Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | PAULA NATÉRCIA ROCHA | ||
| Descritores: | ESCOLHA DA PENA DE PRISÃO OU DE MULTA PASSADO CRIMINAL CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL | ||
| Nº do Documento: | RP2025101580/25.6PAVFR.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/15/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | CONFERÊNCIA | ||
| Decisão: | PROVIDO O RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - O passado criminal do arguido, pelo número condenações, sendo que duas são pelo mesmo tipo legal de crime ora em apreço, ou seja, condução de veículo sem habilitação legal, e em todas as situações, uma vez que no primeiro processo foi condenado pela prática de dois crimes, pela prática de crimes rodoviários, num período de apenas dois anos, revela uma personalidade avessa ao direito, indiferente aos valores tutelados pelas normas penais violadas e à ameaça das respetivas sanções, de resto, evidenciada pelo seu completo alheamento do processo e consequente ausência de qualquer conduta demonstrativa de ter interiorizado a sua culpa e necessidade de censura penal. II - Ora, considerando o que se deixa exposto, é manifesto que as necessidades de prevenção geral no caso concreto, de defesa do ordenamento jurídico, e as razões de prevenção especial impedem a substituição da pena de prisão imposta pela pena de multa, mostrando-se esta incapaz de realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. Especialmente as exigências de prevenção especial que in casu se fazem sentir impedem, em nosso entender, a substituição da pena de prisão imposta por pena de multa. III - No presente caso, e considerando os seus antecedentes criminais, o arguido carece de um período de maior acompanhamento que não é compatível com o decorrente do pagamento fugaz de uma pena de multa. IV - Assim, só a pena de prisão suspensa na sua execução (já que o arguido não compareceu no julgamento e, por isso, não prestou consentimento para a prestação de trabalho a favor da comunidade), acompanhada de regime de prova e imposição de condições, permite sinalizar ao arguido que o cometimento do mesmo crime no prazo da sua execução poderá implicar o cumprimento da pena de prisão principal. (Sumário da responsabilidade da Relatora) | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 89/25.8PAVFR.P1 Tribunal de origem: Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto – J2– Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: No âmbito do Processo Sumário n.º ... a correr termos no Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira (J2) na Comarca de Aveiro foi julgado e condenado o arguido AA, pela prática, no dia 25 de fevereiro de 2025, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. no art.º 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro, com referência aos art.ºs 121.º, n.º 1, 122.º, n.º 1 e 123.º, n.º 1, todos do Código da Estrada na pena de um (1) ano de prisão substituída por trezentos e sessenta (360) dias de multa à razão diária de sete (7,00€) euros perfazendo o total de dois mil quinhentos e vinte euros (€2.520,00). Desta decisão veio o Ministério Público interpor o presente recurso, nos termos e com os fundamentos que constam dos autos, que agora aqui se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos, terminando com a formulação das conclusões seguintes: I. O arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 1 ano de prisão substituída por 360 dias de multa à taxa diária de 7,00€; II. O tribunal deve apurar, em concreto, entre as várias penas de substituição aplicáveis ao caso, a que melhor e da forma mais adequada realiza as exigências de prevenção especial de socialização que se façam sentir, sem comprometer as necessidades de prevenção geral; III. A pena de prisão substituída por multa não satisfaz as finalidades de punição; IV. Por um lado, o arguido já tinha sido condenado num passado recente em duas penas de multa pela prática do mesmo crime (e numa das ocasiões também pela prática do crime de condução perigosa de veículo rodoviário); V. Por outro lado, o arguido carece de um período de maior acompanhamento que não é compatível com o decorrente do pagamento fugaz de uma pena de multa; VI. Na verdade, só a pena de prisão suspensa na sua execução (já que o arguido não compareceu no julgamento e, por isso, não prestou consentimento para a prestação de trabalho a favor da comunidade) permite sinalizar ao arguido que o cometimento do mesmo crime no prazo da sua execução poderá implicar o cumprimento da pena de prisão principal; VII. Também só esta pena permite a fixação acessória da imposição de deveres e regras de conduta focados na origem da infração, de molde a se alcançar uma plena consciencialização do arguido para o perigo e consequências que a sua conduta vem assumindo para si e terceiros; VIII. Face ao exposto, deverá o arguido ser condenado numa pena de 1 ano de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 ano sujeita a um regime de prova vocacionado para a temática da segurança rodoviária (designadamente, contemplando a frequência do programa “licença.com” ministrado pela DGRSP ou outro de natureza equivalente) e ainda subordinada às condições do arguido comprovar a sua inscrição numa escola de condução, frequentar aulas teóricas e submeter-se a exame de código (e prático de condução, caso obtenha aprovação no exame de código) durante o período da suspensão, juntando os respetivos documentos comprovativos nos autos dessas condições – cf. art.ºs 50.º, n.ºs 2, 3 e 5 e 52º, n.º 1, als. b) e c) e 53º do Código Penal; IX. Ao optar pela pena de prisão substituída por multa, o Tribunal “a quo” fez uma incorreta interpretação e aplicação do disposto nos art.ºs 40º, 45º e 70º do C.P. Termina pedindo seja dado provimento ao recurso, devendo ser revogada a sentença recorrida na parte referente à pena de substituição aplicada ao arguido. Neste Tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu e que se encontra nos autos, pugna pela procedência do recurso. Cumprido o preceituado no art.º 417.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal, nada mais foi acrescentado. Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência. Nada obsta ao conhecimento do mérito. II- Fundamentação: Fundamentação de facto II.1. São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal de 1.ª Instância: 1.No dia 25/02/2025, cerca das 18 horas e 36 minutos, na Rua ..., na localidade de ..., em Santa Maria da Feira, AA conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-UB-... 2. O arguido não é titular de licença de condução nem de qualquer outro título válido que o habilite à condução de veículos a motor, nos termos do Código Estrada. 3. O arguido quis e conseguiu conduzir o aludido veículo, bem sabendo não ser possuidor de título que a tal o habilitasse. 4. O arguido agiu de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei. Mais se provou: 5. O arguido trabalha, tendo rendimento no valor de 870 euros. 6. Do seu Certificado de Registo Criminal constam as seguintes condenações: a) Por decisão proferida no dia 30/10/2023, transitada em julgado no dia 29/11/2023 o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal e um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, na pena única de 120 dias de multa1 à taxa diária de 5,60€ por factos ocorridos no dia 31/03/2023 (processo n.º 229/23.3GDVFR); b) Por decisão proferida no dia 20/05/2024, transitada em julgado no dia 20/06/2024 o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 160 dias de multa à taxa diária de 9,00€ por factos ocorridos no dia 17/05/2024 (processo n.º 29/24.3GTSJM). II.2. São os seguintes os factos dados como não provados pelo Tribunal de 1.ª Instância: Inexistem factos não provados. III.3. É a seguinte a motivação da decisão sobre a matéria de facto do Tribunal de 1.ª Instância: Os factos consideram-se provados: “Desde logo atendendo-se às declarações aqui prestadas por BB, agente autuante, que declarou que nesse dia, cerca das 6 horas da tarde verificou a viatura do senhor AA, a qual saiu à esquerda sem pisca e se dirigiu para as bombas da “A...”, e por esse motivo o abordaram, solicitando os documentos e o arguido disse, imediatamente, que não tinha carta de condução. Isto sucedeu na Rua ... e tinha o arguido e um ocupante, no entanto era este que o ocupava e o conduzia do lado do condutor e saiu quando lhe foram pedidos os documentos identificou-se com o cartão de cidadão, o qual tinha a sua fotografia. Além disso, o sr. Agente autuante corroborou ainda o que consta do Auto de Notícia por Detenção de fls. 4, sendo certo que, sendo um agente que elaborando expediente diariamente é natural que não se recordasse concretamente do dia, o qual consta de fls. 4 e foi considerado não só o dia, mas também a hora e a concreta matrícula, resultado, assim, provado o facto n.º 1. No que concerne ao facto n.º 2, o mesmo resulta da informação da base de dados junto aos autos de 26.02.2025. No que concerne aos factos n.ºs 3 e 4, os mesmos constituem o elemento subjetivo do tipo legal de crime aqui em apreço. Ora, no que respeita ao elemento subjetivo sempre se diga que estando demonstrada a factualidade constante dos n.ºs 1 e 2, valorou o Tribunal as regras da normalidade e da experiência comum conjugadamente com todos os meios de prova produzidos, ficando assim o Tribunal convencido que o arguido, enquanto homem médio - nenhuma prova foi feita de que o mesmo não se insere nesta categoria de homens – sabe perfeitamente que não pode conduzir sem habilitação legal, tanto mais que já tem duas condenações pela prática deste crime, e que fazendo-o está a praticar um crime e sabendo disso o homem médio sabe naturalmente o arguido e, por conseguinte, se o homem médio decide conduzir sem ser titular de carta de condução fá-lo porque quer, o que ocorreu também com o arguido que não demonstrou não estar incluído nessa categoria da generalidade dos homens. Acresce que, em situação como a dos autos, dizem-nos as regras da experiência comum e da normalidade que agiu de forma livre, voluntária e consciente, sendo certo que nenhuma prova se fez que não agiu de forma livre, deliberada e voluntariamente. As condições económicas e sociais do arguido, ou seja, a sua concreta remuneração resulta da pesquisa junta aos auto, da consulta de beneficiário da Segurança Social, na data de 06.03.2025. As condenações sofridas pelo arguido resultam do seu certificado de registo criminal junto aos datos em 26.02.2025. (…) Quanto à determinação da pena: Este crime é um crime punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias. Face à alternatividade entre pena de prisão e pena de multa temos que determinar qual delas é que satisfaz as exigências de prevenção geral e especial positivas. As exigências de prevenção geral são elevadas, não obstante já se encontrarem previstas na moldura penal abstrata. No que concerne às exigências de prevenção especial, temos que ter em atenção que o arguido já tem dois antecedentes criminais, ambos relativamente ao crime aqui em apreço, ou seja, condução de veículo sem habilitação legal, e em todas as situações, uma vez que no primeiro processo foi condenado pela prática de dois crimes, em todas as situações pela prática de crimes rodoviários. Assim sendo, apenas a pena de prisão acautela aqui as necessidades de prevenção especial positiva. Assim sendo, há que ponderar nos termos do art.º 71.º, do Código Penal: - atuou com dolo direto; - em termos de ilicitude é mediana atendendo que corresponde ao normal modo de cometimento do crime; - inexiste lesão de outro bem jurídico; de acordo com o que consta aqui do processo, não existiu qualquer outro bem jurídico que tenha sido afetado pela conduta do arguido além do que já está previsto na norma; - tem dois antecedentes criminais, - está integrado laboralmente. Assim, tudo visto e ponderado, entende o Tribunal que a pena de 1 (um) ano de prisão é que é justa e adequada. Fixa-se no meio da pena - a pena é até dois anos-, face ao que consta do processo e face aos antecedentes do arguido, entende-se que é o justo e adequado. Quanto à substituição da pena aqui em apreço: Dispõe o art.º 45.º, n.º 1, do Código Penal que «A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47.º» Esta pena de substituição é aqui aplicada atenta a natureza criminógena das penas curtas de prisão. Entende-se que em face ao que consta dos autos ainda é possível operar esta substituição de pena de prisão por pena de multa. Esta é ainda idónea para assegurar a tutela dos bens jurídicos assumidos como valiosos pela sociedade e afirmar a validade e eficácia das normas jurídico-penais aprofundando a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos e, simultaneamente, levar o agente a conformar a sua conduta de acordo com os valores protegidos e vigentes na nossa sociedade. Nestes termos procede-se à substituição, nos termos do disposto no art.º 43.º, n.º 1cotejado com o art.º 47.º, n.º 1, do Código Penal, por 360 (trezentos e sessenta) dias de multa. Quanto ao quantitativo diário, este deve ser fixado entre o mínimo de 5 euros e o máximo de 500 euros, atento o disposto no art.º 47.º, n.º 2, do Código Penal. Atento o que resulta dos autos, - o arguido trabalha, tendo um rendimento de 870 euros-, fixa-se o quantitativo diário em 7 (sete) euros. (…). Dispositivo: Pelo exposto, o Tribunal julga a acusação pública procedente, por provada e, em consequência, decide: 1. Condenar o arguido, AA, pela prática, no dia 25 de Fevereiro de 2025, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. no art. 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro, com referência aos art.s 121.º, n.º 1, 122.º, n.º 1 e 123.º, n.º 1, todos do Código da Estrada na pena de um (1) ano de prisão substituída por trezentos e sessenta (360) dias de multa à razão diária de sete (7,00€) euros, perfazendo o total de dois mil quinhentos e vinte euros (€2.520,00); 2. Mais se condena o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC, (art.ºs 513.º, n.ºs 1 a 3, 514.º, n.º 1, e 344.º, n.º 2, al. c), todos do Código de Processo Penal; e art.ºs 8.º, 9.º, e Tabela III, todos do Regulamento de Custas Processuais). (…)”. Fundamentos do recurso: Questões a decidir no recurso É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso (cf. art.º 412.º e 417.º do Cód. Proc. Penal e, entre outros, Acórdão do STJ de 29.01.2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB. S1, 5ª Secção). A questão a decidir é a seguinte: - se a pena de prisão aplicada deveria ter sido suspensa na sua execução sujeita a um regime de prova e subordinada a condições impostas ao arguido. Vejamos. Alega o recorrente que o Tribunal deve apurar, em concreto, entre as várias penas de substituição aplicáveis ao caso, a que melhor e da forma mais adequada realiza as exigências de prevenção especial de socialização que se façam sentir, sem comprometer as necessidades de prevenção geral e, no caso concreto, a pena de prisão substituída por multa não satisfaz as finalidades de punição, pelo que, ao optar pela pena de prisão substituída por multa, o Tribunal “a quo” fez uma incorreta interpretação e aplicação do disposto nos art.ºs 40.º, 45.º e 70.º do Código Penal, O Código Penal no seu art.º 45.º, n.º 1, estipula que «A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. (…).» Este normativo legal tem, assim, que ser articulado com as finalidades das penas, designadamente das penas de substituição, concretamente com «a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.» (art.40.º, n.º 1 do Código Penal). A proteção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais, implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, positiva ou de integração, servindo para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal. A reintegração do agente na sociedade, outra das finalidades da punição, está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida. Considerando as finalidades da punição acima referidas, concordamos inteiramente com a decisão recorrida quando, no momento da escolha da pena principal, refere: “Este crime é um crime punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias. Face à alternatividade entre pena de prisão e pena de multa temos que determinar qual delas é que satisfaz as exigências de prevenção geral e especial positivas. As exigências de prevenção geral são elevadas, não obstante já se encontrarem previstas na moldura penal abstrata. No que concerne às exigências de prevenção especial, temos que ter em atenção que o arguido já tem dois antecedentes criminais, ambos relativamente ao crime aqui em apreço, ou seja, condução de veículo sem habilitação legal, e em todas as situações, uma vez que no primeiro processo foi condenado pela prática de dois crimes, em todas as situações pela prática de crimes rodoviários. Assim sendo, apenas a pena de prisão acautela aqui as necessidades de prevenção especial positiva. Contudo, já não acompanhamos a decisão recorrida no momento em que faz a ponderação sobre a pena de substituição a aplicar ao caso concreto, e refere, em contrassenso e apelando apenas a considerações genéricas, que “Esta pena de substituição é aqui aplicada atenta a natureza criminógena das penas curtas de prisão. Entende-se que em face ao que consta dos autos ainda é possível operar esta substituição de pena de prisão por pena de multa. Esta é ainda idónea para assegurar a tutela dos bens jurídicos assumidos como valiosos pela sociedade e afirmar a validade e eficácia das normas jurídico-penais aprofundando a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos e, simultaneamente, levar o agente a conformar a sua conduta de acordo com os valores protegidos e vigentes na nossa sociedade”. Sendo considerações de prevenção geral e de prevenção especial de (res)socialização que estão na base da aplicação das penas de substituição, o Tribunal só deve recusar essa aplicação quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente ou, não sendo o caso, a pena de substituição só não deverá ser aplicada se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contra fáctica das expectativas comunitárias. Ora, se a decisão recorrida reconheceu que “As exigências de prevenção geral são elevadas, (…)” e que “no que concerne às exigências de prevenção especial, temos que ter em atenção que o arguido já tem dois antecedentes criminais, ambos relativamente ao crime aqui em apreço, ou seja, condução de veículo sem habilitação legal, e em todas as situações, - uma vez que no primeiro processo foi condenado pela prática de dois crimes-, em todas as situações pela prática de crimes rodoviários” é manifesto que a substituição da pena de um ano prisão concretamente aplicada ao arguido não poderá ser “idónea para assegurar a tutela dos bens jurídicos assumidos como valiosos pela sociedade e afirmar a validade e eficácia das normas jurídico-penais aprofundando a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos e, simultaneamente, levar o agente a conformar a sua conduta de acordo com os valores protegidos e vigentes na nossa sociedade”. O passado criminal do arguido, pelo número condenações, sendo que duas são pelo mesmo tipo legal de crime ora em apreço, ou seja, condução de veículo sem habilitação legal, e em todas as situações, uma vez que no primeiro processo foi condenado pela prática de dois crimes, pela prática de crimes rodoviários, num período de apenas dois anos, revela uma personalidade avessa ao direito, indiferente aos valores tutelados pelas normas penais violadas e à ameaça das respetivas sanções, de resto, evidenciada pelo seu completo alheamento do processo e consequente ausência de qualquer conduta demonstrativa de ter interiorizado a sua culpa e necessidade de censura penal. Ora, considerando o que se deixa exposto, é manifesto que as necessidades de prevenção geral no caso concreto, de defesa do ordenamento jurídico, e as razões de prevenção especial impedem a substituição da pena de prisão imposta pela pena de multa, mostrando-se esta incapaz de realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. Especialmente as exigências de prevenção especial que in casu se fazem sentir impedem, em nosso entender, a substituição da pena de prisão imposta por pena de multa. No presente caso, e considerando os seus antecedentes criminais, o arguido carece de um período de maior acompanhamento que não é compatível com o decorrente do pagamento fugaz de uma pena de multa. Assim, tal como defende o recorrente, só a pena de prisão suspensa na sua execução (já que o arguido não compareceu no julgamento e, por isso, não prestou consentimento para a prestação de trabalho a favor da comunidade) permite sinalizar ao arguido que o cometimento do mesmo crime no prazo da sua execução poderá implicar o cumprimento da pena de prisão principal. Decorre do estabelecido pelo art.º 50.º, n.º 1, do Cód. Penal que a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos é suspensa se o Tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Tem como pressuposto formal da sua aplicação que a medida da pena imposta ao agente não seja superior a cinco anos de prisão e como pressuposto material a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento daquele, em que o tribunal conclua que, atenta a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as respetivas circunstâncias, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal). O juízo de prognose favorável reporta-se ao momento em que a decisão é tomada e pressupõe a valoração conjunta de todos os elementos que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, no sentido de que irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando o eventual cometimento de novos crimes prevenido com a ameaça da prisão, daí se extraindo, ou não, que a sua socialização em liberdade é viável. A suspensão da execução da pena não pode, contudo, ser vista como forma de clemência legislativa, pois tem forte exigência no plano individual, sendo particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que esta impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas. Também só esta pena permite a fixação acessória da imposição de deveres e regras de conduta focados na origem da infração, de molde a se alcançar uma plena consciencialização do arguido para o perigo e consequências que a sua conduta vem assumindo para si e terceiros. A suspensão da execução, acompanhada das medidas e das condições admitidas na lei que forem consideradas adequadas a cada situação, permite, além disso, manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores do direito como fatores de inclusão, evitando os riscos de fratura familiar, social, laboral e comportamental como fatores de exclusão. Como se extrai do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31.01.2008, “São sobretudo razões de prevenção especial (e não considerações de culpa) as que estão na base do instituto, permitindo substituir uma pena institucional ou detentiva, por outra não detentiva, isoladamente aplicada ou associada à subordinação de deveres que se impõem ao condenado, destinados a reparar o mal do crime e (ou) de regras de conduta, estabelecidas com o fim de melhor reinserir aquele socialmente em ordem ao acatamento dos valores comunitários, cujo respeito, pelo afastamento do condenado da criminalidade (e não pela sua regeneração) se pretende obter”. Considerando o que se deixa exposto, no caso em apreço, importa ponderar, desde logo, que, não obstante os antecedentes criminais do arguido, o mesmo é jovem (nasceu a ../../2005), encontra-se profissionalmente integrado e nunca cumpriu pena de prisão efetiva Assim, avaliando as exigências de prevenção especial de socialização que se fazem sentir, sendo o cumprimento de pena privativa da liberdade uma verdadeira ultima ratio, entendemos que resultam do contexto acima descrito factos bastantes para efetuar um juízo de prognose favorável no sentido de que suspendendo a execução da pena de prisão supra fixada, pelo período de 1 (um) ano, com o cumprimento de regime de prova (cf. art.º 53.º, do Código Penal) e imposição de obrigações (cf. art.º 52.º do Código Penal) se contribuirá para que o arguido passe a assumir uma postura mais responsável, consciencializando-se quanto à gravidade das suas condutas e consequências daí decorrentes. Assim, e concordando com o recorrente, é o arguido condenado na pena de 1 (um) ano de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano sujeita a regime de prova vocacionado para a temática da segurança rodoviária (designadamente, com a frequência do programa “licença.com” ministrado pela DGRSP ou outro de natureza equivalente) e ainda subordinada às condições do arguido comprovar a sua inscrição numa escola de condução, frequentar aulas teóricas e submeter-se a exame de código (e prático de condução, caso obtenha aprovação no exame de código) durante o período da suspensão, juntando os respetivos documentos comprovativos nos autos dessas condições – cf. art.ºs 50.º, n.ºs 2, 3 e 5 e 52.º, n.º 1, als. b) e c) e 53.º do Código Penal. Considerando tudo quanto se deixa exposto, procede o recurso interposto pelo Ministério Público. III. Decisão: Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em dar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogam a decisão proferida na parte que se refere à substituição da pena de um ano de prisão por multa e, em sua substituição. condenam o arguido na pena de 1 (um) ano de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano sujeita a regime de prova vocacionado para a temática da segurança rodoviária (designadamente, com a frequência do programa “licença.com” ministrado pela DGRSP ou outro de natureza equivalente) e ainda subordinada às condições do arguido comprovar a sua inscrição numa escola de condução, frequentar aulas teóricas e submeter-se a exame de código (e prático de condução, caso obtenha aprovação no exame de código) durante o período da suspensão, juntando os respetivos documentos comprovativos nos autos dessas condições – cf. art.ºs 50.º, n.ºs 2, 3 e 5 e 52.º, n.º 1, als. b) e c) e 53.º, do Código Penal, mantendo, no mais, a decisão recorrida. Sem custas. Porto, 15 de outubro de 2025 (Texto elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários) Paula Natércia Rocha Raúl Esteves Maria Luísa Arantes |