Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2175/20.3T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: ARROLAMENTO PREVENTIVO
CONTA BANCÁRIA
NULIDADE DA NOTIFICAÇÃO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
Nº do Documento: RP202110042175/20.3T8VFR.P1
Data do Acordão: 10/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A falta de notificação do documento que comprova o arrolamento ordenado em conta bancária titulada e constituída por apenas um dos cônjuges, após o óbito do outro, constitui fundamento de nulidade da notificação a ser suscitado no prazo concedido para deduzir oposição (art. 366º/6 conjugado com o art. 227º e 191º CPC).
II - Constitui um ónus do requerido alegar e provar os factos suscetíveis de demonstrar a propriedade exclusiva dos valores depositados em conta bancária e que infirmem o juízo sobre a propriedade dos bens como bens da herança do cônjuge falecido, nos termos do art. 372º/1 b) CPC e art. 342º/2 CC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Arrolamento-2175/20.3T8VFR.P1
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SUMÁRIO[1] (art. 663º/7 CPC):
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I - Relatório
No presente procedimento cautelar de arrolamento, como preliminar de processo de inventário para partilha de bens por óbito de H…, em que figuram como:
- REQUERENTES: B…, solteira, maior, portadora do Cartão de Cidadão N.º…….. . …, Contribuinte Fiscal N.º ………, residente na Rua do …, N.º … ….-…, União de freguesias de … e …, C…, casado em regime de comunhão de adquiridos com D…, portador do Cartão de Cidadão Nº …….. . …, Contribuinte Fiscal N.º ………, residente na Rua … …, N.º .., . …, ….-… Santa Maria da Feira E…, divorciada, portadora do Cartão de cidadão …….. . …, Contribuinte Fiscal N.º ………, residente na Rua do …, N.º …, ….-.. União de freguesias de … de … e … e F…, solteiro, maior, portador do Cartão de Cidadão N.º…….. …., Contribuinte Fiscal N.º ………, residente na Rua …, N.º .., ..º …. ….-… Coimbra; e
- REQUERIDO: G…, viúvo, portador do Cartão de Cidadão N.º …….. . …, Contribuinte Fiscal N.º ………, residente na Rua da …, N.º .., ….-… …, União de freguesias de … e …, concelho de Santa Maria da Feira
vieram requerer o arrolamento dos bens deixados por óbito de H… casada que foi no regime de comunhão geral de bens com o requerido.
Alegaram, em síntese, que na sequência do adoecimento e morte da sua progenitora, o Requerido, seu pai, vem praticando, inclusive de forma pública, diversos atos demonstradores da delapidação e afetação do património hereditário.
Atualmente não mantêm qualquer contacto com o Requerido, receando o destino que venha a dar aos bens a partilhar e que se encontram em sua posse, em seu prejuízo.

O procedimento foi admitido, dispensando-se a audição prévia do Requerido.

Realizou-se produção de prova, com observância dos formalismos legais.

Proferiu-se despacho com a decisão que se transcreve:
“ Pela fundamentação fáctico-jurídica consignada:
a) Determina-se o arrolamento dos bens, participações sociais e contas bancárias, aplicações financeiras e seguros de capitalização identificadas no artigo 112.º-I a V do requerimento inicial e dos que, na sequência das notificações a dirigir às instituições aí identificadas se venham a apurar existir;
b) Nomeia-se o Requerido como fiel depositário.
Custas a determinar a final”.

Concluídas as diligências de arrolamento procedeu-se à citação do requerido e notificação das diligências realizadas.

O requerido G… veio deduzir oposição.
Alegou para o efeito que a esposa do requerido faleceu em 18 de Setembro de 2019. Como preliminar do inventário para partilha dos bens foi requerido arrolamento.
O arrolamento como preliminar da ação de inventário apenas pode abranger a titularidade das relações jurídicas patrimoniais da falecida, tal como dispõe o artigo 2 024º do Código Civil. Não constituem bens da herança da falecida esposa do requerido as contas bancárias abertas pelo viúvo após o óbito do “de cujus”, nem o património do requerido é objeto de partilha. O requerido tem direito a ter património e a abrir contas bancárias, não sendo lícito sequer presumir que o dinheiro para tal provenha de data anterior ao óbito da falecida mulher.
Mais alegou que é empresário, trabalha, obtém pagamento do seu esforço e trabalho e tais rendimentos não compõem os bens da herança de sua finada mulher.
Apesar dos seus filhos no requerimento de arrolamento alegarem factos e atos falsos atribuídos ao requerido que mesmo que fossem verdadeiros eram desnecessários ao decretamento da providência cautelar, tais alegações não deviam influenciar o arrolamento de património estranho à herança da sua finada mulher.
Em lado algum consta que qualquer parcela de dinheiro que serviu à abertura de conta bancária, posterior ao óbito, tenha provindo do património comum do desfeito casal.
A providência cautelar de arrolamento como procedimento prévio ao inventário judicial por óbito de pessoa falecida não pode arrolar bens que não façam parte da relação de bens.
Termina por pedir a redução do arrolamento ao património da falecida mulher do requerido, devendo ser decretado que a conta ou contas bancárias abertas pelo requerido após 18 de Setembro de 2019 (data do óbito da mulher) bem como outras aplicações financeiras que o requerido pretenda efetuar não devem ser arroladas.

Na resposta à oposição os requerentes consideram que a oposição carece de fundamento.
Alegaram para o efeito que a oposição é imprecisa quanto ao alegado e com fundamento em jurisprudência alegaram que o requerido é apenas titular de uma parte alíquota dos bens que constituam o acervo patrimonial do casal dissolvido por morte de um dos conjugues e não de uma parte determinada desses bens, que ainda não foram partilhados.
Mais referem que no domínio dos procedimentos cautelares de arrolamento (como nos demais), a prova é meramente indiciária, sendo que, o apuramento da existência de contas bancárias determina, até à partilha definitiva, que todos os bens que venham a ser relacionados sejam objeto da providência, sendo todas as demais questões, designadamente o apuramento daquela que será a relação de bens a partilhar, dirimidas a título definitivo na ação principal de inventário, do qual depende a presente providência.
Um entendimento que viesse a permitir o levantamento do arrolamento das contas bancárias do Requerido pressuporia admitir em sede contenciosa aquilo que os requerentes pretenderam evitar com o recurso à presente providência. O nosso Código Civil prevê um conjunto de circunstâncias que determinam a consideração na massa patrimonial a partilhar de bens que, no imediato não têm conexão com a data do decesso do inventariado e que são os bens sub-rogados no lugar de bens da herança, por meio de troca ou venda; os bens adquiridos com dinheiro ou valores da herança, e, os frutos percebidos até à partilha, assim como, o preço dos bens alienados.
É facto assente que o Requerido procedeu, num momento subsequente à morte da falecida mãe dos Requerentes, à alienação do veículo automóvel com a matrícula ..-..-IC, assim como, do motociclo com a matrícula ..-..-PV. O valor da venda, uma vez apurado, entrará objetivamente em contas, em consideração ao disposto na al. c) do artigo 2069.º do Código Civil, independentemente deste valor se encontrar depositado numa conta com origem anterior ao decesso da mãe dos Requerentes ou num momento posterior a esse momento temporal, o que é mais plausível atendendo aos factos conhecidos (cfr. artigo 349.º e 351.º do Código Civil).
Os próprios lucros da I… Lda. (não nos referimos ao salário que o Requerido aufere), passíveis de distribuição aos sócios no final de cada exercício, consubstanciam frutos que os aqui Requerentes pretendem ver relacionados e partilhados em sede de inventário, sendo certo que os mesmos encontrar-se-ão depositados numa conta bancária titulada pelo requerido ou pela falecida mãe dos requerentes, independentemente da data de abertura de conta (cfr. al. c) do artigo 2069.º do Código Civil).

Em 19 de janeiro de 2021 proferiu-se o seguinte despacho:
“Consigna-se verificar-se, apenas nesta data e em face do expediente que antecede, que o ofício que consta dos autos identificado como sendo proveniente do Banco de Portugal em …, em 29 de Outubro de 2020, além de incorretamente identificado, pois que é proveniente do Banco J…., também se encontra incorretamente digitalizado, faltando ao mesmo a segunda página que no ofício que antecede se encontra no doc. 2, onde se alude a um arrolamento de um saldo bancário de 39.470,48€, tendo sido notificado às partes com a aludida lacuna.
Não entende este Tribunal que, com isso, é posta em causa a possibilidade de decidir definitivamente todas as questões pendentes (oposição do Requerido e oposição espontânea).
Porém, entende que é carreada aos autos uma informação nova quanto à extensão do arrolamento efetuado, que cumpre dar conhecimento aos Requerentes e ao Requerido.
Do mesmo modo, afigura-se estar resolvido o exposto pelo Requerido em 26 de Novembro de 2020.
Assim sendo, para os efeitos tidos por convenientes e ao abrigo do princípio do contraditório, notifique o ofício que antecede aos intervenientes processuais.
Nada sendo dito no prazo de 3 dias, conclua os autos a fim de ser proferida decisão final”.

Em 25 de janeiro de 2021 (ref. Citius 11068610-página 154 do processo eletrónico) o requerido veio apresentar novo requerimento de oposição, alegando para o efeito que foi notificado agora de que o banco J… arrolou a conta à ordem nº ……….. em nome de G… no valor de 39 470,48€.
Mais alegou que foi casado em regime de comunhão geral de bens com H… que faleceu no dia 18 de Setembro de 2019. O casal detinha a totalidade das quotas da empresa I…, Lda, em que o oponente era trabalhador e gerente.
A empresa sempre foi gerida e administrada pelo oponente.
A partir do óbito da esposa o oponente continuou a gerir a empresa, passando a dedicar-se à mesma com absoluta disponibilidade, sem ter de prestar assistência à esposa, como o fez até à data do óbito por virtude de todos os filhos se terem afastado do pai.
Após o óbito da esposa o oponente passou a receber salário de gestor e trabalhador da empresa e passou a receber 208,39€ de pensão de viúvo por óbito de sua mulher.
O oponente na data de 24 de Setembro de 2019 abriu a conta bancária nº ……….. no Banco J… SA, Santa Maria da Feira para onde começou a depositar o seu ordenado, pensão e valores que lhe eram devidos. Conta que se iniciou com 48,90€ em 1 de Outubro de 2019. Em 30 de Outubro de 2020 o valor dos depósitos ali efetuados pelo oponente ascendia a 39 470,48€ (39 644,22€-173,74€=).
Tal valor e tal conta de depósitos não existiam à data do óbito da esposa do oponente H… O procedimento cautelar de arrolamento instaurado pelos filhos da extinta contra o oponente como preliminar de inventário para partilha de bens do desfeito casal tem em vista impedir o extravio, ocultação ou dissipação de bens que integrassem as relações jurídicas patrimoniais da falecida H….
Tal conta e valor não fazem parte dos bens da extinta e não deve ser arrolado.
Assiste ao oponente como cidadão livre e maior no pleno gozo dos seus direitos, no estado de viúvo, o direito constitucional de trabalhar, receber pagamento de dinheiro e valores em dinheiro, abrir e ter conta bancária em seu nome. O arrolamento desta conta viola a lei civil e princípios constitucionais elementares.
Termina com a oposição ao arrolamento da conta à ordem nº ……….. existente na agência do banco J… em Santa Maria da Feira em nome de G…. que à data de 30 de Outubro de 2020 tinha o saldo de 39 470,48€ por tal conta e valor não pertencerem à herança da falecida H…, devendo tal conta e valor sido havidos como bens exclusivos do oponente.

Em 28 de janeiro de 2021 proferiu-se o seguinte despacho:
“Ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, notifique os Requerentes para, querendo, se pronunciarem quanto à oposição ora deduzida, para o que se fixa um prazo de 3 dias”.

Os requerentes vieram pronunciar-se alegando em síntese que a declaração de abertura da conta N.º ……….., do banco J…, junta ao presente processo pelo requerido, atesta, de forma inelutável, que a mesma foi constituída no dia 24 de setembro de 2019, seis dias após a morte da Sra. H…, mãe dos aqui Requerentes, na certeza de que ali só se encontram depositados os salários que o Requerido auferiu num momento posterior à morte de H….
O Requerido procedeu à junção dos extratos bancários que descrevem a movimentação da referida conta, de outubro de 2019 a outubro de 2020. Todavia, o Requerido não especifica que quantia aufere a título de salário na I…, Lda., deixando à interpretação de quem se debruça sobre os extratos bancários, a conclusão do montante eventualmente auferido (à primeira vista, sempre próximo dos 2.900,00€).
Alegaram, ainda que os Requerentes sabem que a sociedade I…, Lda. celebrou um contrato de arrendamento com o requerido e com a H…, sobre um dos imóveis que foram arrolados no presente processo, o descrito na al. iii) do Ponto III., do artigo 112.º do Requerimento Inicial, tendo sido ali edificado um pavilhão industrial onde a I…., Lda. prossegue a sua atividade comercial/industrial.
A referida sociedade encontra-se obrigada a proceder ao pagamento de uma renda mensal pela utilização do referido imóvel, sendo que, o total de rendas pagas no decurso de 2019 fixou-se nos 9.780,00€ (nove mil setecentos e oitenta Euros). Operando-se o pagamento da referida renda por transferência bancária, torna-se claro que as transferências que a I…, Lda. tem realizado para a conta N.º ……….. podem englobar o valor da renda que se vem a referir.
Uma vez que os Requerentes não pretendem locupletar-se às custas do Requerido, mas apenas e só assegurar a sua quota-parte como herdeiros legitimários, na procura da verdade material, considerando o limitado tempo de que dispõem e as contingências relativas à atual situação pandémica, solicitarão, em lugar oportuno, a notificação do Requerido com vista a proceder à junção ao presente processo dos seus recibos de vencimento, assim como, a junção do contrato de arrendamento referido no artigo 7.º do presente Requerimento e os recibos de renda emitidos.
Alegam que, será requerido à I…, Lda., informações e documentação sobre que valor tem sido pago mensalmente a título de renda (em simples aritmética, julga-se 815€ (oitocentos e quinze Euros)), assim como, que proceda à junção ao presente processo de documentação comprovativa da liquidação das referidas rendas, como sejam, os comprovativos de transferência bancária onde se identifique o N.º de conta ou o IBAN de destino.
Mais referem que subsidiariamente (ou se se entender melhor, cumulativamente), no caso de o Requerido não proceder à junção da documentação referida no artigo 15.º do presente articulado, notificar a sociedade I…, Lda. para proceder à sua junção ao presente processo.
As rendas assumem a natureza de frutos civis e como tal fazem parte do acervo patrimonial da herança a partilhar (cfr. al. d) do artigo 2069.º do Código Civil), pelo que até se tornar claro que parte das transferências que a I…, Lda. realizou para a conta supra referenciada corresponde ao pagamento do salário do Requerido e qual a parte que corresponde ao pagamento das rendas referidas no artigo 7.º do presente Requerimento, deverá a mesma manter-se arrolada.
Será ainda solicitado à sociedade I…, Lda. informações relativas à transferência realizada no dia 7 de janeiro de 2020, no total de 9.200,00€ (nove mil e duzentos Euros) para a conta que Requerido titula, já que, se se tratar, por mero exemplo, da distribuição de lucros, os mesmos ver-se-ão integrados no acervo patrimonial deixado por morte da mãe dos Requerentes.
Não foi junto o extrato bancário do mês de fevereiro de 2020 e a sua junção é de todo relevante para uma correta apreensão da natureza de todas as quantias depositadas na conta bancária, pelo que, a sua junção também será solicitada.
Quanto à ausência do extrato do mês de novembro de 2019, referem que considerando que a venda dos veículos referidos no artigo 70.º do Requerimento Inicial teve lugar nos dias 9 de outubro de 2019 e 11 de outubro de 2019, o pagamento do preço pode efetivamente ter sido realizado no mês seguinte ao da sua alienação, pelo que, a junção ao presente processo do extrato bancário do mês de novembro de 2019 revela-se essencial para aferir se alguma quantia deu entrada naquela conta bancária, com referencia o pagamento do preço dos veículos e, como tal, deverá manter-se arrolada à ordem do presente processo.
Terminam por pedir que se mantenha o arrolamento da conta bancária e se solicite a informação que sugerem.

No despacho que veio apreciar a oposição proferido em 08 de fevereiro de 2021 (ref Citius 114686572 - página 58 do processo eletrónico) apreciou-se da tempestividade da oposição apresentada em 25 de janeiro de 2021, com os fundamentos e decisão que se passam a transcrever:
“[…] Ora, a oposição deduzida em 25 de Janeiro de 2021 é extemporânea e inadmissível nos autos, razão pela qual todas as questões e pretensões suscitadas pelas partes nos requerimentos que antecedem devem ser indeferidos.
Com efeito, o Tribunal ordenou a notificação das partes do ofício junto para conhecimento, ao abrigo dos princípios do contraditório e cooperação processual, por integrar o objeto do processo; não para que tomassem qualquer reação, por a mesma não ser possível.
Assim é porquanto o ofício em causa não traduz nenhuma alteração superveniente aos autos que não a do conhecimento da extensão do arrolamento determinado e efetuado.
A decisão liminar proferida ordenou, inequivocamente, o arrolamento «(…) dos bens, participações sociais e contas bancárias, aplicações financeiras e seguros de capitalização identificadas no artigo 112.º-I a V do requerimento inicial», onde se incluiu o «montante existente, saldo de capital e juros, crédito e/ou ações, de qualquer conta bancária (v.g. de contas de depósito), de qualquer certificado de aforro, aplicação financeira, carteira de ações, de que o Requerido seja titular» (artigo 112.º-V- viii do RI), o qual foi efetuado.
O conhecimento da realização desse arrolamento é que foi tardio aos autos.
Aliás, nem sequer se poderá afirmar que seria do desconhecimento do Requerido o arrolamento efetuado, não sendo concebível que o mesmo desconhecesse a existência da sua própria conta bancária.
Desde logo, porque a sua primeira intervenção nos autos, que ocorreu através de requerimento de 26 de Novembro de 2020, teve o propósito de alertar que «a Secretaria por ofício de 19/10/2020 (Refª 113160114) pediu que fossem arrolados os saldos bancários do requerido G….
De outro lado, o banco J… não distingue o arrolamento do arresto pelo que imobilizou os saldos bancários das contas do requerido, mesmo as que foram abertas após o óbito da esposa H…, causando bloqueio total à vida do requerente.
Em face do exposto, requer que seja corrigido o erro, com urgência».
Foi, aliás, na senda desse requerimento que o Tribunal oficiou o Banco J….
Ora, se naquela data bem sabia o Requerido que foi ordenado o arrolamento dos saldos bancários de todas as contas que possuía, onde se incluíam necessariamente aquelas junto do Banco J…, não podia deixar de estar incluída em tal decisão a da conta em crise (acrescentando-se que se afigura que terá sido precisamente essa conta, por conter um saldo substancialmente mais elevado que as demais, que terá motivo o pedido do Requerido).
Por essa razão, o Requerido sabia e tinha que saber que o arrolamento ordenado e efetuado abrangia aquela conta.
Mas não só. Há, também, que considerar que a oposição deduzida em 3 de Dezembro de 2020, alude, de forma ampla, a conta e contas bancárias abertas pelo requerido após 18 de Setembro de 2019, não cuidado de a(s) concretizar. Alega-se, inclusive, que «em lado algum consta que qualquer parcela de dinheiro que serviu à abertura de conta bancária, posterior ao óbito, tenha provindo do património comum do desfeito casal».
Acresce que, a prova testemunhal é idêntica em ambas as peças processuais.
A identidade de argumentos e prova testemunhal demonstra o perfeito conhecimento pelo Requerido que o arrolamento decretado abrangeu todas as suas contas bancárias, inclusivamente as abertas após óbito da sua esposa como aquela que agora pretende escrutinar.
Dito de outro modo, a oposição deduzida em 25 de Janeiro de 2021 mais não é que a oportuna concretização da oposição tempestivamente deduzida em 3 de Dezembro de 2020, com argumentação afinada e esgrimida em face do teor do ofício cujo conhecimento foi dado às partes.
Inexiste qualquer facto relevante superveniente à dedução da oportuna oposição que motive a atendibilidade da ora deduzida, pelo que a intempestividade da oposição implica a não pronúncia do Tribunal sobre as questões suscitadas pelas partes”.

Proferiu-se decisão que apreciou a oposição nos seguintes termos:
“Pelos fundamentos consignados, decide-se julgar a oposição deduzida improcedente e,
consequentemente:
a) Manter o arrolamento nos exatos termos em que foi decretado;
b) Condenar o Requerido no pagamento das custas processuais, sem prejuízo do disposto no artigo 539.º, n.º 2 do CPC”.

O requerido G… veio interpor recurso do despacho que julgou extemporânea a oposição apresentada em 25 de janeiro de 2021 e da decisão final sobre a oposição.

Nas alegações que apresentou o apelante formulou as seguintes conclusões:
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Não foi apresentada resposta ao recurso.

O recurso foi admitido como recurso de apelação.

Dispensaram-se os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
- se a oposição apresentada em 25 de janeiro de 2021 é extemporânea;
- se o requerido logrou demonstrar a título indiciário que os valores depositados na conta nº ……….. em nome exclusivo do recorrente na agência bancária do J… Santa Maria da Feira constituem bens próprios adquiridos em data posterior ao óbito do cônjuge H….

2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os factos indiciariamente apurados no requerimento inicial e enunciados no despacho proferido em 14 de outubro de 2020 (ref. Citius 113093160, página 1086 processo eletrónico)
1. H… contraiu casamento G…
…, no dia 30 de Dezembro de 1984, no regime da comunhão geral de bens [artigo 1.º do RI].
2. Na constância do casamento nasceram quatro filhos, B…, C..., E… e F… [artigo 2.º do RI].
3. H…. faleceu no dia 18 de Setembro de 2019, às 13 horas e 30 minutos, na freguesia de …, …, …, …., …, …., no concelho do Porto [artigo 3.º do RI].
4. A última residência de H… fixou-se na Rua da …, n.º.. União das Freguesias de … de … e …., concelho de Santa Maria da Feira, local onde, à presente data, ainda reside o Requerido [artigo 4.º do RI].
5. As relações familiares entre os Requerentes e o Requerido nunca se pautaram pela dita normalidade, sendo constantes as discussões e os momentos de tensão [artigo 7.º do RI].
6. As relações familiares deterioraram-se a partir de Setembro de 2018 [artigo 8.º do RI].
7. Na sequência de alguns episódios de desorientação, perda de memória e paralisias na mão direita, a mãe dos Requerentes realizou, no dia 23 de Setembro de 2018, uma ressonância magnética, com contraste, na qual lhe foi detectado um tumor alojado no cérebro [artigo 9.º do RI].
8. Em face do resultado, a mãe dos Requerentes foi de imediato encaminhada para o Centro Hospitalar do Porto, onde, no dia 24 de Setembro de 2018, foi submetida a uma biopsia cerebral com o objetivo de diagnosticar o tipo de tumor em causa [artigo 10.º do RI].
9. Uma hemorragia intratumoral decorrente da biopsia realizada, associada ao aumento subsequente do tumor, despoletou um conjunto de sintomas que determinou o recurso, no dia 29 de Setembro de 2018, ao serviço de urgências [artigo 12.º do RI].
10. Após a alta hospitalar, a mãe dos Requerentes apresentava sinais de ausência, ainda que em presença de familiares, exibindo paralisia de alguns membros e perda de memória, não dispondo sequer de autonomia para movimentos básicos do dia-a-dia e não podendo, por essa razão, cuidar de si própria [artigo 13.º do RI].
11. Nesta altura, os Requerentes foram alertados pelo médico que acompanhou o internamento da mãe que esta nunca mais poderia conduzir veículos automóveis [artigo 15.º do RI].
12. A 2 de Outubro de 2018, o Requerido conduziu H… ao Cartório Notarial de K…, levando-a a realizar deixa testamentária a seu favor [artigo 16.º do RI].
13. A realização desse testamento veio ao conhecimento da Requerente B… no próprio dia e ao dos demais nos subsequentes [artigo 17.º do RI].
14. Apesar de incomodados com o comportamento do Requerido, os Requerentes evitaram confrontá-lo com o facto, tentando, dessa forma, trazer alguma tranquilidade à mãe, que, nessa fase, se batia pela recuperação [artigos 18.º e 19.º do RI].
15. Semanas mais tarde, mais estabilizada e com maior lucidez, a mãe dos Requerentes, sentiu-se incomodada com a realização do testamento, confidenciando à irmã, L…, em mais do que uma ocasião, que tinha de “resolver o problema” [artigos 20.º e 21.º do RI].
16. Assim que recuperou alguma mobilidade, mais concretamente no dia 13 de Dezembro de 2018, a mãe dos Requerentes, com o acompanhamento da sua empregada de companhia, M…, deslocou-se ao Cartório Notarial de N…, procedendo à revogação do testamento que realizara [artigo 23.º do RI].
17. Eram recorrentes as discussões entre Requerido e Requerentes sobre os tratamentos que a Sra. H… podia ou não podia realizar [artigo 27.º do RI].
18. Em Outubro de 2018, a mãe dos Requerentes encontrava-se a realizar tratamento homeopático na Clínica O…, sita na Rua …, n.º .., ….-…, em Santa Maria da Feira [artigo 28.º do RI].
19. Todavia, quando o Requerido percebeu o custo das sessões de tratamento impediu a mãe dos Requerentes de atender às mesmas [artigo 29.º do RI].
20. Em consequência, após sucessivas discussões, em meados de Outubro de 2018, o Requerido dirigiu-se à referida Clínica com vista à suspensão das sessões de tratamento [artigo 30.º do RI].
21. Os Requerentes disponibilizaram-se para acompanhar e suportar os custos das consultas, uma vez que a sua mãe apreciava os tratamentos homeopáticos, essencialmente na mitigação da dor que a assolava na altura, solicitando a sua realização [artigos 31.º a 34.º do RI].
22. Contudo, em meados de Novembro de 2018, o Requerido seguiu a Requerente B…, até à referida clínica, percebendo naquele momento que a esposa continuava a ser ali tratada [artigo 35.º do RI].
23. Assim que a Requerente e a mãe chegaram a casa, a primeira foi recebida pelo Requerido com murros, pontapés e apertões nos braços, chamando-a de «filha da puta», dizendo-lhe que «não valia merda nenhuma», ameaçando-a de morte caso voltasse à referida clínica [artigo 36.º do RI].
24. Perante esta reação do Requerido, a mãe dos Requerentes decidiu colocar termo aos tratamentos [artigo 37.º do RI].
25. A Requerente B… deixou de residir na habitação do Requerido e da falecida mãe [artigo 38.º do RI].
26. A partir de Julho de 2019 deu-se um novo agravamento no quadro clínico da mãe dos Requerentes, que veio, em meados de Agosto de 2019, a ser novamente internada [artigos 44.º a 45.º do RI].
27. Foi também nesta altura, de internamento, que a falecida mãe dos Requerentes confrontou o Requerido, informando-o que tinha revogado o testamento [artigo 46.º do RI].
28. A partir dessa data, o Requerido passou a desprezar ainda mais os Requerentes, insultando-os e denegrindo a imagem destes perante terceiros, com a convicção tinham sido os Requerentes a incitá-la a revogar o testamento [artigos 47.º e 48.º do RI].
29. Expressões como os «filhos da puta dos meus filhos», «as putas das minhas filhas», «são umas putas», «são uns cabrões» eram e passaram a ser utilizadas pelo
Requerido sempre que se referia e refere aos aqui Requerentes [artigo 49.º do RI].
30. Também em Agosto de 2019 o Requerido passou a proibir os Requerentes de frequentar a habitação sita na Rua …, n.º .., …., vedando-lhes a possibilidade de visitarem a própria mãe, exceção feita ao filho mais novo, F…, que ali continuou a residir [artigos 50.º e 51.º do RI].
31. Já em Setembro de 2019, H… foi novamente internada, permanecendo no hospital até ao dia 18 de Setembro de 2019, data do seu óbito [artigo 52.º do RI].
32. Neste dia, o Requerido instou L… a vender-lhe a sepultura de família que se destinava a H…, recusando perentoriamente aceder às condições que aquela impunha, a saber, o negócio ser feito por venda ou doação mas o registo da propriedade da sepultura ser realizado em nome dos Requerentes [artigo 38.º do RI].
33. Ainda em Setembro de 2019 o Requerido confidenciou a L… que iria proteger a sua casa, por forma a evitar que os Requerentes viessem a subtrair alguma coisa do seu interior [artigos 54.º e 55.º do RI].
34. A partir do óbito, o Requerido, para além de destratar os filhos, passou a expressar diariamente a sua vontade de os prejudicar na partilha por morte da esposa, perante alguns dos habitantes da freguesia de …, assim como perante pessoas que habitualmente frequentam a empresa I…, Lda., empresa detida pelo Requerido e pela falecida mãe dos Requerente [artigos 56.º a 59.º do RI].
35. Dizia que «é tudo meu» e «os meus filhos não têm direito a nada por morte da mãe» [artigo 61.º do RI].
36. Dizia que tinha encomendado um mercedes descapotável no valor de 50.000,00€ [artigo 62.º do RI].
37. Disse e aumentou o seu vencimento, passando de um valor próximo dos 1.000,00€, para os 5.000,00€ mensais, ambos ilíquidos [artigo 63.º do RI].
38. O Requerido passou, desde a morte da mãe dos Requerentes e nos meses que lhe seguiram, a contactar diariamente com P…, pai do noivo da Requerente B…, não se coibia de insultar os filhos, utilizando expressões como «filhos da puta» e os «cabrões dos meus filhos», incidindo especialmente sobre a dita filha afirmando que esta «era uma puta e que ia pôr os cornos ao filho» [artigos 64.º a 66.º do RI].
39. A acrescer às expressões que utilizava, o Requerido ia confidenciando a P… as suas pretensões relativamente à herança da falecida esposa, afirmando recorrentemente que «se os meus filhos quiserem ficar com alguma coisa mato-os a tiro», «eles pensam que vão levar alguma coisa mas não vão levar nada», «vou já vender pelo menos o carro e a mota», «vou fazer tudo para demorar o mais tempo possível para fazer as partilhas, para os foder» [artigos 67.º e 68.º do RI].
40. No dia 9 de Outubro de 2019 e no dia 11 de Outubro de 2019 procedeu à venda, respetivamente, do motociclo da marca …, com a matrícula ..-..-PV e do veículo automóvel da marca …, com a matrícula ..-..-IC, sendo este veículo o utilizado pela mãe dos Requerentes [artigos 70.º a 71.º do RI].
41. Em Novembro de 2019, o Requerido, por intermédio do filho F…, informou os Requerentes, avisando-os que tinham até ao final da semana para remover da sua habitação todos os seus objetos pessoais, sob pena de os deitar fora [artigo 72.º do RI].
42. Também em Novembro de 2019 o Requerido expulsou o filho mais novo, F…, da sua habitação, dando-lhe conta de que não o sustentaria mais, procedendo ainda ao seu despedimento da I…, Lda., onde trabalhava aos fins-de-semana, alegando para o efeito abandono do local de trabalho, remetendo-lhe a comunicação de despedimento no dia 26 de Novembro de 2019 [artigos 73.º e 74 do RI].
43. Na expectativa de poder retirar alguns dos seus bens da habitação do Requerido que ainda havia lá deixado, em meados de Dezembro de 2019, o Requerente F… deslocou-se à habitação daquele [artigo 75.º do RI].
44. Constatou que o Requerido se encontrava a jantar com uma nova companheira, Q…, que vestia o pijama da falecida mãe dos Requerentes [artigo 76.º do RI].
45. Em data não apurada mas após o óbito da esposa, o Requerido trocou todas as fechaduras da casa e instalou um sistema de videovigilância na habitação [artigos 78.º e 79.º do RI].
46. Em Janeiro de 2020, o Requerido constrangeu, através da exigência de pagamento de renda, a filha mais velha, a Requerente E… e os respetivos netos, de 3 e 8 anos de idade, a abandonarem a habitação sita na Rua …, n.º .., ….-… …, em que residia desde o seu casamento, em 2009, com autorização dos progenitores [artigo 83.º do RI].
47. Esse imóvel constituiu um bem herdado pela falecida mãe dos Requerentes [artigo 84.º do RI].
48. Em Fevereiro de 2020, o Requerido expulsou das instalações da I…, Lda., o filho C…, onde a empresa deste, a S…, Unipessoal Lda., tinha também instalações desde 2013, sabendo que, com isso, colocaria o filho em dificuldades financeiras [artigos 85.º e 86.º do RI].
49. Também em Fevereiro de 2020, os Requerentes tomaram conhecimento de que o Requerido, na qualidade de sócio-gerente da I…, Lda. deliberou a atribuição de um prémio no montante global de 10.000,00€ a si próprio, o que, até à data, nunca tinha ocorrido [artigo 87.º do RI].
50. Desde data não apurada mas certamente após Fevereiro de 2020 que o Requerido divulgou que ia trazer uma companheira do Brasil [artigo 97.º do RI].
51. Em Junho de 2020 veio ao conhecimento dos Requerentes, através de Q…, que coabitou com o Requerido de Dezembro de 2019 até ao início de Fevereiro de 2020, que este tinha procedido ao levantamento de diversas quantias que titulava no Banco J…, com o intuito de prejudicar os Requerentes [artigos 88.º e 89.º do RI].
52. No interior do imóvel que foi a última residência da mãe dos aqui Requerentes estão guardados objetos de valor patrimonial e sentimental especialmente jóias que a falecida detinha e que se encontram na família há vários anos, pretendendo os mesmos que estes não sejam vendidos, dados ou até mesmo destruídos [artigos 96.º e 98.º do RI].
53. Para salvaguardar uma rápida dissipação de património, os Requerentes deixaram de ter qualquer contacto com o Requerido [artigo 103.º do RI].
54. A herança aberta por óbito de H… é constituída, pelo menos, pelos bens elencados no artigo 112.º do RI e que se dão aqui por integralmente reproduzidos.

- Factos indiciariamente não provados:
A. Nas circunstâncias mencionadas em 28 e 29, o Requerido disse, também, «vão meter os cornos aos maridos» [artigo 49.º do RI].
B. Nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas em 33 o Requerido disse que ia instalar um sistema de videovigilância e mudar as fechaduras [artigo 54.º do RI].
C. No episódio mencionado em 43 e 44, o Requerente F… discutiu com o Requerido [artigo 77.º do RI].

Consignou-se, ainda:
A demais matéria alegada [artigos 5.º, 6.º, 11.º, 14.º, 22.º, 24.º a 26.º, 39.º a 43.º, 60.º, 69.º, 80.º a 82.º, 90.º a 95.º, 99.º a 102.º, 104.º a 111.º e 113.º do RI] é irrelevante, conclusiva ou de teor jurídico, motivo pelo qual não foi considerada.

No despacho proferido em 08 de fevereiro de 2021 (ref. Citius 114686572 - página 58) que tem por objeto a apreciação da oposição, consignou-se:
“Inexistem quaisquer factos supervenientemente carreados aos autos aos quais interesse atender, sendo que o teor da oposição deduzida é meramente argumentativo e conclusivo”.

3. O direito
- Da tempestividade da oposição deduzida em 25 de janeiro de 2021 (ref. Citius 11068610)
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 3, insurge-se o apelante contra o despacho proferido em 08 de fevereiro de 2021 (ref Citius 114686572 - página 58 do processo eletrónico), que juntamente com a decisão final, considerou extemporânea a oposição deduzida em 25 de janeiro de 2021 e não apreciou dos seus fundamentos.
A questão a apreciar prende-se com a tempestividade da oposição apresentada em 25 de janeiro de 2021.
O requerido apresentou oposição em 03 de dezembro de 2020 (página 395 do processo eletrónico) e posteriormente, após notificação do despacho proferido em 19 de janeiro de 2021 e dos documentos que o acompanham, veio em 25 de janeiro de 2021 apresentar nova oposição.
Defende o apelante que a oposição é tempestiva, porque o direito de oposição ao arrolamento por banda do requerido apenas pode ser exercido com a notificação dos bens concretamente arrolados.
Com efeito, quando o requerido não é ouvido antes de ser decretada a providência, como ocorreu no caso presente, determina o art. 366º/6 CPC, que só após a realização da providência se notifica o requerido da decisão que a ordenou, aplicando-se quanto à notificação o preceituado quanto à citação.
No procedimento cautelar de arrolamento, a notificação ocorre após realização do arrolamento e depois de lavrado o respetivo auto, nos termos do art. 406º CPC.
A notificação tem em vista garantir ao requerido as condições para o exercício do contraditório subsequente e por outro lado, salvaguarda-se o secretismo da providência até que esteja executada[2].
Uma vez que a lei remete para as formalidades prescritas para a citação pessoal, deve a notificação ser acompanhada de cópia do requerimento inicial, dos documentos que o instruem, da decisão, do auto de arrolamento e notificações dos arrolamentos de contas bancárias e ainda, da indicação do tribunal onde pende o procedimento, do prazo para a apresentação da defesa e da necessidade ou não da constituição de mandatário ( art. 227º CPC).
A omissão de qualquer destes elementos gera a nulidade da notificação, por aplicação do regime da citação.
A nulidade da citação como determina o art. 191º/1 CPC ocorre quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei.
Nos termos do art. 191º/2 CPC o prazo para a arguição da nulidade, em regra, é o que tiver sido indicado para a contestação (exceciona-se a citação edital e a falta de indicação de prazo para a defesa).
Contudo, neste caso, face ao disposto no nº4 do preceito, a arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado.
Tal condição, como observa LEBRE DE FREITAS: “ […]constitui a garantia de o regime instituído ser utilizado para realizar o seu escopo (evitar a restrição ou supressão prática do direito de defesa ) e não para finalidades puramente formais ou dilatórias”[3].
No caso concreto omitiu-se a notificação de uma página de um documento, o que configura uma nulidade da notificação, que devia ser suscitada no prazo concedido para a defesa, ou seja, para deduzir oposição ao arrolamento, mas não confere o direito a apresentar nova oposição.
Como se observa no despacho proferido em 19 de janeiro de 2021 (ref. Citius 114445274-página 224 do processo eletrónico):
“Consigna-se verificar-se, apenas nesta data e em face do expediente que antecede, que o ofício que consta dos autos identificado como sendo proveniente do Banco de Portugal em …, em 29 de Outubro de 2020, além de incorretamente identificado, pois que é proveniente do Banco J…, também se encontra incorretamente digitalizado, faltando ao mesmo a segunda página que no ofício que antecede se encontra no doc. 2, onde se alude a um arrolamento de um saldo bancário de 39.470,48€, tendo sido notificado às partes com a aludida lacuna.
Não entende este Tribunal que, com isso, é posta em causa a possibilidade de decidir definitivamente todas as questões pendentes (oposição do Requerido e oposição espontânea).
Porém, entende que é carreada aos autos uma informação nova quanto à extensão do arrolamento efetuado, que cumpre dar conhecimento aos Requerentes e ao Requerido.
Do mesmo modo, afigura-se estar resolvido o exposto pelo Requerido em 26 de Novembro de 2020.
Assim sendo, para os efeitos tidos por convenientes e ao abrigo do princípio do contraditório, notifique o ofício que antecede aos intervenientes processuais.
Nada sendo dito no prazo de 3 dias, conclua os autos a fim de ser proferida decisão final”.
Efetivamente, em 19 de outubro de 2020 o Banco J… foi notificado para proceder ao arrolamento das contas bancárias, face à informação fornecida pelo Banco de Portugal ( página 761 do processo eletrónico).
A entidade bancária procedeu ao arrolamento e forneceu a informação em 19 de outubro de 2020 (página 707 do processo eletrónico).
Não foi objeto de digitalização a segunda página do documento que consta da pagina 707 do processo eletrónico, a qual consta em branco e assim, foi notificado ao requerido em 18 de novembro de 2020 (página 617 do processo eletrónico).
Apenas em 18 de janeiro de 2021 (pagina 231 do processo eletrónico) se mostra junto ao processo a digitalização completa de tal documento, apesar de já constar do processo.
O requerido veio deduzir oposição em 03 de dezembro de 2020, sem suscitar qualquer irregularidade, sendo certo que era nesta sede que devia ter suscitado a nulidade e deduzido os fundamento de oposição ao despacho que determinou o arrolamento da conta bancária constituída em data posterior ao óbito do seu cônjuge.
Com efeito, o despacho que determinou o arrolamento, deferiu a pretensão dos requerentes no sentido de se proceder ao arrolamento de contas bancárias tituladas pelo próprio e constituídas em data posterior ao óbito (art. 112ºRI – Contas Bancárias, ponto VIII: “Do montante existente, saldo de capital e juros, crédito e/ou ações, de qualquer conta bancária (v.g. de contas de depósito), de qualquer certificado de aforro, aplicação financeira, carteira de ações, de que o Requerido seja titular, pelo que se solicitará, em local próprio a notificação do Banco de Portugal, em especial a Agência de Braga, sita na Praça da República, N.º 1, 4710-305 Braga e a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP, com sede na Av. Da República, N.º 57, 6º, 1050-189 Lisboa, com vista a prestação de informações sobre a sua existência e disponibilização de elementos que permitam proceder ao arrolamento subsequente, para tanto invocando-se o princípio da cooperação, já que, são dados abrangidos por regras de sigilo que impossibilitam aos aqui Requerentes tomar, por iniciativa própria, conhecimento da sua existência. Solicitar-se-á ainda que se prestem informações com referência o dia 18 de setembro de 2019, data do óbito da mãe dos aqui Requerentes. É conhecimento pessoal dos aqui Requerentes que o Requerido é titular de contas bancárias na Instituição Bancária J…, não podendo contudo precisar o número de conta por serem dados abrangidos por sigilo bancário”).
Tal circunstância era aliás do conhecimento do requerido, pelo menos desde 26 de novembro de 2020, quando dirige ao processo o requerimento a solicitar a sustação do arrolamento de contas bancárias por si tituladas, como se observa na seguinte passagem do despacho recorrido: ”Aliás, nem sequer se poderá afirmar que seria do desconhecimento do Requerido o arrolamento efetuado, não sendo concebível que o mesmo desconhecesse a existência da sua própria conta bancária.
Desde logo, porque a sua primeira intervenção nos autos, que ocorreu através de requerimento de 26 de Novembro de 2020, teve o propósito de alertar que «a Secretaria por ofício de 19/10/2020 (Refª 113160114) pediu que fossem arrolados os saldos bancários do requerido G….
De outro lado, o banco J… não distingue o arrolamento do arresto pelo que imobilizou os saldos bancários das contas do requerido, mesmo as que foram abertas após o óbito da esposa H…, causando bloqueio total à vida do requerente.
Em face do exposto, requer que seja corrigido o erro, com urgência».
Foi, aliás, na senda desse requerimento que o Tribunal oficiou o Banco J….
Ora, se naquela data bem sabia o Requerido que foi ordenado o arrolamento dos saldos bancários de todas as contas que possuía, onde se incluíam necessariamente aquelas junto do Banco J…, não podia deixar de estar incluída em tal decisão a da conta em crise (acrescentando-se que se afigura que terá sido precisamente essa conta, por conter um saldo substancialmente mais elevado que as demais, que terá motivo o pedido do Requerido).
Por essa razão, o Requerido sabia e tinha que saber que o arrolamento ordenado e efetuado abrangia aquela conta”.
Numa segunda ordem de argumentos sempre se dirá que o art. 573.º n.º1 CPC enuncia o princípio da concentração da defesa na contestação ao prescrever que toda ela deve ser deduzida nesse articulado, com exceção dos incidentes que a lei mande deduzir em separado.
O n.º 2 prevê a defesa superveniente: depois da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente.
O ónus de contestar inclui quer o de impugnar, quer o de excecionar com a dedução de todas as exceções que, não sendo de conhecimento oficioso, o réu tenha contra a pretensão do autor (art. 573/1 CPC). A inobservância de qualquer destes ónus dá lugar a preclusões (de contestar, de impugnar, de excecionar), regime que de igual modo se aplica em sede de providências cautelares.
Os factos integradores da exceção devem ser alegados, em primeira mão e em primeira linha, nos articulados principais, neste caso, na contestação.
Por outro lado, na contestação o réu deve expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor ( art. 572º/b CPC ).
Argumenta o apelante que tendo o requerido sido notificado dum arrolamento sem que dele conste um determinado bem, no caso, o saldo de uma conta bancária no Banco J…, o direito de oposição ao arrolamento desse bem apenas pode ser exercido quando a notificação do arrolamento desse bem for efetuada.
O requerido não foi notificado de um novo arrolamento, mas apenas do teor integral do documento que constava dos autos que não foi devidamente digitalizado.
A notificação completa do documento que consta do processo não constitui um facto superveniente, que justifique a apresentação de nova defesa, pois não foi ordenado um novo arrolamento sobre tal bem. A decisão de proceder ao arrolamento consta do despacho proferido em 14 de outubro de 2020 (ref. Citius 113093160, página 1086 processo eletrónico). O arrolamento foi executado em 19 de outubro de 2020 (ref. Citius 113158209).
Em obediência ao princípio da concentração da defesa na contestação/oposição constituía um ónus do requerido opor-se a tal decisão na oposição que formulou em 03 de dezembro de 2020, sob pena de precludir o direito de o fazer, motivo pelo qual, a oposição apresentada em 25 de janeiro de 2021 é extemporânea, porque deduzida para além do prazo que foi concedido para o fazer e não ocorreu qualquer facto superveniente que justifique a apresentação de nova oposição.
Contudo, defende o apelante que o tribunal que notifica o requerido para exercer o contraditório em determinada prazo não pode decidir que esse contraditório é intempestivo e inadmissível, se exercido dentro do prazo que lhe foi notificado.
A leitura do despacho proferido em 19 de janeiro de 2021 não permite extrair tal conclusão.
Como se observa no despacho proferido em 19 de janeiro de 2021 (ref. Citius 114445274-paágina 224 do processo eletrónico):
“Consigna-se verificar-se, apenas nesta data e em face do expediente que antecede, que o ofício que consta dos autos identificado como sendo proveniente do Banco de Portugal em …, em 29 de Outubro de 2020, além de incorretamente identificado, pois que é proveniente do Banco J…, também se encontra incorretamente digitalizado, faltando ao mesmo a segunda página que no ofício que antecede se encontra no doc. 2, onde se alude a um arrolamento de um saldo bancário de 39.470,48€, tendo sido notificado às partes com a aludida lacuna.
Não entende este Tribunal que, com isso, é posta em causa a possibilidade de decidir definitivamente todas as questões pendentes (oposição do Requerido e oposição espontânea).
Porém, entende que é carreada aos autos uma informação nova quanto à extensão do arrolamento efetuado, que cumpre dar conhecimento aos Requerentes e ao Requerido.
Do mesmo modo, afigura-se estar resolvido o exposto pelo Requerido em 26 de Novembro de 2020.
Assim sendo, para os efeitos tidos por convenientes e ao abrigo do princípio do contraditório, notifique o ofício que antecede aos intervenientes processuais.
Nada sendo dito no prazo de 3 dias, conclua os autos a fim de ser proferida decisão final”.
O tribunal limitou-se a exercer o contraditório, em obediência ao disposto no art. 3º/3 CPC, dando conhecimento aos intervenientes nos autos de mais uma informação prestada pelo banco, motivada pelo requerimento formulado pelo requerido.
A notificação não foi dirigida apenas ao requerido, nem o foi no sentido de se estabelecer um novo prazo para o exercício da oposição, não se podendo concluir que o tribunal agiu de forma contraditória perante a confiança gerada na adoção de um certo procedimento.
Resta assim concluir tal como no despacho recorrido que a oposição apresentada em 25 de janeiro de 2021 é extemporânea, porque formulada decorrido o prazo concedido para esse efeito e sem fundamento.
Improcedem, nesta parte as conclusões de recurso sob os pontos 1 a 3.

- Do indevido arrolamento da conta bancária constituída pelo requerido após o óbito do “de cujus” -
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 4 a 5, o apelante insurge-se contra o segmento da decisão que indeferiu a oposição, por considerar que uma conta bancária aberta após o óbito do “de cujus” por interessado na herança não deve ser arrolada como bem da herança, podendo ser arrolados apenas os valores que se mostrem que fazem parte da herança, cabendo aos requerentes fazer a prova desses concretos valores, não estando impedidos de o fazerem na ação de que a providência cautelar é dependência.
A decisão recorrida indeferiu a oposição com os fundamentos que se passam a transcrever:
“ No caso concreto, o Requerido deduziu oposição; porém, não alega quaisquer factos que possam vir a ser atendidos e, pese embora indique uma testemunha, em face do teor conclusivo do seu articulado, é inatingível sobre que factualidade poderá a mesma depor concretamente.
O Requerido não põe em causa o regime de comunhão geral de bens que vigorou na pendência no matrimónio, bem como a quota da falecida H… na sociedade I…, Lda..
Ora, a conjugação destes factos permite concluir a existência de uma confusão patrimonial entre o património da mãe dos progenitores e o do Requerido que se impunha dissipar em sede de oposição, não tendo o Demandado contribuído para tal, porquanto não logrou demonstrar (nada alegando de modo concreto, preciso e circunscrito para o efeito), que a abertura de contas em seu nome ocorreu sem a intervenção de valores anteriormente pertencentes ao acervo hereditário.
Os Requerentes demonstraram um conjunto de factos concretos e objetivos, demonstradores de um receio justo e sério da dissipação dos bens integrem a herança aberta por óbito de H….
Mais carrearam aos autos factualidade suficiente que indicia a probabilidade séria de as contas bancárias tituladas pelo Requerido serem constituídas por património da sua progenitora, cuja extensão desconhecem e que interessa esclarecer na devida ação (o processo especial de inventário), que não foi devidamente colocada em crise.
Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30 de Abril de 2012, proc. n.º 964/11.9TBMAI-A.P1, «a transferência de valores depositados em contas tituladas pelo de cujus ou pelo cabeça-de-casal, para contas tituladas em nome pessoal de um dos herdeiros, possibilitando a livre movimentação desses valores, dispondo assim, sem qualquer controlo dos demais herdeiros, requerentes do arrolamento, de valores que pertencem à herança indivisa, ainda que o herdeiro/requerido tenha a qualidade de cabeça-de-casal e tenha de prestar contas aos demais herdeiros, evidenciam, atenta a natureza dos bens em causa, que o direito das requerentes sobre a justa partilha dos bens que compõem o acervo hereditário, corre sério risco, por existir justo receio de extravio, ocultação ou dissipação dos bens da herança, que justificam o decretamento do arrolamento».
Assim, não é absolutamente verdade que não constituam bens da herança da falecida mãe dos Requerentes as contas bancárias abertas pelo Requerido após óbito daquela, porquanto podem ser eventualmente constituídas por património daquela. Poderia tratar-se de uma afirmação irrefutável, se o Requerido identificasse cada conta bancária e provasse, ainda que indiciariamente, a sua constituição com capitais próprios. Acontece que este facto impeditivo do direito de que os Requerentes se arrogam carecia de uma alegação concreta, que não ocorreu.
Passível de subsunção à factualidade indiciariamente provada encontra-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12 de Dezembro de 2011, proc. 1524/10.7TBMCN.P1, onde se conclui que «(…) tendo-se comprovado que o requerido se tem comportado por forma conducente ao extravio e/ou dissipação dos bens que devem integrar inventário, levantando montantes em dinheiro de contas bancárias pertencentes ao acervo familiar, está justificado o receio exigido pelo nº 1 do artº 421º do CPCivil, para decretar a providência».
O presente processo não coloca em crise o direito do Requerido a ter património e abrir contas bancárias. Acautela, tão só e na medida do que foi indiciado, o acervo patrimonial da herança aberta por óbito de H….
Como já se escreveu nos autos, resulta do processo (requerimento probatório no requerimento inicial) que, numa primeira fase, se mostrou desconhecido o património bancário a arrolar, tendo sido encetadas diligências junto de diversas instituições financeiras e bancárias que se mostraram infrutíferas, em virtude de sigilo profissional.
Atento o regime de comunhão patrimonial entre o extinto casal, foi o arrolamento decretado na medida em que, legitimamente, se podia supor que o património identificado seria comum, aguardando-se o seu cumprimento para reponderação da sua extensão.
Ora, nada adveio aos autos que determine a necessária distinção entre titularidade da conta e propriedade dos fundos, pelo que nada poderá ser alterado em relação ao decidido, pois que não foram minimamente abalados os fundamentos de facto e de direito que determinaram o decretamento do arrolamento.
Relativamente à oposição deduzida, sempre se dirá que estando-se perante uma absoluta lacuna de alegação de factos, porquanto o Requerido apenas apresenta conclusões e conceitos jurídicos, não se julga possível a formulação de convite ao aperfeiçoamento. Afinal, com o mesmo, não seriam aperfeiçoados factos, mas trazidos factos ex novo (como, aliás, veio o Requerido a fazer posteriormente).
Com efeito, «(...) é hoje inequívoco que, findos os articulados, o juiz deve, ou seja, está obrigado, a providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias e a convidar ao aperfeiçoamento dos articulados quanto à matéria de facto. (…) É o que decorre do disposto no artigo 590.º, nºs 2, als. a) a c), 3 e 4, do Código de Processo Civil.
No entanto, tal como no regime processual civil anterior, o aperfeiçoamento dos articulados só deve constituir remédio para os casos em que os factos principais da causa, ou seja, os que integram a causa de pedir e as exceções, sejam escassos ou não se encontrem suficientemente concretizados. Não já, por regra, quanto aos factos instrumentais, uma vez que estes se destinam a servir de suporte à demonstração dos primeiros.
Nessas hipóteses, estaremos perante situações de verdadeira ineptidão da petição inicial ou nulidade da exceção, e não perante insuficiência de alegação no sentido indicado.
É mais do que isso. É, no fundo, uma absoluta ausência de alegação factual.
Não sendo alegado qualquer facto integrador do dano já referido, não deve haver lugar a qualquer despacho de aperfeiçoamento da petição inicial» (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 29 de Setembro de 2016, proc. 7949/15.4T8VNF-A.G1 e, no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 5 de Março 2009, no proc. 444/08.0TYVNG-A.P1 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 17 de Janeiro de 2019, proc. 543/18.0T8OLH-B.E1)”.
Está em causa apreciar se o requerido logrou demonstrar a título indiciário que os valores depositados na conta nº ……….. em nome exclusivo do recorrente na agência bancária do J… em Santa Maria da Feira constituem bens próprios adquiridos em data posterior ao óbito do cônjuge H… ou se cabe aos requerentes provar que esses concretos valores fazem parte da herança.
Nos termos do art. 372º CPC não se procedendo à audição prévia do requerido, uma vez notificado da decisão que decretou a providência pode, em alternativa, recorrer ou deduzir oposição.
No caso concreto o requerido optou por deduzir oposição.
Contudo, o âmbito da oposição está limitado à alegação de factos ou produção de meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução (art. 372º/1 b) CPC).
Daqui se extrai que optando por alegar factos não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência, constitui um ónus do requerido a alegação e a prova de tais factos, por constituírem factos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito do requerente (art. 342º/2 CC).
Como observa MARCO GONÇALVES:” […] o requerido deverá carrear para os autos todos os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que foi sumariamente invocado pelo requerente e que permitam infirmar os fundamentos em que residiu a decisão de decretamento da providência”[4].
ABRANTES GERALDES observa, ainda, que “[t]endo em conta o modo como se encontra desenhado o mecanismo da oposição, é sobre o requerido que recai o ónus da prova dos factos que possam levar ao afastamento da providência ou à sua redução”[5].
No caso concreto, mostra-se arrolada uma conta bancária constituída em data posterior ao óbito de H… e apenas titulada pelo requerido no pressuposto de ter sido constituída com valores que faziam parte do património comum do casal, já que a sua constituição ocorre poucos dias após o óbito do cônjuge.
O requerido não interpôs recurso do segmento da decisão que assim decidiu e optando por deduzir oposição recaía sobre o requerido o ónus de alegar os factos suscetíveis de demonstrar que os valores depositados em tal conta bancária são da propriedade exclusiva do requerido.
Contudo, como se refere no despacho recorrido o requerido limitou-se a tecer considerações vagas sobre a natureza do arrolamento, sem alegar factos que em concreto revelem a propriedade do dinheiro ali depositado.
Alegou tão só que “é empresário, trabalha, obtém pagamento do seu esforço e trabalho e tais rendimentos não compõem os bens da herança de sua finada mulher.
Apesar dos seus filhos no requerimento de arrolamento alegarem factos e atos falsos atribuídos ao requerido que mesmo que fossem verdadeiros eram desnecessários ao decretamento da providência cautelar, tais alegações não deviam influenciar o arrolamento de património estranho à herança da sua finada mulher.
Em lado algum consta que qualquer parcela de dinheiro que serviu à abertura de conta bancária, posterior ao óbito, tenha provindo do património comum do desfeito casal.
A providência cautelar de arrolamento como procedimento prévio ao inventário judicial por óbito de pessoa falecida não pode arrolar bens que não façam parte da relação de bens”.
Constituía um ónus do requerido alegar os factos suscetíveis de infirmar o juízo formulado na decisão que decretou o arrolamento da conta bancária, indicando o montante do salário e os documentos que o comprovassem, mas nada se alegou de concreto.
Os documentos juntos aos autos também não permitem obter conclusão distinta, porque constituem extratos bancários que demonstram os movimentos a crédito e a débito na conta corrente. As transferências ali lançadas não vêm acompanhadas de documentos que comprovem a causa das diversas operações bancárias. Os documentos só por si não permitem alterar os factos indiciariamente apurados, nem o juízo sobre a propriedade do dinheiro ali depositado.
Conclui-se que não merece censura a decisão que manteve o arrolamento da conta em causa.
Improcedem as conclusões de recurso sob os pontos 4 e 5.

Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pelo apelante.

III - Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão.

Custas a cargo do apelante.
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Porto, 04 de outubro de 2021
( processei e revi – art. 131º/6 CPC )
Assinado de forma digital por

Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.
[2] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil-Procedimento Cautelar Comum, vol. III, 4º edição revista e atualizada, Almedina, Coimbra, janeiro 2010, pag. 209, JOSÉ LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3ª edição, Almedina, julho 2017, pag. 33.
[3] JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2014, pag. 373.
[4] MARCO CARVALHO GONÇALVES Providências Cautelares, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pag. 368
[5] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil- Procedimento Cautelar Comum, vol. III, ob. cit., pag. 285