Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
339/05.9TMCBR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE MENORES
ACOLHIMENTO RESIDENCIAL
APOIO JUNTO DOS PAIS
APOIO PARA A AUTONOMIA DE VIDA
Nº do Documento: RP20210112339/05.9TMCBR-A.P1
Data do Acordão: 01/12/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Nas medidas de promoção e proteção de menores o “superior interesse da criança” deve ser conjugado com os critérios de proporcionalidade e atualidade, dando-se primazia ao decretamento de medidas que estejam inseridas em meio familiar.
II - Tratando-se de uma jovem madura, com cerca de 17 anos e meio de idade, que não pretende continuar institucionalizada, o que lhe causa natural inconformismo e revolta, destabilizando a sua frágil maturidade, assim como potenciando a sua descrença em si própria como pessoa, o que poderá ser capaz de vir a reger a sua vida futura, deverá avaliar-se se a medida de institucionalização não lhe acarretará mais prejuízos do que a medida de apoio familiar.
III - As medidas de apoio junto dos pais devem, sempre que necessário, ser acompanhadas de medidas administrativas de acompanhamento dos técnicos sociais, proporcionando à criança ou ao jovem apoio de natureza psicopedagógica e social e, quando necessário, ajuda económica
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Processo n.º 339/05.9 TMCBR-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro
Recorrente – B…
Recorrido – Ministério Público
Relatora – Desemb. Anabela Dias da Silva
Adjuntas – Desemb. Ana Lucinda Cabral
Desemb. Maria do Carmo Domingues

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – A requerimento do Ministério Público datado de 16.04.2012 e, na sequência de informações várias que lhe foram carreados, por apenso ao processo já existente (instaurado em 22.04.2005, relativamente à menor C… (irmã da menor D…) e, por suspeitas de existência de abusos sexuais no seio do agregado familiar), foi aberta instrução urgente de Processo Judicial de Promoção e Protecção, nos termos conjugados dos art.ºs 3.º n.º1, 68.º, al. c), 73.º n.º1 al. b) e 105.º n.º1 da LPCJP relativamente à menor D…, nascida em 02.06.2003, filha de B… e de E…, residente na Rua …, n.º., …, Penacova e, à data internada no F… – Unidade de Curta Duração – e em situação de ter alta clínica.
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Por decisão de 16.04.012 foi, além do mais, e por se ter concluído que se estava perante uma situação de perigo para a integridade física e para a saúde da menor, aplicada, a título provisório, à menor D…, a medida de acolhimento em instituição, no caso, o F…, enquanto se não conseguisse obter um encaminhamento mais definitivo para a mesma.
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Por decisão de 19.04.2012 foi determinada que a medida de acolhimento institucional provisoriamente aplicada à menor D… fosse executada doravante na «G…».
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Por decisão de 28.01.2013 foi a referida medida de acolhimento institucional em instituição prorrogada por mais seis meses.
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Além do mais, por decisão de 28.02.2013 decidiu-se que “Atento o parecer positivo manifestado a fls. 305, e dado que o convívio autorizado a fls. 299 se revelou positivo para as menores, autorizo a C… e a D… a passar os fins-de-semana e as férias escolares da Páscoa na companhia dos seus pais”. Convívios, esses, que por decisão de 22.07.2013 foram estendidos ao período entre 29 de Julho e 5 de Setembro (2013) em casa dos seus pais.
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Posteriormente, e também além do mais, foi por decisão de 28.06.2016 autorizado que as menores C… e D… fossem passar o período de 25.07.2016 a 2.09.2016 na companhia da irmã H…, podendo deslocar-se com esta para a Suíça. Mais foi ainda autorizado por despacho de 17.11.2016 a viagem de avião das menores à Suíça, para permanecerem na companhia da sua irmã H… entre os dias 17.12.2016 e 1.01.2017.
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Por decisão de 26.09.2016 foi a referida medida de acolhimento institucional em instituição prorrogada por mais seis meses.
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Prosseguindo os autos e não obstante algumas vicissitudes verificadas com a estabilidade da menor D…, por decisão de 28.06.2018 foi autorizado que a mesma passasse alguns dias de folga da sua irmã C… que coincidam com fins-de-semana ou feriados na companhia desta.
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Por decisões de 12.09.2018 e de 15.05.2019 foi a referida medida de acolhimento institucional em instituição prorrogada por mais seis meses.
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Em 23.10.2019, a irmã da menor D…, I…, divorciada, residente na Rua …, n.º .., ….-…, …, veio propor acção de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, com fixação de regime provisório, contra seus pais e pais da menor, requerendo, além do mais, a guarda provisória da menor D…, ficando a residir consigo, a quem competiria o exercício dos poderes e deveres e necessários de guarda e educação da menor.
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Por acordo alcançado entre a menor, seus progenitores e a irmã I…, em 19.12.2019, devidamente homologado, foi aplicada àquela a medida de apoio junto de outro familiar (no caso, a irmã I…), pelo prazo de 6 meses.
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Por decisão de 31.03.2020, o processo foi remetido para o Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro, área da residência da menor.
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Chegou ao conhecimento dos autos que a supra referida medida de acolhimento da menor junto da irmã I… nunca chegou a ser verdadeiramente executada uma vez que a jovem se manteve a residir com os pais, nunca foi à escola desde que deixou a instituição, e por isso, por decisão de 15.07.2020, foi decidido aplicar à jovem D… (então com 17 anos de idade) uma medida provisória de acolhimento residencial pelo período de seis meses, revista trimestralmente.
Ou seja. “(...) Conforme resulta dos autos, designadamente, do último relatório elaborado pela Segurança Social, a jovem, não obstante os seus 17 anos de idade, encontra-se, actualmente, numa situação de perigo, já que, para tal, tanto bastava a circunstância de, desde Outubro de 2019, estar numa situação de abandono escolar, sem que os progenitores com quem se encontra, de facto, desde então ou a irmã I… a quem, formalmente, foi entregue, lhe tenham posto termo, antes sendo, coniventes com tal situação.
Mas a verdade é que, como bem refere a Digna Procuradora da República, a situação é bem mais grave, uma vez que a jovem se encontra há 9 meses, no agregado de onde foi retirada há muitos anos e que, não só motivou o seu acolhimento residencial, como nunca se constituiu alternativa ao mesmo.
Trata-se do agregado onde existem indícios de a jovem, então menina, ter sido, alegadamente, abusada sexualmente, não só pelos dois irmãos mais velhos, incluindo por aquele que agora se disponibiliza para a acolher, como pelo pai, além da total disfuncionalidade do agregado e do relevante défice cognitivo da mãe.
É assim evidente que não se pode permitir que a jovem se mantenha neste agregado, não sendo, naturalmente, óbice a sua idade, tanto mais que as medidas protectivas ocorrem durante toda a menoridade e se podem prolongar, inclusivamente, até aos 25 anos.
Em face de tudo o que ficou exposto e ao abrigo do disposto nos art.º 35.º n.º 1 al. f) e 37.º da LPCJP e até que se proceda à definição do seu encaminhamento subsequente, decido aplicar à jovem D… uma medida provisória de acolhimento residencial pelo período de seis meses, revista trimestralmente.
Comunique, de imediato e pela forma mais expedita à Segurança Social para executar, de imediato e medida aplicada e, no prazo de 5 dias, dar conhecimento ao tribunal da identificação da instituição onde a jovem foi acolhida.
Desde já autorizo, ao abrigo do disposto no art.º 92.º n.º 2 da LPCJP, que a Sra. Técnica da Segurança Social seja auxiliada na execução da medida agora aplicada pela autoridade policial, bem como a entrada, em qualquer casa, durante o dia, para o efeito.
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Logo que a Segurança Social dê conhecimento da execução da medida, notifique o despacho que antecede à instituição, aos progenitores e ao ilustre patrono oficioso da jovem”.
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O processo prosseguiu os seus termos e, por decisão de 20.08.2020, foi autorizado aos progenitores e irmãos da menor (requerentes de fls. 1089) visitarem a jovem D… na instituição, de acordo com as regras e horários definidos por esta para o efeito e mediante supervisão técnica.
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Em 20.10.2020, realizou-se o debate judicial dos autos, tendo sido ouvidos os progenitores da menor e a sua irmã I…. Tal diligência continuou a 23.10.2020 com a audição das demais pessoas arroladas. E em 5.11.2020, (tendo então a menor 17 anos e cinco meses de idade) foi lido o respectivo acórdão de onde consta a seguinte decisão: Em face de tudo o que ficou exposto e após deliberação decidimos:
a) Substituir a medida de apoio junto de outro familiar, aplicada à jovem D…, pela medida de acolhimento residencial até à maioridade, revista semestralmente;
b) Autorizar os pais e irmãos da jovem a visitá-la na instituição de acordo com as regras e horários definidos por esta para o efeito”.
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Inconformado com tal decisão dela veio o progenitor da menor – B… - interpor o presente recurso de apelação pedindo que seja a mesma revogada.
O apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
1. Por sentença proferida a 5 de Novembro, vem o tribunal a quo substituir a medida de apoio junto de familiar aplicada à menor D…, pela medida de acolhimento residencial até à maioridade, revista semestralmente;
2. Esta medida “infelizmente, a única medida capaz de salvaguardar as necessidades desta jovem e zelar pelo seu superior interesse e que se revela adequada e proporcional, é a de acolhimento residencial, para a qual, como se viu, neste momento, inexiste alternativa.”;
3. A menor tem hoje 17 e está a meses de atingir a maioridade e manifestou a sua vontade de sair da instituição;
4. Estes processos regem-se por princípios orientadores da intervenção, dos quais aqui se destacam a intervenção mínima - a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja acção seja indispensável à efectiva promoção dos direitos e à protecção da criança e do jovem em perigo; a proporcionalidade e actualidade - a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade e a prevalência da família - na promoção dos direitos e na protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adopção ou outra forma de integração familiar estável;
5. O tribunal a quo acaba por confirmar que “é evidente que esta menina esteve demasiado tempo acolhida, uma vez que tinha apenas 8 anos aquando do início do acolhimento, numa fase do seu desenvolvimento em que necessita de uma família”;
6. O legislador elenca (art.º 3.º do Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro), de forma não exaustiva as situações em que se pode considerar que a criança ou o jovem está em perigo e não nos parece que a jovem D… se encaixe em nenhuma das alíneas;
7. Não acarretando qualquer perigo para a menor viver hoje, com 17 anos, na companhia do seu pai e mãe, com quem aliás tem passado todos os fins-de-semana e férias, durante o tempo que esteve institucionalizada;
8. Os hipotéticos perigos que se possam alcançar na decisão do tribunal a quo, não se compadecem com o facto de estarmos hoje perante uma menor de 17 anos, com facilidade de argumentação, bem como com capacidade e com consciência do que é melhor ou pior para si, bom ou mão e que conseguiria de imediato sinalizar qualquer tipo de perigo ao seu bem-estar;
9. Nunca foi relatada nenhuma circunstância que levasse o tribunal a pensar que estes convívios não corriam de forma positiva;
10. Mal estaríamos, e mal andaria a Justiça, se um cidadão pudesse ser perseguido por factos que não cometeu e que nenhum tribunal logrou provar e que esse juízo de valor tivesse ponderação jurídica, conforme quer fazer o tribunal a quo, durante décadas;
11. O processo-crime de que foi alvo o pai da menor foi arquivado e as restantes suspeitas que se levantaram acerca dos irmãos da menor eram inexistentes;
12. Não havendo, a nosso ver, qualquer fundamentação para se manter a jovem institucionalizada, devendo antes o tribunal aplicar uma medida de apoio junto da família, em casa dos seus pais, devendo ser acompanhada por assistentes sociais e psicólogas, por forma a ficar preparada para a maioridade.

O Ministério Público junto do Tribunal recorrido juntou aos autos as suas contra-alegações, onde pugna pela confirmação da decisão recorrida.

II – Da 1.ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos:
1. D… nasceu a 2 de Junho de 2003 e é filha de B… e de E….
2. Os pais de D… são também pais de C… nascida a 2 de Junho de 1999.
3. A D… foi sinalizada a 14 de Abril de 2012 ao Ministério Público, pelo INML, após ter sido acompanhada aos F1… pela professora, no dia 13 de Abril de 2012, por suspeita de intoxicação e de abuso sexual por parte do pai e alteração abrupta e marcada no seu comportamento desde Janeiro de 2012, no contexto de uma família já sinalizada por violência doméstica.
4. A D…, na terça-feira anterior ao dia referida em 3., tinha vomitado e adormecido profundamente na sala de enfermagem e, no dia seguinte, voltara a vomitar na hora de almoço, sendo que contou à professora que "o pai gosta de brincar aos enfermeiros e que lhe dá coisas para tomar. A mãe e a irmã vão ao café à noite e ela fica sozinha em casa com o pai, porque ele não a deixa ir. Leva umas injecções e comprimidos".
5. Aquando do referido em 2., a irmã C… estava sozinha em casa com o pai que não a deixava ir ao Hospital.
6. Por despacho proferido a 16 de Abril de 2012, foi aplicada à D… uma medida provisória de acolhimento em instituição.
7. A criança D… fora sinalizada à nascença pela Maternidade à CPCJ por ter sido detectado um défice intelectual na progenitora e esta aparentar não saber prestar-lhe os cuidados adequados.
8. Em face do referido em 7., a CPCJ encaminhou ao processo para o Projecto Integrado de Intervenção Precoce que passou a realizar visitas domiciliárias semanais a partir de Julho de 2003.
9. A 15 de Abril de 2005, a intervenção referida em 8. mantinha-se pela situação de risco ambiental e porque a menina apresentava um atraso de desenvolvimento.
10. No início de Fevereiro de 2005, numa das visitas domiciliárias, a mãe referiu-­se à filha C…, ao tempo com cerca de 5 anos, manifestando alguma preocupação sobre ela porque "na escola disseram que ela andava triste, estranha…” e recusou-se a prestar mais informações.
11. A C… disse à animadora sócio-cultural e depois à educadora que os seus irmãos "põem a pilinha deles nas pernas dela" referindo-se com mais precisão ao J…, o que voltou a repetir à psicóloga da Câmara.
12. Convocados os progenitores à CPCJ, o pai recusou fazê-lo pelo que foram abordados sobre a situação cm visita domiciliária realizada para o efeito, tendo o pai confessado que a filha lhe tinha dito o que os irmãos lhe tinham feito e que "não queria que voltasse a acontecer" e que já tinha tomado as providências necessárias, colocando a menina noutro quarto e não voltara a deixá-la sozinha com os irmãos; afirmou estar chocado e que lhe custava acreditar que os seus filhos fizessem uma coisa dessas à irmã, uma vez que "gostam tanto dela e são tão carinhosos para com ela".
13. Na ocasião, foi proposto apoio psicológico para os filhos, sobretudo para o J…, por se tratar de um adolescente com apenas 15 anos, mas o pai disse não ser necessário e quando confrontado com a necessidade de falar com os filhos porque era provável que não tivessem noção das consequências da sua conduta, o pai disse que iria fazê-lo, pelo que lhe foi dado um prazo de 15 dias para o deito, já que o filho mais velho, K… estava a viver fora do concelho.
14. Findo o prazo referido em 13., o pai foi questionado sobre se já falara com os filhos e disse que não e que provavelmente não iria fazê-lo porque, na sua perspectiva, o problema já estava sanado.
15. Recusou dar o consentimento para intervenção da CPCJ e quando confrontado com o facto de o processo ser encaminhado para tribunal, afirmou que "algo poderia ocorrer caso realizassem mais visitas a sua casa" e proibiu a técnica da CPCJ de voltar a entrar em sua casa no âmbito da intervenção referida em 8.
16. Em Abril de 2005, o pai consumia bebidas alcoólicas em excesso, era violento para com a companheira, sendo que esta, por vezes, apresentava marcas de agressão e alguns episódios eram presenciados pelas crianças e agressivo na relação com os outros em determinadas situações; tinha hábitos de trabalho regulares, trabalhando por conta própria nas madeiras.
17. Eram visíveis manifestações de carinho do pai para com as filhas muito mais intensas do que aquelas que eram observadas entre a mãe as meninas.
18. A mãe apresenta um défice intelectual acentuado, não conseguindo estabelecer vinculações muito fortes com as suas filhas, mas prestava-lhes os cuidados básicos dentro das suas capacidades e limitações.
19. Não conseguia manter a habitação com condições de habitabilidade razoáveis, dada a constante falta de organização e higiene.
20. As meninas têm quatro irmãos consanguíneos, I…, L…, K… e J…, este último nascido a 14 de Março de 1989, e uma irmã uterina, H…, sendo que esta última cresceu aos cuidados da avó.
21. Em Abril de 2005, o K…, com cerca de 19/20 anos, estava a trabalhar a … e só ia a casa, pontualmente, ao fim-de-semana e a irmã I… já se tinha autonomizado.
22. O K… e o J… não completaram a escolaridade obrigatória e o J… abandonara a escola em Outubro de 2003, sem terminar o 6.º ano e, desde então, trabalhava com o pai nas madeiras desde essa data.
23. Em Junho de 2005, a progenitora apresentava frequentemente indícios de uma baixa auto-estima, desmotivação e preocupação constante em não desagradar ao seu companheiro, aparentando manter com ele uma relação de medo e submissão, sendo que as características de tal ambiente familiar eram susceptíveis, no parecer, do PIIP, de poder influenciar o desenvolvimento global e bem-estar psicossocial das crianças.
24. O pai revelava um bom conhecimento das filhas e demonstrava preocupação e bom relacionamento afectivo nas poucas vezes em que esteve presente nos momentos do apoio domiciliário.
25. A criança foi novamente sinalizada à CPCJ, a 14 de Janeiro de 2010, pela representante da CPCJ no Agrupamento, por se apresentar negligenciada em termos de higiene; apresentar, por vezes, comportamentos agressivos e por alcoolismo do pai e limitações cognitivas da mãe.
26. No dia 22 de Janeiro de 2010, a CPCJ deliberou convocar os progenitores, ao ter conhecimento pela professora da D… que esta relatara que o pai tinha matado um gato à sua frente e pela Directora de Turma da C… que relatara que, nas férias, a mãe tinha andado atrás dela com uma faca.
27. O agrupamento de escolas comunicou também à CPCJ que o pai transportava as meninas embriagado o que levava a que tivesse alguns acidentes rodoviários.
28. Os progenitores faltaram à convocatória da CPCJ no dia 1 de Fevereiro de 2010 e não justificaram a sua falta.
29. Em face do referido em 28., a CPCJ efectuou visita domiciliária no dia 10 de Fevereiro de 2020, sendo que a progenitora reiterou ser vítima de violência doméstica por parte do companheiro e que ainda no dia anterior este a teria tentado estrangular, no que fora impedido pela C… e que as agressões e intervenções das filhas são contínuas.
30. Na ocasião, o pai mostrou-se colaborante, negou ter qualquer tipo de contacto com bebidas alcoólicas não obstante ser evidente estar alcoolizado, confirmou a morte do gato em frente às filhas, mostrando-se arrependido e justificando o facto porque o gato lhe matara duas aves de estimação.
31. A casa apresentava-se com falta de organização e higiene.
32. A 1 de Março de 2020, a D… estava a afastar-se do grande grupo ao nível da aquisição de conhecimentos, apresentava comportamentos apáticos e, por vezes, não queria sair da sala para o intervalo e esporadicamente tinha comportamentos agressivos com os colegas.
33. Não era acompanhada em casa ao nível dos trabalhos de casa nem da higiene pessoal.
34. A família beneficiou durante dois anos de uma educadora familiar e a progenitora já frequentara um curso de economia doméstica e em Março de 2005 não eram visíveis resultados de tais intervenções, no seio familiar.
35. Nas férias da Páscoa de 2010, o pai foi buscar as filhas à "M…" alcoolizado o que, posteriormente, negou quando confrontado.
36. Também haviam passado férias, primeiro, uma e depois outra, com o irmão
37. A progenitora já não conseguia dar resposta adequada às solicitações e necessidades desenvolvimentais da filha C…, optando por lhe atirar objectos, quando se sentia sem soluções, quer cognitivas, quer comportamentais.
38. A CPCJ de … celebrou acordo de promoção e protecção a 1 de Setembro de 2010, onde aplicou às crianças uma medida de apoio junto dos pais pelo prazo de 6 meses com a colaboração da tia paterna N….
39. No dia 13 de Abril de 2012, quando observada no Serviço de Urgência, a D…, à entrada, estava muito faladora, contando sobre a escola, as prendas da Páscoa e os primos, mas com voz contida mas assim que se lhe perguntou sobre a ida ao SU deixou de falar e só falou após se assegurado que não iria ser dito ao pai e chegou mesmo a perguntar o que lhe diriam quando ele chegasse. Estava magra, pouco cuidada, com sinais vitais estáveis, pupilas reactivas, sem lesões cutâneas
40. Aquando do referido em 39., mesmo quando sozinha numa sala com uma enfermeira não quis falar e verbalizou apenas quando a sós com o chefe de equipa que tinha medo de falar por causa do pai e que nunca falara com ninguém a não ser com a professora.
41. A menina não soube dizer o que o pai fez especificamente, referindo que tem uma sala em casa onde recebe pessoas e onde as "cura"; referiu ainda que o pai grita muito em casa, sobretudo à mãe, mesmo "sem razão"; que depois de chegar da escola, a mãe e a irmã saem de casa e o pai leva-a para uma sala com uma maca, que o pai a deita na maca e tira dois comprimidos de uma caixa, que lhe diz para os engolir com água e que ela adormece e acorda passado algum tempo que não conseguiu precisar ainda deitada na maca; não respondeu quando lhe foi perguntado se estava vestida ou despida; que pelo menos, uma vez, o pai lhe deu alguma coisa para acordar; sentir dor no peito quando acorda e tonturas; que ainda consegue jantar mas muito zonza e que depois dorme com a irmã e no dia seguinte sente-se muito cansada e muito sonolenta; e que tal começou depois do Natal.
42. A professora, desde o início de Janeiro, notava a menina muito sonolenta nas aulas e por vezes, mesmo difícil de despertar e que aquela acabou por lhe dizer ser devido aos comprimidos que o pai lhe dava, sendo que o rendimento escolar da menina, até então regular, diminuiu subitamente e de forma acentuada desde o início de Janeiro.
43. A perícia médico-legal realizada à D… concluiu, em relatório datado de 18 de Abril de 2012, que "a lesão atrás descrita, a nível da superfície corporal, terá resultado de traumatismo de natureza contundente, não sendo possível a determinação do objecto em concreto, sendo temporalmente compatível com a data do evento a que o relatório se consigna. (...) o eritema observado a nível da região himenial e peri-himenial, embora de natureza inespecífica, não significa que referida agressão não possa ter ocorrido. Pese embora os exames de despistagem de alguns fármacos e drogas de abuso na urina da examinanda, realizados no Serviço de Urgência do F…, se terem revelado negativos para as substâncias pesquisadas, este facto não invalida que a criança não tenha estado sob a sua influência, na altura do evento em apreço. A informação que nos foi facultada, nomeadamente quanto ao contexto sócio-familiar da examinada, configura uma situação de risco quer para a mesma, bem como para a sua irmã sugerindo-se, por isso, a adopção de medidas psicossociais urgentes tendentes a assegurar a sua protecção, bem como o seu desenvolvimento psicológico harmonioso. A serem tomadas as referidas medidas de protecção, seria em nosso entender, benéfico que as mesmas fossem aplicadas de forma a manter as duas irmãs juntas, dada a sua ligação afectiva".
44. Aos peritos médicos, a criança afirmou que desde o início do ano, depois de chegar da escola e antes do jantar, quando a irmã e a mãe saem de casa, deixando-a sozinha com o pai, o mesmo chama-a ao escritório onde lhe dá dois comprimidos (brancos e pequenos) para tomar com água; pouco depois começa a ficar cheia de sono e que o pai a deita num sofá desse escritório, despindo-a da cintura para baixo; antes de adormecer, sente que ele lhe mexe nos genitais ("só aqui" apontando para a vagina), com um objecto que diz não saber descrever, por não o conseguir ver e que é "frio"; não se lembrar de mais nada, apenas de acordar no sofá da cozinha, estando a mãe e a irmã já em casa; o último evento ocorreu no dia anterior 12.04.2012 - tendo-se verificado, esta semana, todos os dias desde o fim-de-semana passado e que tomou banho ontem, já depois do evento; quando questionada acerca de uma equimose que apresentava no joelho direito, respondeu que "não foi na escola", apareceu-lhe uma das vezes em que esteve a dormir.
45. Referiu ardor à micção e no exame objectivo apresentou-se consciente e orientada temporo-espacialmente, com um fácies muito triste, apenas sorrindo quando fala da irmã C… e dos três cães; apresentou um discurso estruturado, embora muito contido e constrangido.
46. Por despacho proferido a 19 de Abril de 2012, foi aplicada à criança C… uma medida provisória de acolhimento em instituição.
47. Em execução dos despachos referidos em 6. e 46., a D… e a irmã C… foram acolhidas, a 19 de Abril de 2012, na "G…" em Coimbra.
48. Na noite do dia 19 de Abril de 2012, a progenitora foi vítima de agressões físicas por parte do marido e no dia 20 de Abril de 2012, a GNR deslocou-se à residência, a pedido de urna vizinha que estranhou a ausência daquela e encontraram-na muito abatida e debilitada.
49. Após o acolhimento, foi evidente a existência de afectividade das meninas para com os pais, maior relativamente ao pai e destes para com elas.
50. Após o acolhimento, a D… frequentou o 3.º ano de escolaridade e transitou de ano, integrando-se bem no novo estabelecimento de ensino, embora tivesse alguns dias em que oferecia alguma resistência em ir para a escola.
51. A D… mostrou facilidade de integração na instituição e no novo estabelecimento de ensino, sendo uma menina simpática e com facilidade de comunicação com os pares e os adultos.
52. Inicialmente a instituição apenas autorizou visitas à mãe, mas era o pai quem a levava e permanecia no carro, o que causava mal-estar à C…, mas a D… não se manifestava.
53. No dia 6 de Junho de 2012, a progenitora tentou suicidar-se com a ingestão de medicamentos.
54. Em Junho de 2012, os pais telefonavam diariamente para a instituição para cuidar de saber das filhas, sendo que também os padrinhos das meninas, primos e irmãos mais velhos também contactavam telefonicamente.
55. Em Maio de 2012, as meninas receberam a visita dos irmãos, cunhadas, sobrinhos, tios paternos e padrinhos.
56. A D… não mostrava dificuldades de aprendizagem, necessitando apenas de acompanhamento ao estudo e supervisão e ao nível de desenvolvimento comportamental e emocional, apresentava um comportamento adequado.
57. Em Junho de 2012, mantinham-se os hábitos alcoólicos do pai e a violência entre o casal, existindo também um grande desentendimento entre o casal e conflitos entre a mãe e os filhos do marido.
58. O pai descrevia a filha C… corno uma menina muito boa e compreensiva e que acabava por aceitar as orientações da mãe e, quanto à filha D…, descrevia-a como autoritária e mentirosa como a mãe.
59. As meninas verbalizavam vontade em voltar para casa, questionando mesmo a D… quando tal sucederia, dizendo que estava muito bem a viver com os pais.
60. A irmã uterina H… requereu, a 2 de Julho de 2012, autorização para as irmãs irem passar consigo as férias escolares na Suíça, o que foi indeferido por despacho proferido a 6 de Julho de 2012, por se desconhecer por completo as condições de vida daquela, a sua capacidade para cuidar elas meninas e a existência de efectiva ligação entre as irmãs.
61. A 9 de Julho de 2012, o pai já efectuara três visitas com a supervisão técnica e correram muito bem, notando-se que a atenção das meninas era dirigida ao pai e não tanto à mãe.
62. As meninas não verbalizavam na instituição o que se passava em casa dos pais sobre hábitos alcoólicos e mau ambiente familiar e no que dizia respeito às suspeitas de abusos sexuais existia um silêncio total.
63. Por acordo de promoção e protecção havido e homologado por sentença a 9 de Julho de 2012, foi aplicada à D… e à C… uma medida de acolhimento em instituição pelo período de seis meses.
64. No âmbito de tal acordo, os pais e a C… comprometeram-se a aceitar a intervenção da Segurança Social e os pais a frequentar as consultas no serviço de violência familiar do Centro Hospitalar F2….
65. No dia 8 de Junho de 2012, a D… remeteu-se ao silêncio nas declarações para memória futura no âmbito do processo de inquérito.
66. A 17 de Julho de 2012, a irmã I… solicitou autorização para que as meninas passassem, o período de 14 a 26 de Agosto de 2012 consigo e os fins-de-semana seguintes, tendo sido autorizada a passagem do período de férias de 2 a 26 de Agosto de 2012 e de fins-de-semana por despacho proferido a 27 de Julho de 2012.
67. As meninas integraram-se bem na dinâmica familiar no período de férias, acatando as regras e participando activamente nas actividades do agregado familiar, tendo sido gratificante para todos.
68. O relatório pericial psicológico realizado à D…, datado de 27 de Julho de 2012, concluiu que "estivemos perante uma criança com um nível intelectual ligeiramente abaixo da média, mas que lhe garante capacidade suficiente para utilizar a lógica e actuar com o mínimo de eficácia em relação ao meio circundante; a sua personalidade, ainda em fase de estruturação, começa a revelar traços onde predominam a introversão e a instabilidade emocional, bem como níveis de ansiedade elevados, aparentando esta a iniciar um processo depressivo. O seu autoconceito mantém-se ainda positivo; revelou capacidade para verbalizar o pensamento, apresentando um discurso lógico e coerente, bem como uma personalidade em processo de desenvolvimento, com características próprias, capaz de, dentro do que é expectável para a sua faixa etária, percepcionar e avaliar a realidade que a envolve. No entanto, a forma determinada, quase obstinada, como se recusou a abordar verbalmente assuntos relacionados com a sua dinâmica familiar, fazem supor que esta criança esteja a querer proteger eventuais fragilidades/peculiaridades do seu agregado familiar, em relação ao qual expressou de forma bem clara sentimentos de afecto e solidariedade".
69. Na avaliação referida em 68., a menina esteve dialogante e comunicativa até que se tentou estabelecer a ligação entre a situação do hospital e a sua institucionalização, remetendo-se então ao silêncio de uma forma obstinada, permanecendo, a partir de então, em mutismo absoluto, mas se se mudasse de tema de conversa, para assuntos neutros, a menina voltava ao normal e o seu discurso voltava a fluir com clareza e naturalidade e quando se tentava novamente abordar os motivos da sua institucionalização ou as suas relações familiares, voltava a remeter-se ao silêncio, numa atitude determinada, de quase desafio, o que a Sra. Perita considerou que, em termos psicológicos, ser uma atitude significativa, no sentido de deixar transparecer que existe, de facto, uma área da vida familiar que está a todo o custo a querer preservar do exterior, defendendo-a com "unhas e dentes".
70. Quando tentado um método indirecto, ficou claro que a menina estava a atravessar uma fase de grande sofrimento psicológico por se sentir afastada da família, mas deixando transparecer a existência de sentimentos de culpa muito fortes, por algo que terá acontecido e que ela, por qualquer motivo, se sentia responsável e embora não tenha sido possível concretizar quais os motivos exactos, ficou de alguma forma clarificado que o meio familiar em que a menina se movimentava poderia ser portador de alguma forma de disfuncionalidade, estando, na altura, a sentir sobre si o peso da responsabilidade de ter exposto para o exterior eventuais fragilidades e peculiaridades do seu núcleo familiar mais próximo.
71. Quando tentado através do desenho, a menina evidenciou a grande angústia e sofrimento cm que se encontrava e onde, mais uma vez, o facto de não desenhar a família poderá corresponder a uma reacção de evitamento: não querer enfrentar um assunto que, por motivos que não se mostra disposta a partilhar, lhe causa sofrimento.
72. Na instituição, a D… deixava transparecer sentimentos de tristeza por se sentir afastada do seu seio familiar, mas adoptava uma atitude defensiva e de grande reserva sempre que se procurava abordar assuntos relacionados com o processo-crime.
73. A 19 de Setembro de 2012 foi proferido despacho de arquivamento no processo de inquérito por se ter considerado a falta de indícios suficientes, atenta a recusa actual da menina em falar sobre os factos, o que determinaria, em julgamento, a absolvição do arguido, seu pai.
74. A 4 de Outubro de 2012, os pais continuavam a visitar as meninas na instituição semanalmente, sempre que não iam passar o fim-de-semana a casa da irmã I… dado que quando o faziam iam visitar os pais, sendo o momento da chegada pautado por saudação cm que eram visíveis sentimentos positivos de agrado e de satisfação mútua, mas durante o tempo em que estavam juntos, a interacção verbal e física ia diminuindo, chegando a não haver conversação; quando a conversação existia era reportada a questões do dia-a-dia dos pais, dos vizinhos e de outras notícias acerca dos episódios da vida do quotidiano dos pais, sendo muito raro estes fazerem perguntas sobre o quotidiano das filhas e sobre o seu percurso escolar; aparentava existir uma maior aproximação da C… ao pai e da D… à mãe
75. A 27 de Novembro de 2012, o pai pediu autorização para que as filhas passem as férias de Natal e fins-de-semana em casa, o que foi autorizado quanto às férias de Natal "em dias concretamente a estabelecer pela irmã I…".
76. A 30 de Novembro de 2012, a casa dos pais apresentava razoáveis condições de organização e higiene.
77. Os pais cumpriam com a frequência nas consultas de violência familiar e contactavam diariamente, por telefone, as filhas e eram receptivos às orientações dos técnicos, mostrando-se preocupados com o bem-estar das meninas.
78. A D…, em Dezembro de 2012, manifestava uma personalidade forte na instituição, apresentando, por vezes, comportamentos de oposição e dificuldade em acatar as orientações dos adultos, apresentando uma postura agitada.
79. Mostrava algumas dificuldades de aprendizagem, usufruindo de apoio individualizado na escola e apoio ao estudo na instituição e apresentava sinais de preocupação pela sua falta de concentração, pelos tiques que ainda apresenta, pelas dificuldades de integração/relacionamento essencialmente com colegas e pela dificuldade em falar dos seus próprios sentimentos/emoções.
80. A relação entre os progenitores melhorara.
81. Por despacho proferido a 28 de Janeiro de 2013, foi a medida de acolhimento residencial aplicada às meninas prorrogada por seis meses.
82. A irmã I… não voltou a levar as irmãs a passar fins-de-semana em sua casa a partir de meados de Janeiro de 2013 e não apresentou qualquer justificação para o efeito.
83. A 30 de Janeiro de 2013, o pai requereu que as filhas passassem as férias de Carnaval e Páscoa, tendo-lhe sido autorizada a passagem do período de 8 a 13 de Fevereiro de 2013, por despacho proferido a 7 de Fevereiro de 2012, tendo tal período decorrido de forma gratificante e positiva para todos.
84. A 18 de Fevereiro de 2013, os progenitores haviam comparecido nas quatro consultas já realizadas na Unidade de Violência Familiar e manifestava crítica e preocupação relativamente à problemática que motivou o processo e mostrava-se motivado para continuar.
85. Por despacho proferido a 28 de Fevereiro de 2013, foi autorizado que as meninas passassem os fins-de-semana e as férias escolares da Páscoa na companhia dos pais.
86. Em Julho de 2013, a D… estava mais calma.
87. Os pais continuavam a telefonar diariamente e a receber as filhas nos fins-de-semana com excepção daqueles em que a C… tinha espectáculos de dança, mas nesses, deslocavam-se os pais à instituição para as visitar.
88. A D… regressava satisfeita dos fins-de-semana por ter estado com a família, mantendo, nesses momentos, contacto com os irmãos e respectivos agregados.
89. Os pais continuavam a manifestar preocupação com o bem-estar das filhas, a ser receptivos quanto às orientações dos técnicos e a cumprir as consultas no O… e o relacionamento entre o casal aparentava ser mais estável.
90. Por despacho proferido a 22 de Julho de 2013, foi autorizado que as meninas passassem o período entre 29 de Julho e 5 de Setembro cm casa dos pais.
91. Em Setembro de 2013, o pai mantinha alguns consumos excessivos de bebidas alcoólicas que motivavam alguns conflitos familiares.
92. Em Novembro ele 2013, a C… manifestou o desejo ele se manter na instituição e pediu para ir a casa dos pais em fins-de-semana apenas quinzenais, verbalizando, discretamente, que até seria melhor, por causa dos conflitos entre os pais.
93. A D… apresentava bastantes dificuldades de aprendizagem, tendo acompanhamento diário na instituição.
94. Os pais concordaram com a manutenção das filhas na instituição, por ser vontade delas e para terem um futuro melhor e concordarem que os fins-de-semana passassem a ser quinzenais, sendo que as visitaram no Domingo do fim-de-semana que permanecessem na instituição.
95. Os pais manifestavam alguma dificuldade em lidar com as filhas nos períodos em que permaneciam em sua casa, queixando-se o pai que não queriam fazer nada, só viam televisão.
96. As meninas já conseguiam manipular os pais e na instituição a D… utilizava frequentemente estratégias de manipulação, fugas de resposta e intriga.
97. Por despacho proferido a 16 de Dezembro de 2013, foi a medida de acolhimento em instituição prorrogada por seis meses.
98. Por despacho proferido a 20 de Janeiro de 2014, foi autorizado que as meninas passassem os fins-de-semana – excepto quando tivessem actividade de dança ou no LIJ em que poderiam ser visitadas pelos pais – as férias escolares e os feriados na companhia dos pais.
99. A D… nem sempre fazia os trabalhos de casa nos fins-de-semana em que passava na companhia dos pais.
100. Em Junho de 2014, a D…, na instituição, manifestava, por vezes, comportamentos de oposição e muita teimosia e por vezes, no relacionamento com os pares, apresentava uma postura intriguista, refilona e rancorosa.
101. Frequentava o 5.º ano de escolaridade e no segundo período teve cinco classificações negativas, pese embora o apoio ao estudo na instituição e explicação de matemática fora da instituição.
102. Os pais continuavam a telefonar diariamente e a visitar as filhas na instituição quando estas não iam a casa no fim-de-semana.
103. Tiveram alta da consulta de violência doméstica, o pai mantinha os consumos excessivos de álcool com os amigos e o casal fazia um esforço para que existisse bom ambiente nos momentos em que as filhas estavam consigo.
104. Por despacho proferido a 11 de Março de 2015, foi a medida de acolhimento residencial aplicada às meninas prorrogada por mais seis meses.
105. Em Novembro de 2015, o pai iniciou trabalho em Espanha regressando a Portugal apenas de 15 em 15 dias, pelo que a instituição pediu, a solicitação do pai, que na sua ausência e sempre que se considerasse oportuno, as filhas passassem os fins-de-semana com a sua nora, P…, mulher do filho K…, também ele a trabalhar em Espanha.
106. A P… costumava estar com as meninas quando estas passavam fins-de-semana com os pais, fazendo, por vezes, refeições juntos, indo tomar café.
107. Na sequência do referido em 105., por despacho proferido a 11 de Dezembro de 2015, foi autorizado que as meninas passassem os fins-de-semana na companhia de P….
108. Em Janeiro de 2016, a D… era uma aluna empenhada ainda que com algumas dificuldades.
109. A intervenção próxima dos serviços da comunidade junto dos progenitores vinha sendo um factor de controlo dos comportamentos agressivos do pai ao mesmo tempo que a mulher assumia uma crescente autonomia o que melhorara a relação do casal.
110. A D… frequentava o 6.º ano de escolaridade, após ter ficado retida um ano no 5.º ano.
111. Na entrevista com o então novo gestor do processo, a D… afirmou não saber há quanto tempo estava na instituição; gostar da escola, achar que é boa aluna, mais ou menos empenhada, que gosta pouco estusiasmadamente da escola; que lhe agrada ir a casa aos fins-de-semana; saber os motivos que levaram a que ela e a irmã fossem acolhidas, mas não querer, nem conseguir falar do assunto; gostar das amigas da instituição embora desta propriamente dito, nem tanto e, não sentir que a sua adaptação fosse muito boa; não saber muito bem o que pretendia fazer quando crescesse e não ter grandes expectativas sobre o que quer que seja o seu futuro. Aparentou ser uma jovem triste e magoada.
112. Por despacho proferido a 3 de Fevereiro de 2016, foi a medida de acolhimento residencial aplicada às irmãs, prorrogada por seis meses.
113. A 23 de Junho de 2016, a instituição informou que a irmã uterina H… convidara as irmãs a passarem o período de 25 de Julho a 2 de Setembro consigo, na Suíça e que davam o seu parecer positivo a tal pedido, o que foi autorizado pelo tribunal.
114. Não obstante, a viagem acabou por se não concretizar, atendendo a que o marido da irmã H… foi, entretanto, internado de urgência devido a um problema oncológico.
115. Em Julho de 2016, a casa dos progenitores encontrava-se com alguma falta de higiene, arrumação e organização.
116. A D… sentia-se confortável com a sua situação de acolhimento.
117. Por despacho proferido a 26 de Setembro de 2016, foi a medida de acolhimento em instituição prorrogada por seis meses.
118. A 18 de Março de 2017, a D… saiu ela instituição sem para tal ter sido autorizada, com uma colega, e foi transportada à instituição pela PSP.
119. No dia 27 de Abril de 2017, a D… saiu da instituição pela porta de emergência às 7 horas e 45 minutos e regressou às 23 horas.
120. No dia 2 de Maio de 2017, a D… saiu da instituição acompanhada pelo adulto que a iria levar à escola e no trajecto até à garagem fugiu e regressou no dia 4 de Maio de 2017, acompanhada pelos agentes da PSP.
121. A 1 de Junho de 2017, a D… revelava um comportamento caracterizado por uma grande instabilidade emocional, extensível a todos os contextos da sua vida: escola e instituição.
122. Frequentava o 7.º ano de escolaridade, integrada numa turma do ensino regular, mas desde o início do 3.º período apresentava uma assiduidade irregular.
123. Desde o início de Abril que a instituição levada a D… ao estabelecimento de ensino, mas saía à hora de almoço, continuando em absentismo intermitente e parcial, saindo do espaço escolar e não chegando à instituição à hora definida.
124. Nas três semanas anteriores, recusava ir à escola, dizendo que já estava chumbada e que preferia estar em casa, mas acabava por sair da instituição sem autorização, repetidamente.
125. O desinvestimento estava também relacionado com o insucesso especial não conseguia ter sucesso, dado que à medida que os conteúdos escolares se complexificam, as suas dificuldades de aprendizagem acentuam-se.
126. Era uma jovem muito influenciável e vulnerável e um alvo fácil para grupos de risco.
127. A jovem C… requereu a 2 de Junho de 20l7, a prorrogação da medida de acolhimento em instituição após a maioridade.
128. D… ficou retida no 7.º ano de escolaridade, sendo urna aluna com necessidades educativas especiais e com muitas dificuldades de aprendizagem.
129. No ano lectivo 2016/2017, a menina passou a ter uma postura de incumprimento de regras, quer em contexto escolar, quer institucional e a faltar às aulas.
130. Num contexto de grande instabilidade emocional, a D… acabou por antecipar o período de férias e permanecer cm casa dos pais desde Junho de 2017.
131. A 21 de Julho de 2017, apanhou um autocarro para Coimbra e dormiu em casa de uma amiga, alegando, posteriormente ter-se desentendido com a mãe que, por seu turno, afirmou que não se apercebeu da saída da filha.
132. A 13 de Setembro de 2017, a D… iniciou um curso CEF T2 de acompanhamento de crianças com a duração de dois anos lectivos e que lhe daria equivalência ao 9.º ano de escolaridade.
133. No mesmo dia, no período da tarde foi autorizada a sair da instituição mas não regressou no horário estipulado e, no dia seguinte foi às aulas mas não regressou à instituição, não compareceu no estabelecimento de ensino no dia 15 e apenas regressou à instituição no dia 17.
134. A 18 de Setembro de 2017, a jovem comprometeu-se perante o tribunal a ir a todas as aulas e a regressar à instituição e a dela não se ausentar sem autorização.
135. No dia 27 de Setembro de 2017, a jovem ausentou-se da instituição sem autorização pelas 18 horas e 20 minutos e regressou pelas 22 horas e 50 minutos.
136. No dia 28 de Setembro de 2017 fugiu do adulto que a foi buscar à escola e regressou no dia seguinte à instituição.
137. A C…, a 6 de Outubro de 2017, decidiu não terminar o curso que frequentava e ir viver para Espanha para casa do irmão K… e da cunhada P….
138. Em virtude do referido em 137., por despacho proferido a 16 de Outubro de 2017, foi declarada cessada a medida de acolhimento residencial da jovem C….
139. A 19 de Outubro de 2017, a D… estava a efectuar um esforço por alterar os seus comportamentos, embora ainda se registassem algumas saídas não autorizadas e regressos tardios à instituição, bem como algumas faltas de assiduidade à escola, intercaladas e pontuais.
140. A jovem estava a aderir ao acompanhamento psicológico, conseguindo ter, em contexto de atendimento individual uma consciência crítica sobre o seu comportamento e consequências do mesmo, embora sem revelar a resiliência necessárias, nas situações do quotidiano de maior frustração, para reflectir sobre o comportamento mais adequado, revelando ainda alguma impulsividade.
141. Não obstante, a jovem encontrava-se mais estabilizada emocionalmente e mais calma.
142. A jovem encontrava-se num conflito interno e real de não poder ir viver com a família, sendo que ela própria considerava não ser a melhor opção, e também não querer estar institucionalizada, pelo que, muitas vezes, não conseguia lidar com a frustração de tal situação, o que, em conjunto com outras circunstâncias da vida também frustrantes como na relação de amizade com os pares, nas relações afectivas, em situações de insucesso escolar, desencadeavam algum descontrolo emocional favorável ao desencadear de comportamentos desajustados.
143. A D… vinha a efectuar evolução em termos de maturidade emocional, continuando a necessitar de supervisão e de apoio pois o seu equilíbrio era frágil e a vulnerabilidade continuava presente na sua personalidade.
144. De 19 de Outubro a 17 de Novembro de 2017, a D… regressou tardiamente à instituição nos dias 30 de Outubro, 6, 7, 14 e 15 de Novembro de 2017.
145. A jovem continuava a comprometer-se a alterar os seus comportamentos mas, atendendo à sua imaturidade e como é influenciável, acabava por não conseguir resistir ao que para ela era o mais apelativo na fase da adolescência.
146. A 29 de Novembro de 2017, a menina contabilizara desde 17 de Novembro de 2017, 7 faltas de assiduidade às aulas e algumas ocorrências por comportamento desadequado (conversas paralelas com os colegas, etc.), mas, no geral, apresentava um comportamento adequado ao contexto da sala de aula e melhorara ligeiramente o seu aproveitamento escolar.
147. Continuava a desobedecer, algumas vezes, às regras, quer da escola, quer da instituição, ausentando-se sem autorização.
148. A 11 de Janeiro de 2018, a jovem passara as férias de Natal com os pais e com alguns irmãos que se encontravam a trabalhar no estrangeiro.
149. A jovem obtivera classificação positiva a todos os módulos do curso que frequentava, com excepção do de Inglês e Educação Física.
150. Desde o início do segundo período de tal ano lectivo, a jovem estava a cumprir e encontrava-se estabilizada na relação com pares e adultos.
151. Também na instituição, apresentava-se estável na sua forma de comunicar e em termos comportamentais.
152. Continuava sem conseguir lidar com a frustração cm situações mais complexas, necessitando ele supervisão e apoio.
153. A jovem ausentou-se da instituição sem autorização no dia 25 de Janeiro de 2018 e regressou no dia seguinte.
154. A jovem voltou a alterar o comportamento em meados de Janeiro de 2018, contabilizando algumas faltas intercalares na escola, não obedecia ao que lhe era transmitido, nem reconhecia a autoridade do adulto, saindo do recinto escolar sem autorização.
155. No dia 5 de Fevereiro de 2018, a D… foi esperar a irmã C… ao seu local de trabalho e uma vez que não queria regressar à instituição, a C… contactou o pai para a ir buscar, o que este fez, levando-a para passar a noite em sua casa e acompanhando-a no dia seguinte à instituição.
156. A 15 de Março de 2018, o comportamento da D… mantinha-se inalterado, continuando a ausentar-se da instituição e da escola sem autorização, regressava a horas tardias ou pernoitava fora.
157. Quando questionada sobre onde estivera, com quem e o que fizera nas suas ausências, a D… dizia sempre que esteve em casa de uma amiga e recusava prestar mais informações.
158. Constantemente alertada pelos técnicos para os riscos que corria, manifestava desinteresse pelo que era transmitido.
159. A 30 de Maio de 2018 e desde o início do 3.º período, a D… estava mais assídua, embora apresentasse ainda algumas faltas intercalares e com um aumento significativo em termos de rendimento escolar.
160. Na instituição estava calma e com humor estável, sendo que a gratificação por estar a ter sucesso escolar era um factor motivador ao nível do empenhamento escolar e generalizava-se ao seu estado emocional nas situações do dia-a-dia nos diversos contextos de vida.
161. Continuava a ir a casa aos fins-de-semana e a manter contactos positivos com a irmã C… que, na altura vivia em Coimbra e estava integrada no mercado de trabalho.
162. A relação com a irmã C… era muito equilibrada e permitia à D… ter uma perspectiva temporal do futuro mais positiva e estruturada.
163. O comportamento da jovem é muito influenciável por factores externos e, portanto, instável e vulnerável.
164. A D… estava estável emocional e comportamentalmente, cumpria as regras da instituição, tinha sucesso escolar e mantinha boas relações com pares e adultos.
165. A 6 de Junho de 2018, a instituição solicitou autorização ao tribunal para que a D… fosse autorizada a pernoitar em casa da irmã C… quando as suas folgas coincidissem com feriados e fins-de-semana, o que foi autorizado por despacho proferido a 28 de Junho de 2018.
166. A jovem transitou para o segundo ano do curso que frequentava com aproveitamento e assiduidade regularizada uma vez que cumpriu todos os planos de recuperação até 26 de Julho de 2018.
167. A 6 de Setembro de 2018, a jovem ainda não passara nenhuma folga com a irmã C… uma vez que estava a passar as férias escolares com os pais, sendo que, nessa altura, manteve contactos com os irmãos emigrados na Suíça e em Espanha.
168. Por despacho proferido a 12 de Setembro de 2018, foi a medida de acolhimento em instituição prorrogada por seis meses.
169. A 27 de Setembro de 2018, a jovem revelava assiduidade no estabelecimento de ensino, cumpria as orientações dos professores e estava estável emocionalmente, não existindo registo de saídas não autorizadas nem de outros comportamentos desajustados.
170. A 2 de Novembro de 2018, a situação mantinha-se, no essencial, apresentando a jovem apenas algumas faltas intercalares.
171. Continuava a ser acompanhada em consultas de pedopsiquiatria e beneficiava de acompanhamento psicológico.
172. Por vezes, revelava alguns comportamentos de impulsividade e de ansiedade com as educadoras da instituição, quando se encontrava mais fragilizada emocionalmente face aos acontecimentos frustrantes do dia-a-dia, mas após acompanhamento e atenção individualizada, estabilizava.
173. Pese embora a evolução positiva em termos de comportamento e estabilidade emocional, a D… continuava a revelar uma acentuada vulnerabilidade e uma estrutura interna frágil cm termos de self, o que a tornava influenciável a factores negativos ou disfuncionais, essencialmente, se houvesse envolvimento afectivo com elementos de grupos de risco.
174. A D… apesar da vulnerabilidade que apresentava, aumentar as suas competências de autonomia afectiva e já conseguia aplicar, com frequência, estratégias de resolução de problemas eficazes
175. Por despacho proferido a 15 de Maio de 20l9, foi a medida de acolhimento em instituição prorrogada por seis meses.
176. A 18 de Julho de 2019, a jovem terminara o Curso de Acompanhante de Crianças que lhe conferiu equivalência ao 9.º ano de escolaridade.
177. Realizou o seu estágio curricular no jardim-de-infância/creche durante 7 semanas e teve um desempenho muito positivo, nunca apresentando qualquer falta injustificada ou atraso e assumindo uma postura muito conecta para com os funcionários da instituição e pais das crianças.
178. A jovem ausentou-se sem autorização da instituição nos dias 8, 9, 10 e 12 de Julho de 2019.
179. Quando questionada acerca dos incumprimentos referidos em 178., apresentou uma postura inflexível, não referindo onde esteve nem com quem, sendo recorrente que quando se encontra desorganizada emocionalmente, não mostra arrependimento, não tem insight e a sua consciência crítica quanto aos acontecimentos revela-se desadequada.
180. A jovem teve alta da consulta de pedopsiquiatria em Janeiro de 2019, sem medicação.
181. Continuava a beneficiar de acompanhamento psicológico e a apresentar uma grande vulnerabilidade de personalidade, o que a torna muito influenciável a factores externos.
182. A jovem passou as férias escolares de Verão de 2019 com os pais, onde leve oportunidade de estar junto de outros familiares pois foi o casamento do irmão K… e o baptizado de uma sobrinha, sendo que também passou alguns dias com a irmã H… em ….
183. Em Setembro de 2019 iniciou um curso profissional de animação sociocultural que lhe daria equivalência ao 12.º ano.
184. No dia 14 de Outubro de 2019, a irmã da jovem, I…, foi contactada pela mãe de uma ex-colega da D…, informando que esta estava em sua casa
185. No dia 16 de Outubro de 2019, a jovem estava em casa da irmã I… que a fora buscar.
186. A 25 de Outubro de 2019, a jovem regredira no seu comportamento, voltando a incorrer no incumprimento de regras e limites impostos, quer no estabelecimento de ensino, quer na instituição, faltando às aulas e saindo, sem autorização, da instituição e sem regressar, por vezes, para aí pernoitar.
187. Estava há cerca de 3 semanas sem ir às aulas, não verbalizando nem as razões que a levaram a adoptar tais comportamentos, nem onde se encontrava quando não pernoitava na instituição.
188. Durante uma entrevista com a Sra. Técnica da Segurança Social, verbalizou, várias vezes, o seu desejo de sair da instituição e ir viver com a irmã I… em ….
189. Comprometeu-se a regressar à escola e a melhorar a sua postura.
190. A 28 de Outubro de 20.19, a jovem não regressou à instituição após o fim das aulas e a 30 de Outubro de 2019 era desconhecido o seu paradeiro, não atendendo as chamadas nem respondendo às mensagens da instituição.
191. A 29 de Outubro de 2019, a jovem contactara a irmã I… que foi buscar a Coimbra, no início da noite, à baixa e no dia 31 de Outubro de 2019 mantinha-se em casa daquela.
192. I… apesar de alertada para a necessidade de a D… voltar para a instituição, mostrava-se apreensiva pois receava que a jovem se voltasse a ausentar da instituição, atendendo ao comportamento de desadaptação de vinha a revelar.
193. A 4 de Novembro de 20l9, a jovem mantinha-se em casa da irmã I…, recusando esta entregá-la na instituição, afirmando recear que a jovem repetisse o comportamento da semana anterior e consequentemente se colocasse em risco, além de que não queria que a D… deixasse de confiar nela.
194. A 8 de Novembro de 2019, a jovem regressou à instituição após a Segurança Social e a instituição se deslocarem para o efeito a casa da irmã I….
195. A irmã I… mostrou-se preocupada com a irmã, afirmando que a mesma estava deprimida e temia que viesse a fazer mal a si própria e apesar de insistirem para que contasse o que a preocupava, permanecia calada e a chorar, parecendo não confiar em ninguém.
196. Foi perceptível a ligação entre a D… e a irmã I… e aquela afirmou à Sra. Técnica da Segurança Social já não se sentir bem na instituição e encontrar mais tranquilidade e bem-estar junto do agregado da irmã.
197. No dia 9 de Novembro de 2019, a jovem ausentou-se da escola sem autorização, apresentando-se muito agressiva e descontrolada.
198. Atendendo à instabilidade emocional que vinha apresentando, a jovem foi atendida de urgência pela pedopsiquiátrica no dia 22 de Outubro de 2019, tendo-lhe sido prescrita medicação.
199. A 12 de Novembro de 2019, a jovem continua a apresentar comportamentos desajustados, de risco, de reactividade perante os adultos e de incumprimento, quer na instituição, quer no estabelecimento de ensino.
200. Por despacho proferido a 19 de Novembro de 2019, foi autorizado que a jovem passassem os fins-de-semana em casa da irmã I….
201. A irmã C… emigrara para a Suíça, onde ainda se encontra, e a D… ficou desequilibrada, desorientada e procurou apoio na irmã I….
202. Por acordo de promoção e protecção havido e homologado a 19 de Dezembro de 2019, foi a medida de acolhimento em instituição aplicada à D… substituída pela medida de apoio junto de outro familiar, isto é, da irmã I…, pelo período de 6 meses.
203. No âmbito do acordo referido em 202., a irmã da jovem comprometeu-se a diligenciar pela inscrição escolar da D…, a assegurar a sua comparência na escola com assiduidade e pontualidade e a acompanhar o seu percurso escolar; a diligenciar pela transferência do processo clínico da jovem para o seu centro de saúde e para o Centro Hospitalar … e a fazê-la comparecer nas consultas marcadas e a manter um ambiente familiar estável.
204. A jovem, por seu turno, comprometeu-se a comparecer nas aulas com assiduidade e pontualidade e a esforçar-se por obter aproveitamento escolar e a cumprir as regras e a respeitas os horários estabelecidos pela irmã.
205. Mais ficou definido que a jovem poderia passar um fim-de-semana por mês na companhia dos pais, sendo os horários estabelecidos pela irmã.
206. Aquando da celebração do acordo referido em 202., o agregado familiar de I… era composto pela própria, pelo companheiro e pela filha de dois anos e meio fruto de outro relacionamento.
207. Os filhos mais velhos de I…, ao tempo com 18 e 13 anos de idade, viviam com o pai.
208. Em 27 de Maio de 2020, a jovem não estava a residir com a irmã I…, mas sim com os pais, em …, pelo menos desde o início de Março de 2020, não estava a frequentar a escola, nem a sua matrícula chegara a ser efectuada.
209. Afirmou à Sra. Técnica da Segurança Social "faço bolos cá em casa, ajudo a mãe ou vou dar passeios ... ajudo a mãe nas limpezas mas não é porque me pedem".
210. A progenitora, quando questionada sobre o referido em 208., pela Sra. Técnica da Segurança Social só respondia nada saber
211. Contactado o pai, este disse à Sra. Técnica da Segurança Social que "ela veio e está em nossa casa porque na casa da irmã estavam lá lodos os irmãos na altura", que a filha "não tem ido à escola porque atrasou tudo e já não teve colocação" e rematou "está tudo bem! Está bem, está ao pé do pai e da mãe", "estuda, eu vejo-a no quarto a ler", "ela ajuda a fazer o comer, arruma a cozinha" e quando confrontado com o incumprimento do acordo de promoção e protecção afirmou "façam o que quiserem, o que entenderem! Eu agora tenho de ir trabalhar, tendo o patrão" e foi-lhe solicitado que voltasse a telefonar quando tivesse oportunidade, o que nunca fez.
212. A irmã I… estava grávida de 35 semanas e em Março de 2020, teve de fechar o café que explorava.
213. Questionada pela Sra. Técnica da Segurança Social, I… afirmou que a irmã não estava a estudar porque quando lhe foi confiada "não havia vaga para entrar naquela altura do ano", que "não estava bem psicologicamente" "não encontrámos vaga para o curso dela, nem havia esse curso, e nos cursos em que havia vaga, ela não se estava a ver cm nenhum deles. Não tinha vontade, não se exprimia com nada, não falava. Tivemos dificuldade com a matrícula, não havia vagas. Eu acho que devia ter dito, logo de caminho, às técnicas" e que em Março, o pai lhe perguntou "queres deixá-la vir passar uma semana, quinze dias e que foi e já não voltou.
214. Sobre o tempo em que a D… esteve consigo disse que foi "muito complicado! Nem parece que esteve numa instituição. A D… parece duas D…. Só ri para quem quer...não conheço esta D…", que lhe chegou a dizer "eu vou desistir de ti! Não sabes acatar nada, nem conselhos. Parece que fazes as coisas por favor...e era a pedir para fazer as coisas dela…, eu acho que ela devia pensar que vinha e eu ia ser a empregada dela. Ela ao pai faz. A D… adora o pai! Lá anda com esfregona, faz bolos, sem ninguém pedir.", "vai ser muito complicado! Assim que começar a escolar vai começar a desencaminhar. Estou farta de falar com isto como meu companheiro, temos a mesma opinião: ela vai querer liberdade, eu vou estar no café. Nessa escola é onde anda a irmã do meu companheiro, lá há ganzas, maus comportamentos, ela vai-se juntar a essas pessoas. Ele já chegou a estar junto dela a chorar, a pedir para ela se esforçar, para ela fazer alguma coisa por ela e ela prometeu que sim. Depois vinha transpirada do karaté e nem banho tomou e pôs a roupa transpirada para dentro do guarda-fatos. Isso é alguma higiene? Nem parece que esteve numa instituição com regras! Se ela continua com este comportamento não adianta a gente esforçar-se. Ela da maneira que está, está a prejudicar as pessoas que a estão a ajudar. Desentendimentos comigo e com ela. O meu irmão de Espanha tem a mesma opinião: ela não vai aprender e, se calhar, foi um erro eu tirá-la da instituição. Eu achava que comigo ia ser diferente. Ela a nós não obedece. Eu tentei, se calhar fiz mal!; "eu sei que o tribunal não quer os pais, mas acho que o melhor é o pai" e quando confrontada com o facto de estando este a trabalhar a jovem passaria mais tempo com a mãe com quem tem uma relação tendencialmente difícil, disse que não haveria problema porque a irmã "passa o tempo no quarto, faz o que quer", portanto não haveria ocasiões para desentendimentos com a mãe.
215. A D… assumiu uma atitude de fecho e silêncio para com a Sra. Técnica da Segurança Social, não querendo partilhar o seu mundo interior, nem se tem e qual é o seu projecto de vida.
216. O irmão K… da jovem e a mulher desta P… tinham conhecimento do referido em 208.
217. Por despacho proferido a 15 de Julho de 2020, foi aplicada à jovem uma medida provisória de acolhimento residencial, pelo período de seis meses.
218. Aquando da execução da medida provisória referida em 217., a jovem estava em casa do irmão K… que se deslocara a Portugal com a mulher e os três filhos.
219. Em execução da medida referida em 217., a jovem encontra-se acolhida no LIJ do Centro de Apoio Familiar S… desde 17 de Julho de 2020.
220. A integração na instituição decorreu de forma muito positiva, sendo uma jovem muito colaborante, responsável e que tem revelado maturidade, a ponto de, eventual mente, se poder equacionar a sua integração, num futuro mais ou menos próximo, na ala de pré-autonomia.
221. Aquando da entrevista com a Sra. Técnica da Segurança Social aparentou estar feliz e chegou a afirmar que "se tiver que ficar aqui até aos 18 anos, não é por isso que vou fazer asneiras ou fugir".
222. A 20 de Agosto de 2020 foi proferido despacho a autorizar os progenitores, o irmão K… e a cunhada P… a visitar a jovem na instituição.
223. Desde a data do acolhimento e a data de realização do debate judicial, a D… recebeu uma única visita dos pais, do irmão K… e da mulher deste e filhos do casal.
224. A jovem recusa contacto com a irmã I….
225. Está a frequentar um curso profissional de técnico de apoio à infância que lhe dará equivalência ao 12.º ano.
226. Evidencia baixa tolerância à frustração e rigidificação quanto à expressão de emoções.
227. Mostra-se resistente ao acompanhamento psicológico na instituição.
228. Não verbaliza na instituição o que se passou em casa da irmã I…; nem na anterior instituição.
229. A jovem verbaliza vontade em ir viver para Espanha com o irmão K…, a mulher deste P… e os filhos do casal de 13, 10 e 6 anos de idade e estes estão na disposição de acolhê-la.
230. Em Julho de 2020, K… trabalhava por conta própria tendo efectuado um contrato de aluguer de máquina para remover madeira com opção de compra a 1 de Fevereiro de 2020 e a mulher estava desempregada e a auferir subsídio de desemprego.
231. Habitavam numa casa arrendada em … desde 15 de Abril de 2020.
232. A 1 de Agosto de 2020, o agregado mudou-se para a localidade de …, na sequência de um contrato de exploração de um bar e de uma casa de turismo rural celebrado por P…, mantendo K… a sua actividade na madeira e que implica que, por vezes, não pernoite em casa.
233. A casa é composta de rés-do-chão, primeiro e segundo andar, sendo que o agregado familiar de K… ocupa o segundo andar como sua residência, os quartos para alugar situam-se no primeiro andar e no rés-do-chão existe um quarto destinado a D….
234. A casa rural é sobretudo frequentada por caçadores e apanhadores de míscaros que aí permanecem durante uma noite ou por dois ou três dias.
235. A irmã da jovem, C… recusa falar da sua experiência em Espanha com o irmão K… e a cunhada P… e esta refere que aquela não se adaptou "em termos de tudo".
236. A jovem esteve com o irmão K… e o agregado familiar deste, em Portugal, no mês de Agosto de 2019 e passou um dia com eles em 2013 e três ou quatro fins-de­-semana em 2015, em Portugal.
237. O irmão K… trabalha em Espanha há 9 anos e a mulher e os filhos foram viver para Espanha há três anos e meio.
238. O pai da jovem tem antecedentes criminais pela prática de crimes de condução de veículo em estado de embriaguez e detenção de arma proibida
239. A mãe da jovem tem antecedentes criminais pela prática de crime de injúria e de ofensa à integridade física simples.
240. O irmão da jovem K… tem antecedentes criminais pela prática de crimes de condução de veículo sem habilitação legal e uso de documento de identificação ou de viagem alheio. (renumeração por nós efectuada uma vez que a constante da decisão recorrida apresentava alguns lapsos manifestos).

Não há factos julgados não provados.

III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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Ora, visto o teor das alegações do apelante são questões a apreciar no presente recurso:
- Da necessidade e oportunidade da medida aplicada à jovem D….
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Por via da decisão recorrida foi aplicada à jovem D… a medida de acolhimento residencial até à maioridade, a ser revista semestralmente, em substituição da medida de apoio junto de outro familiar a que estava anteriormente sujeita.
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O apelante, pai da jovem defende que se trata de uma mediada excessiva e, sem fundamento nos factos provados, entendendo como adequada a aplicação de medida de apoio junto da família, em casa dos seus pais, aí sendo acompanhada por assistentes sociais e psicólogas, por forma a ficar preparada para a maioridade.
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*
Resulta bem evidente do elenco factual provado nos autos o que foi, até à actualidade, o percurso de vida desta jovem, actualmente com cerca de 17 anos e seis meses, em suma, desde 19 de Abril de 2012 quase sempre institucionalizada.
Não faremos qualquer apreciação sobre o teor das decisões anteriores à ora recorrida, as quais decerto tiveram sempre por base o interesse superior desta menor e o imperioso dever de o proteger, das situações muito adversas e mesmo de perigo que a circundavam.
Temos por evidente que todas as medidas de protecção aplicadas lograram atingir os objectivos pretendidos, como seja, o terem dado a esta menor a possibilidade de estudar - actualmente a D…, por ter terminado o Curso de Acompanhante de Crianças, tem a equivalência ao 9.º ano de escolaridade - ter de perceber que existem regras a cumprir, ter sido integrada num meio, com características próximas de um lar familiar e de assim poder interagir com outros, com problemas, ambições e frustrações parecidas com as suas, de ter tido acompanhamento médico e pedopsiquiátrico, e no fundo, de ter tido muitas pessoas à sua roda que com ela e com o seu bem-estar e desenvolvimento harmonioso se preocupavam. Todavia, não se pode ignorar que muitas coisas, durante a vigência e aplicação dessas medidas, nomeadamente aquando da sua institucionalização, não correram da melhor maneira, ou mesmo correram mal e até muito mal. Na verdade, parece que a certo momento do desenvolvimento emocional e da personalidade desta jovem, não se conseguiu controlar e modelar a sua rebeldia, imaturidade e espírito de aventura, o que aliado, decerto, à noção de que sempre teria alguém por detrás a “salvá-la ou resgatá-la” dos erros que cometesse e de que estava longe da casa dos seus pais contra a sua vontade, a levou a incorrer em inúmeros riscos pessoais, a transigir deliberadamente e de forma afrontosa as regras a que sabia estar sujeita.
No entanto, tudo isto é a vida desta jovem, as suas boas e más memórias e é com elas e com base nelas e com o poder de antevisão de futuros eventos que a vida da mesma terá de progredir. Os problemas emocionais, de maturidade, de auto-estima, de objectivos de vida que a D… apresenta são o produto do seu passado e neste momento, é nossa convicção de que só ela, com a ajuda dos que a rodeiam e dos que ela souber escolher para a rodearem, poderá definir ou ir definindo um caminho de vida estável, harmonioso e que lhe dê felicidade.
*
Mas vejamos.
Preceitua o art.º 3.º Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro - Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo - que:
“1 - A intervenção para promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.
2 - Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações:
a) Está abandonada ou vive entregue a si própria;
b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;
c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;
d) Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais;
e) É obrigada a actividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;
f) Está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;
g) Assume comportamentos ou se entrega a actividades ou consumos que afectem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.”
A medida decretada na decisão impugnada encontra previsão no art.º 35.º f) da referida lei, que a define no seu art.º 49.º, com o título “Definição e finalidade”, nos seguintes termos:
“1 - A medida de acolhimento residencial consiste na colocação da criança ou jovem aos cuidados de uma entidade que disponha de instalações, equipamento de acolhimento e recursos humanos permanentes, devidamente dimensionados e habilitados, que lhes garantam os cuidados adequados.
2 - O acolhimento residencial tem como finalidade contribuir para a criação de condições que garantam a adequada satisfação de necessidades físicas, psíquicas, emocionais e sociais das crianças e jovens e o efectivo exercício dos seus direitos, favorecendo a sua integração em contexto sociofamiliar seguro e promovendo a sua educação, bem-estar e desenvolvimento integral”.
Como é sabido a aplicação das medidas de promoção e protecção deve obedecer aos princípios orientadores enunciados no art.º 4º da mesma Lei, segundo este:
A intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo obedece aos seguintes princípios:
a) Interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afecto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;
b) Privacidade - a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada;
c) Intervenção precoce - a intervenção deve ser efectuada logo que a situação de perigo seja conhecida;
d) Intervenção mínima - a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja acção seja indispensável à efectiva promoção dos direitos e à protecção da criança e do jovem em perigo;
e) Proporcionalidade e actualidade - a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade;
f) Responsabilidade parental - a intervenção deve ser efectuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem;
g) Primado da continuidade das relações psicológicas profundas - a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afectivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante;
h) Prevalência da família - na promoção dos direitos e na protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adopção ou outra forma de integração familiar estável;
i) Obrigatoriedade da informação - a criança e o jovem, os pais, o representante legal ou a pessoa que tenha a sua guarda de facto têm direito a ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa;
j) Audição obrigatória e participação - a criança e o jovem, em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa por si escolhida, bem como os pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, têm direito a ser ouvidos e a participar nos actos e na definição da medida de promoção dos direitos e de protecção;
k) Subsidiariedade - a intervenção deve ser efectuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria da infância e juventude, pelas comissões de protecção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais”.
Tais medidas mostram-se taxativamente elencadas por ordem de preferência e de prevalência, pelo que há que preferir as medidas a executar no meio natural de vida -apoio junto dos pais, apoio junto de outro familiar, confiança a pessoa idónea, apoio para autonomia de vida e confiança a pessoa seleccionada para adopção- sobre as medidas executadas em regime de colocação - acolhimento familiar, acolhimento em instituição e confiança a instituição com vista a futura adopção.
Estabelecendo a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo que a intervenção para a promoção dos direitos e promoção da criança e do jovem em perigo obedece, entre outros, ao princípio do interesse superior da criança, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade de interesses presentes no caso concreto. E ao avaliar e determinar o interesse superior de uma criança ou das crianças em geral, deve ser considerada a obrigação do Estado assegurar à criança a protecção, ou seja, garantir o “bem-estar” e desenvolvimento da criança em sentido amplo e os cuidados que sejam necessários ao seu bem-estar, ou seja, garantir as suas necessidades materiais, emocionais, físicas, educacionais e básicas, bem como sua necessidade de afecto e de segurança.
Esse mesmo princípio decorre, também a Convenção sobre os Direitos da Criança assinada em Nova Iorque em 26.01.1990, manda atender ao “superior interesse da criança”.
Como se escreveu no Ac. da Relação de Lisboa de 23.04.2009, in www.dgsi.pt1. O superior interesse da criança e do jovem deve ser entendido como o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
2. O interesse da criança ou jovem, deve ser realizado na medida do possível no seio do seu grupo familiar. Porém, em caso de colisão, sempre sobrelevará o interesse em se alcançar a plena maturidade física e intelectual da criança/jovem, ainda que, o interesse de manter a criança/jovem no agregado familiar seja postergado.
3. Do reconhecimento de que é direito fundamental da criança «poder desenvolver-se numa família (art.º 67.º CRP) deriva que se a criança ou o jovem tem uma família que quer assumir as funções parentais, de forma satisfatória, ainda que com o apoio da comunidade, haverá que a respeitar e aplicar a medida de apoio junto dos pais ou de outro familiar.
4. A aplicação das medidas que provoquem o afastamento da criança ou do jovem da família e consequente institucionalização ou colocação familiar é, assim, o último recurso, apenas sendo possível quando é previsível o seu regresso à família, sendo subsidiárias daquelas que promovam a sua adopção.”
O conceito de superior interesse da criança ou do jovem sendo um conceito jurídico indeterminado não é susceptível de uma definição em abstracto que se aplique a todos os casos, daí que tal critério só adquira eficácia quando referido aos interesses de uma criança em concreto. Contudo, não define todavia a lei, precisamente, o que deva entender-se por interesse do menor. Para Almiro Rodrigues, in “Em “Interesse do menor, contributo para uma definição”, «Revista Infância e Juventude», n.º1, 1985, pág. 18, o interesse superior do menor reconduz-se ao direito deste “ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”. Contudo, não define todavia a lei, precisamente, o que deva entender-se por interesse do menor.
Para Almiro Rodrigues, in “Interesse do menor, contributo para uma definição”, «Revista Infância e Juventude», n.º1, 1985, pág. 18, o interesse superior do menor reconduz-se ao direito deste “ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”.
E como tem vindo a ser entendido, o “interesse do menor” traduzir-se-á, afinal, num conceito genérico utilizado pelo legislador de forma a permitir ao juiz alguma discricionariedade e bom senso e que funciona relativamente às características de cada caso concreto.
Outro princípio com relevância para a decisão do caso em apreço é o da proporcionalidade e actualidade, e ele também é comtemplado pela Convenção Sobre os Direitos da Criança (art.º 9.º), que se subdivide em três sub-princípios, seus corolários: i) o princípio da adequação ou da conformidade; ii) o princípio da exigibilidade ou da necessidade; iii) e o princípio da proporcionalidade em sentido estrito. Devendo assim os meios e os fins que se pretendem alcançar serem submetidos a um juízo de ponderação, com o objectivo de se avaliar se o medida utilizada é ou não desproporcionada e/ou intempestiva.
Este princípio tem subjacente o consagrado no art.º 36.º C.R.Portuguesa e por força do disposto no art.º 18.º n.º 2 da mesma Lei Fundamental, não pode qualquer intervenção deixar de obedecer aos princípios da necessidade e proporcionalidade. Pois como refere Tomé d`Almeida Ramião, in “Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo – Anotada e Comentada” pág. 33, “na verdade, a intervenção estadual representa, normalmente, uma restrição dos direitos fundamentais da criança ou do jovem (nomeadamente o seu direito à liberdade e autodeterminação pessoal) e, direitos fundamentais dos seus progenitores (v.g. o direito à educação e manutenção dos filhos)”.
Por outro lado, entendemos que o interesse da criança ou jovem, deve ser realizado. na medida do possível. no seio do seu grupo familiar. Porém, “em caso de colisão, sempre sobrelevará o interesse em se alcançar a plena maturidade física e intelectual da criança/jovem, ainda que, o interesse de manter a criança/jovem no agregado familiar seja postergado”, cfr. Tomé d`Almeida Ramião, in obra citada, pág.47.
E assim, devendo reconhecer-se que é direito fundamental da criança “poder desenvolver-se numa família”, cfr. art.º 67.º da C.R.Portuguesa, consequentemente “se a criança ou o jovem tem uma família que quer assumir as funções parentais, de forma satisfatória, ainda que com o apoio da comunidade, haverá que a respeitar e aplicar a medida de apoio junto dos pais ou de outro familiar, art.º 35.º n.º1 da LPCJP e assim, “A aplicação das medidas que provoquem o afastamento da criança ou do jovem da família e consequente institucionalização ou colocação familiar é, assim, o último recurso, apenas sendo possível quando é previsível o seu regresso à família, sendo subsidiárias daquelas que promovam a sua adopção”, cfr. Tomé d`Almeida Ramião, in obra citada pág. 35.
*
Analisando o caso concreto dos autos, nomeadamente o elenco fáctico provado e o que mais consta da fundamentação da decisão recorrida que substituiu a medida de apoio junto de outro familiar a que estava anteriormente sujeita a jovem D… por uma medida de acolhimento residencial até à maioridade, a ser revista semestralmente, à luz dos princípios subjacentes e acima enunciados e, especificamente à luz do supeior interesse desta jovem e dos princípios da necessidade, da oportunidade e da adequação, concluimos em sentido diverso daquele que fez a decisão recorrida.
Vejamos.
Como acima deixámos referido concordamos quando na decisão recorrida se refere que “Não obstante e apesar de toda a intervenção técnica prestada pela instituição, a D… nunca conseguiu ultrapassar as dificuldades de aprendizagem que apresenta, nem lidar com a frustração ou com as suas emoções de forma adequada, o que a tomou uma jovem frágil, vulnerável, influenciável e instável emocionalmente. A jovem passou assim a colocar-se cm situações de perigo para a sua segurança, educação e formação, mesmo acolhida, o que, atendendo às fragilidades pessoais dos pais, continuou sem permitir o seu regresso ao agregado dos mesmos. E a verdade é que quando regressou, ainda que à revelia do tribunal e não obstante o compromisso assumido perante ele pelos pais, jovem e irmã I…, estes pais confirmaram não ser capazes de cuidar adequadamente da filha, uma vez que a jovem não frequentou qualquer estabelecimento de ensino, sem sequer conseguir compreender a situação de perigo para a formação, educação e desenvolvimento da D… que daí advinha. Por outro lado, esta jovem demonstrou também não ter ainda maturidade para se autonomizar minimamente ou para poder estar integrada no agregado dos pais, aproveitando-se das fragilidades destes, evidenciando necessitar ainda de muito apoio, supervisão e orientação e aqueles incapacidade/falta de vontade de o fazer. Esta jovem não tem um projecto de vida minimamente definido, apenas há muito, o sonho de sair da instituição e foi-se voltando, sucessivamente para os restantes membros da família alargada, criando expectativas”.
A decisão recorrida termina dizendo que “É assim evidente que, infelizmente, a única medida capaz de salvaguardar as necessidades desta jovem e zelar pelo seu superior interesse e que se revela adequada e proporcional, é a medida de acolhimento residencial, para o qual, como se viu, neste momento, inexiste alternativa”.
Não concordamos com este entendimento.
Na verdade estamos perante uma jovem com 17 anos e meio, que não pretende continuar institucionalizada, o que lhe causa natural inconformismo e revolta e destabiliza a sua frágil maturidade e, potencia a sua descrença em si própria como pessoa que poderá ser capaz de reger a sua vida futura, acarretando-lhe mais problemas de auto-estima.
Julgamos assim que a intervenção pelo acolhimento da menor em instituição já não se mostra apta e/ou adequada à defesa do superior interesse desta jovem. Ou seja, julgamos que o cercear das liberdades desta jovem – liberdade de viver junto da sua família natural – mantendo-a institucionalizada por mais seis meses, nada lhe proporcionará de benéfico para a continuação do seu desenvolvimento afectivo, educativo, emocional e em geral da sua personalidade. Podendo, ao invés, potenciar a sua revolta e a sua determinação em expressá-la, expondo-se a eventuais riscos.
Por outro lado, a sua família – mãe e pai – têm os problemas pessoais que constam dos factos provados, mas são os únicos pais que a jovem D… tem e a quem reconhece como tal. Não obstante ter um relacionamento um tanto difícil com a sua mãe, o que já não sucede com o seu pai, sendo que este, ao que nos parece, mesmo dentro das suas limitações pessoais, sempre se revelou muito interessado pelo bem-estar da D….
Logo, julgamos ser adequado, proporcional e necessário à defesa do superior interesse da jovem D…, afastar, na medida do possível, uma posição muito securizante, e ao invés mostrar-lhe que acreditamos em si como pessoa capaz de ter apreendido com o que de bem e de menos bom lhe aconteceu até ao momento e, no futuro se determinar para continuar a construir e vir a alcançar uma vida emocionalmente sólida, produtiva e gratificante e, consequentemente aplicar tão-somente a medida de apoio junto dos pais, permitindo o estreitamento dos laços afectivos existentes entre ela e os seus progenitores, assim como a sua ligação à vida social junto do seu meio natural, privilegiando-se, assim, a família em detrimento da institucionalização e da inerente continuação do desenraizamento da jovem das suas referências mais básicas.
Como é sabido, a medida de “apoio junto dos pais” consiste em proporcionar à criança ou jovem apoio de natureza psicopedagógica e social, e, quando necessário, ajuda económica, cfr. art.º 39.º da LPCJP.
Certo é que se não pode “largar” esta jovem no meio familiar e social, sem mais. Logo, entendemos que é necessário, através do apoio junto dos pais, com esforço e empenho dos técnicos, com agilização dos procedimentos, alcançar a pretendida aproximação e reconstrução dos laços afectivos da jovem D… com os seus progenitores, assim como a sua inserção no meio social que rodeia a residência dos mesmos, e ainda com a diligente ajuda dos mesmos técnicos, continuar, se possível a sua formação escolar/profissional e depois encontrar uma ocupação profissional para esta jovem, dentro das suas competências e capacidades.
Procedem assim as conclusões do apelante.

IV – Pelo exposto decide-se julgar a presente apelação procedente e em revogar a decisão recorrida e, em sua substituição, decide-se que a medida que melhor se adequa à situação da jovem D… é a de “apoio junto dos pais”, prevista no art.º 35.º n.º 1 a) e 39.º, da LPCJP, ficando a residir com os mesmos, na Rua …, n.º ., …, …, vinculada às seguintes obrigações até à data da sua amioridade:
a) Os pais e a jovem D… colaborarão com a equipa técnica que acompanhará a execução da medida seguindo as directrizes que lhe forem fixadas, visando, principalmente, a reconstrução dos laços afectivos da jovem com os seus progenitores, assim como a sua inserção no meio social que rodeia a residência dos mesmos; a continuação, se possível da formação escolar/profissional da jovem e, posteriormente encontrar uma ocupação profissional para a mesma dentro das suas competências e capacidades, tudo em vista à autonomia pessoal, social, profissional e económica da jovem D….
b) Os pais e a jovem D… deverão aceitar a ajuda e apoio dos referidos técnicos sociais na manutenção da estabilidade familiar, emocional de todos, devendo todos colaborar para a supressão das necessidades normais da família, prestando-lhes a ajuda necessária (de natureza psicopedagógica) para que todos assumam a sua função e se afaste qualquer situação de risco para a jovem e se lhe proporcione as condições adequadas à continuação do seu desenvolvimento normal e promover e desenvolver o seu bem-estar emocional.
Deverá a equipa social que acompanhará a aplicação da supra referida medida enviar mensalmente ao tribunal relatório sucinto sobre o desenvolvimento da situação e ocorrências entretante ocorridas. Devendo ainda o tribunal recorrido diligenciar, atento o princípio da necessidade e da oportunidade que rege a presente situação, pelo que for ou vier a mostrar-se premente e/ou necessário com vista à potencialização da aplicação da medida decretada.
Notifique não só os intervenientes processuais neste recurso, assim como a Direcção da Instituição onde a menor se encontra acolhida.
Sem custas.

Porto, 2021.01.12
Anabela Dias da Silva
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues