Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6769/24.0T9MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MADALENA CALDEIRA
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
PRAZO
Nº do Documento: RP202503266769/24.0T9MAI.P1
Data do Acordão: 03/26/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL/CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não é aplicável ao prazo de 20 dias para a interposição do recurso de impugnação judicial, previsto no art.º 59.º, n.º 3, do RGCO, o disposto no art.º 279.º, al. e), do CC, uma vez que o art.º 60.º do RGCO estabelece, de forma expressa, as regras da contagem do prazo, sem equiparar os dias de férias judiciais a sábados, domingos e feriados.
II - A racionalidade da solução adotada assenta no facto de o processo de contraordenação, nesta fase, decorrer ainda sob a alçada da administração, que não está sujeita a períodos de férias judiciais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 6769/24.0T9MAI.P1

Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO
I.1. Por decisão datada de 01.12.2024, proferida no âmbito do recurso de contraordenação n.º 6769/24.0T9MAI, foi proferida a seguinte decisão:
o Tribunal rejeita, por extemporâneo, o recurso de impugnação judicial apresentado pela “A..., Lda.” tudo ao abrigo dos arts. 59.º, n.º 3, 60.º, n.º 1, e 63.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (ex vi art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto).

I.2. Recurso da decisão
Inconformada, a impugnante “A..., Lda.” interpôs recurso da decisão, tendo extraído da sua motivação as seguintes CONCLUSÕES (transcrição):
A) A sentença recorrida rejeitou o recurso de impugnação judicial apresentado pela Recorrente em 08-08-2024, considerando que na contraordenação aplicam-se os artt.59º e 60º RGCO e que ao caso se aplica o regime legal do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 2/94, que considera não ser o prazo de recurso de dias, um prazo judicial.
B) A contagem do prazo de vinte dias após a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, de que a Recorrente dispõe para interpor recurso (art. 59.º, n.º3 do RGCO), faz-se nos termos do artigo 60.º do mesmo diploma, donde resulta que o prazo apenas se suspende aos sábados, domingos e feriados.
C) Contudo, caso o prazo de interposição do recurso judicial (artigo 59.º do RGCO) termine em período de férias judiciais, o mesmo transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no art. 279.º, alínea e), do CC.
D) Importa saber se o termo do prazo de interposição de recurso judicial da decisão administrativa de aplicação da coima, quando coincida com período de férias judiciais, como é o caso concreto, se deve transferir para o primeiro dia útil seguinte, por força do disposto na alínea e) do art. 279.º do CC.
E) A notificação da decisão recorrida de aplicação da coima foi feita à Recorrente por contacto pessoal em 27/06/2024. Assim sendo, o prazo de que a Recorrente dispunha para apresentar recurso judicial terminaria dia 25/07/2024, período de Férias judiciais.
F) De acordo com o artigo 28.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) que estabelece que as férias judiciais decorrem de 22 de dezembro a 3 de janeiro, do domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa e de 16 de julho a 31 de agosto.
G) O prazo para apresentação de recurso da decisão proferida no âmbito dos processos de contraordenação não é um prazo judicial, mas um prazo de caducidade de natureza substantiva.
H) Conforme resulta da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, a contagem do prazo de vinte dias após a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, de que o arguido dispõe para interpor recurso (art. 59.º, n.º, 3 do RGCO), faz-se nos termos do artigo 60.º do RGCO, suspendendo-se aos sábados, domingos e feriados.
I) Terminando esse prazo em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no art. 279.º, alínea e), do Código Civil.
J) Nos termos do Acórdão do STA, proferido no proc 572/20.3BEPNF de 12-05-2021, “(…) O facto de o requerimento de interposição de recurso judicial da decisão de aplicação da coima em processo de contra-ordenação tributária dever ser apresentado no serviço de finanças, não obsta a que se considere acto a praticar em juízo, pois, para esse efeito, o serviço de finanças funciona como receptáculo do requerimento, que é dirigido ao tribunal tributário.”
K) Também Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, em anotação artigo 80.º, Regime Geral das Infrações Tributárias, 4.ª ed., Áreas ed., 2010, pág. 536, salientam que “Esta solução prende-se com a razão de ser da transferência do prazo prevista no art. 279º, alínea e), do Código Civil, que não é o encerramento dos tribunais, que mesmo em férias continuam com os serviços de secretaria abertos ao público, mas com o facto de durante as férias não serem praticados actos processuais nos processos não urgentes. Por isso, sendo o requerimento de interposição de recurso ou impugnação judicial dirigido ao tribunal, apesar de apresentado à autoridade administrativa, que é mero intermediário entre o Recorrente e o tribunal, deverão aplicar-se as regras de contagem do prazo como se aquele fosse apresentado neste”.
L) Tendo o prazo para a Recorrente apresentar recurso terminado em período de férias judiciais o mesmo transferiu-se para o primeiro dia útil posterior ao seu término por força do preceituado no artigo 279.º, alínea e), do Código Civil, tendo assim transitado para o dia 02/09/2024.
M) É, assim, tempestivo o recurso judicial apresentado pela Recorrente a 08/08/2024.
N) Decidindo de modo diverso como decidiu, o Tribunal a quo violou entre outras disposições o conjunto normativo integrado pelas disposições dos artigos 59.º e 60.º do RGCO e artigo 279.º, alínea e), do Código Civil, artigo 28.º da LOSJ e ainda o artigo 32.º da CRP.
O) Deste modo, decisão (judicial) recorrida enferma de erro na aplicação do direito, devendo ser revogado, julgando-se procedente o recurso e determinando-se a baixa dos autos a fim de os mesmos prosseguirem os seus termos.
Termos em que, concedendo provimento ao recurso e revogada a sentença recorrida, será feita Justiça.

I.3. Resposta ao recurso
O Ministério Público respondeu ao recurso no sentido da sua improcedência, em termos que sintetizou nestas CONCLUSÕES (transcrição):
1. A sociedade “A..., Lda” não se conformando com a sentença que rejeitou, por extemporâneo, o recurso de impugnação judicial, abrigo do disposto nos artigos 59.º, n.º 3, 60.º, n.º 1, e 63.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (ex vi art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 50/2006), de decisão proferida pela Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT), mediante a qual lhe foi aplicada a coima única de € 40.000,00, acrescida de custas no montante de € 75,00, pela prática das infrações previstas nos artigos 4.º, n.º 1, e 17.º, n.º 1, do Regulamento n.º1272/2008, de 16 de Dezembro, 14.º, n.º 1, alíneas a) e g), do Decreto-lei n.º 220/2021, de 10 de Outubro, e 22.º, n.º 4, alínea b), da Lei n.º 50/2006, veio interpor recurso.
2. Alega a recorrente que o prazo de interposição do recurso judicial (artigo 59.º do Regime Geral das Contraordenações) que termine em período de férias judiciais transfere-se para o primeiro dia útil seguinte após férias, por força do preceituado no artigo 279.º, alínea e), do Código Civil.
3. Tendo sido notificada por contacto pessoal em 27.06.2024, entende que o prazo para apresentar recurso de impugnação judicial que terminou no dia 25.07.2024, em período de férias judiciais, transferiu-se para o primeiro dia útil posterior ao término de tais férias judiciais, ou seja, para o dia 02.09.2024, pelo que é tempestivo o recurso de impugnação judicial por si interposto no dia 08.08.2024.
4. Na nossa opinião, não assiste qualquer razão à recorrente, entendendo tal recurso apenas por ser um direito de qualquer condenada.
5. O prazo de impugnação judicial de decisão proferida por Autoridade Administrativa tem natureza administrativa, por isso que se não suspende em férias judiciais, nos termos do disposto nos artigos 59.º, nº 1 e 3, e 60.º, do Regime Geral das Contraordenações 279.º, do Código Civil, e 71.º a 73.º, do Código do Procedimento Administrativo.
6. A apresentação do recurso de impugnação judicial à autoridade administrativa não se traduz num ato praticado em juízo, pelo que o prazo dentro do qual o referido recurso deve ser apresentado não configura um prazo judicial.
7. O legislador optou por regular o regime do prazo e da forma de interposição do recurso, pelo que a falta de equiparação das férias judiciais aos sábados, domingos e feriados, quer para a suspensão do prazo, quer para a transferência do termo, deve ser vista como uma intenção de não equiparação e não como uma lacuna.
8. Dada a diferente natureza dos interesses em causa e do próprio ato a praticar, que se destina a impugnar uma decisão administrativa, não existe qualquer fundamento que justifique a equiparação que o artigo 279.º, alínea e), do Código Civil faz das férias judiciais aos sábados, domingos e feriados.
9. O prazo para apresentar impugnação judicial da contraordenação aplicada pela entidade administrativa terminou em 25/07/2024, pelo que a impugnação judicial apresentada pela sociedade recorrente à Autoridade Administrativa em 08-08-2024, é extemporânea.
10. Face que se acabou de expor, impõe-se concluir que inexiste qualquer violação das disposições consagradas nos artigos 59.º e 60.º, do Regime Geral das e artigo 279.º alínea e) do Código Civil e artigo 28.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, pelo que a sentença recorrida não violou qualquer preceito legal e efetuou uma correta interpretação do direito aos factos.
Concluindo, dir-se-á, pois, que se nos afigura que o recurso da sociedade recorrente não merece provimento, devendo manter-se a douta decisão recorrida.

I.4. Parecer do ministério público
Subidos os autos a este Tribunal da Relação, em sede de parecer a que alude o art.º 416.º, do CPP, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pugnou, igualmente, pela improcedência do recurso.

I.5. Resposta ao parecer
Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP, a recorrente apresentou resposta, onde manteve a posição antes por si assumida no recurso.

I.6. Foram colhidos os Vistos e realizada a conferência.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. Delimitação do objeto do recurso
O recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, que estabelecem os limites da cognição do tribunal superior, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, como os vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do CPP (cf. art.ºs 412.º, n.º 1, e 417.º, n.º 3, ambos do CPP).
Passamos a delimitar o thema decidendum:
- Determinar se ao prazo de impugnação judicial de uma decisão administrativa de aplicação de uma coima, previsto no art.º 59.º, n.º 3, do RGCO, é aplicável o disposto no art.º 279.º, al. e), do CC, ou seja, se quando o referido prazo de 20 dias termina em período de férias judiciais, esse término se transfere para o primeiro dia útil pós-férias, equiparando as férias judiciais a sábados, domingos e feriados.

II.2. Decisão Recorrida
A decisão recorrida tem o seguinte teor (transcrição integral):
Nos presentes autos de recurso de contra-ordenação, veio a A..., LDA. recorrer da decisão proferida pelo INSPEÇÃO-GERAL DA AGRICULTURA, DO MAR, DO AMBIENTE E DO ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO, mediante a qual lhe foi aplicada a coima única de € 40.000,00, acrescida de custas no montante de € 75,00, pela prática das infracções previstas nos arts. 4.º, n.º 1, e 17.º, n.º 1, do Regulamento n.º1272/2008, de 16 de Dezembro, 14.º, n.º 1, alíneas a) e g), do Decreto-Lei n.º 220/2021, de 10 de Outubro, e 22.º, n.º 4, alínea b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto.
Apreciando.
A decisão administrativa foi notificada à recorrente no dia 27-06-2024 por contacto pessoal através da Polícia de Segurança Pública (fls. 265 do auto administrativo – p. 39 do 5.º PDF sob Citius 40595677 de 05-11-2024).
O prazo de impugnação judicial é de 20 dias (cf. art. 59.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro ex vi art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto), e só se suspende aos sábados, domingos e feriados (art. 60.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro ex vi art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, e segundo acórdão de fixação de jurisprudência n.º 2/94).
Tal prazo transcorreu completamente a 25-07-2023.
A impugnação judicial sub judice foi apresentada à entidade administrativa a 08-08-2024 (fls. 267 do auto administrativo – p. 41 do 5.º PDF sob Citius 40595677 de 05-11-2024).
Conclui-se, assim, que o recurso de impugnação judicial em crise é extemporâneo, porque apresentado à entidade administrativa após a extinção do prazo para o efeito.
Ante o exposto, o Tribunal rejeita, por extemporâneo, o recurso de impugnação judicial apresentado pela A..., LDA., tudo ao abrigo dos arts. 59.º, n.º 3, 60.º, n.º 1, e 63.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (ex vi art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto).
Custas pela recorrente, que se fixam em 1 UC, nos termos conjugados do art. 8.º, n.º 9, e tabela III anexa, do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique.
Deposite, cf. arts. 372.º, n.º 5, e 373.º, n.º 2, do Código de Processo Penal ex vi 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.
Após trânsito, comunique ao Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, cf. art. 70.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.

II.3. Análise dos fundamentos do recurso
§1. O objeto do presente recurso prende-se com a determinação da aplicabilidade do disposto no art.º 279.º, al. e), do CC, ao prazo de 20 dias para a interposição do recurso de impugnação judicial previsto no art.º 59.º, n.º 3, do Regime Geral das Contraordenações (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro - RGCO).
Especificamente, questiona-se se o termo desse prazo deve ser transferido para o primeiro dia útil após as férias judiciais, caso termine durante esse período.
§2. No caso em apreço está em causa uma contraordenação ambiental sujeita à Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, cujo art.º 2.º, n.º 1, dispõe que “[a]s contraordenações ambientais e do ordenamento do território são reguladas pelo disposto na presente lei e, subsidiariamente, pelo regime geral das contraordenações.”. Assim, por remissão, aplicam-se ao recurso de impugnação judicial da decisão administrativa que aplicou a coima ambiental as regras do RGCO relativas ao prazo e à sua contagem.
§3. Nos termos do art.º 59.º, n.º 3, do RGCO, o recurso de impugnação judicial deve ser interposto “no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido”.
O art.º 60.º, n.º 1, do mesmo diploma prescreve que o prazo “suspende-se aos sábados, domingos e feriados”, enquanto o n.º 2 estabelece, que “[o] termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte”.
O art.º 41.º, n.º 1, do RGCO, determina a aplicação subsidiária das normas do CPP em matéria adjetiva, salvo disposição em contrário, assim como o art.º 32.º determina a aplicação subsidiária das normas do CP em matéria substantiva.
O CPP prevê no art.º 103.º, n.º 1, que “[o]s actos processuais praticam-se (…) fora do período de férias judiciais”, e no art.º 104.º, n.º 1, que “[a]plicam-se à contagem dos prazos para a prática de actos processuais as disposições da lei do processo civil”.
Por seu turno, art.º 138.º, n.º 1 e 2, do CPC, determina “a suspensão dos prazos processuais durante as férias judiciais, salvo exceções expressamente previstas, e a transferência do seu termo para o 1.º dia útil seguinte quando o prazo para a prática do ato processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados”.
Por fim, o art.º 279.º, al. e), do CC ̶ norma em que a recorrente funda a sua pretensão recursória ̶ sob a epígrafe “cômputo do termo”, determina que “[à] fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras: (…) e) O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo”.
§4. A controvérsia jurisprudencial subjacente à questão da aplicação das regras processuais do CPP/CPC ou mesmo do CC à contagem do prazo de interposição do recurso de impugnação judicial previsto no RGCO persiste há décadas, “alimentada” por sucessivas alterações legislativas e pela tendência de setorização do quadro legal das contraordenações, com previsão de uma diversidade de regimes na contagem desses prazos.
Nas leis sectoriais mais recentes transparece uma aparente aproximação dessa contagem ao regime do CPP. Prevendo a contagem contínua do prazo e a aplicação das regras do CPP, veja-se, por exemplo, o regime das contraordenações económicas (art.º 44.º, do Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro), bem assim o das contraordenações laborais e de Segurança Social (art.º 6.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, embora esclarecendo-se no n.º 2 que os prazos na fase administrativa não se suspendem nas férias judiciais).
Deparamo-nos, pois, com diferentes lógicas em matéria de contagem do referido prazo, ora contabilizado em dias não úteis e sem aplicação do CPP, ora em dias contínuos, com aplicação do CPP, ora prevendo-se apesar disso, a não suspensão em férias, o que gera compreensíveis dificuldades ao aplicador do direito, que, na tentativa de abarcar a lógica do pensamento legislativo, esbarra numa aparente incoerência do sistema.
§5. Especificamente quanto à aplicação do art.º 279.º, al. e), do CC à contagem de tal prazo, a jurisprudência diverge entre a tese da autonomização e autossuficiência das regras previstas no RGCO (sendo esta a posição dominante na jurisdição criminal) e a tese da aplicação daquele dispositivo (prevalente na jurisdição administrativa).
§6. Perfilhando este último entendimento vide, a título exemplificativo, o Ac. do STA, datado de 08.09.2021 (proc. 0582/20.0BEPNF, disponível em dgsi.pt), onde se afirma que a contagem do prazo de 20 dias previsto no art.º 80.º, n.º 1, do RGIT, apesar de se fazer nos termos do art.º 60.º do RGCO (ex vi da al. b) do art.º 3.º do RGIT), constitui um prazo de caducidade de natureza substantiva, em razão do que, terminando esse prazo em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no art.º 279.º, al. e), do CC.
Também os Acs. do TRE nos processos n.ºs 7/14.0T8ORQ.E1 e 62/15.6T8EVR.E1 (em dgsi.pt), relatados por Gomes de Sousa, apelam à aplicabilidade do art.º 279.º, al. e), do CC, por o recurso de impugnação judicial consubstanciar “um ato praticado em juízo”, apesar de apresentado junto da entidade administrativa.
§7. No sentido de que ao prazo previsto no art.º 59.º, n.º 3 do RGCO, não é aplicável o regime previsto no art.º 279.º, al. e), do CC, alinham-se diversos argumentos, elencados de modo exaustivo no Ac. do TRP, proferido no proc. n.º 4025/23.0T9AVR.P1, datado de 24.01.2024, relatado por Maria do Rosário Martins (disponível em dgsi.pt), que nos permitimos citar longamente. Assim:
- “Em primeiro lugar, em face do disposto no artigo 60º, n.º 1 do RGCO o prazo de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa não é um prazo contínuo, ao contrário do que acontece no CPP, onde a regra é a continuidade dos prazos, como decorre do disposto no art. 104º, n.º 1 do CPP, atento o disposto no n.º 1, do actual artigo 138º do Código de Processo civil (doravante CPC).”
- “[A]o recurso de impugnação judicial do processo contraordenacional aplicam-se as normas do RGCO; em caso de lacuna neste aplicam-se as normas do CPP (cfr. artigo 41.º do RGCO); e em caso de lacuna deste, aplicam-se as normas do CPC (cfr. artigo 4.º do CPP).
As alterações legislativas que foram posteriormente introduzidas ao RGCO pelo DL 244/95, de 14.09 estabeleceu no artigo 60º as regras relativas à contagem desse prazo, fazendo-o em divergência com o regime dos prazos judiciais previstos no CPP e no CPC, que também se suspendiam nas férias judiciais.
Por outro lado, impõe-se ter em atenção que, como decorre do artigo 296º do CC, os prazos previstos no art. 279º do CC são aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados na lei. Quer isto dizer que, importa averiguar se existe “disposição especial em contrário”, pois havendo-a é essa disposição legal que é aplicável.
Ora, parece-nos que no caso das contraordenações sujeitas ao regime geral, não ocorre qualquer lacuna no RGCO nas regras de contagem do prazo de interposição de recurso de impugnação da decisão administrativa que houvesse de ser colmatada pela aplicação subsidiária (ex vi do artigo 41º, n.º 1) do regime processual penal civil por força do artigo 4º do CPP. Pelo contrário, existe disposição legal, só que é contrária ao artigo 279º do CC, nomeadamente à sua al. e), mais concretamente o art. 60º do RGCO.
- [O] prazo de interposição de recurso de impugnação judicial mencionado no nº 3 do artigo 59º do RGCO é um prazo de natureza administrativa, não judicial ou processual (…).
Efectivamente, tal entendimento foi consagrado no Assento n.º 2/94, de 10.03.1994, publicado no Diário da República I-A, de 7/5/94, que fixou a seguinte jurisprudência: “Não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.º 3 do artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro.”, que tendo sido proferido ao abrigo de normas anteriores à actual redacção do n.º 3 do art.º 59.º e do art.º 60.º, ambos do RGCO, a sua fundamentação continua válida na parte referente à definição do prazo previsto no art.º 59.º, n.º 3, como de natureza administrativa e não de natureza judicial, pois que as alterações que foram posteriormente introduzidas ao RGCO pelo DL 244/95, de 14/09, em nada a beliscam. Na verdade, com o DL 244/95 o legislador quis unicamente alargar o prazo previsto no artigo 59º, nº 3, do RGCO de 8 para 20 dias e estabelecer outras regras quanto à sua contagem desse prazo no artigo 60º do RGCO, nada permitindo extrapolar que tivesse querido qualificar esse prazo como judicial e/ou estender-lhe a aplicação do regime previsto no artigo 279º do CC.”
- Em quarto lugar, não podemos olvidar que o processo de contraordenação tem duas fases distintas: uma fase administrativa e uma fase judicial.
A primeira (fase administrativa), que decorre perante a entidade administrativa competente e que culmina com a decisão administrativa (artigo 58º do RGCO) ou, no caso de esta ser impugnada, com a apresentação de recurso perante essa autoridade administrativa, nos termos do referido artigo 59º, nº 3, do RGCO.
A segunda (fase judicial), que, decorre perante o tribunal competente (artigo 61º do RGCO), mas que só se iniciará se, depois da apresentação de recurso perante a administrativa nos termos daquele preceito legal, ocorrer a seguinte situação:
- a autoridade administrativa não revogar a decisão condenatória proferida e, consequentemente, enviar os autos ao Ministério Público (artigo 62º, nº 2, do RGCO); e
- o Ministério Público, depois de a entidade administrativa lhe enviar os autos, entender que não existe fundamento que obste à apresentação dos autos em juízo (artigo 62º, nº 1 do RGCO).
Dito de outro modo, a fase judicial do processo de contraordenação só existirá se, tendo sido apresentado recurso, a autoridade administrativa não revogar a decisão condenatória e enviar os autos ao Ministério Público e se este os tornar presentes ao juiz, valendo este ato como acusação.
E só se iniciará, portanto, com esta apresentação dos autos em juízo; consequentemente, só a partir de então, se poderá afirmar a existência de actos processuais.
Ora, o recurso de impugnação da decisão administrativa fazendo parte, ainda, da fase administrativa do processo, não se pode considerar como um acto processual praticado em juízo e, por isso, não se aplicam as regras do processo civil nem do processo penal na contagem do prazo.
§8. O Tribunal Constitucional tem afirmado a conformidade constitucional da interpretação segundo a qual o prazo em questão não se suspende durante as férias judiciais, nem se transfere para o primeiro dia útil subsequente, conforme decidido nos Acs. TC n.ºs 395/02 e 473/01 (disponíveis em tribunalconstitucional.pt).
§9. Sem embargo, como justamente se assinala no AFJ n.º 3/2025, do STJ (proc. 204/22.5YUSTR.L1-A.S1, de 15.01.2025, disponível em dgsi.pt), reconhece-se que
[a] fundamentação desse acórdão (2/94 do STJ) que não convocou o artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, e a alteração legislativa que se seguiu, de 1995, bem como as posteriores alterações ao CPC, suscitaram, todavia, novas questões relacionadas com a natureza do prazo – administrativa ou processual – (…)”
A negada natureza judicial e processual do prazo do recurso de impugnação (no Ac. 2/94), permitiu, por contraposição, fundar um entendimento jurisprudencial de que se trata de um prazo administrativo e substantivo, i.e., um prazo de caducidade de propositura de ação de natureza análoga ao prazo de impugnação de um ato administrativo, por isso sujeito às normas do Código Civil que regulam a contagem dos prazos substantivos, nomeadamente ao art.º 279.º, do CC (neste sentido, vide o Ac. do STA proferido no proc. 0582/20.0BEPNF, acima mencionado).
Ora, a decisão sancionatória contraordenacional que, por mero acaso, é competência de uma entidade administrativa, não se confunde com um ato administrativo praticado pela Administração Pública, investida no seu poder de autoridade (“jus imperium”).
É por esta razão que o direito público sancionatório, e dentro deste o contraordenacional – quer adjetivo quer substantivo ̶ aproxima-se do direito penal (e não do administrativo), a justificar, por exemplo, a menção que a ele expressamente se faz no art.º 32.º, da Lei Fundamental, associado às garantias do processo criminal, bem assim a previsão do CPP e do CP como direitos subsidiários do RGCO.
Nesta medida, não há que equiparar a impugnação judicial da decisão administrativa que aplica uma coima à impugnação de um ato administrativo.
Por outro lado, é sabido que um prazo processual (e dentro deste o prazo procedimental), regula a prática e a distância temporal de cada um dos atos dentro de um processo, dentro da sucessão de atos encadeados. Tais atos e formas de contagem encontram-se previstos nas leis processuais ou adjetivas.
Já um prazo substantivo regula o tempo e os seus efeitos nas relações jurídicas que não têm natureza processual ou procedimental. Estes prazos, forma de contagem e os seus efeitos mostram-se consagrados em leis adjetivas e contam-se de modo contínuo. Os prazos substantivos perentórios de caducidade e de prescrição definem o período de tempo em que certos direitos materiais podem ser exercidos, podendo corresponder ̶ é certo ̶ ao exercício de um direito de ação ou de impugnação.
Os art.ºs 59.º e 60.º do RGCO regulam a forma, o prazo e o respetivo modo de contagem de um ato (de natureza facultativa) dentro do encadeado do processo de contraordenação, não dando, sequer, início ao mesmo.
Nesta medida, entende-se que o prazo do recurso de impugnação é pré-judicial, porque inserto, ainda, na chamada fase administrativa do processo de contraordenação, e tem natureza adjetiva.
§10. Cientes de que esta controvérsia apenas será resolvida por nova decisão de uniformização jurisprudencial (já suscitada, nos termos do Ac. do STJ 4025/23.0T9AVR.P1-A.S1, datado de 21.10.2024, que reconheceu a oposição de julgados e determinou o prosseguimento do processo para dirimir tal divergência), seguimos a orientação jurisprudencial predominante, no sentido de que ao prazo de 20 dias para interposição do recurso de impugnação judicial, previsto art.º 59.º, n.º 3, do RGCO, não é aplicável o disposto no art.º 279.º, al. e), do CC.
Sem embargo, consideramos que a questão se resolve, essencialmente, pela própria estrutura da solução prevista no art.º 60.º do RGCO, que define expressamente o modo de contagem do prazo para a interposição do recurso de impugnação, não existindo, assim, qualquer lacuna. Este artigo não prevê a equiparação dos dias de férias judiciais a sábados, domingos ou feriados, omissão que não pode ser interpretada como um lapso legislativo a colmatar por via remissiva, mas sim como uma opção deliberada, justificada pela natureza do processo contraordenacional.
A racionalidade da solução adotada assenta no facto de o processo, nesta fase, decorrer ainda sob a alçada da administração, que não está sujeita a períodos de férias judiciais. Ora, se a administração continua a funcionar durante esses períodos, não há fundamento lógico para impor entraves desnecessários ao andamento do processo. Travar a atuação da administração e artificialmente o andamento do processo representaria uma incoerência prática, sem qualquer justificação substancial. Tal interpretação acabaria por contrariar o princípio da celeridade que caracteriza o regime contraordenacional, penalizando indevidamente a eficiência da decisão administrativa e comprometendo o próprio interesse dos visados no desfecho célere do processo.
§11. Volvendo ao caso em apreço, a recorrente foi notificada da decisão administrativa em 27.06.2024, pelo que o referido prazo de 20 (que só se suspende aos sábados, domingos e feriados e cujo último dia não se transfere para o primeiro dia útil pós-férias) terminou em 25.07.2024. A recorrente apresentou o recurso de impugnação judicial à entidade administrativa em 08.08.2024, ou seja, muito após o término do prazo.
Assim, nada há a censurar à decisão recorrida quando, ao abrigo do art.º 63.º, n.º 1, do RGCO, rejeitou o recurso por ter sido apresentado fora de prazo.
Improcede, pois, o recurso.

III. DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso interposto pela recorrente “A..., Lda.” e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s (art.ºs 513.º, n.º 1, do CPP, 92.º, 93.º, n.º 3, ambos do RGCO, e 8.º, n.º 7, do RCP, com referência à tabela III anexa).
Notifique e D.N.

Porto, 26/3/2025
Madalena Caldeira
Lígia Trovão
Maria Joana Grácio