Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2279/19.5T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: DELIBERAÇÕES SOCIAIS NULAS
DESTITUIÇÃO DE GERENTE
CADUCIDADE
BONS COSTUMES
Nº do Documento: RP202211142279/19.5T8AVR.P1
Data do Acordão: 11/14/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O disposto no nº 2 do artigo 279º do Código de Processo Civil é aplicável no caso de o efeito civil cuja manutenção se almeja ser o impedimento da caducidade e sempre que o motivo processual determinante da absolvição da instância da parte passiva seja imputável ao autor.
II - Os bons costumes “correspondem a regras de conduta sexual e familiar aceites na sociedade e a códigos deontológicos vigentes em certos sectores (advogados, médicos ou jornalistas, como exemplos)” e porque são expressão de regras de conduta vigentes e vinculantes num certo tempo, sociedade e meio profissional, comportam sempre uma certa indeterminação.
III - Só são nulas por ofensa aos bons costumes as deliberações sociais que pelo seu conteúdo os ofendam.
IV - Numa sociedade por quotas, os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição de gerentes.
V - Se a sociedade tiver apenas dois sócios, a destituição da gerência com fundamento em justa causa só pode ser decidida em ação intentada contra a sociedade, não sendo este procedimento aplicável se a destituição operar independentemente de justa causa, ou seja, fundada na regra da livre destituição dos gerentes plasmada no nº 1 do artigo 257º do Código das Sociedades Comerciais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 2279/19.5T8AVR.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 2279/19.5T8AVR.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório[1]
Em 19 de junho de 2019, no Juízo de Comércio de Aveiro, Comarca de Aveiro, AA instaurou a presente ação de impugnação de deliberações sociais contra T..., Lda., requerendo que sejam declaradas nulas, nos termos do disposto na alínea d) do artigo 56º do Código das Sociedades Comerciais[2], as deliberações tomadas na assembleia geral de 03 de setembro de 2018; ou, subsidiariamente, caso assim não se entenda, anuladas, nos termos das alíneas a), b) e c), do nº 1 do artigo 58º do CSC, as deliberações tomadas naquela mesma assembleia geral, tudo com as legais consequências, nomeadamente o cancelamento do registo comercial de destituição de gerente e a manutenção do autor como gerente da sociedade ré.
Para fundamentar as suas pretensões, alegou, em síntese, ter intentado primeiramente uma ação de impugnação de deliberações sociais na qual peticionou, para além da declaração de nulidade e, subsidiariamente, de anulabilidade, das deliberações tomadas na assembleia geral acima identificada, a condenação da ré ao pagamento da indemnização prevista no nº 7 do artigo 257º do CSC, e ao pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais; que tal ação correu termos no Juízo de Comércio de Aveiro sob o nº 3364/18.6T8AVR – Juiz 3, tendo sido proferida sentença que absolveu a ré da instância nos termos do disposto nos artigos 186º nºs 1 e 2 alínea a), 278º nº 1 alínea b), 576º, nºs 1 e 2, 577º alínea b) e 578º, todos do Código de Processo Civil[3], transitada em julgado em 04 de junho de 2019, sendo a presente ação intentada nos termos do disposto no artigo 279º, nºs 1 e 2, do CPC.
A ré foi constituída em 18 de outubro de 2012, com o capital social de €8.675,00, tendo, então, como sócios BB, titular de uma quota no valor nominal de €5.205,00 e CC, titular de uma quota no valor nominal de €3.470,00, sendo o primeiro gerente; ficou estabelecido que a sociedade se obrigava pela intervenção de um gerente; em 19 de novembro de 2014 o sócio CC transmitiu-lhe a quota no valor nominal de €3.470,00 de que era titular na sociedade ré e nessa mesma data foi designado gerente; em 08 de agosto de 2018 BB dividiu a quota de que era titular na sociedade ré no valor nominal de 5.205,00 em duas novas quotas, tendo cedido uma no valor nominal de €433,75 a DD e reservado para si outra no valor nominal de €4.771,25.
Juntamente com BB e DD, o autor foi trabalhador da sociedade P..., Lda., que veio a ser declarada insolvente, razão pela qual acordaram entre si a constituição de uma sociedade tendo em vista a prestação de serviços de consultoria e programação informática, comércio de produtos e materiais para informática, nomeadamente computadores, unidades periféricas e programas informáticos, por forma a dar continuidade à atividade que cada um vinha desenvolvendo na aludida sociedade insolvente; por razões meramente formais a ré foi constituída nos termos supra expostos, sendo certo que, quer o autor quer DD já tinham acordado com o BB a sua integração nesta sociedade, repartindo o capital social em partes iguais, o que acabou por não se concretizar; também foi acordado que repartiriam a gerência da sociedade ré; o capital social foi realizado tendo em consideração as entradas dos três atuais sócios e as despesas com a constituição da sociedade também foram pagas pelos mesmos.
No dia 03 de setembro de 2018, pelas 17H10, teve lugar uma assembleia geral da ré na qual foi deliberada a destituição do autor do cargo de gerente; tal assembleia ficou materializada em ata e as propostas que constavam da ordem de trabalhos foram aprovadas com os votos favoráveis de BB e de DD; a exposição efetuada na assembleia pelo sócio BB e corroborada pelo sócio DD assenta em factos vagos e genéricos, falsos e/ou inexatos e sem qualquer fundamento, invocando-se o teor de emails que não foram exibidos e nem sequer o seu teor foi objeto de apreciação na assembleia geral de sócios, não podendo assim, estes ser atendidos para fundamentar as deliberações.
Para contrariar o afirmado em sede de assembleia geral o autor invoca agora, em suma, o seguinte:
- desde há algum tempo, têm-se verificado discordâncias entre si e os demais sócios, o que levou a negociações para a cedência de quota deste àqueles, que se goraram e que os sócios da ré pretendem utilizar, para fundamentar a deliberação de destituição, numa atitude de abuso de poder de sócio maioritário;
- nunca manifestou qualquer intenção de exercer qualquer atividade concorrente com a sociedade ré, sendo também falso que tenha anunciado, a quem quer que seja estranho à sociedade, que esta iria encerrar;
- algumas vezes, por conveniência da própria sociedade ré, esta solicitou aos fornecedores um retardamento na emissão das faturas, assim beneficiando do prolongamento de prazos de pagamento;
- quando não se encontrava nas instalações da sociedade ré, estava a prestar algum serviço no interesse desta;
- prestou assistência a todos os clientes invocados na ata sob apreciação, em alguns casos com a colaboração do sócio gerente BB e do DD;
- iniciava o seu dia de trabalho a partir da sede da ré, ao contrário de BB e de DD, que muitas vezes se apresentavam na sede tardiamente, alegando que já tinham visitado clientes mas, sem qualquer evidência das suas afirmações;
- o código fonte do software é sua propriedade exclusiva, por o ter adquirido à sociedade P..., Lda., antes de esta ter sido declarada insolvente, conforme venda a dinheiro que possui;
- nunca se dispôs a oferecer o software à sociedade ré, nem o seu desenvolvimento, tendo sempre mantido a propriedade do mesmo;
- realizou sempre os contratos que foi possível concretizar, designadamente com a E...;
- nunca recebeu dinheiro de clientes da sociedade ré, sem fazer a entrada no respetivo cofre e na contabilidade da mesma;
- foi o Técnico Oficial de Contas que optou por inscrever na contabilidade como vendas efetuadas pelo sócio gerente BB, considerando-o credor das respetivas importâncias, quando na realidade eram correspondentes a valores transferidos por si para a sociedade;
- presentemente, possui um saldo a seu favor de aproximadamente € 100.568,11, apenas referente a bens e equipamentos transferidos para a sociedade e que em termos contabilísticos surge a crédito do sócio gerente BB;
- as despesas que constam das contas correntes do sócio gerente BB e de DD foram sempre elaboradas tendo por base os documentos que lhe eram entregues e, anualmente, os três atuais sócios procediam à conciliação das contas correntes de cada um;
- no ano de 2017, registou-se maior rigor na verificação e conciliação de cada uma das contas correntes, por reportarem verbas que se vêm acumulando dos anos anteriores;
- a sociedade recorreu, por diversas vezes, ao aluguer de veículos para o exercício da sua atividade que foram usados pelos três sócios;
- todos os colaboradores que prestaram ou prestam serviços para a sociedade mereceram a aprovação de ambos os gerentes e do atual sócio DD;
- nunca se dispôs sequer a negociar a aquisição de outra empresa, nomeadamente a X..., sendo que esta empresa não desenvolve uma atividade concorrente com a sociedade ré;
- nunca alterou bases de dados nem documentos contabilísticos da sociedade ré, tendo, quando muito, em conjugação com o outro gerente e com DD, procedido a correções e/ou atualizações necessárias na base de dados da sociedade ré;
- todas as notas de crédito emitidas pela sociedade assentaram em razões válidas e aprovadas pelos gerentes, incluindo DD;
- nunca se apoderou de qualquer equipamento ou fez uso exclusivo, no seu próprio interesse, de bens da sociedade ré;
- a correspondência dirigida à sociedade ré e remetida para a sua sede é recebida por um colaborador dos bombeiros, com quem partilham instalações, sendo que qualquer dos gerentes e colaboradores da sociedade ré pode e deve recolher a correspondência e/ou documentação ali entregue;
- todos os cheques recebidos foram devidamente tratados e depositados nas contas bancárias da sociedade nos prazos previstos e/ou acordados com os clientes;
- o livro de atas das assembleias gerais da sociedade ré não esteve na sua posse, pois encontrava-se na sede da sociedade, à disposição de todos, e foi entregue nos serviços de contabilidade sem que tivesse ocorrido qualquer pressão para o efeito;
- nunca cobrou valores em dobro;
- com o pretendido aumento do seu ordenado, tinha em vista a melhoria das suas condições de vida e não chantagear os demais sócios ou a sociedade.
Terminou concluindo que as deliberações são nulas, nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 56º do CSC, pois toda a argumentação exposta na deliberação impugnada constitui ofensa aos bons costumes, porquanto a relação entre os sócios da ré assentou numa base de confiança e de boa-fé e a atuação daqueles sócios e gerentes no dia a dia anterior à deliberação social impugnada é totalmente contraditória com o que foi deliberado. Subsidiariamente, pugnou pela anulação das deliberações, nos termos do disposto nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 58º do CSC, já que estas são apropriadas para satisfazer o propósito dos sócios, que através do exercício do voto, conseguem vantagens especiais para si, em prejuízo do autor e da própria sociedade; pois, existindo diversas alusões a emails trocados entre os sócios e gerentes, deveriam estes ter sido previamente referidos na convocatória e colocados à disposição dos sócios para apreciação prévia, e os fundamentos apresentados na deliberação impugnada carecem de concretização, objetividade e veracidade.
Citada, a ré T..., Lda. contestou a ação, por exceção e por impugnação.
Assim, a ré começou por excecionar a caducidade do direito do autor intentar a presente ação defendendo que no processo nº 3364/18.6T8AVR-J3, intentado em 03 de outubro de 2018, a ré foi absolvida da instância por despacho transitado em julgado em 05 de junho de 2019; essa ação tinha, para além do pedido deduzido na presente ação, o pedido de condenação da ré no pagamento da indemnização a que alude o nº 7 do artigo 257º do CSC e de uma indemnização por danos não patrimoniais; o Juízo do Comércio julgou-se incompetente em razão da matéria para apreciar os pedidos indemnizatórios, tendo sido decidido que a petição inicial era inepta por o autor ter cumulado, a título principal, pedidos substancialmente incompatíveis entre si; a extensão do prazo prevista no nº 2 do artigo 279º do CPC não tem qualquer aplicação no caso dos autos; a alínea a) do nº 2 do artigo 59º do CSC dispõe que o prazo para propor a ação de anulação de deliberações sociais é de 30 dias, contados a partir da data em que foi encerrada a assembleia geral; no caso, a assembleia geral foi encerrada em 03 de setembro de 2018 e o autor propôs a ação no dia 03 de outubro de 2018, ou seja, no trigésimo e último dia do prazo legalmente concedido para o efeito; o motivo processual que levou à absolvição da instância da ré é imputável ao autor, pois que, no âmbito do referido processo, o tribunal, em 15 de janeiro de 2019, ordenou a notificação do autor para se pronunciar, em 10 dias, sobre as exceções invocadas pela ré e o autor, em 31 de janeiro de 2019, quando então se pronunciou, nada alterou nem aperfeiçoou e manteve, na íntegra, a sua posição plasmada na petição inicial; estando em causa um prazo de caducidade e não de prescrição, o nº 2 do artigo 327º do Código Civil, prescreve que o novo prazo começa a correr logo após o ato interruptivo, ou seja, a citação, a qual ocorreu em 11 de outubro de 2018; em 29 de junho de 2019, quando o autor deu entrada em juízo à presente ação, já há muito tinha decorrido o prazo de caducidade para a sua interposição, mesmo considerando uma eventual interrupção em 11 de outubro de 2018, tendo caducado o direito do autor de interpor a ação de anulação das deliberações sociais da ré tomadas em 03 de setembro de 2018.
A ré invocou, ainda, as exceções de violação da autoridade do caso julgado e de litispendência.
Impugnando, a ré sustentou, em suma, que as deliberações em causa não padecem de qualquer vício ou irregularidade; o autor foi convocado para a assembleia geral em que foram tomadas as deliberações impugnadas no dia 16 de agosto de 2018, mediante carta, cuja ordem de trabalhos continha já as imputações que lhe eram feitas e o mesmo não requereu à ré a consulta de qualquer elemento ou documento, nem formulou pedido de esclarecimentos ou outras informações e, tendo comparecido na aludida assembleia em 03 de setembro de 2018, também não pediu para usar da palavra, nem tão-pouco o quis fazer, assim que lhe foram atribuídos os comportamentos ali melhor descritos, e quando o sócio que presidiu à assembleia lhe deu a palavra, manifestou apenas que «o que quer que fique escrito é de forma simples, pois entende que mais tarde haverão de falar ponto a ponto, com os pormenores devidos. O gerente AA pretende usar da palavra após a proposta ser votada», com o que se conclui que não precisou de quaisquer elementos adicionais; na ata é mencionado expressamente que, quanto aos documentos que servem de suporte às afirmações ali prestadas, os mesmos não foram juntos dada a sua longa extensão, por um lado, e também porque o seu teor era do conhecimento de todos os sócios da ré ali presentes, onde se incluía o autor, que não refutou esta afirmação.
A ré sustentou que a deliberação de destituição do cargo de gerente do autor não é ilícita, mas muito menos o seria por falta de justa causa, como aquele expressamente invoca; a jurisprudência é, além de abundante, unânime no sentido de que o princípio geral da liberdade da destituição dos gerentes, em qualquer momento, em consequência de deliberação tomada em assembleia geral ou por voto escrito, por ato unilateral e discricionário dos sócios, é independente da existência de justa causa, exceto quando o pacto social confere a um sócio um direito especial à gerência, hipótese em que a destituição tem de ser efetuada, por via judicial e com fundamento em justa causa; a inexistência de justa causa da destituição do gerente de sociedade por quotas é compatível com a deliberação dos sócios, tomada por maioria simples, a menos que o contrato de sociedade imponha uma maioria qualificada ou a presença de outros requisitos.
A ré afirmou que é falso que as imputações feitas ao autor na assembleia de 03 de setembro de 2018 sejam genéricas, vagas, inexatas, contraditórias, falsas e/ou sem fundamento, pois que todos os factos imputados ao autor são contextualizados com a referência ao cliente ou fornecedor visado, com datas e com documentos devidamente identificados e as dezenas de emails referidos na ata estão devidamente identificados pela data em que foram enviados/recebidos, sendo o seu teor do conhecimento de todos os presentes na assembleia; ao agir da forma descrita, o autor pôs em causa a capacidade de trabalho da ré, a sua produtividade, o seu prestígio e a sua imagem e o bom nome comercial junto de todos os seus clientes, mormente àqueles cuja resposta tardia do autor causou transtornos.
A ré terminou a sua contestação pugnando pela procedência das exceções invocadas e pela respetiva absolvição da instância ou, caso assim não se entenda, pela sua absolvição dos pedidos deduzidos pelo autor.
O autor respondeu às exceções pugnando pela sua improcedência.
Realizou-se audiência prévia, fixando-se o valor da causa no montante de €8.675,00, proferiu-se despacho saneador, relegando-se para final o conhecimento da exceção de caducidade, foram julgadas improcedentes as exceções de litispendência e de autoridade de caso julgado, fixou-se o objeto do litígio, enunciaram-se os temas da prova e designou-se data para a realização da audiência final.
A audiência final realizou-se em nove sessões[4] e em 27 de fevereiro de 2022 foi proferida sentença[5] que terminou com o seguinte dispositivo:
A. Julgo improcedente, por não provada, a presente ação e, em consequência, decido:
- Absolver a ré do pedido de declaração de nulidade da deliberação social aprovada na assembleia geral de sócios da sociedade ré, realizada em 03.09.2018;
B. Julgo procedente, por provada, a exceção de caducidade deduzida pela ré no que respeita ao pedido de anulabilidade das deliberações tomadas na assembleia geral da ré, realizada a 03.09.2020 [rectius 2018], e, consequentemente, decido:
- Absolver a ré do pedido subsidiário deduzido pelo autor.
Em 28 de abril de 2022, inconformado com a sentença cujo dispositivo precede, AA interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1 - Vem o presente recurso da sentença proferida nestes autos que decide:
A - Absolver a ré do pedido de declaração de nulidade da deliberação social aprovada na assembleia geral de sócios da sociedade ré, realizada em 03.09.2018;
B - Julga procedente, por provada, a exceção de caducidade deduzida pela ré no que respeita ao pedido de anulabilidade das deliberações tomadas na assembleia geral da ré, realizada a 03.09.2020, e, consequentemente, decido:
C - - Absolver a ré do pedido subsidiário deduzido pelo autor.
D - Custas a cargo do autor.
2 – Não se verifica a exceção de caducidade da ação, ao invés do que foi decidido na sentença recorrida;
3 - Proferida sentença de absolvição da instância em 30.04.2019 e transitou em julgado a 05.06.2019; Pelo que, tendo o recorrente intentado a presente ação a 29.06.2019, fê-lo no prazo de trinta dias concedido pelo disposto no artº 279º do CPC.
4 - Sendo certo que, também o fez antes de decorrido o prazo dos cinco dias previstos no nº 2 do artº 323 do Código Civil.
5 - Pelas razões aqui explanadas, salvo o devido respeito, andou mal a Mª Juíza a quo ao julgar verificada a exceção de caducidade do pedido de anulabilidade das deliberações tomadas na assembleia geral da ré, realizada a 03.09.2020.
6 Impugna-se a decisão proferida sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, pelo que, supra cumpre-se o disposto no artº 640º do CPC;, com efeito, indicam-se os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e que consistem nas alíneas a) a m) do ponto 16 dos factos provados e a alíneas c) a g) dos factos não provados; b) os concretos meios dos registos que
determinam decisão diversa, encontrando-se identificadas as respetivas testemunhas e as testemunhas, bem assim a decisão que no entender da recorrente deves er proferida, ou seja, os factos supra elencados como provados, devem passar a constar como não provados e os factos identificados como não provados devem passar a constar como provados.
7 – A motivação da decisão proferida sobre a matéria de facto encontra-se descontextualizada e não reflete com rigor o que de facto consta dos depoimentos das testemunhas.
8 – Estando-se perante situação que justifica a modificação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
9 – Verifica-se a nulidade da sentença por omissão de pronuncia, uma vez que, não se considerou como relevante a factualidade considerada confessada pelo legal representante da recorrida em sede de depoimento de parte, - al,. d) nº 1 do artº 615º do CPC.
10 – As deliberações sociais objeto de impugnação invocam factualidade vaga e sem qualquer suporte factual;
11 – Remetendo para documento que não foram apresentados nem submetidos á apreciação da assembleia geral
12 Contrariamente o entendimento vertido na sentença recorrida, verificam-se fundamentos para a declaração de nulidade da deliberação social sob apreciação nesta ação, tal como se fundamenta na petição inicial.
13 – ou, caso assim se não entenda, sempre se verificam fundamentos para a anulação das deliberações socais.
14 – A sentença recorrida faz errada interpretação e aplicação do disposto nos artº 56º e 58º do Código das Sociedade Comerciais.
15 – Não se verifica justa causa para a destituição de gerente do recorrente;
16 – Pelo que, não pode, como se faz na sentença recorrida considerar que a sociedade pode deliberar a destituição de gerente sem ter em consideração tal justa causa, por não caber no objeto das deliberações impugnadas.
T..., Lda. contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso.
O recurso foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos dos restantes membros do coletivo, cumpre agora apreciar e decidir.

2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do CPC), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do CPC
2.1 Da nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia em virtude de o tribunal a quo não se ter pronunciado sobre a matéria vertida nos artigos 162º e 163º da petição inicial, não obstante tenha sido confessada por ambos os sócios[6];
2.2 Da reapreciação das alíneas a) a m) do ponto 16 dos factos provados e bem assim das alíneas c) a g) dos factos não provados e, ainda, da aferição da necessidade de ampliação da decisão da matéria de facto, com inclusão na mesma da matéria contida nos artigo 162º e 163º da petição inicial;
2.3 Da nulidade das deliberações tomadas na assembleia geral da ré de 03 de setembro de 2018 por ofensa aos bons costumes;
2.4 Da inverificação da caducidade da impugnação das deliberações tomadas na assembleia geral de 03 de setembro de 2018 com fundamento em anulabilidade;
2.5 Da anulabilidade das deliberações tomadas na assembleia geral da ré de 03 de setembro de 2018 porque são apropriadas para satisfazer o propósito dos sócios, que através do exercício do voto, conseguem vantagens especiais para si em detrimento do autor e da sociedade, porque não foram precedidas dos elementos mínimos de informação ao autor, sendo a deliberação que o destituiu ilícita por inexistência de justa causa[7].

3. Fundamentos
3.1 Da nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia em virtude de o tribunal a quo não se ter pronunciado sobre a matéria vertida nos artigos 162º e 163º da petição inicial, não obstante tenha sido confessada por ambos os sócios
O recorrente suscita a nulidade da sentença recorrida em virtude de não se ter pronunciado sobre a matéria vertida nos artigos 162º e 163º da petição inicial, matéria que no corpo das suas alegações afirma ter sido confessada por ambos os sócios, não curando de explicitar a que dois dos três sócios da ré se pretendia referir e que depois em sede de conclusões afirma ter sido confessada pelo legal representante da ré.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC, a sentença é nula sempre que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Estabelece-se nesta previsão legal a consequência jurídica pela infração do disposto no artigo 608º, primeira parte do nº 2, do CPC. No entanto, como ressalva a segunda parte do número que se acaba de citar, o dever de o juiz apenas conhecer das questões suscitadas pelas partes cede quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
As questões a decidir são algo de diverso dos argumentos aduzidos pelas partes para sustentar as posições que vão assumindo ao longo do desenvolvimento da lide[8]. As questões a decidir reconduzem-se aos concretos problemas jurídicos que o tribunal tem que necessariamente solver em função da causa de pedir e do pedido formulado, das exceções e contra-exceções invocadas.
Importa salientar que a vinculação do tribunal às concretas questões ou problemas suscitados pelas partes é compatível com a sua liberdade de qualificação jurídica (artigo 5º, nº 3, do CPC). Por isso, o tribunal pode, sem violação da sua vinculação à problemática invocada pelas partes, qualificar juridicamente de forma diferente essas questões.
No caso em apreço, sem curar por ora da relevância jurídica da factualidade vertida nos artigos 162º e 163º da petição inicial[9], constata-se que a nulidade por omissão de pronúncia que o recorrente imputa à sentença recorrida não resulta da omissão de conhecimento de um qualquer problema jurídico que o tribunal tenha que necessariamente solver em função da causa de pedir e do pedido formulado, mas sim de uma omissão na fixação da matéria de facto, pois que o recorrente considera que a aludida factualidade é pertinente e necessária à boa decisão da causa, devendo por isso integrar a factualidade provada.
Contudo, essa omissão, a existir[10], não constitui uma omissão de pronúncia enquanto vício formal na construção da sentença, mas sim um erro de julgamento na construção da base de facto necessária ao concreto conhecimento das diversas questões que o processo suscita, patologia que se enquadra no disposto no artigo 662º, nº 2, alínea c) do CPC e que, na pior das hipóteses, poderá determinar a anulação parcial do julgamento para ampliação da decisão da matéria de facto.
Assim, face ao exposto, improcede esta questão recursória, não enfermando a decisão recorrida de nulidade por omissão de pronúncia.

3.2 Da reapreciação das alíneas a) a m) do ponto 16 dos factos provados e bem assim das alíneas c) a g) dos factos não provados
O recorrente insurge-se contra a decisão da matéria de facto no que respeita às alíneas a) a m) do ponto 16 dos factos provados e bem assim das alíneas c) a g) dos factos não provados, pretendendo que as primeiras alíneas do ponto 16 dos factos provados sejam julgadas não provadas e que, ao invés, as alíneas dos factos não provados por si impugnadas sejam julgadas provadas.
Para tanto, de forma global, indica os meios de prova pessoal que suportam estas pretensões recursórias[11], localizando no tempo as passagens das gravações pertinentes para o efeito.
Os pontos de facto impugnados são os seguintes:
- Da factualidade descrita na ata, ficou demonstrado, o seguinte:
a. O autor deu indicação a alguns fornecedores, entre os quais, a X..., a S..., a K... e a L... para não emitir faturas, no final do ano de 2017, porque estariam a decidir o destino da empresa;
b. O autor iniciava os seus dias de trabalhos na empresa, pelas 9 horas, ausentando-se depois, para casa ou para clientes;
c. Todos os emails mencionados na ata, juntos aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, têm a intervenção ao[do?] autor, de BB e de DD.
d. O autor, por vezes, não prestava aos clientes a assistência solicitada ao nível do software, como foi o caso da K..., da I..., da C... e da E....
e. O autor fez depender o fecho das negociações com a E... e o desenvolvimento do programe de software, do pretendido aumento de vencimento, o que culminou no não desenvolvimento do programa de software e na celebração com a E... de um negócio menos vantajoso para a ré, relativamente à qual deixaram ter avença e passaram a prestar serviços pontuais;
f. AA recusou-se em ceder à ré o código fonte do software para que a empresa pudesse trabalhar, tendo sido necessário intentar um procedimento cautelar para o efeito.
g. O autor procedeu, unilateralmente e sem consentimento dos demais sócios, à alteração da base de dados do software da ré, imputando, ao nível dos metadados, a seu favor bens e equipamentos [imobilizado] que, antes, constavam da conta de BB.
h. O autor contratou, unilateralmente e sem consentimento e contra a vontade dos demais sócios, um colaborador, ao qual pagou remunerações, imputando esse custo na conta corrente de despesas que, na empresa, existia a seu favor, bem sabendo que a ré não dispunha de liquidez para, nessa altura suportar tal encargo.
i. O autor subcontratou a X... para a execução de serviços na ACA que poderiam ter sido executados pela ré.
j. O autor abordou o legal representante da X... no sentido de adquirir participação social nesta sociedade, que, em parte, exerce atividade concorrente com a ré.
k. O autor tentou cobrar valores em dobro [ou seja, pedir quantias alegadamente em dívida mas que se encontravam pagas] a clientes da empresa, designadamente à U..., F... e R..., sendo que no caso deste último conseguiu mesmo receber a quantia não devida, alegando que era um adiantamento.
l. O autor fez seus os bens que a ré havia colocado na E... e que foram retomados, mas não regressaram às instalações da ré, entre os quais, pelo menos, um computador e um monitor de 17 polegadas;
m. AA recusou-se em ceder à ré o código fonte do software para que a empresa pudesse trabalhar, tendo sido necessário intentar um procedimento cautelar para o efeito (alíneas a) a m) do ponto 16 dos factos provados);
- O código fonte do software é propriedade exclusiva do autor, por o ter adquirido à sociedade P..., Lda., antes de esta ter sido declarada insolvente (alínea c) dos factos não provados);
- O autor nunca recebeu dinheiro de clientes da sociedade ré, sem fazer a entrada no respetivo cofre e na contabilidade da mesma (alínea d) dos factos não provados);
- O Técnico Oficial de Contas é que optou por inscrever na contabilidade, como vendas efetuadas pelo sócio gerente BB, considerando-o credor das respetivas importâncias, quando, na realidade, eram correspondentes a valores transferidos pelo autor para a sociedade (alínea d) dos factos não provados);
- O autor possui, presentemente, um saldo a seu favor de aproximadamente €100.568,11, apenas referente a bens e equipamentos transferidos para a sociedade (alínea f) dos factos não provados);
- Todos os colaboradores que prestaram ou prestam serviços para a sociedade mereceram a aprovação de ambos os gerentes e do atual sócio DD (alínea g) dos factos não provados).
Pretende ainda o recorrente que a matéria vertida nos artigos 162º e 163º da petição inicial seja incluída na factualidade provada pois que, na sua perspetiva, foi confessada.
A motivação do tribunal recorrido no que respeita a matéria de facto impugnada foi a seguinte:
Para a determinação da matéria de facto acima referida, a convicção do Tribunal, assentou na posição assumida pelas partes nos articulados, na prova documental junta aos autos, no depoimento e nas declarações de parte prestadas por BB, nas declarações de parte prestadas pelo autor e na prova testemunhal produzida em audiência, e, analisadas conjugada e criticamente, à luz das regras de experiência, segundo juízos de normalidade e de acordo com as regras da repartição do ónus da prova aplicáveis ao caso.
(…)
A matéria de facto que consta dos pontos 16. e 17. resultou da análise conjugada do depoimento e das declarações de parte prestadas por BB, do depoimento da testemunha DD, da análise dos emails trocados entre os sócios da ré, juntos aos autos, também mencionados na ata da assembleia geral, juntos a fls. 97/134; da carta de interpelação do autor para entrega dos códigos- fonte e de software, junta a fls. 135/136; da documentação relativa à venda de bens da P..., Lda., no âmbito do processo de insolvência, junta a fls. 136v.º/150v.º, designadamente do software, muito especialmente o instrumento de venda, datado de 04.06.2013, comprovativo da venda a BB, do referido software; a decisão proferida, em 26.10.2018, no âmbito do procedimento cautelar que correu termos no Juízo Local Cível de Aveiro-J1, que determinou a condenação do autor a proceder à entrega do software à ré, junta a fls. 115v.º/165v.º; o email remetido pelo autor aos demais sócios, a 05.04.2018, junto a fls. 166, do qual decorre que «o código fonte está guardado em DVD desde o final do ano de 2017 e só será entregue se assim ficar acordado depois de contas feitas e pagas», os demais emails, trocados entre os sócios, juntos a fls. 166/184, 189v.º/207v.º e 211/220v.º, numa fase em que o autor se recusava já a prestar assistência ao software, por falta de atualização, e em que, nessa medida já vários clientes ponderavam cessar os contratos relativos ao software, tal como se veio a verificar, a certidão de matrícula da sociedade X..., da qual consta que a mesma de dedica à comercialização a retalho de equipamentos e artigos de escritório, serviços de cópias e informática a público; e as declarações relativas ao Imobilizado juntas a fls. 221/224.
Para prova de tal factualidade foi, ainda, relevante o depoimento das testemunhas EE e FF, respetivamente TOC e administrativo ao serviço da ré, que forma acompanhando a vida da sociedade, o primeiro mais ao nível administrativo e da vida do dia-a-dia e do contacto com os clientes, e o segundo ao nível contabilístico, sendo que o primeiro confirmou, para além do mais, que o autor trouxe colaboradores, sem vinculo à empresa, contra a vontade dos demais sócios, para prestarem serviços, que, aquando da realização do inventário da sociedade, não estava na sede todo o ativo que nela devia contar, que chegou a ouvir o autor dizer que a sociedade poderia encerrar, que a C... e outros clientes se queixaram da falta de assistência ao software por parte do autor, que o contrato coma E... não foi renovado, tendo esta empresa adotado um outro software, que, por vezes, também tinha dificuldades em contactar telefonicamente o autor e que houve situações de registo de dinheiro em caixa pelo autor, que efetivamente não chegou a entrar, sendo que o segundo confirmou que ao autor lhe apresentou uma listagem/declaração solicitando-lhe que alterasse, na contabilidade, a titularidade de grande parte dos bens nela descritos em favor BB [o que não fez por já existirem, nessa data, divergências entre os sócios-gerentes]; GG, gerente da L..., que confirmou que o autor lhe teria comunicado, em finais de 2017, que estariam a ponderar fechar a empresa ou transformá-la noutras empresas, o que o preocupou, pois tinha valores a receber da ré; HH, sócio gerente da S..., que, de igual modo, afirmou que o autor lhe havia solicitado para «aguentar a faturação», ou seja, não faturar, porque iam ocorrer alterações na ré que poderiam culminar com o seu fecho; II, presidente da Associação Comercial de Aveiro [ACA] e gerente da P..., Lda. na data da insolvência, que afirmou não ter procedido à venda ao autor do software, tendo, ainda, afirmado que a sociedade P..., Lda. nunca emitiu vendas a dinheiro, pelo que o documento apresentado pelo autor não poderia ser verdadeiro/fidedigno; JJ, programador ao serviço da P..., Lda., que confirmou ter entregue a BB a cópia de segurança do software, em DVDs, que estava mais atualizada do que a que constava do servidor, e outras ferramentas necessárias à sua utilização, e afirmou que o autor adulterou o seu último recibo de vencimento na P..., Lda., por forma a obter, em sede de insolvência, uma indemnização mais elevada, que ascendeu quase ao dobro do que não tinha direito; KK, sócio de uma empresa cliente da ré, e LL, gerente de uma sociedade legada ao remo da mediação de seguros, cliente da ré, que afirmaram terem tido conhecimento de que o autor pretendia adquirir participação social na X...; MM, gerente da U..., e NN, gerente de O F..., que afirmaram que o autor procedeu a uma tentativa de cobrança em dobro dos mesmos bens e serviços; OO, gerente da K..., que confirmou que, a partir de determinada altura, o autor deixou de responder às suas solicitações de assistência ao software, tendo-lhe dado informação de que não iriam dar continuidade ao programa, pelo que cessou o contrato com a ré ao nível do software; PP, sócio gerente da X..., que confirmou que o autor o havia questionado, pelo menos, por três vezes, se estava interessado em vender-lhe a X..., ao que lhe respondeu para fazer uma proposta, tendo-lhe indicado o gabinete de contabilidade e o seu advogado para o efeito; e QQ, diretor de serviços na empresa onde os sócios da ré reparavam os veículos, o qual afirmou que apenas disponibilizavam veículos de cortesia em caso de sinistro e já não em casos de meras revisões.
Os depoimentos das mencionadas testemunhas, analisados em conjugação com a documentação junta aos autos e com o depoimento e declarações de parte de BB, que os corroboraram, nos termos que supra ficaram expostos, foram de molde a permitir a formulação de um juízo probatório favorável no que toca à matéria de facto dada como provada, na medida em que não se denotou que tivessem, de alguma forma, procurado ampliar/alterar a realidade dos factos sobre que depuseram, dos quais demonstraram possuir conhecimento direto, sendo que relativamente às testemunhas não se afigurou que pretendessem prejudicar ou beneficiar qualquer das partes, tendo, antes, prestado depoimentos desinteressados, sequenciais e circunstanciados sobre a matéria em discussão.
Por seu turno, as declarações de parte do autor, apresentaram-se fortemente comprometidas com a sua versão dos factos, trazida aos autos, não ancorada em qualquer outra prova, documental ou testemunhal.
No que respeita aos factos não provados, descritos nas alíneas a. a g., cumpre dizer, para além de tudo o que supra ficou exposto, que o tribunal se fundamentou na ponderação de toda a prova produzida e, bem assim, na ausência de produção de prova documental e/ou testemunhal suficientemente consistente e segura para considerar como provada a sua realidade.
Do exposto decorre que, ainda que considerados de forma conjugada as declarações e depoimento de parte, os depoimentos das testemunhas e a prova documental junta aos autos, a prova produzida, no seu confronto, não permitiu fundar um juízo probatório favorável para possibilitar dar como assente a matéria que acima se considerou como não provada.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no artigo 662º, nº 2, alínea c) do CPC, o Tribunal da Relação deve, mesmo oficiosamente, determinar a ampliação da decisão da matéria de facto, sempre isso seja indispensável, podendo haver lugar à anulação da decisão recorrida, sempre que o tribunal ad quem não tenha ao seu dispor todos os elementos que permitam a referida ampliação.
No caso dos autos, atenta a causa de pedir delineada pelo recorrente na sua petição inicial, pode questionar-se se a matéria indicada pelo autor releva para configurar uma deliberação abusiva tomada na assembleia em que se decidiu a divisão da quota do sócio BB[12] ou se essa conduta também se projeta na deliberação posterior de destituição do autor como gerente da sociedade ré.
Na dúvida, afigura-se-nos que essa matéria deve ser objeto de decisão por parte do tribunal a fim que as diversas soluções plausíveis desta questão jurídica possam ter o necessário suporte fáctico.
Por isso, além da reapreciação da decisão da matéria de facto requerida pelo recorrente, o nosso labor de controlo da correção e suficiência da decisão da matéria de facto do tribunal recorrido também se irá debruçar sobre os aludidos artigos 162º e 163º da petição inicial.
Procedeu-se ao exame da prova documental junta aos autos com pertinência para a reapreciação e ampliação da decisão da matéria de facto, nomeadamente o documento nº 2 oferecido pelo autor com a sua petição inicial[13], o documento nº 6[14], o documento nº 7[15], o documento nº 8[16], o documento nº 9[17], o documento nº 10[18], os documentos nºs 11, 12, 13, 14 e 15[19], o documento nº 16[20], o documento nº 17[21], o documento nº 18[22], o documento nº 19[23], o documento nº 20[24], o documento nº 21[25], o documento nº 22[26], o documento nº 23[27], o documento nº 24[28], o documento nº 25[29], o documento nº 26[30], o documento nº 27[31], o documento nº 288[32], o documento nº 29[33], o documento nº 30[34], o documento nº 31[35], o documento nº 32[36], o documento nº 33[37], o documento nº 34[38], o documento nº 358[39], o documento nº 36[40], o documento nº 37[41], o documento nº 38[42], o documento nº 39[43], a cópia da ata da ré de assembleia geral realizada em 17 de outubro de 2020[44], as cópias de “declarações de pagamento” oferecidas via correio eletrónico em 16 de outubro de 2020, pela testemunha DD[45], teve-se em conta o teor da assentada que consta da ata da audiência final realizada em 22 de setembro de 2020 e procedeu-se à audição da prova pessoal produzida nas diversas sessões da audiência final.
Debrucemo-nos então sobre cada um dos pontos de facto impugnados pelo recorrente.
A apreciação da prova neste caso tem algumas particularidades que não se devem perder de vista a fim de que a convicção probatória do tribunal se forme fundamentadamente e de acordo com as regras da prudência na apreciação da prova (veja-se a primeira parte do nº 5 do artigo 607º, do CPC).
De facto, está em causa um litígio que opõe dois dos sócios de uma sociedade ao outro sócio, sociedade que se constituiu, de acordo com o que declararam todos os sócios, de forma nada transparente, ao que tudo indica com prejuízo para a Segurança Social[46], não correspondendo o lastro ostensivo da sociedade ao seu real substrato e que no dizer unânime dos três sócios seria uma participação igualitária dos três no capital social de ré, participação igualitária que ainda não se verifica na atualidade.
Neste contexto litigioso e de falta de transparência congénita do substrato societário, a prudência requer que as declarações das pessoas envolvidas no conflito societário tenham alguma corroboração independente, seja por via de prova documental contemporânea dos factos, seja por via de prova pessoal prestada de modo a merecer credibilidade por parte do tribunal.
Estas serão as linhas de rumo que este tribunal seguirá na reapreciação da decisão da matéria de facto requerida pelo recorrente, iniciando-se o nosso labor com a alínea a) do ponto 16 dos factos provados.
No que respeita à alínea a) do ponto 16 dos factos provados, além das declarações de parte do representante da ré, relevaram os depoimentos de GG, gerente da sociedade L..., de HH, gerente da sociedade S... e as cópias das mensagens eletrónicas contidas no documento nº 6 oferecido pela ré e a primeira e a segunda mensagem do documento nº 7 oferecido pela ré com a sua contestação e das quais ressalta a confirmação desta factualidade.
Neste contexto probatório, a pretensão recursória do recorrente, no que tange esta alínea deste ponto de facto improcede.
No que respeita à alínea b) do ponto 16 dos factos provados foram especialmente relevantes o depoimento da testemunha EE, funcionário da ré que confirmou esta matéria e o próprio autor nas suas declarações que referiu que iniciava sempre o seu dia de trabalho às nove horas de cada dia, na empresa e que depois se ausentava em função das suas solicitações profissionais, desenvolvendo também trabalho em casa.
Deste modo, no que se refere a esta alínea do ponto 16 dos factos provados, improcede a reapreciação da decisão da matéria de facto requerida pelo autor.
Reapreciemos agora a alínea c) do ponto 16 dos factos provados.
No que respeita este ponto de facto, a simples leitura da ata o desmente pois na mesma se refere a troca de mensagens eletrónicas do autor com o funcionário da ré, Sr. EE e da S... para a ré (alínea b) do ponto três da referida ata), mensagens electrónicas remetidas pela I..., pela M..., pela E... (alínea c) do ponto três da referida ata), mensagem eletrónica remetida pela N... (alíneas l) e n) do ponto três da referida ata), sendo que o teor da ata é confirmado pela leitura das referidas mensagens.
Por isso, nesta parte, procede a pretensão recursória do recorrente, devendo julgar-se não provada a alínea c) do ponto 16 dos factos provados.
Vejamos agora a alínea d) do ponto 16 dos factos provados.
No que respeita este ponto de facto, relevaram as declarações do legal representante da ré e o depoimento da testemunha EE, corroboradas pelas cópias das mensagens eletrónicas incluídas no documento nº 8 e ainda as cópias da quarta e quinta mensagem eletrónicas incluídas no documento nº 9, ambos oferecidos pela ré na sua contestação, no que tange aos pedidos de intervenção da I..., da E..., da M... e da C....
A testemunha OO, gerente da sociedade K..., queixou-se de falta de assistência por parte da ré, referindo que o trabalho do autor era mais de comercial e que a assistência técnica era executada pelos dois outros colegas do autor.
Neste contexto probatório, a pretensão recursória procede em parte, na medida em que a prova produzida não é bastante para dar como provada a falta de resposta do autor a pedidos de intervenção da K..., devendo dar-se como provada a falta de resposta aos pedidos de intervenção da I..., da E..., da M... e da C....
Vejamos agora a alínea e) do ponto 16 dos factos provados.
No que respeita este ponto de facto relevaram as declarações do legal representante da ré e do autor e o depoimento da testemunha DD, também sócio da ré, declarações e depoimento corroborados pelo conjunto de mensagens eletrónicas oferecidas pela ré com a sua contestação como documento nº 9, destacando-se a mensagem remetida pelo autor em 02 de janeiro de 2018, pelas 13h56 aos seus sócios BB e DD.
Assim, no circunstancialismo probatório que se acaba de enunciar, improcede esta pretensão recursória.
Quanto à alínea f) do ponto 16 dos factos provados, não obstante as declarações do autor no sentido de que no servidor da ré estava toda a informação necessária para a ré desenvolver a sua atividade e ainda de que era dono do aludido código fonte que lhe teria sido vendido mediante uma venda a dinheiro da P... emitida em 25 de junho de 2012 pelo então gerente dessa sociedade, as declarações do legal representante da ré e o depoimento da testemunha DD foram em sentido oposto, provas pessoais que foram corroboradas pelos documentos nºs 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18 e 19, todos oferecidos pela ré com a sua contestação.
Do acervo documental ante referido destaca-se o instrumento de venda ao sócio BB do software da P..., no âmbito da liquidação do ativo desta sociedade (documento nº 15), o balancete da ré do ano de 2017 em que sob o nº ... vem inventariado o software P..., avaliado em €2.500,00 (documento nº 17) e a mensagem de correio eletrónico do autor datada de 05 de abril de 2018, pelas 14h36, remetida para BB e com conhecimento de DD onde inequivocamente o autor assume que só entregará o código fonte “se assim ficar acordado depois de contas feitas e pagas” (documento nº 19). Sublinhe-se que nesta mensagem, ao contrário do que seria de esperar se fosse verdadeira a alegação do autor de que o código fonte lhe pertencia (vejam-se os artigos 72 a 78 da petição inicial), nenhuma referência é feita pelo msmo à titularidade do aludido código.
Assim, tudo sopesado, improcede a pretensão recursória do autor no que respeita à alínea f) do ponto 16 dos factos provados.
Apreciemos agora a alínea g) do ponto 16 dos factos provados.
No que respeita esta matéria, foram produzidas as declarações do legal representante da ré e do autor[47] e os depoimentos das testemunhas DD e FF, gerente da N..., sociedade que faz a contabilidade da ré, provas pessoais que foram conjugadas e corroboradas pelos documentos nºs 29 e 33 oferecidos pela ré com a sua contestação.
Deste modo, deve manter-se inalterada a alínea g) do ponto 16 dos factos provados, improcedendo esta pretensão recursória do autor.
Ajuizemos agora da alínea h) do ponto 16 dos factos provados.
No que respeita esta alínea foram produzidas as declarações do representante legal da ré e os depoimentos das testemunhas DD e FF, provas pessoais que são corroboradas pelo documento nº 24 oferecido pela ré com a sua contestação, destacando-se deste acervo documental a mensagem do legal representante da ré endereçada ao autor e a DD, em 11 de janeiro de 2018, pelas 19h20, em que respondendo a mensagem do autor desse mesmo dia pelas 01h16, afirma que “como sócio e gerente não posso permitir, nem a sociedade tem condições nesta altura, para colocar colaboradores” e a mensagem do legal representante de 18 de janeiro de 2018, pelas 9h25, remetida ao autor e a DD e em resposta a mensagem do autor de 17 de janeiro de 2018, pelas 23h51 e na qual refere que “Já tinha falado anteriormente, que não temos condições nesta fase para colocação de colaboradores, portanto a minha resposta continua a ser, não se coloca colaboradores nesta fase!”.
Sublinhe-se que o próprio autor acabou por admitir ter por sua iniciativa contratado um colaborador a quem pagava, incluindo os custos por si suportados nas despesas da sociedade.
Pelo exposto, também quanto à alínea h) do ponto 16 dos factos provados improcede a pretensão recursória.
Quanto à alínea i) do ponto 16 dos factos provados foram produzidas as declarações do legal representante da ré e do autor e o depoimento do legal representante da X..., a testemunha PP, provas pessoais coonestadas pelo documento nº 26 oferecido pela ré com a sua contestação, destacando-se deste documento as mensagens eletrónicas de 27 de março de 2018, pelas 11h07, remetida por BB ao autor e a DD, com resposta do autor, no mesmo dia, pelas 12h07 e nova mensagem de BB, no mesmo dia, pelas 23h05, endereçada ao autor e a DD.
Uma vez mais o autor assumiu esta subcontratação justificando-a com a falta de meios da ré para realizar o trabalho.
No circunstancialismo probatório que se acaba de enunciar é forçosa a conclusão de que improcede a pretensão do recorrente de que a alínea i) do ponto 16 dos factos provados seja julgada não provada.
Vejamos agora a alínea j) do ponto 16 dos factos provados.
No que tange esta alínea é particularmente relevante o depoimento da testemunha PP, gerente da sociedade X... e que descreveu como foi abordado pelo autor tendo em vista a aquisição da sua empresa e que embora não estivesse a pensar alienar o seu negócio, convidou o autor a fazer uma proposta, facultando-lhe o acesso à contabilidade e ao advogado da sociedade; porém, o autor não formulou qualquer proposta.
O autor desvalorizou o depoimento desta testemunha referindo que era pessoa já muito idosa e que teria por isso algumas dificuldades cognitivas.
Porém, no depoimento que prestou, a testemunha PP revelou bastante presença de espírito e acuidade negocial, depondo de forma espontânea e sem que fosse percetível qualquer animosidade para com o autor ou amizade para com os restantes sócios da ré, sendo por isso merecedor da credibilidade deste tribunal.
No que respeita ao exercício por parte da X... de atividade em parte concorrente com a da ré relevaram os documentos nºs 27 e 28, oferecidos pela ré com a sua contestação.
Deste modo, atendendo ao suporte probatório pessoal e real que se acaba de enunciar, improcede a pretensão do recorrente de que se julgue não provada a alínea j) do ponto 16 dos factos provados.
Prossigamos agora o nosso labor de reapreciação da decisão da matéria de facto, fazendo-a incidir sobre a alínea k) do ponto 16 dos factos provados.
Na decisão recorrida, em sede de motivação refere-se que “MM, gerente da U..., e NN, gerente de O F..., que afirmaram que o autor procedeu a uma tentativa de cobrança em dobro dos mesmos bens e serviços”.
No entanto, salvo melhor opinião, atentando no teor dos depoimentos produzidos pelas testemunhas MM e NN verifica-se que ambas referiram ter pago ao autor mediante cheques prestações de serviços prestadas por conta da ré e que algum tempo depois do pagamento, receberam de novo uma fatura para pagamento dos mesmos serviços, referindo o primeiro que a segunda fatura chegou por via postal, enquanto a segunda referiu não ter a certeza se a segunda fatura tinha vindo pelo correio, referindo ambas as testemunhas que não foram abordadas pelo autor uma segunda vez para procederem ao pagamento dos serviços que já lhe haviam anteriormente pago.
No que respeita ao estabelecimento R..., além do depoimento da testemunha DD, sem conhecimento direto dos factos, foi oferecido[48] por esta mesma testemunha um documento intitulado “Declaração Pagamento”, datado de 15 de outubro de 2019 e que não foi objeto de decisão de admissão ou não admissão por parte do tribunal recorrido e que, de todo o modo, constitui um depoimento escrito por parte de RR que se arroga a qualidade de “gerente/funcionário da empresa J... (Restaurante O R...)”, depoimento escrito produzido fora das condições legais (vejam-se os artigos 517º a 519º do CPC).
Assim, face ao circunstancialismo probatório que se acaba de delinear, a convicção probatória deste tribunal diverge da do tribunal recorrido, não sendo a prova produzida bastante para à luz de uma prudente convicção permitir a formação de uma convicção positiva relativamente à realidade da factualidade contida na alínea k) do ponto 16 dos factos provados, razão pela qual, a pretensão de reapreciação da decisão da matéria de facto do recorrente procede nesta parte, devendo esta alínea julgar-se in totum não provada.
No que respeita à alínea l) do ponto 16 dos factos provados, as declarações do representante legal da ré e o depoimento da testemunha DD foram no sentido de confirmar esta matéria. Ao invés, o autor negou esta factualidade, referindo que os equipamentos que recebeu ficaram num espaço a isso destinado nas instalações da ré.
Embora a testemunha EE tenha referido que aquando da realização do inventário da sociedade ré se detetava algumas faltas, sem contudo as concretizar, isso não é por si bastante para concluir que tais faltas são imputáveis ao autor e que tais faltas são as que constam da alínea ora em reapreciação.
Sublinhe-se que não foram sequer juntas aos autos as notas de crédito que titularam as referidas retomas.
Pelo exposto, no circunstancialismo probatório enunciado, não tem este tribunal suporte bastante para firmar uma convicção positiva quando à realidade dos factos vertidos na alínea l) do ponto 16 dos factos provados, procedendo também nesta parte o recurso do autor, devendo julgar-se não provada esta matéria.
Quanto à alínea m) do ponto 16 dos factos provados, remete-se para a motivação antes aduzida quando se reapreciou a alínea f) do ponto 16 dos factos provados, resultando da mesma a necessária improcedência desta pretensão recursória.
No que respeita à alínea c) dos factos não provados, remete-se uma vez mais para a motivação antes aduzida quando se reapreciou a alínea f) do ponto 16 dos factos provados e salienta-se ainda a circunstância de nem sequer ter sido oferecida como prova documental a venda a dinheiro que o autor declarou ter sido feita em 25 de junho de 2012 e que, na perspetiva do recorrente, titularia a aquisição do direito de propriedade do código fonte do software da sociedade P.... Sublinhe-se ainda que a testemunha II, que foi o gerente da sociedade P... até à sua insolvência e alegadamente o autor da venda a dinheiro em que o autor firma a sua pretensão de aquisição do direito de propriedade do código fonte do software da mesma sociedade negou que alguma vez tenha emitido uma venda a dinheiro referindo ainda que essa sociedade de que era gerente não emitia vendas a dinheiro.
Assim, atendendo a toda a realidade probatória que se acaba de enunciar, a convicção probatória desta instância é no sentido de se ter feito prova do contrário do que se contém na alínea c) dos factos não provados, razão pela qual bem andou o tribunal recorrido em emitir esse juízo probatório, improcedendo nesta parte a pretensão recursória do autor.
No que respeita a alínea d) dos factos não provados apenas foram produzidas as declarações do autor, não havendo qualquer outro apoio ou corroboração probatória dessas declarações.
A circunstância de se ter julgado procedente a pretensão recursória do autor no que respeita à alínea k) do ponto 16 dos factos provados não significa que se deva ter como provada a realidade inversa pois que, a não prova da não apropriação não significa a prova pela positiva da não apropriação. Para tanto, como já antes se referiu, era necessário que fosse produzida prova pessoal ou real credível que corroborasse as declarações do autor, prova que não foi produzida.
Por isso, neste circunstancialismo probatório, deve manter-se não provada a alínea d) dos factos não provados.
No que respeita à alínea e) dos factos não provados, nem o autor nas suas declarações lhe deu suporte probatório, na medida em que referiu que a divergência da contabilização das “entradas” dos sócios com a realidade resultou da opacidade inerente à constituição da ré e à não coincidência do seu substrato formal com o seu real substrato, pois que quer o autor, quer o DD ainda recebiam subsídio de desemprego na data da constituição da ré.
Por outro lado, a testemunha FF, gerente da N..., sociedade que faz a contabilidade da ré desde a sua constituição, afirmou que as listagens já antes mencionadas quando se reapreciou a alínea g) do ponto 16 dos factos provados lhe foram apresentadas pelo autor e no sentido de alteração do que constava da contabilidade da empresa e desde a sua constituição, pretensão do autor a que não acedeu pois que para tanto exigia o acordo de todos os sócios.
Por isso, bem andou o tribunal recorrido em julgar não provada a matéria vertida na alínea e) dos factos não provados, improcedendo nesta parte a pretensão do recorrente.
No que respeita à alínea f) dos factos não provados apenas foram produzidas as declarações do autor e as declarações escritas por si elaboradas com data de 04 de junho de 2013 mas apresentadas apenas em 2018 (veja-se o documento nº 33 oferecido pela ré com a sua contestação), relevando ainda para a apreciação desta matéria a mensagem de correio eletrónico de 19 de junho de 2018, enviada pelas 17h53 pela N... para o autor e para BB e que constitui o rosto do documento nº 29 oferecido pela ré com a sua contestação.
O valor de €100.568,11 é o produto da soma dos valores totais constantes das três relações elaboradas pelo autor e a que apôs a data de 28 de junho de 2013.
A circunstância de haver parcial coincidência entre alguns dos bens descritos nessas relações e os bens adquiridos pelo autor em 04 de junho de 2013 no âmbito da liquidação do ativo da sociedade “P..., Lda.” (veja-se o documento 14 oferecido pela ré com a sua contestação e a segunda página da relação de material para imobilizado no valor global de € 58.992,34) não é suficiente para que se forme uma convicção probatória positiva deste tribunal quanto à realidade da matéria vertida na alínea f) dos factos não provados.
Por isso, deve manter-se a resposta que o tribunal recorrido deu à alínea f) dos factos não provados, improcedendo nesta parte o recurso.
Finalmente, debrucemo-nos sobre a alínea g) dos factos não provados.
Esta matéria apenas tem apoio positivo nas declarações prestadas pelo autor, sendo a restante prova pessoal e documental claramente no sentido oposto, como resulta evidenciado pela motivação da resposta à alínea h) do ponto 16 dos factos provados e para que se remete.
Nesta envolvência probatória, deve manter-se não provada a factualidade vertida na alínea g) dos factos não provados, improcedendo também nesta parte a pretensão do recorrente.
Importa agora conhecer da pretensão de ampliação da decisão da matéria de facto, na vertente da factualidade provada, com inclusão do conteúdo dos artigos 162 e 163 da petição inicial[49] e que o recorrente afirma terem sido confessados.
Na ata da sessão da audiência final realizada no dia 22 de setembro de 2020, após a prestação de depoimento de parte de BB, legal representante da ré, foi lavrada assentada, tendo-se exarado relativamente ao artigo 162º da petição inicial que o depoente “sabia que com a divisão da cota [sic] era possível efetuar a destituição sem necessidade de recurso ao tribunal.”
Nada foi exarado relativamente ao artigo 163º da petição inicial que aliás contém matéria falsa como inequivocamente resulta do ponto 6 dos factos provados e dos documentos que o suportaram probatoriamente (documento nº 1 oferecido pelo autor com a sua petição inicial e documento nº 1 que instrui o documento nº 4 oferecido pela ré com a sua contestação – cópia da ata da assembleia geral da ré realizada em 07 de junho de 2018).
Assim, tudo sopesado, porque do ponto de vista das soluções plausíveis das diversas questões decidendas, a matéria confessada pela ré e vertida no artigo 162º da petição inicial é passível de relevar para a aferição da existência de dolo por parte do legal representante da ré na divisão da sua quota, deve incluir-se na factualidade provada o seguinte:
- BB sabia que com a divisão da sua quota era possível efetuar a destituição sem necessidade de recurso ao tribunal.
Assim, face ao exposto, conclui-se pela parcial procedência da reapreciação e ampliação da decisão da matéria de facto requerida pelo recorrente, nos termos que precedem.
3.3 Fundamentos de facto exarados na decisão recorrida com as alterações decorrentes da reapreciação e ampliação da decisão da matéria de facto que precede, expurgados das meras remissões probatórias
3.3.1 Factos provados
3.3.1.1
A ré T..., Lda. foi constituída por contrato de sociedade registado pela Ap. ......
3.3.1.2
À data da constituição da sociedade, o capital social da ré era de €8.675,00.
3.3.1.3
A ré tinha, naquela data, como sócios BB, titular de uma quota no valor nominal de €5.205,00 e CC, titular de uma quota no valor nominal de €3.470,00, tendo sido o primeiro nomeado gerente.
3.3.1.4
Ficou estabelecido, no referido contrato, que a sociedade se obriga pela intervenção de um gerente.
3.3.1.5
Em 19.11.2014 CC transmitiu ao autor a quota, no valor nominal de €3.470,00, de que era titular na sociedade ré, e, nessa mesma data, o autor foi designado gerente.
3.3.1.6
Em 07.06.2018 BB dividiu a quota de que era titular na sociedade ré, no valor nominal de €5.205,00, em duas novas quotas, tendo cedido uma quota no valor nominal de €433,75 a DD e reservado para si outra no valor nominal de €4.771,25, o que levou ao registo a 08.08.2018, sabendo que com a divisão da sua quota era possível efetuar a destituição [de gerente] sem necessidade de recurso ao tribunal.
3.3.1.7
O autor, BB e DD, foram trabalhadores da sociedade P..., Lda., que veio a ser declarada insolvente.
3.3.1.8
A constituição da ré foi projetada pelo autor, por BB e por DD, e teve em vista a prestação de serviços de consultoria e programação informática, comércio de produtos e materiais para informática, nomeadamente computadores, unidades periféricas e programas informáticos, por forma a dar continuidade à atividade que cada um vinha desenvolvendo na aludida sociedade P..., Lda..
3.3.1.9
Por razões meramente formais, a ré foi constituída nos termos supra expostos, porquanto BB, DD tinham acordado a sua integração nesta sociedade, repartindo o capital social em partes iguais, o que acabou por não se concretizar.
3.3.1.10
O capital social foi realizado tendo em consideração as entradas dos três atuais sócios.
3.3.1.11
Também foi acordado que repartiriam a gerência da sociedade ré, o que, na prática, foi sucedendo, pois até se desentenderem, o autor, BB e DD foram decidindo, em conjunto, os destinos da sociedade ré.
3.3.1.12
No dia 03.09.2018, pelas 17.10 horas, teve lugar uma assembleia geral da ré, na qual estiveram presentes o autor, BB e DD.
3.3.1.13
Tal como consta da ata número nove, tal assembleia tinha a seguinte ordem de trabalhos:
PONTO UM - Deliberar sobre a destituição com justa causa do gerente AA, casado, contribuinte fiscal n° ..., residente em Rua ..., união das freguesias ... e ..., concelho de Aveiro, também sócio da sociedade, sendo titular de uma quota com o valor nominal de €3.470,00 [três mil quatrocentos e setenta euros], com fundamento na prática de factos - alguns suscetíveis de sanção penal - que violam gravemente os deveres da gerência, desde logo os deveres de cuidado, de diligência e de lealdade, e que revelam a sua incapacidade para o exercício normal das respetivas funções que deveriam levar a uma gestão criteriosa e ordenada, designadamente a assunção pública da pretensão [unilateral e injustificada] de encerrar a empresa e de não permitir o seu normal funcionamento; a divulgação junto de fornecedores e de clientes do encerramento da empresa, o que jamais esteve em causa para a sociedade; o pedido de não emissão de faturas a alguns fornecedores; ausência reiterada da sede e das instalações da sociedade; ausência de comunicação à sociedade sobre o trabalho por si desenvolvido; chantagem com os demais sócios para venda da sua quota sob ameaça de que «de tudo faria para encerrar a empresa» caso o acordo não fosse alcançado; omissão de atos discutidos e aprovados em reuniões de gerência e de sócios, com prejuízos elevados para a sociedade, designadamente ao não celebrar contratos que haviam sido deliberados efetivar ou contratualizar; receção de dinheiro por parte de clientes da sociedade [s]em fazer a respetiva entrada nos cofres e na contabilidade da mesma, deixando-o à sua guarda e usando-o a seu bel-prazer e com intuito pessoal, mesmo após várias e sucessivas interpelações em sentido contrário; adulteração dos relatórios de despesas, imputando a si pagamentos que foram efetuados por outros sócios; aluguer desmesurado e sem necessidade de viaturas também para uso particular, através da empresa, causando prejuízos graves à sociedade; diversas interações com várias entidades à revelia e contra os interesses da sociedade; promiscuidade com alguns clientes e fornecedores da sociedade, ordenando a emissão de faturas à ordem da sociedade por serviços prestados por outras entidades por si contratadas; violação do dever de lealdade por tentativa de aquisição de participação social em empresa concorrente [X...]; retenção indevida do código-fonte que permite trabalhar com o software que é utilizado junto dos clientes e sem o qual se revela impossível prestar o serviço que é contratado pelos clientes, situação que se mantém mesmo após interpelação formal por advogado; alteração unilateral e constante das bases de dados da sociedade e dos próprios documentos contabilísticos; aproveitamento indevido dos bens da sociedade em proveito pessoal e próprio; não entrega, muito menos atempada, à sociedade de correspondência e outra documentação remetida à sociedade, entre outros.
PONTO DOIS - Deliberar sobre a apresentação de participação criminal contra o gerente AA, junto dos Serviços do Ministério Público, pela prática dos factos descritos no ponto um desta ordem do dia.
PONTO TRÊS - Deliberar sobre a instauração de ação judicial contra o gerente AA para efetivação da responsabilidade pelos prejuízos causados à sociedade pela prática dos factos também descritos no ponto um desta ordem do dia e pedido da respectiva indemnização.
3.3.1.14
A ordem de trabalhos descrita em 13 [3.3.1.13] constava da convocatória, dirigida ao autor, com data de 13 de agosto de 2018.
3.3.1.15
Da ata número nove consta, ainda, o seguinte:
«(…)
Entrando, assim, no PONTO UM da Ordem de Trabalhos, tomando a palavra o sócio e gerente BB, este teceu várias considerações sobre a proposta de destituir com justa causa do gerente AA, também sócio da sociedade, com fundamento na prática de factos - alguns suscetíveis de sanção penal - que violam gravemente os deveres da gerência, desde logo os deveres de cuidado, de diligência e de lealdade, e que revelam a sua incapacidade para o exercício normal das respetivas funções que deveriam levar a uma gestão criteriosa e ordenada, sendo que foram as seguintes as considerações apontadas pelo sócio BB:
a) Quanto à assunção pública da pretensão do gerente AA (unilateral e injustificada) de encerrar a empresa e de não permitir o seu normal funcionamento e à divulgação junto de fornecedores e de clientes do encerramento da empresa, o que jamais esteve em causa para a sociedade, tal decorre das informações obtidas em conversas com o Sr. GG da empresa L..., com o Sr. HH da empresa S..., com o Sr. JJ da empresa A... e com o Sr. OO da empresa K..., entre outros.
Também corrobora a prática destes factos o conteúdo dos emails enviados pelo gerente AA aos sócios BB e DD em 15/12/2017 (e resposta deste último para todos em 18/12/2017), em 27/12/2017, cm 30/12/2017, em 03/01/2018 e em 04/01/2018, a troca de emails entre o sócio BB e o sócio-gerente AA, sempre com conhecimento do sócio DD, entre 04/01/2018 e 08/01/2018, e ainda a troca de emails entre o sócio BB e o sócio-gerente AA, sempre com conhecimento do sócio DD, no dia 09/01/2018, cujo teor não se transcreve nem se anexa, desde logo dada a sua extensão, mas sobretudo porque o mesmo é do conhecimento de todos os presentes.
b) Quanto ao pedido de não emissão de faturas a alguns fornecedores, tal resulta das informações prestadas pelos fornecedores X... e S..., bem como do teor dos emails enviados pelo sócio e gerente AA aos sócios BB e DD em 02/01/2018, em 15/01/2018 e em 30/01/2018, da troca de emails entre o sócio e gerente AA e o funcionário da empresa EE em 08/01/2018 e em 12/01/2018 e 15/01/2018, e ainda email remetido para a empresa pela sociedade S... em 04/01/2018, em resposta a um email do sócio BB no mesmo dia, cujo teor não se transcreve nem se anexa, desde logo dada a sua extensão, mas sobretudo porque o mesmo é do conhecimento de todos os presentes.
c) Quanto à ausência reiterada da sede e das instalações da sociedade e à ausência de comunicação à sociedade sobre o trabalho por si desenvolvido, tal resulta sem margem para dúvidas do conhecimento direto dos sócios BB e DD, dos demais funcionários da empresa, e recentemente o mesmo ficou demonstrado dada a dificuldade que a Sra. Agente de Execução teve para notificar pessoalmente o sócio e gerente AA (a propósito da injustificada recusa em assinar a ata anterior). Esta situação é corroborada pela informação prestada no mês de agosto pela K... e que se resume ao facto de ao sócio e gerente AA aquela empresa ter reportado um problema cerca de uma semana antes, sem que este tenha dado qualquer resposta ou ajuda ou resolução, e sem que tenha dado conhecimento também aos demais sócios. Também resulta do conteúdo de dezenas de emails contendo pedidos a que não é dado qualquer feedback pelo sócio e gerente AA, sendo também dezenas as tarefas que lhe foram atribuídas e que o mesmo não executou nem delegou em terceiro, desde logo os emails remetidos pela I... em 08/01/2018, pela M... em 09/01/2018 (com resposta do sócio BB para o sócio e gerente AA e vice-versa na mesma data), e pela E... (nota: Grupo E... composto por C..., E2..., E3..., E4..., E5..., E6... e E7...) em 06/08/2018, cujo teor não se transcreve nem se anexa, desde logo dada a sua extensão, mas sobretudo porque o mesmo é do conhecimento de todos os presentes.
d) Quanto à chantagem com os demais sócios para venda da sua quota sob ameaça de que "de tudo faria para encerrar a empresa" caso o acordo não fosse alcançado, tal está plasmado em diversos emails trocados sobre a possível compra e venda de quotas entre sócios, a maioria dos quais atrás já referidos e identificados, a que acrescem os emails remetidos pelo sócio e gerente AA para os demais sócios em 29/10/2017, em 03/01/2018 e em 10/01/2018, bem como a troca de emails entre sócios entre os dias 19/12/2017 e 02/01/2018 e ainda em 08/01/2018, entre 18/01/2018 e 19/01/2018, entre 04/04/2018 e 05/04/2018 e entre 21/05/2018 e 23/05/2018, cujo teor não se transcreve nem se anexa, desde logo dada a sua extensão, mas sobretudo porque o mesmo é do conhecimento de todos os presentes, resultando também da recusa infundada do sócio e gerente AA em ceder o código fonte do software para que a empresa possa trabalhar, mesmo após interpelação formal por parte de advogado, primeiro dizendo que entregava em DVD, depois dizendo que estava no servidor, depois assumindo finalmente que só entregaria o mesmo depois de ser obtido acordo quanto à eventual cessão de quotas.
e) Quanto à omissão de atos discutidos e aprovados em reuniões de gerência e de sócios, com prejuízos elevados para a sociedade, designadamente ao não celebrar contratos que haviam sido deliberados efetivar ou contratualizar, tal resulta da extensa troca de emails entre os sócios, mas também com a E..., não celebrando o gerente AA o contrato que há muito havia sido decidido celebrar, empatando com questões sem relevo nem qualquer interesse, designadamente constante dos emails dos dias 19/10/2017 e 20/10/2017, 13/11/20I7 e 14/11/2017, 04/12/2017, 05/12/2017 e 06/12/2017, 11/12/2017, 04/01/2018, 08/01/2018 e 09/02/2018, cujo teor não se transcreve nem se anexa, desde logo dada a sua extensão, mas sobretudo porque o mesmo é do conhecimento de todos os presentes.
f) Quanto à receção de dinheiro por parte de clientes da sociedade sem fazer a respetiva entrada nos cofres e na contabilidade da mesma, deixando-o à sua guarda e usando-o a seu bel-prazer e com intuito pessoal, mesmo após várias e sucessivas interpelações cm sentido contrário, uma das situações graves foi o recebimento já em 2018 de dinheiro do cliente Q..., tendo após emitido o recibo com data de 2017 e tendo ficado com aquele, como também o recebimento de uma quantia de € 650 que lhe foi entregue em 23/11/2017, tudo tal como consta, entre outros, do ficheiro designado ... anexo ao email remetido para todos os sócios a 09/04/2018, e dos emails de 10/01/2018 e 11/01/2018, cujo teor não se transcreve nem se anexa, desde logo dada a sua extensão, mas sobretudo porque o mesmo é do conhecimento de todos os presente
g) Quanto à adulteração dos relatórios de despesas, imputando a si pagamentos que foram efetuados por outros sócios, tal resulta do inequívoco conhecimento direto dos demais sócios, por confrontação entre a documentação e a realidade, já que dos ficheiros apresentados pelo sócio c gerente AA constam despesas como pagas pelos sócios BB ou DD, que deveriam constar como por pagar, mas que estão dadas como pagas por caixa, pois assim o caixa vai batendo certo à medida que o sócio c gerente AA vai recebendo dinheiro dos clientes, que guarda, do mesmo modo que também introduz despesas como sendo suas quando na verdade foram suportadas pelos sócios BB ou DD.
h) Quanto ao aluguer desmesurado e sem necessidade de viaturas também para uso particular, através da empresa, causando prejuízos graves à sociedade, tal constata-se sobretudo da troca de emails a 07/04/2016, comportamento que se veio reiterando até ao presente, já que o sócio e gerente AA aluga viaturas sem justificação e sem informar mais ninguém, comportamento que é reiterado mesmo após decisão de fazer extinguir tal postura, ou seja, de ter sido deliberada a proibição de alugar viaturas.
i) Quanto às diversas interações com várias entidades à revelia e contra os interesses da sociedade, tal resulta desde logo da postura assumida pelo sócio e gerente AA ao introduzir um alegado colaborador na empresa, sem que tenha havido qualquer necessidade de contratação de mais pessoal, e muito menos tendo havido deliberação nesse sentido, resultando ainda da troca de emails entre sócios entre 04/01/2018 e 11/01/2018 e entre 16/01/2018 e 18/01/2018 e ainda entre 21/01/2018 e 22/01/2018, e finalmente do email remetido pelo sócio e gerente AA para os demais sócios em 29/06/2018, cujo teor não se transcreve nem se anexa, desde logo dada a sua extensão, mas sobretudo porque o mesmo é do conhecimento de todos os presentes.
j) Quanto à promiscuidade com alguns clientes e fornecedores da sociedade, ordenando a emissão de faturas à ordem da sociedade por serviços prestados por outras entidades por si contratadas, designadamente considerando a X... e a ACA, tal resulta de vários emails trocados nos dias 07/03/2018, 26/03/2018 e 27/03/2018 e ainda em 05/04/2018, cujo teor não se transcreve nem se anexa, desde logo dada a sua extensão, mas sobretudo porque o mesmo é do conhecimento de todos os presentes.
k) Quanto à violação do dever de lealdade por tentativa de aquisição de participação social em empresa concorrente (X...), tal foi confirmado por várias pessoas, mas desde logo pelo próprio Sr. PP, representante máximo da X..., diretamente ao sócio BB.
l) Quanto à alteração unilateral e constante das bases de dados da sociedade e dos próprios documentos contabilísticos, tal resulta dos documentos que acima foram já melhor identificados e detalhados, mas sobretudo do email remetido pela N..., empresa que presta serviços de contabilidade à empresa, em 19/06/2018, dando conta das incongruências verificadas, o qual não se reproduz nem anexa em virtude de ser conhecido de todos os sócios e dada a sua extensão.
m) Quanto ao aproveitamento indevido dos bens da sociedade em proveito pessoal e próprio, tal evidencia-se pelo teor das notas de crédito de dois computadores portáteis (pertencentes à C... e E3...) emitidas a favor de clientes, e dos quais o mesmo se apoderou, bem como do conteúdo da nota de crédito referente a um videoprojetor da ACA, o qual nunca esteve na posse da empresa nem nas suas instalações, sendo ainda que o mesmo se apoderou de diversos tablets, invocando que os mesmos estavam avariados, não estando, o que resulta do conhecimento direto dos sócios.
n) Quanto à não entrega, muito menos atempada, à sociedade de correspondência e outra documentação remetida à sociedade, tal resulta do facto de o gerente AA reter na sua posse cheques emitidos a favor da empresa, sem os depositar atempadamente e dentro do prazo que mais garantias legais concede, o mesmo sucedendo com o correio dirigido à sociedade, de que é paradigmático o recente exemplo de que reteve para si o aviso de receção por si assinado na sua morada pessoal e que foi devolvida para a empresa, referente a estes assuntos, ficando portanto na sua posse diversa correspondência que tem de ser entregue na sede da empresa. Por outro lado, o gerente AA teve na sua posse o livro de atas ao longo de diversos meses consecutivos, sem qualquer justificação, tendo-o devolvido sob pressão da contabilidade e da empresa, sem contudo ter assinado as atas das assembleias anteriores, provavelmente já com segundas intenções agora concretizadas, tal resultando, entre outros, do email remetido pela N... em 07/06/2018 (em que aquela assume que foi nessa data que o gerente AA ali deixou o livro em falta) e também da troca de emails entre sócios nos dias 08/06/2018 e 11/06/2018, cujo teor não se transcreve nem se anexa, desde logo dada a sua extensão, mas sobretudo porque o mesmo é do conhecimento de todos os presentes.
o) De uma forma geral, acrescenta ainda que o gerente AA emitiu diversas notas de crédito a favor de clientes à revelia dos interesses da empresa, o que aliás ficou plasmado na troca de emails entre sócios no dia 07/03/2018, bem como sempre procurou e encontrou formas alternativas para não faturar nem cobrar o custo de diversos equipamentos a amigos e seus familiares, do mesmo modo tentando cobrar valores em dobro (ou seja, pedir quantias alegadamente em dívida bem sabendo estarem pagas) a clientes da empresa, designadamente à U..., F... e R..., sendo que no caso deste último conseguiu mesmo receber a quantia em excesso (ou seja, não devida), alegando que era um adiantamento e que tal cliente teria de pagar, o que é do conhecimento direto dos demais sócios, até por confronto com os responsáveis daquelas sociedades, sendo que por último o gerente AA sempre procurou forçar, de forma indevida, o aumento do seu vencimento, nomeadamente com chantagem (conforme troca de emails entre os sócios entre 12 e 14 de janeiro de 2016), de que é também exemplo o recente caso da ameaça de que em relação à E... não haveria continuidade do software caso o seu salário não aumentasse (email de 29/10/2017 acima já citado), cujo teor não se transcreve nem se anexa, desde logo dada a sua extensão, mas sobretudo porque o mesmo é do conhecimento de todos os presentes.
O sócio DD corroborou, na íntegra, estas considerações.
Dada a palavra ao sócio AA, o mesmo, no seu uso, disse que o que quer que fique escrito e de forma simples, pois entende que mais tarde haverão de falar ponto a ponto, com os pormenores devidos. O gerente AA pretende usar da palavra após a proposta ser votada.
Apresentada tal proposta, foi aprovada a mesma por unanimidade com os votos a favor dos sócios BB c DD, já que o sócio AA se encontra impedido de votar quanto a este ponto, nos termos do disposto nas alíneas b) e f) do n.° 1 do artigo 251.° do Código das Sociedades Comerciais, por se tratar de evidente situação de conflito de interesses entre o mesmo e a sociedade.
Neste momento, o sócio AA pediu a palavra e no uso da mesma disse que por se tratar de um assunto em que se encontra impedido legalmente de votar, não pode deixar de exercer, ainda que de forma sumária, o direito de contraditório, uma vez que antes deste momento jamais foi confrontado com o assunto. Diz que lhe são imputados diversos comportamentos genéricos e vagos e agora mais especificamente em ata, com uma série de datas, que não se encontram minimamente localizados no espaço e no tempo e que não têm qualquer correspondência com a verdade. Continuando, diz que além de que algumas das imputações confundem a qualidade de sócio com a de gerente, quando é sabido que ambos têm papéis bem distintos. Por outro lado, omite-se nessas imputações que a gerência é solidária, dispondo a sociedade de dois gerentes, aliás, contrariamente ao outro gerente, o declarante AA não exerce funções de gerente desde a constituição da sociedade. Desde a designação como gerente desta sociedade, entende que cumpriu de forma rigorosa e escrupulosa todos os deveres e obrigações, pelo que as imputações que lhe são efetuadas são ofensivas da sua
honra e dignidade pessoal e profissional. Pelo que, em momento e em local próprio, irá exercer os direitos que lhe assistem. A consumação da destituição de gerente sem justa causa permite exigir indemnização pelos prejuízos que esta decisão lhe provoca, pelo que não deixará de o reclamar, sendo certo que tal constituirá sério prejuízo para a sociedade, que terá de ser reparado por quem vier a ser responsabilizado por tal injustificada decisão. E quanto a este ponto, mais não disse
Quanto ao PONTO DOIS da Ordem de Trabalhos, tomando novamente a palavra o sócio e gerente BB, este teceu algumas considerações agora sobre a proposta de participar criminalmente contra o gerente AA, junto dos Serviços do Ministério Público, pela prática dos factos descritos no ponto um da ordem do dia, invocando que os comportamentos praticados se revelam de enorme gravidade e, portanto, dos mesmos deve ser dado conhecimento às autoridades que têm competência para aferir se com a sua prática foi ou não cometido algum crime. Dada a palavra ao sócio AA, o mesmo, no seu uso, disse que prefere utilizar da mesma após deliberação.
Apresentada tal proposta, foi aprovada a mesma por unanimidade com os votos a favor dos sócios BB e DD, já que o sócio AA se encontra impedido de votar quanto a este ponto, nos termos do disposto nas alíneas b) e f) do n.° 1 do artigo 251.º do Código das Sociedades Comerciais, por se tratar de evidente situação de conflito de interesses entre o mesmo e a sociedade. Dada, então, novamente, a palavra ao sócio AA, o mesmo, no seu uso, disse que tal como ocorre no ponto antecedente encontra-se legalmente impossibilitado de exercer o direito de voto, contudo sendo este ponto uma consequência direta e necessária do que consta no ponto um, reitera que considera ofensivo da sua honra e consideração as imputações que lhe são efetuadas e consequentemente a ameaça de participação criminal, permitindo assim também participar criminalmente com fundamento em denúncia caluniosa. E neste ponto, mais não disse.
Finalmente, quanto ao PONTO TRÊS da Ordem de Trabalhos, tomando novamente a palavra o sócio e gerente BB, este voltou a tecer e repetir algumas considerações desta vez sobre a proposta de instaurar uma ação judicial contra o gerente AA para efetivação da responsabilidade pelos prejuízos causados à sociedade pela prática dos factos descritos no ponto um da ordem do dia, pedindo a respectiva indemnização, defendendo que os factos praticados se revelam de enorme gravidade e causaram elevados prejuízos à sociedade, os quais devem ser reparados por quem pelos mesmos é responsável, sendo a única via possível para o efeito a instauração do processo no tribunal competente. Dada a palavra ao sócio AA, o mesmo, no seu uso, disse que o mesmo, no seu uso, disse que prefere utilizar da mesma após deliberação.
Apresentada tal proposta, foi aprovada a mesma por unanimidade com os votos a favor dos sócios BB e DD, já que o sócio AA se encontra impedido de votar quanto a este ponto, nos termos do disposto nas alíneas b) e f) do n.° 1 do artigo 251.° do Código das Sociedades Comerciais, por se tratar de evidente situação de conflito de interesses entre o mesmo e a sociedade. Dada novamente a palavra ao sócio AA, o mesmo, no seu uso, disse que reitera o que declarou nos pontos anteriores por estarem diretamente relacionados, e nada mais referiu.
Atento o sentido da votação atrás expresso, a sociedade irá, através do seu sócio BB, de acordo com as deliberações hoje tomadas, promover o competente registo junto da Conservatória do Registo Comercial, bem como participar criminalmente contra o sócio AA e ainda como instaurar a ação judicial contra o gerente AA para pedido de indemnização dos prejuízos causados à sociedade após efetivação da sua responsabilidade.
Nada mais havendo a tratar, o presidente deu por encerrada a sessão às 18 horas e 25 minutos, da qual se lavrou a presente ata que, depois de lida em voz alta, vai assinada por todos os presentes em sinal de aprovação.»
3.3.1.16
Da factualidade descrita na ata, ficou demonstrado, o seguinte:
a. O autor deu indicação a alguns fornecedores, entre os quais, a X..., a S..., a K... e a L... para não emitir faturas, no final do ano de 2017, porque estariam a decidir o destino da empresa;
b. O autor iniciava os seus dias de trabalhos na empresa, pelas 9 horas, ausentando-se depois, para casa ou para clientes;
c) (passou aos factos não provados);
d. O autor, por vezes, não prestava aos clientes a assistência solicitada ao nível do software, como foi o caso da I..., da E..., da M... e da C....
e. O autor fez depender o fecho das negociações com a E... e o desenvolvimento do programe de software, do pretendido aumento de vencimento, o que culminou no não desenvolvimento do programa de software e na celebração com a E... de um negócio menos vantajoso para a ré, relativamente à qual deixaram de ter avença e passaram a prestar serviços pontuais;
f. AA recusou-se em ceder à ré o código fonte do software para que a empresa pudesse trabalhar, tendo sido necessário intentar um procedimento cautelar para o efeito;
g. O autor procedeu, unilateralmente e sem consentimento dos demais sócios, à alteração da B... do software da ré, imputando, ao nível dos meta dados, a seu favor bens e equipamentos [imobilizado] que, antes, constavam da conta de BB;
h. O autor contratou, unilateralmente e sem consentimento e contra a vontade dos demais sócios, um colaborador, ao qual pagou remunerações, imputando esse custo na conta corrente de despesas que, na empresa, existia a seu favor, bem sabendo que a ré não dispunha de liquidez para, nessa altura para suportar tal encargo;
i. O autor subcontratou a X... para a execução de serviços na ACA que poderiam ter sido executados pela ré;
j. O autor abordou o legal representante da X... no sentido de adquirir participação social nesta sociedade, que, em parte, exerce atividade concorrente com a ré;
k. (passou aos factos não provados);
l. (passou aos factos não provados);
m. AA recusou-se em ceder à ré o código fonte do software para que a empresa pudesse trabalhar, tendo sido necessário intentar um procedimento cautelar para o efeito.
n. O autor procedeu ao registo de dinheiro em caixa que nela não entrou.
3.3.1.17
BB adquiriu, em nome pessoal, o software no âmbito do processo de insolvência da sociedade P..., Lda..
3.3.1.18
A correspondência dirigida à sociedade ré e remetida para a sua sede era recebida por um colaborador dos bombeiros, com quem partilhavam as instalações, sendo que qualquer dos gerentes e colaboradores da sociedade ré poderia recolher a correspondência e/ou documentação ali entregue.

3.3.2 Factos não provados
3.3.2.1
Algumas vezes, por conveniência da própria sociedade ré, esta solicitou aos fornecedores um retardamento na emissão das faturas, assim beneficiando de prazos de pagamento que também se prolongavam.
3.3.2.2
Quando não se encontrava nas instalações da sociedade ré, o autor estava a prestar algum serviço no interesse desta.
3.3.2.3
O código fonte do software é propriedade exclusiva do autor, por o ter adquirido à sociedade P..., Lda., antes de esta ter sido declarada insolvente.
3.3.2.4
O autor nunca recebeu dinheiro de clientes da sociedade ré, sem fazer a entrada no respetivo cofre e na contabilidade da mesma.
3.3.2.5
O Técnico Oficial de Contas é que optou por inscrever na contabilidade, como vendas efetuadas pelo sócio gerente BB, considerando-o credor das respetivas importâncias, quando, na realidade, eram correspondentes a valores transferidos pelo autor para a sociedade.
3.3.2.6
O autor possui, presentemente, um saldo a seu favor de aproximadamente €100.568,11, apenas referente a bens e equipamentos transferidos para a sociedade.
3.3.2.7
Todos os colaboradores que prestaram ou prestam serviços para a sociedade mereceram a aprovação de ambos os gerentes e do atual sócio DD.
3.3.2.8
Todos os emails mencionados na ata [de 03 de setembro de 2018], juntos aos autos, têm a intervenção do autor, de BB e de DD.
3.3.2.9
O autor, por vezes, não prestava aos clientes a assistência solicitada ao nível do software, como foi o caso da K....
3.3.2.10
O autor tentou cobrar valores em dobro a clientes da empresa, designadamente à U..., F... e R..., sendo que no caso deste último conseguiu mesmo receber a quantia não devida, alegando que era um adiantamento.
3.3.2.11
O autor fez seus os bens que a ré havia colocado na E... e que foram retomados, mas não regressaram às instalações da ré, entre os quais, pelo menos, um computador e um monitor de 17 polegadas.

4. Fundamentos de direito
4.1 Da nulidade das deliberações tomadas na assembleia geral da ré de 03 de setembro de 2018 por ofensa aos bons costumes
O recorrente pugna pela declaração de nulidade da deliberação que o destituiu das funções de gerente da sociedade ré com invocação de justa causa e tomada na assembleia geral realizada em 03 de setembro de 2018 com fundamento em ofensa aos bons costumes e com base no disposto na alínea d) do nº 1, do artigo 56º do CSC.
Para tanto, no essencial, no corpo das suas alegações, o recorrente discorreu o seguinte:
Como se alega na petição inicial, a relação entre o Autor e os sócios da Ré assentou numa base de confiança e boa-fé.
A atuação do Autor e dos sócios e gerentes da Ré no dia-a-dia anterior à deliberação social impugnada é totalmente contraditória com o que consta desta.
Acresce referir que, sócio maioritário BB para contornar a obrigação de apreciação da destituição como gerente pelo Tribunal, nos termos do disposto no nº 5 do artº 257º do Código das Sociedades Comerciais, divide a sua quota e cede uma reduzida percentagem a DD.
A divisão cessão de quota ocorreu em 08-08-2018 e a assembleia geral extraordinária que motivou as deliberações impugnadas realizou-se a 03-09-2018.
O sócio maioritário BB abusou manifestamente do poder societário
Aliás, conforme também se alega neste articulado da deliberação impugnada não constam comportamentos objetivos, de ação ou omissão, que traduzam uma violação grave dos deveres de gerente ou a sua incapacidade para o exercício dessas funções;
Nem se associam a esses comportamentos o elemento subjetivo, de dolo ou negligência, que suportem a censurabilidade da conduta;
Não se encontrando também demonstrada a virtualidade desses comportamentos para agredir a relação de confiança que o exercício do cargo pressupõe.
Pelo que, as condutas dos sócios da Ré são atentatórias dos bons costumes e boa-fé.
Fizeram os sócios da Ré, de forma concertada e pré-determinada, uso claro do voto maioritário para conseguir afastar o Autor da gestão da sociedade e do projecto delineado desde a fundação da sociedade pelos três atuais sócios.
Impõe-se sublinhar que há deliberações abusivas sem atentarem contra os bons costumes, há deliberações do conteúdo ofensivo dos bons costumes que não são abusivas e há deliberações abusivas que só são contrárias aos bons costumes pelo fim e não pelo conteúdo; (Pinto Furtado, Deliberação dos sócios, p. 328, citando V. Xavier in RLJ 118, p. 18-19).
Em face desta posição da doutrina, o legislador inseriu no CSC a hipótese do conteúdo ofensivo dos bons costumes - art. 56 n. 1 d, como fundamento de nulidade, e a hipótese de deliberações abusivas, como fundamento de anulabilidade - art. 58 n. 1 b).
Impõe-se, então, interpretar o conceito, algo indeterminado, de "bons costumes".
Seguindo Pinto Furtado "a casuística jurisprudencial tem-se revelado, todavia, bem mais ampla do que esta apertada delimitação", dando conta de exemplos, uns retirados da jurisprudência alemã, via Enneccerus - Nipperdey, outros apontados por Vaz Serra e Cunha e Sá. E ainda segundo o mesmo autor, a referida casuística jurisprudencial pode "ser sistematizada, reconduzindo-se às classes fundamentais de ofensa de bons costumes seguintes: a) tráfico de bens cuja comercialidade é reprovada pela moral pública (tráfico sexual, esponsais, tráfico de influência); b) exploração económica eticamente censurável pelo aproveitamento das circunstâncias para se extorquir uma prestação patrimonial indevida ou para se comercializarem bens incomerciáveis (recebimento de luvas, quota litis, remuneração para não se cometer um delito, etc.); c) sujeição do semelhante a formas de servidão.
É neste quadro que terá de integrar-se uma deliberação dos sócios, para poder dizer-se inquinada de ofensa aos bons costumes e por essa via ser fulminada de nulidade".
Com a propositada indeterminabilidade do conceito de bons costumes, o legislador transferiu para o juiz o "ónus" de, casuisticamente e com recurso ao prudente arbítrio, aferir se esta ou aquela deliberação ofendeu ou não os bons costumes.
Ou, mesmo se se enquadra na boa-fé ou no abuso de direito.
A deliberação aqui posta em causa pelo recorrente apresenta pontos que permitem enquadramento no quadro acima traçado.
O facto do sócio BB, previamente à realização da assembleia geral onde foram tomas as deliberações impugnadas, ter procedido à divisão e cessão de quota para evitar ter4 de submeter a sua pretensão a decisão judicial, é ofensivo dos bons costumes e traduz abuso de direito.
Sendo ainda manifesto que, com tal conduta os sócios BB e DD tiveram o claro intuito de afastar o sócio fundador (aqui recorrente) da sociedade, podendo assim fazer da sociedade e particularmente da sua gestão o que bem entendem no seu exclusivo interesse. Retirando as vantagens que não lhes seria permitido caso o recorrente permanecesse como gerente da sociedade.
Por força concertada dos sócios da recorrida – BB e DD, estes retiram vantagens ao excluírem o recorrente da gestão da sociedade consequentemente prejudicam-na. O que se vem a confirmar com os resultados negativos apresentados pela sociedade com a vantagens retiradas por ambos aqueles sócios.
Sublinhe-se que, o sócio apesar de se assumir como gerente de facto, aliás, no âmbito do que foi acordado quando da constituição da sociedade, nunca aceitou ser designado, formalmente, gerente.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 56º do CSC, são nulas as deliberações dos sócios cujo conteúdo, directamente ou por atos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios.
Não obstante a coloração moralista da expressão “bons costumes”, a doutrina tem tentado conferir um conteúdo normativo a este conceito indeterminado operante, além do mais, em sede de objeto do negócio jurídico (artigo 280º, nº 2, do Código Civil), de abuso do direito (artigo 334º, do Código Civil) e no domínio que precipuamente demanda a nossa atenção, sustentando que “correspondem a regras de conduta sexual e familiar aceites na sociedade e a códigos deontológicos vigentes em certos sectores (advogados, médicos ou jornalistas, como exemplos)”[50].
Porque são expressão de regras de conduta vigentes e vinculantes num certo tempo, sociedade e meio profissional, os bons costumes comportam uma certa indeterminação[51].
A deliberação social só será nula se pelo seu conteúdo ofender os bons costumes.
No caso dos autos, a deliberação social impugnada é uma deliberação de destituição de um gerente com invocação de justa causa.
Uma tal deliberação, pelo seu conteúdo, não atenta contra quaisquer regras de conduta sexual, familiar ou deontológicas, pelo que não se preenche a previsão da alínea d) do nº 1, do artigo 56º do CSC.
A questão da eventual violação das regras da boa-fé remete-nos para a anulabilidade das deliberações sociais ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 58º do CSC.
Porém, não se pode perder de vista que a divisão da quota do sócio maioritário em 07 de junho de 2018 e não em 08 de agosto de 2018 como refere o recorrente[52] é compatível com a concretização dos propósitos iniciais de divisão do capital social da ré por três sócios (vejam-se os factos provados em 3.3.1.10 e 3.3.1.11), ainda que peque por tardia e por defeito, na medida em que BB, mesmo após a divisão da sua quota, ficou sempre com uma quota maioritária.
Assim, tudo sopesado, a deliberação social tomada na assembleia geral da ré realizada em 03 de setembro de 2018 não atenta contra os bons costumes, não enfermando por isso de nulidade, improcedendo esta questão recursória.

4.2 Da inverificação da caducidade da impugnação das deliberações tomadas na assembleia geral de 03 de setembro de 2018
O recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida na parte em que julgou procedente a exceção de caducidade da pretensão de anulação da deliberação social tomada na assembleia geral da ré em 03 de setembro de 2018, sustentando a aplicabilidade ao caso dos autos do disposto no artigo 279º, nº 2, do CPC.
Na decisão recorrida sustentou-se que ao caso dos autos não era aplicável o disposto no artigo 279º, nº 2, do CPC, em virtude da lei adjetiva ressalvar o regime da prescrição e caducidade, não sendo aplicável a extensão do prazo resultante da conjugação dos artigos 327º, nº 2 e 332º, nº 1, ambos do Código Civil, por a absolvição da instância verificada na primeira ação interposta pelo autor lhe ser imputável.
Cumpre apreciar e decidir.
A decisão do tribunal recorrido sustentou-se na seguinte factualidade que não foi impugnada pelo recorrente:
1. A assembleia geral cujas deliberações são objeto da presente ação teve lugar no dia 03.09.2018
2. No dia 03.10.2018, o autor intentou contra a ré a ação que correr termos sob o n.º 3364/18.6T8AVR-J3 nos termos da qual peticionava:
a. A declaração de nulidade das deliberações tomadas na assembleia geral da ré realizada em 03.09.2018, com todas as legais consequências, nomeadamente o cancelamento do registo comercial de destituição de gerente e a manutenção do autor como gerente da sociedade ré;
b. Ou, caso assim se não entenda, a anulação de tais deliberações com as mesmas consequências.
c. A condenação da ré no pagamento da indemnização prevista no n.º 7 do art. 257.º do CSC, no valor global de €44.800,00, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.
d. A condenação da ré no pagamento da indemnização por danos não patrimoniais no montante de €15.000,00, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.
3. Nessa ação o Juízo de Comércio julgou-se incompetente em razão da matéria para apreciar os pedidos de condenação da ré no pagamento da indemnização prevista no n.º 7 do art. 257.º do CSC, e no pagamento da indemnização por danos não patrimoniais, bem como nos juros de mora daí decorrentes e em consequência, foi a ré deles absolvida da instância.
4. Mais, se decidiu, na mesma ação, que a petição inicial era inepta por o autor ter cumulado, a título principal, pedidos substancialmente incompatíveis entre si, que consubstanciando uma exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que conduz à nulidade de todo o processo, obsta à apreciação do mérito da causa e determina a absolvição da instância da ré.
5. Tal decisão, que determinou a absolvição da instância da ré, foi proferida a 30.04.2019 e transitou em julgado a 05.06.2019.
6. O autor veio intentar a presente ação a 29.06.2019 pedindo:
a. A declaração de nulidade das deliberações tomadas na assembleia geral da ré realizada em 03.09.2018, com todas as legais consequências, nomeadamente o cancelamento do registo comercial de destituição de gerente e a manutenção do autor como gerente da sociedade ré;
b. Ou, caso assim se não entenda, a anulação de tais deliberações com as mesmas consequências.
7. A ré foi citada para a presente ação no dia 19.07.2019.
Que dizer?
Nos termos do disposto no artigo 279º, nº 2 do CPC, “[s]em prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova ação for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância.
Este preceito tem dado azo a interpretações desencontradas[53].
De acordo com o disposto no nº 3 do artigo 327º do Código Civil, “[s]e por motivo não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses.
Por seu turno, dispõe o nº 1 do artigo 332º do Código Civil “[q]uando a caducidade se referir ao direito de propor certa ação em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta, é aplicável o disposto no nº 3 do artigo 327º; mas, se o prazo fixado para a caducidade for inferior a dois meses, é substituído por ele o designado nesse preceito.
Os efeitos civis da propositura de uma ação são, entre outros, a cessação da boa fé do possuidor (artigo 564º, alínea a), do CPC), a constituição do devedor em mora quando se trate de obrigação pura (artigo 805º, nº 2, do Código Civil) a interrupção da prescrição nos termos previstos no nº 2, do artigo 323º do Código Civil e o impedimento da caducidade do direito de ação, tal como previsto no artigo 331º, nº 1, do Código Civil.
A questão crucial a que importa dar resposta é a de saber qual é o alcance da ressalva do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade: acaso significa que relativamente a tais institutos rege em exclusivo o que se dispõe no Código Civil ou, pelo contrário, o regime processual não prejudica o aludido regime civil, sendo aplicada a lei adjetiva sempre que a absolvição da instância na primeira causa decorra de motivo processual imputável ao titular do direito, ainda que num prazo mais curto e sendo aplicada a lei civil quando a absolvição da instância se deva a motivo não imputável ao titular do direito?
A jurisprudência e a doutrina que sobre esta problemática se debruçaram acham-se divididas.
No sentido de que relativamente à prescrição e à caducidade é inaplicável do disposto no nº 2, do artigo 279º do CPC ou o seu antecedente 289º, nº 2, do anterior CPC, havendo lugar à aplicação exclusiva dos artigos 327º, nº 3 e 332º, nº 1, ambos do Código Civil, pronuncia-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de fevereiro de 2012, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego, no processo nº 566/09.0TBBJA.E1.S1, acessível nas bases de dados da DGSI, acórdão secundado pelo proferido no mesmo Supremo Tribunal de Justiça em 16 de junho de 2015, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Hélder Roque no processo nº 1010/06.0TBLMG.P1.S1, também acessível nas mesmas bases de dados[54].
Esta posição jurisprudencial, afirmada dominante naquele Supremo Tribunal pelos referidos Conselheiros relatores[55], é secundada doutrinalmente no Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa, 2014, página 777.
Também no Código Civil Anotado de Pires de Lima e Antunes Varela, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Volume I, 4ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, página 297, se refere que a “doutrina do nº 3 do artigo 327, mandada aplicar pelo nº 1 deste artigo 332º, substitui a do artigo 289º, nº 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção que este tinha antes do Decreto-Lei nº 47 690, de 11 de Maio de 1967.
Na mesma orientação, em anotação ao artigo 289º do CPC de 1961, com as alterações introduzidas pelo decreto-lei nº 47690, de 11 de maio de 1967, navegam Ary de Almeida Elias da Costa, Fernando Carlos Ramalho da Silva Costa e João A. Gomes Figueiredo de Sousa[56], quando referem que “[q]uanto à caducidade e à prescrição, há que atender ao que a lei civil estipula a tal respeito, que prevalece; quanto aos outros possíveis efeitos, regula o disposto no n.º 2 deste artigo.
Na mesma linha de rumo, o Sr. Professor Artur Anselmo de Castro[57] escreve que para “os efeitos civis da prescrição e caducidade passaram a reger os arts. 327.º e 332.º do Cód. Civ. – art. 327.º, n.º 3 - «Se por motivo processual não imputável ao titular do direito o réu for absolvido da instância, ou o compromisso arbitral ficar sem efeito e o prazo de prescrição tiver, entretanto, terminado, ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão, não se considera completa a a prescrição antes de findarem estes dois meses – art. 332.º; - e quanto à caducidade, se ela se referir ao direito de propor uma acção em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta, é-lhe igualmente aplicável a regra anterior do art. 327.º, mas se o prazo fixado à caducidade por inferior a dois meses é substituído por ele o designado nesse preceito.»
Finalmente, ainda na mesma linha, pronunciam-se António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa[58] escrevendo “[é] aceite pacificamente pela jurisprudência (não assim pela doutrina, divergindo Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anot. vol. I, 4ª ed., p. 567, de Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anot., vol. I, 4ª ed., p. 293) que a intersecção entre a absolvição da instância, por um lado, e a prescrição, pelo outro, não permite a sobreposição dos regimes contidos no CPC e nos arts. 327º, nº 3, e 332º, nº 1, do CC (STJ 6-2-20, 83.17, ECLI, STJ 16-6-15, 1010/06, STJ 6-5-03 03A229).
6. Ou seja, o regime de aproveitamento dos efeitos da propositura da ação e da citação do réu para efeitos de caducidade e de prescrição, respetivamente, devem ser encontrados exclusivamente a partir dos arts. 327º, nº 3, e 332º, nº 1, do CC, sendo por isso necessário que o motivo da absolvição da instância não seja imputável ao autor (pressuposto que deve ser casuisticamente apreciado, sem dogmatismos). Este goza, assim, de uma prorrogação de dois meses, a contar do trânsito em julgado da decisão, para a instauração da nova ação (sobre a aplicação deste preceito, cf. STJ 7-12-16, 366/13, numa situação cujas particularidades, envolvendo outras normas, conduziram a uma solução diversa daquela que, noutros caos, tem sido assumida: tratava-se de um caso em que se justificava não penalizar o autor pelo facto de a decisão de absolvição da instância ter sido decidida ao fim de um prazo manifestamente excessivo).
7. Já o regime previsto no nº 2 do art. 279º do CPC, menos exigente, por um lado, mas mais restritivo em termos temporais, pelo outro, é de aplicar aos demais efeitos de natureza substantiva ou processual decorrentes da instauração da ação ou da citação do réu (cf. Anot. aos arts. 259º e 564º). Neste regime, é indiferente a imputabilidade do motivo de absolvição da instância, mas o alongamento do prazo, para além de se quedar pelos 30 dias (em lugar dos dois meses acima referidos), apenas ocorre quando, atento o caso concreto, ainda “seja possível” o aproveitamento dos efeitos civis que aqueles atos determinaram.
No sentido da coordenação do regime processual com o regime substantivo em matéria de caducidade pronuncia-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de dezembro de 1995, relatado pelo então Juiz Desembargador Ribeiro Coelho, na apelação nº 870/6/95[59].
Na doutrina, no sentido da coordenação da lei adjetiva com a lei substantiva, pronunciam-se os Professores Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[60].
A letra da lei processual, na parte em que ressalva o regime previsto na lei civil para a prescrição e a caducidade, é compatível com qualquer das interpretações que antes se enunciaram.
Em termos de elemento histórico, resulta dos trabalhos preparatórios do atual Código Civil, que o Sr. Professor Vaz Serra era favorável à manutenção do princípio do então nº 2, do artigo 294º do CPC, correspondente ao actual nº 2, do artigo 279º do vigente CPC, no que respeita ao impedimento da caducidade, apenas quando a absolvição da instância não fosse imputável ao autor[61]. Em conformidade com tal entendimento era proposto um artigo 32º[62]com um alcance normativo similar ao atual nº 1, do artigo 332º do Código Civil, mas com um prazo de trinta dias. Neste contexto, afigura-se patente o intento de substituição do regime jurídico que emergia do Código de Processo Civil para a prescrição e a caducidade quando ocorresse a absolvição do réu da instância por um regime autónomo a constar do Código Civil.
Do ponto de vista das consequências das aludidas interpretações resulta claro que a orientação que confere natureza especial aos preceitos relativos à prescrição e caducidade, quando ocorra absolvição da instância numa primeira causa, leva a que consequências mais gravosas – a perda do direito seja por via da caducidade, quando de conhecimento oficioso, seja por via da prescrição, neste último caso se invocada –, tenham um regime mais desfavorável relativamente a outros efeitos civis menos gravosos que, embora sujeitos a um prazo mais curto, prescindem do requisito da inimputabilidade ao autor da causa de absolvição da instância.
E não nos parece que o interesse do réu na extinção do direito do autor por via de prescrição ou de caducidade seja suficiente para justificar um tratamento mais severo como o que resulta da doutrina e jurisprudência dominantes.
Assim, não obstante o elemento histórico que conforta a interpretação dominante, tendo em conta a incongruência da tutela mais forte conferida nessa leitura a situações menos gravosas para os beneficiários desse regime e, como curialmente se vincava no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de dezembro de 1995[63], tendo em atenção as atuais exigências do processo civil de prevalência da substância sobre a forma, afigura-se-nos mais correta e justa a interpretação que permite que mesmo no caso de caducidade possa operar o regime do artigo 279º, nº 2, do CPC.
No caso em apreço, sendo líquido que é imputável[64]ao autor a causa da absolvição da instância, uma vez que a presente ação foi instaurada dentro dos trinta dias subsequentes ao trânsito em julgado da primeira decisão (esta ação foi instaurada em 29 de junho de 2019 e o trânsito em julgado da decisão proferida no primeiro processo ocorreu em 05 de junho de 2019), porque a primeira ação foi intentada no trigésimo dia subsequente ao encerramento da assembleia geral em que foi tomada a deliberação impugnada (veja-se a alínea a) do nº 2 do artigo 59º do CSC e ainda o disposto na alínea b) do artigo 279º do Código Civil) há que concluir que o impedimento da caducidade decorrente da propositura da primeira ação se mantém, improcedendo por isso a exceção perentória de caducidade arguida pela ré.
Por isso, nesta parte o recurso do autor procede, devendo revogar-se a decisão recorrida que julgou procedente a exceção perentória de caducidade e, em consequência, conhecer da anulabilidade da deliberação social tomada na assembleia geral da ré em 03 de setembro de 2018 e pedida a título subsidiário pelo autor.

4.3 Da anulabilidade das deliberações tomadas na assembleia geral da ré de 03 de setembro de 2018 porque são apropriadas para satisfazer o propósito dos sócios, que através do exercício do voto, conseguem vantagens especiais para si em detrimento do autor e da sociedade, porque não foram precedidas dos elementos mínimos de informação ao autor, sendo a deliberação que o destituiu ilícita por inexistência de justa causa
A título subsidiário, o ora recorrente pediu a anulação da deliberação social que o destituiu porque é apropriada para satisfazer o propósito dos sócios, que através do exercício do voto, conseguem vantagens especiais para si em detrimento do autor e da sociedade, porque não foi precedida dos elementos mínimos de informação ao autor, sendo a deliberação que o destituiu ilícita por inexistência de justa causa, citando como fundamento normativo desta pretensão o disposto nas alíneas a), b) e c) do nº 1, do artigo 58º do CSC.
Cumpre apreciar e decidir.
A ré é uma sociedade por quotas e de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 257º do CSC, os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição de gerentes[65].
No caso dos autos, o ora requerente não invocou um direito especial à gerência (primeira parte do nº 3 do artigo 257º do CSC)[66], nem a exigência no contrato social de uma maioria qualificada ou de quaisquer outros requisitos para a aprovação da deliberação de destituição (veja-se o nº 2 do artigo 257º do CSC).
Por outro lado, se a sociedade tiver apenas dois sócios, a destituição da gerência com fundamento em justa causa só pode ser decidida em ação intentada contra a sociedade (artigo 257º, nº 5 do CSC), não sendo este procedimento aplicável se a destituição operar independentemente de justa causa, ou seja, fundada na regra da livre destituição dos gerentes plasmada no nº 1 do artigo 257º do CSC[67].
“Constituem justa causa de destituição, designadamente, a violação grave dos deveres de gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respetivas funções” (artigo 257º, nº 6, do CSC).
De acordo com o previsto no artigo 64º, nº 1, do CSC, sugestivamente epigrafado “Deveres fundamentais”, “[o]s gerentes ou administradores da sociedade devem observar:
a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da atividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado; e
b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores.
Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 58º do CSC, “[s]ão anuláveis as deliberações que:
a) Violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos temos do artigo 56º, quer do contrato de sociedade;
b) Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos;
c) Não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação.
Para os efeitos deste preceito consideram-se elementos mínimos de informação as menções exigidas pelo nº 8 do artigo 377º do CSC[68] e a colocação de documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo prescritos pela lei ou pelo contrato.
Discute-se na doutrina se a deliberação de destituição de gerente na sociedade por quotas, atenta a sua natureza ad nutum, é sindicável com recurso ao abuso do direito[69].
Expostas as considerações gerais que antecedem, analisemos os factos provados a fim de determinar se estão preenchidas as previsões legais invocadas pelo recorrente para fundamentar a sua pretensão de anulabilidade da deliberação social da sua destituição de gerente da ré e tomada na assembleia geral de 03 de setembro de 2018.
No que respeita à alegada violação de regras legais não sancionadas com o vício de nulidade ou de regras do contrato de sociedade (alínea a), do nº 1, do artigo 58º do CSC), não se deteta na factualidade provada qualquer matéria passível de aí se enquadrar e nem o recorrente cura de o referir nas suas alegações.
Por outro lado, da factualidade provada resulta que na convocatória para a assembleia geral em que veio a ser tomada a deliberação impugnada o recorrente foi informado de forma clara quer do assunto que aí se pretendia tratar – a destituição com justa causa do ora recorrente – quer dos seus fundamentos e até de forma exaustiva (vejam-se os pontos 3.3.1.13 e 3.3.1.14 dos factos provados).
Não resulta dos factos provados e nem isso foi alegado pelo ora recorrente que o mesmo tenha procurado na sede social da ré consultar previamente a eventual documentação de suporte das causas da sua destituição e, por outro lado, resulta dos factos provados que no decurso da assembleia geral, não obstante a sustentação da maioria das imputações em prova documental, o recorrente não solicitou qualquer consulta dos elementos documentais oferecidos ou até, dada a multiplicidade e extensão de tais elementos, a suspensão dos trabalhos para uma análise detalhada dessa prova documental.
Neste quadro fáctico, não existe qualquer suporte para que a deliberação impugnada seja passível da sanção de anulabilidade por não ter sido precedida do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação.
Vejamos agora e independentemente da problemática da suscetibilidade da deliberação de destituição de gerente ser passível de sindicação por via do abuso do direito, nos termos previstos na alínea b) do nº 1, do artigo 58º do CSC, se resultaram provados factos que permitam essa integração.
A deliberação de destituição impugnada pelo ora recorrente fundou-se em justa causa.
Confrontando o teor da deliberação de destituição do ora recorrente (ponto 3.3.1.15 dos factos provados) com a factualidade que no âmbito desta ação se provou (ponto 3.3.1.16 dos mesmos factos provados), verifica-se que a maior parte da matéria aduzida para integrar a justa causa de destituição se provou.
Dessa matéria, integram justa causa de destituição, de forma inequívoca, a factualidade que consta das alíneas a) (violação dos deveres de lealdade), d) (violação dos deveres de cuidado), e) (violação dos deveres de cuidado), f) (violação dos deveres de lealdade), h) (violação dos deveres de cuidado), i) (violação dos deveres de cuidado), m) – que aliás é a repetição da alínea f) já antes citada – (violação dos deveres de lealdade) e n) (violação dos deveres de cuidado), todas do ponto 3.3.1.16 dos factos provados.
A existência de justa causa de destituição é na nossa perspetiva incompatível com a existência de uma situação de deliberação social com votos abusivos, sendo certo, além disso, que não resulta da factualidade provada que os sócios que aprovaram a deliberação impugnada tenham agido com o propósito de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes.
Como já se escreveu anteriormente, não se pode perder de vista que a divisão da quota do sócio maioritário em 07 de junho de 2018 é compatível com a concretização dos propósitos iniciais de divisão do capital social da ré por três sócios (vejam-se os factos provados em 3.3.1.10 e 3.3.1.11), ainda que peque por tardia e por defeito, na medida em que BB, mesmo após a divisão da sua quota, ficou sempre com uma quota maioritária, pelo que não pode ser vista apenas como um simples expediente para contornar a regra legal da destituição judicial fundada em justa causa no caso de sociedade com apenas dois sócios.
Assim, tudo visto e sopesado, conclui-se que a factualidade provada não é passível de integrar a previsão da alínea b) do nº 1 do artigo 58º do CSC, razão pela qual também improcede esta questão recursória.
As custas do recurso são da exclusiva responsabilidade do recorrente porquanto, não obstante o vencimento parcial em sede de reapreciação e ampliação da decisão da matéria de facto e o vencimento no que respeita à exceção perentória de caducidade, estes vencimentos nenhuns reflexos tiveram em sede de decisão final, mantendo-se a improcedência da ação decidida na decisão recorrida (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em, não obstante as alterações em sede de fundamentos de facto decorrentes da parcial procedência da reapreciação e ampliação da decisão da matéria de facto e bem assim no que respeita à exceção perentória de caducidade, julgar improcedente o recurso de apelação interposto por AA e, em consequência, com exceção dos pontos antes referidos, em confirmar a sentença recorrida proferida em 27 de fevereiro de 2022.

Custas do recurso a cargo do recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
***
O presente acórdão compõe-se de cinquenta e oito páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 14/11/2022
Carlos Gil
Mendes Coelho
Joaquim Moura
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[1] Segue-se, com alterações, o relatório da decisão recorrida.
[2] Doravante citado abreviadamente com o acrónimo “CSC”.
[3] Doravante citado abreviadamente com o acrónimo “CPC”.
[4] Na realidade destas nove sessões duas delas não tiveram qualquer relevo para a instrução do processo já que nas mesmas foi requerida, por acordo das partes, a suspensão da instância, pretensões judicialmente deferidas.
[5] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 28 de fevereiro de 2022.
[6] Refira-se que o recorrente afirma que esta matéria foi “confessada” por ambos os sócios, sendo certo que a sociedade ré tinha três sócios. O sócio BB prestou depoimento de parte na qualidade de legal representante da ré e confessou, nessa qualidade, parte da matéria vertida no artigo 162º da petição inicial, como resulta da assentada lavrada na ata da sessão da audiência final realizada em 22 de setembro de 2020. O autor não podia confessar esta matéria porque lhe é favorável. O sócio DD, que não é parte na lide e nem podia ser face à regras legais da legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação social (artigo 60º, nº 1, do CSC), também não podia confessar o que quer que seja. Assim, a que confissão e a que dois sócios se refere o recorrente? Porém, saliente-se que na nona conclusão das alegações de recurso o recorrente já só imputa a confissão ao legal representante da ré.
[7] A sentença recorrida não é neste ponto feliz na medida em que julga procedente a exceção de caducidade, afirmando seguidamente que por isso não conhecerá da anulabilidade da deliberação suscitada pelo autor para, logo após, paradoxalmente, julgar improcedente essa pretensão de anulação deduzida pelo autor quando, salvo melhor opinião, deveria ter considerado prejudicado o conhecimento desse pedido por força da procedência da exceção perentória de caducidade, determinante da extinção do direito potestativo de anulação exercido pelo autor. Neste quadro confuso da sentença recorrida poderia questionar-se se houve um efetivo conhecimento da anulabilidade da deliberação social arguida pelo autor e, desse modo, problematizar-se se poderia constituir-se como objeto de recurso ou, ao invés, se deveria conhecer-se apenas no caso de procedência do recurso relativamente à questão da caducidade e por força do disposto no nº 2 do artigo 665º do CPC. Numa perspetiva pragmática e atendendo à circunstância de a decisão recorrida pelos seus próprios termos poder ser interpretada como tendo conhecido, ainda que de modo imperfeito, do pedido subsidiário, aceita-se que possa constituir objeto de recurso a questão da anulabilidade das deliberações tomadas na assembleia geral de 03 de setembro de 2018.
[8] A propósito veja-se, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª edição, Coimbra Editora 2017, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, páginas 712 a 714 e 737. Não obstante os argumentos não sejam questões, do ponto de vista retórico e da força persuasiva da decisão, há interesse na sua análise e refutação.
[9] O conteúdo destes artigos da petição inicial é o seguinte: “162º Acresce referir que, sócio maioritário BB para contornar a obrigação de apreciação da destituição como gerente pelo Tribunal, nos termos do disposto no nº 5 do artº 257º do Código das Sociedades Comerciais, divide a sua quota e cede uma reduzida percentagem a DD. 163º A divisão cessão de quota ocorreu em 08-08-2018 e a assembleia geral extraordinária que motivou as deliberações impugnadas realizou-se a 03-09-2018.
[10]Sublinhe que o essencial do artigo 163º da petição inicial consta dos pontos 6, 12, 13, 15 e 16 dos factos provados da sentença recorrida.
[11] O recorrente apoia-se no depoimento de parte do legal representante da ré, BB e nos depoimentos das testemunhas DD, GG, FF e EE. Porém, em fase mais avançada do corpo das alegações, o recorrente afirma que estas duas últimas testemunhas não revelaram ter conhecimento direto e pessoal dos factos impugnados (veja-se o parágrafo que antecede o ponto VI do corpo das alegações).
[12] Deliberação que não foi impugnada.
[13] Trata-se de cópia da Ata da Assembleia Geral Extraordinária da ré realizada em 03 de setembro de 2018 e que se acha junta de folhas 33 a 37 do processo físico.
[14] Trata-se essencialmente de um conjunto de cópias de mensagens de correio eletrónico remetidas entre 15 de dezembro de 2017 e 09 de janeiro de 2018 trocadas entre o autor e o sócio BB, sempre com conhecimento de DD, que à data ainda não tinha a qualidade de sócio e uma mensagem da autoria de DD endereçada aos então dois sócios da ré.
[15] Trata-se de um conjunto de mensagens de correio eletrónico enviadas pelo autor à ré em 02 de janeiro de 2018, dirigindo-se a alguém que identifica como EE, em 08 de janeiro de 2018 remetida pelo autor aos sócios BB e DD, em 12 e 15 de janeiro de 2018, remetidas pelo autor à ré com conhecimento do sócio BB e de DD, em 30/01/2018, remetida pela ré, subscrita por alguém que se identificou como “EE”, para o autor, com conhecimento a BB e DD, da troca de mensagens de correio eletrónico entre o autor e o funcionário da ré que se identifica como “EE” e “EE”, com conhecimento de BB e DD, em 08/01/2018, em 12/01/2018 e 15/01/2018, e da enviada em 04/01/2018 pela sociedade S... para a ré em 04/01/2018, em resposta a uma mensagem de correio eletrónico do sócio BB no mesmo dia.
[16] Trata-se de um conjunto de mensagens eletrónicas com pedidos de assistência endereçados ao autor e com recusas do mesmo.
[17] Trata-se de um conjunto de mensagens eletrónicas trocadas entre o autor e o sócio BB e DD em 10 de janeiro de 2018, de uma mensagem de 03 de janeiro de 2018 do autor para a ré, de mensagem de BB para o autor e o inverso em 02 de janeiro de 2018, de uma mensagem electrónica de DD endereçada para o autor e para BB em 02 de janeiro de 2018, de uma mensagem eletrónica endereçada pelo autor a BB e a DD em 29 de dezembro de 2017 e em resposta a uma mensagem de BB, do mesmo dia, mensagem de correio eletrónico remetida em 22 de dezembro de 2017 pelo autor a BB e DD, mensagem de correio eletrónico remetida por BB ao autor e a DD, mensagem de correio eletrónico de 20 de dezembro de 2017 remetida pelo autor para si próprio e para BB e DD, mensagem de correio eletrónico remetida em 20 de dezembro de 2017 pelo autor para BB e DD, mensagem de correio eletrónico remetida em 19 de dezembro de 2017 por BB para o autor e DD, mensagem de correio eletrónico de 29 de outubro de 2017, remetida pelo autor para BB e DD, mensagem de correio eletrónico de 19 de janeiro de 2018, remetida pelo autor para BB e DD, mensagem de correio eletrónico de 18 de janeiro de 2018, remetida por BB para o autor e para DD, mensagem de correio eletrónico de 18 de janeiro de 2018, remetida pela ré para o autor, BB e DD, mensagem de correio eletrónico de 08 de janeiro de 2018, remetida pelo autor para BB e DD, mensagem correio eletrónico de 08 de janeiro de 2018, remetida por BB para DD e o autor, mensagem de correio eletrónico da ré de 08 de janeiro de 2018 para BB, DD e o autor, mensagens de correio eletrónico de 21, 22 e 23 de maio de 2018 remetidas por DD para o autor, trocas de mensagens em 04 e 05 de abril de 2018, entre o autor e BB, com conhecimento de DD.
[18] Trata-se de cópia de uma carta remetida por uma Sra. Advogada que patrocina a ré para o autor, com data de 17 de maio de 2018, interpelando-o para entregar códigos-fonte de diverso software à ré, comprovativo de registo postal e aviso de receção assinado pelo autor em 25 de maio de 2017.
[19] Cópia de expediente referente à liquidação de bens da sociedade insolvente P..., Lda. informando do início da venda de bens móveis, entre os quais se inclui como verba nº 3 o software desenvolvido pela insolvente e pelo valor base de € 750,00 e com aquisição por BB desta verba pelo valor de € 800,00.
[20] Notificação aos credores do relatório de liquidação da sociedade insolvente P..., Lda.
[21] Balancete da ré referente ao período de 01 de dezembro de 2017 a 31 de dezembro de 2017 onde consta em sede de ativos fixos tangíveis, equipamento básico, sob o nº ... o “Sofware P...”, com o valor de € 2.500,00.
[22] Cópia da decisão proferida com data de 26 de outubro de 2018, no procedimento cautelar nº 3363/18.8T8AVR do Juízo Local de Aveiro, Juiz 1, Comarca de Aveiro e na qual o autor foi condenado a entregar à ré, “as versões mais recentes, designadamente de Novembro/Dezembro de 2017, de todos os códigos-fonte da Requerente [a ré nestes autos] (mais concretamente “...”, “...”, “...”, “...”, “...” e “...”), gravados em DVD, disco ou pen drive, no prazo de 5 dias”.
[23] Cópias de trocas de mensagens de correio eletrónico datadas de 04 e 05 de abril de 2018, entre o autor e BB com conhecimento de DD.
[24] Trocas de mensagens essencialmente entre o autor, BB e DD, com referências à E..., ... e ....
[25] Cópia de segunda via de Nota de Crédito nº ....., emitida pela ré com data de 21 de dezembro de 2017, a favor de F..., Unip. Lda – N..., no montante de € 240,83.
[26] Cópia de segunda via de fatura nº ..... emitida pela ré, com data de 06 de dezembro de 2017, sendo devedor SS, com referência ao montante global de € 565,80 e cópia de recibo a favor do referido devedor nos montantes de € 100,00 e € 250,00.
[27] Trata-se essencialmente de trocas de mensagens de correio eletrónico entre o autor e BB e DD, nalguns casos e noutros com conhecimento deste, sobre o processamento dos recebimentos.
[28] Mensagem de correio eletrónico de 07 de abril de 2016 e pelo autor a DD.
[29] Trata-se essencialmente de trocas de mensagens de correio eletrónico entre o autor e BB e DD, sendo um dos assuntos a contratação de uma pessoa.
[30] Trata-se essencialmente de trocas de mensagens de correio eletrónico entre o autor e BB e DD e referentes a contactos com clientes.
[31] Publicação no Portal da Justiça referente à sociedade X..., Lda., sendo o seu objeto social a comercialização a retalho de equipamentos e artigos para escritório e serviços de cópias e informática a público.
[32] Relação de contratos adjudicados a X..., Lda., extraída da Base de Dados dos contratos públicos online, no período compreendido entre 30 de março de 2009 e 31 de maio de 2017 e mediante pesquisa de 13 de novembro de 2018.
[33] Mensagem eletrónica de N... datada de 19 de junho de 2018 para o autor e com conhecimento de BB, dando conta de diversas incongruências na contabilidade.
[34] Conjunto de mensagens eletrónicas de junho de 2018 relacionadas essencialmente com o livro de atas da ré.
[35] Trata-se essencialmente de trocas de mensagens entre o autor e BB e DD por causa de dúvidas.
[36] Trata-se essencialmente de trocas de mensagens entre DD e o autor, tendo como assunto “salários”, no período compreendido entre 12 de janeiro de 2016 e 14 de janeiro de 2016, achando-se repetidas seis mensagens de 13 de janeiro de 2016.
[37] Cópias de três declarações subscritas pelo autor, datadas de 28 de junho de 2013, nas quais declara ter vendido à ré diverso material no valor global de € 4.383,86, de € 58.992,34 e de € 37.191,91.
[38] Cópia de mensagem de correio eletrónico de 13 de setembro de 2018, remetida por II a TT, na qualidade de Administradora da Insolvência da sociedade P... Lda., instruída com cinco anexos e dando conta de declarações inverídicas do autor quanto ao seu vencimento na reclamação de créditos no âmbito do processo de insolvência daquela sociedade.
[39] Cópia da notificação das listas de credores reconhecidos no âmbito da reclamação de crédito do processo de insolvência da sociedade P..., Lda., referindo-se que o autor reclamou créditos no montante de € 136.729,81, reconhecendo-se um crédito no montante global de € 86.800,03.
[40] Cópia de despacho proferido em 30 de outubro de 2018, no âmbito do processo de insolvência nº 1399/12.1T2AVR, do Juízo de Comércio de Aveiro, Juiz 3, Comarca de Aveiro, em que se determinou a extração de certidão e entrega ao Ministério Público a fim de ser averiguada a prática de ilícitos criminais pelo autor por alegadamente ter declarado um ordenado superior ao que efectivamente auferia.
[41] Cópia do termo de entrega de certidão ao Ministério Público em 31 de outubro de 2018, no âmbito do processo de insolvência nº 1399/12.1T2AVR.
[42] Cópia da reclamação de créditos apresentada pelo autor no âmbito da reclamação de crédito do processo de insolvência da sociedade P..., Lda., na qual reclamou créditos no valor global de € 136.729,81.
[43] Cópia de declaração de quitação do autor datada de 12 de dezembro de 2018, pelo recebimento da quantia de € 78.070,03, no âmbito da reclamação de crédito do processo de insolvência da sociedade P..., Lda.
[44] Documento oferecido pelo autor com o requerimento de 23 de setembro de 2020, tendo nessa assembleia geral sido votado o aumento do vencimento do sócio gerente BB, com o voto favorável deste e o voto contra do autor.
[45] Trata-se de declarações subscritas por UU, VV, RR e WW, datadas de, respetivamente, 30 de dezembro de 2019, 18 de novembro de 2019, 16 de outubro de 2019 e 23 de dezembro de 2019, atestando a entrega ao autor, na qualidade de gerente da ré, dos montantes de, respetivamente, € 678,96, € 246,00, € 184,50 e € 196,80. Porém, o autor opôs-se à admissão desta prova documental e o tribunal a quo não proferiu decisão sobre esta prova documental, admitindo-a ou não.
[46] Estava em causa o recebimento indevido de subsídio de desemprego pelo autor e pelo sócio DD e a celebração de um contrato de trabalho fictício com o pai do autor, sócio fundador da ré, a fim de proceder a descontos para a Segurança Social e para ser beneficiado na determinação do montante da sua pensão de reforma.
[47] Sublinhe-se que o autor assumiu ter procedido a tais alterações no sentido de fazer corresponder as listagens à verdade dos factos, pois que as verbas que relacionou como sendo entradas suas foram por si adquiridas.
[48] Mediante requerimento enviado via internet em 16 de outubro de 2020, pelas 23h20.
[49] Recorde-se que o conteúdo destes artigos da petição inicial é o seguinte: “162º Acresce referir que, sócio maioritário BB para contornar a obrigação de apreciação da destituição como gerente pelo Tribunal, nos termos do disposto no nº 5 do artº 257º do Código das Sociedades Comerciais, divide a sua quota e cede uma reduzida percentagem a DD. 163º A divisão cessão de quota ocorreu em 08-08-2018 e a assembleia geral extraordinária que motivou as deliberações impugnadas realizou-se a 03-09-2018.
[50] Citamos Código Civil Comentado, I – Parte Geral, coordenação de António Menezes Cordeiro, CIDP, Faculdade de Direito, Universidade de Lisboa, Almedina 2020, páginas 931 e 932, anotação 17, (5) ao artigo 334º do Código Civil, da responsabilidade do coordenador da obra. De forma menos sintética, a propósito dos requisitos do objeto negocial, veja-se a obra que se acaba de citar, páginas 822 a 824.
[51] A este propósito veja-se a anotação de Coutinho de Abreu à alínea d) do nº 1 do artigo 56º do CSC in Código das Sociedades Comerciais em Comentário, IDET, Almedina 2010, volume I, página 662.
[52] Nesta data foi registada a divisão da quota (vejam-se os factos provados em 3.3.1.6).
[53] Reproduz-se, com algumas alterações o que se escreveu no acórdão desta Relação de 22 de outubro de 2018, proferido no processo nº 30/17.3T8VLC-A.P1.
[54] Já anteriormente, o mesmo Supremo Tribunal, em acórdão de 21 de outubro de 1993, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Mário Cancela no recurso nº 83429, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, Tomo III – 1993, páginas 79 a 81, abonando-se com a doutrina que dimanava do Código Civil Anotado de Pires de Lima e Antunes Varela, sustentava a exclusividade da aplicação do previsto no Código Civil, em matéria de prescrição e caducidade.
[55] Também no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de dezembro de 2016, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes, no processo nº 366/13.2TNLSB.L1.S1, acessível nas bases de dados da DGSI, se admite a prevalência desta tese, embora não se chegue a tomar posição concreta sobre esta temática pois que se considerou que no caso aí em análise o motivo processual na origem da decisão de absolvição da instância não era imputável ao autor.
[56] In Código de Processo Civil Anotado e Comentado, Almedina 1974, 3º Volume, página 584.
[57] In Direito Processual Civil Declaratório, Almedina 1982, Volume II, páginas 274 e 275.
[58] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição, Almedina 2022, página 363, anotações 5, 6 e 7 ao artigo 279º do Código de Processo Civil.
[59] Decisão publicada na Colectânea de Jurisprudência, Ano XX 1995, tomo V, páginas 154 a 158 e na qual se cita em sentido similar o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04 de novembro de 1980, publicado na Colectânea de Jurisprudência Ano V, tomo V, páginas 173 a 175, acórdão relatado pelo então Juiz Desembargador Manuel de Oliveira Matos, secundado pelo então Juiz Desembargador Alberto Baltazar Coelho e com um voto de vencido do Sr. Juiz Desembargador Fernando Marques Cordeiro.
[60] In Código de Processo Civil Anotado, 4ª edição, Volume 1º, Almedina 2018, página 567, onde se escreve o seguinte: “O n.º 2 do artigo anotado [trata-se do artigo 279º do Código de Processo Civil] não prejudica estes preceitos da lei civil, aos quais se adiciona, e aplica-se seja ou não imputável ao autor o motivo da absolvição da instância.” Note-se que no Código Civil Anotado, com a coordenação da Sra. Professora Ana Prata, 2ª edição revista e atualizada, Almedina 2019, Volume I, em anotação aos artigos 327º e 332º do Código Civil, apenas se descreve o que resulta destes preceitos, nada se referindo a propósito da sua conjugação com o artigo 279º do Código de Processo Civil.
[61] Assim veja-se Boletim do Ministério da Justiça nº 107, junho, 1961, páginas 223 e 224.
[62] Veja-se página 299 do Boletim do Ministério da Justiça nº 107, junho, 1961.
[63] Não se resiste a transcrever deste aresto o seguinte trecho: “Não estamos, pois, em altura em que o espírito da época se coadune com a interpretação de normas, que no seu conjunto não são de sentido unívoco, de modo a retirar às partes a faculdade, que têm tido desde há décadas, de poder rectificar erros técnico-processuais que as façam perder direitos de que eram titulares em benefício de quem não tem nenhuma legítima expectativa nesse sentido.
[64] Neste caso, porque o autor, tanto quanto se sabe, não é técnico de direito, a “imputabilidade” terá como fonte a chamada culpa in eligendo.
[65] Nesta situação, porque a destituição é independente de justa causa, o gerente destituído tem direito a ser indemnizado nos termos previstos no nº 7 do artigo 257º do CSC. Qualificando esta destituição como ad nutum veja-se Separata do V Congresso Direito das Sociedades, Almedina 2018, artigo intitulado “Suspensão e destituição dos membros dos órgãos de administração das sociedades por quotas e anónimas”, da autoria do Sr. Dr. Joaquim Taveira da Fonseca, páginas 204 e 205. Crítico relativamente à solução legal da livre destituição dos gerentes nas sociedades por quotas leia-se o artigo antes citado, ponto 3.5, páginas 216 e 217.
[66] Não se mostra junta aos autos cópia do contrato de sociedade que esteve na base da constituição da ré.
[67] Neste sentido veja-se o artigo antes citado, ponto 3.6.4.1, páginas 226 a 229.
[68] O teor desta previsão é o seguinte: “O aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada. Quando este assunto for a alteração do contrato, deve mencionar as cláusulas a modificar, suprimir ou aditar e o texto integral das cláusulas propostas ou a indicação de que tal texto fica à disposição do acionistas na sede social, a partir da data da publicação, sem prejuízo de na assembleia serem propostas pelos sócios redações diferentes para as mesmas cláusulas ou serem deliberadas alterações de outras cláusulas que forem necessárias em consequência de alterações relativas a cláusulas mencionadas no aviso.”
[69] No sentido da insindicabilidade pronuncia-se convictamente Jorge Manuel Coutinho de Abreu in Curso de Direito Comercial, Volume II, 7ª Edição, Almedina 2022, página 605 a 607. Em sentido oposto, com relevantes indicações doutrinais e jurisprudenciais veja-se o artigo que temos vindo a citar, página 205 e ponto 3.4, páginas 211 a 215.