra, substituir-se, por si ou por terceiros, àquela no desempenho da reparação dos vícios das sacadas, exigindo, tendo já pago integralmente o preço, compensação correspondente aos custos da reparação, ou, não tendo o preço sido totalmente pago, opondo ao subempreiteiro, quando exigido esse pagamento, a excepção do não cumprimento, nos termos do artigo 428.º do Código Civil, relativamente ao reembolso das despesas efectuadas com a reparação dos defeitos[16]. E mesmo que se entenda que obrigação de eliminação dos defeitos não se revestia de específica urgência, sempre haveria de considerar-se que “casos de urgência na reparação dos defeitos são de equiparar aqueles outros em que, volvido um prazo razoável, o vendedor/empreiteiro não realiza, definitivamente, a prestação a que esta vinculado…”, sob pena de “…fazer pender a balança do equilíbrio contratual das prestações, a favor de quem, reiterada e culposamente, não cumpre”, como dá conta o acórdão do STJ de 10.07.2008[17]. Refere a sentença recorrida: “...em virtude de os defeitos não terem sido reparados, o cliente da ré procedeu à substituição da caixilharia dos três vãos que não funcionavam correctamente e a ré subtraiu a quantia de cinco mil euros, ao valor global que o seu cliente lhe pagou pela obra – 21) a 24) dos factos provados. Ora, ao adjudicar a realização de nova obra a terceiro (através do seu cliente, dono da obra), a ré impossibilitou a reparação dos defeitos pela autora. Considerando, porém: . que desde a denúncia dos defeitos tinha decorrido um mês e vinte dias, a que acrescem os dias volvidos entre a conclusão dos trabalhos e a denúncia, . que a autora já tinha tentado reparar aqueles pelo menos duas vezes, sem sucesso, não tendo voltado a reparar os mesmos, maxime após a comunicação de que o remanescente do preço só seria pago quando fosse efectuada a afinação das sacadas, e que os defeitos não permitiam que as portas da caixilharia ficassem trancadas, permitindo a respectiva abertura por terceiros – 7), 13), 15), 16.2), 17), 18), 20) e 21) dos factos provados, deve considerar-se legítima e justificada a decisão da ré (isto é, do seu cliente) de adjudicar a reparação dos defeitos a terceiro, na medida em que esta se assomava urgente e que as reparações ocorridas, sem sucesso, eram idóneas a provocar uma perda de confiança na correcta execução dos trabalhos, pela autora. Aqui chegados, impõe-se concluir que a reparação dos defeitos já não se mostra possível, devendo ter lugar a redução do preço da obra – artigo 1222.º, n.º 1, do Código Civil”. João Cura Mariano[18] esclarece, a propósito do direito à redução do preço: “O art.º 1222.º, n.º 1 do C.C., atribui ao dono da obra o direito de reduzir o preço contratado[...], caso não sejam eliminados os defeitos, nem construída obra nova. Essa frustração da reparação específica dos defeitos pode resultar da sua impossibilidade, da sua desproporção relativamente ao proveito do dono da obra, ou do seu incumprimento definitivo por parte do empreiteiro, em consequência do não acatamento de interpelação admonitória, de recusa ou insucesso na sua reparação, e ainda da perda do interesse do dono da obra na realização desta. Em todos estes casos, em que não se procedeu à eliminação do defeito ou à construção de obra nova, o dono desta tem direito à redução do preço contratado, desde que a obra, apesar do defeito que padece, não deixe de ter utilidade para ele. O exercício deste direito pressupõe que se mantém um interesse do dono da obra nesta, apesar dos defeitos verificados, resignando-se com a sua existência, pelo que se pressupõe a aceitação da obra. O exercício deste direito é subsidiário dos direitos de eliminação dos defeitos e de construção de obra nova. Este direito, mais do que visar o ressarcimento de um prejuízo, procura o restabelecimento do equilíbrio das prestações[...]. Possibilita-se a alteração unilateral duma das prestações acordadas, perante o cumprimento defeituoso da que lhe corresponde numa relação de sinalagma, recuperando-se assim o equilíbrio inicialmente existente entre elas. Perante a má realização duma das prestações, procura-se manter o contrato através da possibilidade de reajustamento da prestação correspectiva. [...] A redução deve ser equivalente à desvalorização da obra, ou da sua menor rentabilidade, provocada pelo vício ou desconformidade existente[...]. Se a desconformidade não implicar desvalorização, ou menor utilidade da obra, podendo até originar um aumento do seu valor, o dono da obra não tem direito à redução do preço [...]”. Alega a ré que, persistindo os vícios nas três sacadas executadas e aplicadas pela autora, sem que esta os tenha corrigido, acabou o dono da obra por chamar a si a incumbência da substituição do material, o que causou à ré um prejuízo de cinco mil euros, que deve ser compensado com o crédito que eventualmente se entenda que a autora possui. Assim não se entendendo, deve ser relegada para execução de sentença o montante correspondente à diferença entre os serviços efectivamente prestados e os não prestados, com vista à redução do preço. E conclui peticionando que: - se julgue verificada a excepção do não cumprimento do contrato; - se julgue definitivamente incumprida a obrigação da requerente e que o prejuízo da requerida ascendeu a cinco mil euros, o qual deve ser compensado com o eventual crédito daquela; - se condene a requerente ao levantamento dos materiais fornecidos, avaliando-se os mesmos em montante que deve ser compensado com o eventual crédito daquela. Subsidiariamente, peticiona a sua condenação a entregar à requerente o material retirado da obra e a pagar à requerente o montante líquido da diferença existente entre o valor da prestação em falta e o valor necessário à redução do preço correspondente aos serviços não prestados. No caso vertente apurou-se que parte da obra executada pela autora apresentava defeitos, de cuja existência a ré a informou. A execução da obra com vícios conferia à ré, que havia subcontratado com a autora a execução e montagem de portas, sacadas, basculantes e vidros na obra que, por sua vez, aquela estava a executar o direito à eliminação dos defeitos ou, não sendo tal possível, o direito à realização de obra nova e, subsidiariamente, o direito à redução do preço ou à resolução do contrato, não podendo, todavia, ser exercidos de uma forma aleatória ou discricionária, antes tendo de se subordinar à ordem estabelecida nos preceitos legais referidos, podendo, embora, a indemnização cumular-se com os demais. A autora/subempreiteira não logrou demonstrar que a conclusão, com defeitos, da obra a seu cargo não lhe eram imputável. Tanto assim é que tentou corrigi-los, procedendo, pelo menos por duas vezes, à afinação da caixilharia, contudo sem sucesso. A circunstância da autora/subempreiteira ter efectuado trabalhos com vista à eliminação dos defeitos, mas sem o conseguir[19], o tempo entretanto decorrido desde a denúncia dos defeitos, e a necessidade de fechar a obra ao exterior para prosseguimento dos trabalhos no interior da edificação, permitem que tal situação seja encarada como de incumprimento definitivo da obrigação de eliminação dos defeitos, o que conferia à ré/empreiteira ou ao dono da obra, em substituição da subempreiteira, o direito de, por si ou através de terceiros, proceder à correcção das anomalias denunciadas, imputando à subempreiteira incumpridora o ónus de suportar o respectivo custo, nos moldes que já se deixaram enunciados. Tal como resulta comprovado nos autos, não tendo a autora procedido à afinação das sacadas que apresentavam anomalias, no dia 29 de Outubro de 2020 a ré comunicou-lhe que o seu cliente, dono da obra, não aceitou os vãos de correr por não estarem e nunca terem estado a funcionar correctamente e que, por essa razão, iam iniciar a desmontagem dos mesmos, acabando o cliente da ré por proceder, por sua conta, à substituição da caixilharia fornecida pela requerente, identificada em 10.1), 10.2), 10.3) e 10.4). Este circunstancialismo é deveras esclarecedor quanto ao facto do dono da obra não se haver resignado com os defeitos que as três sacadas executadas pela autora apresentavam, aceitando a obra com esses vícios, apesar de tal representar uma desvalorização da obra, assistindo-lhe nesta hipótese, e só nesta, o direito de poder unilateralmente alterar a sua prestação, através da redução do preço, devendo essa redução corresponder à desvalorização da obra ou da sua rentabilidade. Assim, não tendo, no caso em debate, o dono da obra aceite a obra executada pela autora com os defeitos que a mesma apresentava, e que, em prazo razoável, esta não logrou corrigir, assistia-lhe o direito de, justificadamente, se substituir, ainda que por intermédio de terceiros, à autora na tarefa de eliminação dos defeitos[20] que a esta incumbia realizar, com o inerente direito de ser ressarcido dos correspondentes custos, deduzindo-os no preço a pagar à empreiteira que, por sua vez, os faria repercutir no remanescente do preço em dívida à autora. O que jamais poderia era obter a compensação dos custos inerentes à eliminação dos defeitos realizada por terceiros através da redução do preço, como sustenta a sentença recorrida, sendo essa redução subsidiária do direito à eliminação dos defeitos e do direito de realização de obra nova e a aplicar apenas na hipótese do dono da obra a aceitar ainda que esta se revele desconforme aos termos acordados ou apresente anomalias, devendo, com vista ao restabelecimento do equilíbrio das prestações contratuais, a redução do preço corresponder à desvalorização da obra afectada pelos defeitos não eliminados ou corrigidos ou ao valor necessário para compensar a menor rentabilidade da obra em virtude de se achar afectada por tais vícios. Em suma: tendo a autora executado a obra com defeitos, que não logrou eliminar em prazo razoável dada a urgência de fechar a obra ao exterior para prosseguimento dos trabalhos no interior da construção, tendo o dono da obra, não se conformando com tais defeitos, nem aceitado a obra com os mesmos, mas sendo objectivamente possível a correcção dos vícios que apresentavam três das sacadas executadas pela autora, restava apenas à empreiteira ou ao dono da obra o direito de se substituírem, por si ou por terceiros, na tarefa de eliminar os defeitos, cuja obrigação recaía sobre a autora e que esta definitivamente incumpriu, reclamando dela a reparação desses custos, designadamente, não tendo o preço sido totalmente pago, opondo ao subempreiteiro, quando exigido esse pagamento, a excepção do não cumprimento, nos termos do artigo 428.º do Código Civil, relativamente ao reembolso das despesas efectuadas com a reparação dos defeitos. Ora, no caso dos autos, não é o reembolso das despesas realizadas para a eliminação dos defeitos que a ré reclama da autora, através da invocação da excepção do não cumprimento, o que se compreende face à atitude do cliente da ré – dono da obra – de ter procedido à substituição da caixilharia fornecida pela autora[21], até porque essa eliminação não existiu, tendo o dono da obra se limitado a substituir a referida estrutura apesar de não se comprovar que não fosse possível, proceder à sua correcta instalação e afinação das sacadas que apresentavam anomalias, sendo necessário proceder à sua substituição por outras caixilharias adequadas à dimensão dos vãos – alínea q) dos factos não provados. Assim, porque não existe qualquer fundamento legal para a pretendida redução do preço, que a sentença recorrida acolheu, nem para a autora suportar despesas relativas à realização de obra nova [substituição da caixilharia fornecida pela autora], não resultando demonstrada a impossibilidade – objectiva - de eliminação dos defeitos [embora a autora não tenha logrado sucesso nessa tarefa], e não tendo a ré direito a ser ressarcida das despesas efectuadas com a eliminação dos defeitos, porque não tendo optado por essa eliminação, em substituição da subempreiteira, não suportou os correspondentes custos, terá de improceder o recurso [principal] da ré e proceder o recurso subordinado da autora. Por conseguinte, revoga-se a sentença recorrida e, em consequência, condena-se a ré a pagar à autora a quantia de 7.485,33 € (sete mil quatrocentos e oitenta e cinco euros e trinta e três cêntimos), correspondente ao remanescente do preço em dívida pela execução da obra entre ambas acordada, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação, à taxa supletiva legal para os juros comerciais sucessivamente em vigor, e juros vincendos, à mesma taxa, até integral pagamento. * Síntese conclusiva:……………………………… ……………………………… ……………………………… * Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação, em:Julgar improcedente o recurso da apelante “D..., Lda.”; Julgar procedente o recurso subordinado da apelada “F..., Lda.”; - Em consequência, revogar a sentença recorrida, condenando-se a ré a pagar à autora a quantia de 7.485,33 € (sete mil quatrocentos e oitenta e cinco euros e trinta e três cêntimos), correspondente ao remanescente do preço em dívida pela execução da obra entre ambas acordada, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação, à taxa supletiva legal para os juros comerciais sucessivamente em vigor, e juros vincendos, à mesma taxa, até integral pagamento. Custas: pela recorrente “D..., Lda”. Porto, 8.06.2022 Acórdão processado informaticamente e revisto pela 1.ª signatária. Judite PiresAristides Rodrigues de Almeida Francisca Mota Vieira ________________ [1] Foi alegado o mês de Setembro por manifesto lapso de escrita, visto que o email para o qual a autora remete, com a comunicação em causa, possui data de 29 de Outubro. [2] Cura Mariano, “Responsabilidade Contratual do Empreiteiro Pelos Defeitos da Obra”, 2.ª ed. revista e aumentada, Almedina, pág. 56. [3] “Contratos II. Conteúdo. Contratos de Troca”, Almedina, 2012, 3ª ed., págs. 151, 152. [4] Artigo 1213.º do Código Civil. [5] Cura Mariano, “Responsabilidade Contratual do Empreiteiro Pelos Defeitos da Obra”, 2ª ed. revista e aumentada, Almedina, pág. 56. [6] Artigos 1208º e 1218º do Código Civil. [7] Cfr. Baptista Machado, “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, Obra Dispersa, Vol. I, pág. 168/169); José João Abrantes, ob. cit., pág. 93. [8] Antunes Varela, parecer publicado na “Colectânea de Jurisprudência”, Ano XII, 1987, Tomo 4, págs. 22 a 35. [9] Baptista Machado, “Obra Dispersa”, I, pág. 169. [10] Armando Braga, “Contrato de Compra e Venda”, pág. 174. [11] “Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra”, 2ª ed. revista e aumentada, Almedina, pág. 64. [12] Processo nº 329/09.2TBESP.P1, www.dgsi.pt. [13] Cura Mariano, ob. cit., pág. 115. [14] Obra citada, pág. 118. [15] A mesma não logrou ilidir a presunção de culpa, nos termos do artigo 799.º do Código Civil, demonstrando que a existência dos vícios não lhe era imputável. [16] Cfr. acórdão do STJ de 10.12.09, proc.º 163/02, www.dgsi.pt. [17] Proc.º 08A1823, www.dgsi.pt. [18] Obra citada, págs. 123/128. [19] O que não significa que a mesma não fosse possível: cfr. alínea q) dos factos não provados. [20] E apenas na eliminação dos defeitos, não para construção de obra nova, uma vez que se acha demonstrado que a reparação não era possível. [21] Opção que poderá não ser alheia ao que consta descrito no ponto 8.º dos factos provados. |