Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
15135/21.8T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: ARRENDAMENTO NÃO HABITACIONAL
FALTA DE PAGAMENTO DE RENDAS
COVID-19
Nº do Documento: RP2022112215135/21.8T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 11/22/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE; DECISÃO REVOGADA.
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: No âmbito do arrendamento não habitacional, o não pagamento atempado das rendas nas datas estipuladas para o efeito, bem como, subsequentemente, no âmbito e ao abrigo do regime excecional previsto na legislação publicada aquando da pandemia Covid 19, implica que essas rendas entrem em mora, com todas as consequências legais daí decorrentes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 15135/21.8T8PRT-A
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Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto,


I - Relatório
1- Por apenso à execução para pagamento de quantia certa, que, desde o dia 25/09/2021, lhes move S..., Ldª, e cujo título executivo se consubstancia num contrato de arrendamento, nos termos do artigo 14.º-A, n.º1, do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), vieram AA e BB, deduzir embargos, sustentando, em breve síntese, que, embora tenham assumido a qualidade de fiadores da sociedade arrendatária, a lei não permite a constituição, em relação a eles, de título executivo, além de que não renunciaram ao benefício da execução prévia, nem lhes foi comunicada a mora da arrendatária e as quantias em dívida no prazo devido, o que determina a sua ilegitimidade passiva nesta execução e a inexigibilidade da obrigação exequenda.
Por outro lado, estando em causa um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, consideram que a arrendatária teria o direito a diferir o pagamento das rendas vencidas e reclamadas na execução. Aliás, nesse contexto, a arrendatária remeteu à senhoria uma carta, informando-a da sua impossibilidade de pagamento da renda por quebra do seu volume de negócios em resultado dos efeitos da pandemia, propondo uma redução temporária da renda mensal e a regularização das rendas em dívida em duodécimos a pagar até Abril de 2021.
Por este motivo, pois, também consideram que a quantia exequenda não é exigível.
Relativamente ao valor peticionado a título de indemnização, nos termos do artigo 1041.º do Código Civil, consideram que tal não é aplicável, por força do diferimento das rendas e do previsto no artigo 12.º da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de Abril, alterada pela Lei n.º 75- A/2020, de 30 de Dezembro, e ainda porque o contrato de arrendamento cessou por caducidade, o que impede o recurso à indemnização.
Por fim, consideram que o valor das rendas referentes aos meses de Fevereiro a Junho de 2020 ascende a 4.923,68€, que o arrendamento em causa está isento de IVA e que o valor de rendas relativo a Julho de 2020 a Junho de 2021, perfaz a quantia de 6.000€, o que totaliza a quantia de 10.923,68€.
2- A embargada deduziu oposição, pugnando pela improcedência desta oposição, alegando que o artigo 14.º-A do NRAU abrange também os fiadores, e que estes pretenderam submeter o contrato ao regime da solidariedade, sendo por isso possível à exequente demandar todos ao mesmo tempo, exigindo a totalidade da dívida a todos e cada um.
No que se refere à aplicação da Lei n.º 4.º-C/2020 de 6 de Abril, defende que as rendas em atraso respeitam a períodos anteriores ao início da pandemia e que foi exarado um acordo para pagamento em duodécimos, conforme aditamento de 25 de Abril de 2020, que não foi cumprido.
Sustenta ainda que a legislação excecional relativa ao período pautado pela Covid-19 não é um benefício automático e que tem direito à indemnização prevista no artigo 1041.º, n.º1, do Código Civil.
Acerca da incorreção do montante de rendas em execução, defende que tanto arrendatária como senhoria são empresas e, por isso, sujeitos passivos de IRC, obrigados a efetuar retenção do imposto à taxa de 25%.
3- Realizada tentativa de conciliação sem êxito e comunicada às partes a intenção de ser conhecido de imediato o mérito da causa, foi proferida sentença que julgou procedentes estes embargos e declarou extinta a execução. Isto porque, em síntese, reportando-se as rendas constantes do pedido exequendo ao período situado entre Março de 2020 e Maio de 2021, tinha a arrendatária o direito a diferir o seu pagamento.
4- Inconformada recorre a embargada, terminando a sua motivação de recurso com as seguintes conclusões:
“a) O tribunal a quo entendeu que à sociedade executada assistia o direito de diferir rendas vencidas nos meses de março, abril e maio de 2020, e que como “(…) as rendas peticionadas respeitam ao período temporal situado entre Março de 2020 e Maio de 2021 (…) determinará a inexigibilidade do título executivo (…) em consequência, declaro extinta a execução”.
b) A Embargada/Recorrente discorda da sentença, entendendo que: a) há matéria de fato dada como provada que não consta da prova invocada para fundamentação da matéria provada; b) errónea subsunção dos fatos materiais à Lei aplicada que conduz a contradição entre matéria de fato dada como provada e a fundamentação e entre esta e a decisão; c) erro na determinação das normas jurídicas a aplicar.
c) Considera a Recorrente que as questões a decidir consistem: a) em saber se aos embargantes assiste o direito de, ao abrigo da legislação especial para situações de mora no pagamento de renda não habitacionais, diferir o pagamento de rendas; b) que rendas podem diferir e até quando; c) se há data da propositura da ação as rendas e demais quantias peticionadas eram, ou não, exigíveis.
d) Quanto à matéria de facto, discorda a Recorrente do teor do ponto 4) dos factos provados
e) O ponto 4) tem o seguinte teor: “4) E que, sob a cláusula 4.º, o arrendamento é feito pelo prazo de 1 ano, automaticamente, renovável por idênticos períodos enquanto não for validamente denunciado ou resolvido por qualquer das partes, com início no dia 1 de Abril de 2006.”
f) A cláusula 4.ª que é referida é a do escrito particular que serve de título à execução, ou seja, o contrato de arrendamento.
g) Sucede que lendo o contrato de arrendamento a clausula 4.ª tem o seguinte teor: “Faz parte do arrendamento o mobiliário que se encontra nas referidas frações.”
h) Aliás, o conteúdo dos fatos dados como provados em 3) e em 4) são contraditórios, pois ou o contrato dado à execução foi celebrado “por um período de 5 anos e com início a 01/05/2015” – conteúdo do ponto 3) - ou foi celebrado “pelo prazo de 1 ano (…) com início no dia 1 de Abril de 2006” – conteúdo do ponto 4)
i) Assim, deve o ponto 4 da matéria provada ser corrigido passando a ter o conteúdo que reflita a cláusula contratual a que diz respeito, sugerimos:” 4) E que, sob a cláusula 4.º, o arrendamento inclui o mobiliário que se encontra nas referidas frações.”
j) O tribunal a quo determinou que “(…) as rendas peticionadas respeitam ao período temporal situado entre Março de 2020 e Maio de 2021” e como entendeu que neste período podiam ser diferidas concluiu que o titulo é inexigível.
k) Sucede que nem todas as rendas peticionadas estão dentro deste horizonte temporal.
l) Tal como consta do ponto 2) dos fatos provados são peticionadas rendas anteriores a março de 2020, nomeadamente parte da renda de fevereiro de 2020 que se venceu em janeiro de 2020 e a renda de março de 2020 que se venceu em fevereiro de 2020.
m) Como se vê parte do pedido não está abrangido naquela afirmação da sentença pelo que há contradição entre a matéria provada e a decisão de extinção da instância executiva sem salvaguarda das rendas de vencidas em janeiro e fevereiro de 2020.
n) Assim deve a decisão de extinção da instância por inexigibilidade do título ser revogada quanto às rendas vencidas em janeiro e fevereiro de 2020.
o) O tribunal a quo afirma que: “De acordo com o artigo 8.º da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de Abril, o arrendatário que preencha o disposto no artigo anterior pode diferir o pagamento das rendas vencidas nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente, para os 12 meses posteriores ao término desse período, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, pagas juntamente com a renda do mês em causa.
Ou seja, a partir de Maio de 2020 (fim do estado de emergência), as rendas vencidas nos meses em que vigorou aquele estado (Março e Abril) e a renda do mês subsequente (Maio) poderiam ser pagas a partir de Junho de 2020, e ao longo de 12 meses, em duodécimos mensais que acresciam à renda do mês em causa (assim, em Junho, o arrendatário pagaria por inteiro a renda desse mês e um duodécimo da soma das rendas vencidas em Março, Abril e Maio, e assim sucessivamente).”
p) Define assim o tribunal a quo as rendas que é possível diferir: as que se venceram nos meses de março, abril e maio de 2020, ou seja, as rendas referentes aos meses de abril, maio e junho de 2020 (uma vez que as rendas se vencem no mês anterior a que disserem respeito)
q) E ainda balizou que tais rendas diferidas devem ser pagas nos 12 meses seguintes conjuntamente com as rendas que se vencerem em cada mês – pagamento em duodécimos.
r) E depois afirma que como as “rendas peticionadas respeitam ao período temporal entre Março de 2020 e Maio de 2021, a sociedade executada teria o direito de diferir o seu pagamento, nos termos dos artigos 7.º e 8.º da Lei n.º 4-C /2020 de 6 de Abril.”.
s) Mas afinal pode ser diferido as rendas vencidas em março, abril e maio de 2020 ou as rendas que se venderem em março de 2020 a maio de 2021?
t) No nosso entendimento e segundo a fundamentação legal utilizada pelo tribunal a quo poderiam ser diferidas APENAS as rendas vencidas em março, abril e maio de 2020.
u) O deferimento de rendas após este período carece de fundamentação legal.
v) Estamos em crer que em algum momento o tribunal a quo se confundiu e quando diz “rendas peticionadas respeitam ao período temporal entre Março de 2020 e Maio de 2021” quer na realidade dizer: rendas peticionadas respeitam ao período temporal entre Março de 2020 e Maio de 2020.
w) Carecendo a decisão de fundamentação legal para o diferimento de rendas peticionadas vencidas após maio de 2020 a decisão deve ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento da execução quanto a rendas peticionadas vencidas após maio de 2020, ou seja as rendas de julho de 2020 a junho de 2021.
x) Mas e quanto às rendas que é possível diferir, será que à data da propositura da ação ainda não eram exigíveis?
y) A ação foi proposta em 22 de setembro de 2021.
z) Segundo o tribunal a quo as rendas diferidas (as vencidas em março, abril e maio de 2020) “poderiam ser pagas a partir de Junho de 2020, e ao longo de 12 meses, em duodécimos mensais que acresciam à renda do mês em causa (assim, em Junho, o arrendatário pagaria por inteiro a renda desse mês e um duodécimo da soma das rendas vencidas em Março, Abril e Maio, e assim sucessivamente)”
aa) O que significa que em setembro de 2021 – data da propositura da execução – o prazo para pagamento já tinha terminado.
bb) Serão as rendas passiveis de diferimento inexigíveis para sempre, ou apenas durante os meses do diferimento e do prazo concedido para o seu pagamento?
cc) Entendemos que as limitações estabelecidas pela Lei 4-C/2020 apenas se aplica ás rendas passiveis de diferimento, pelo tempo do diferimento e pelo prazo dado para a regularização das rendas.
dd) Ou seja, passado os meses em que é possível diferir e passado o prazo especial concedido para pagamento das rendas diferidas, verificando-se que as mesmas não se encontram pagas, defendemos que deverá ser restituída a possibilidade ao senhorio/credor de exigir coercivamente essas rendas diferidas que não lhe foram pagas.
ee) Como se pode observar dos autos as rendas vencidas nos meses de março, abril e maio de 2020 não se encontram pagas.
ff) Não foi intenção do legislador isentar essas rendas da possibilidade de serem exigidas coercivamente para sempre, apenas durante um período razoável que determinou como 12 meses após o fim do estado de emergência.
gg) Caso contrário estaria a limitar excessiva e inconstitucionalmente os direitos do credor/senhorio em receber a contrapartida pela cedência onerosa da sua propriedade.
hh) Assim, entendemos que à data da propositura da ação por já estar ultrapassado o prazo concedido para o pagamento diferido, as rendas diferidas voltam a ser exigíveis coercivamente, pelo que quanto a estas deverá a decisão ser revogada substituindo-se por outra que determine a prossecução da execução quanto ás rendas vencidas em março, abril e maio de 2020.
ii) Além de rendas é peticionada a indemnização nos termos do artigo 1041.º do CC (Código Civil).
jj) Quanto a isto entendeu o tribunal a quo que a mesma não é exigível nos termos da Lei 4-C/2020 de 6 de abril, concretamente nos termos dos artigos 9.º e 12.º
kk) Ora, em relação às rendas vencidas em período anterior à vigência da lei aplicada, não há fundamento para a não aplicação do artigo 1041.º do CC, pelo que nesta parte a sentença deve ser revogada e substituída por outra que determine a prossecução da execução quanto à indemnização referente as rendas vencidas em janeiro e fevereiro de 2020.
ll) O mesmo deverá suceder em relação ás rendas que se vencerem após o período a que se aplica a lei 4-C /2020 de 6 de abril.
mm) Uma vez que as rendas que podem ser diferidas são as vencidas em março, abril e maio de 2020, as que se vencerem após esse período não estão abrangidas pelos mecanismos da referida lei.
nn) Assim, também deverá a sentença ser revogada quanto à não exigibilidade da indemnização do artigo 1041.º do CC das rendas vencidas após maio de 2020, substituindo-se por outra que determine a prossecução dos autos de execução.
oo) E quanto à indemnização referente às rendas passiveis de diferimento?
pp) Efetivamente em princípio o deferimento não pode acarretar para o arrendatário qualquer consequência (indemnização, despejo, pagamento coercivo…)
qq) Essa isenção é para sempre ou limitada no tempo?
rr) Entendemos o que o legislador pretendeu face ás exigência da altura foi proteger o arrendatário que sem culpa se viu forçado a encerrar o seu estabelecimento devido à pandemia
ss) No entanto, o senhorio também não teve culpa do encerramento e as rendas são a sua forma de subsistência.
tt) Então como equilibrar estes dois direitos que coligem e se opõem?
uu) Durante os meses do confinamento o senhorio não pode exigir coercivamente as rendas, indemnizações, despejo, enfim, não pode exigir rendas nem operar nenhuma das consequências da falta de pagamento das rendas.
vv) Nem durante o prazo que o legislador entendeu razoável para o arrendatário pagar as rendas diferidas.
ww) Então e após esses períodos, se o incumprimento subsistir?
xx) Aí entendemos que deve ser restituído ao senhorio a possibilidade de exercer todas as consequências para a falta de pagamento das redas, mesmo as que foram diferidas.
yy) Ora como já se disse a ação foi proposta em setembro de 2021 e o prazo para pagamento diferido era até abril de 2021.
zz) Estava assim ultrapassado qualquer prazo de diferimento ou de pagamento diferido na data da entrada da execução, pelo que não há, em nosso entender, qualquer fundamentação para serem coartados aos senhorios o exercício das consequências da falta de pagamento atempado das rendas.
aaa) Assim, também deverá a sentença ser revogada quanto à não exigibilidade da indemnização do artigo 1041.º do CC das rendas diferidas – uma vez que o prazo de pagamento diferido está ultrapassado -, substituindo-se por outra que determine a prossecução dos autos de execução quanto a estas.
bbb) Por tudo o acima exposto, e como concluímos entendemos que ao caso concreto não se aplica a Lei 4-C/2020 de 6 de abril, porque a matéria do pedido extravasa o seu âmbito, quer porque à matéria que se poderia aplicar à data da propositura da ação os direitos que visa proteger (os do arrendatário) já não devem ser suscetíveis de proteção.
ccc) Mas deve sim ser aplicado o regime previsto no Código Civil, Livro II, Título II, capítulo IV – Locação -, o que corresponde aos artigos 1022.º a 1113.º -, e na Lei 6/2006 de 27 de fevereiro (NRAU).
ddd) Aquela Lei 4-C/2020 é assim especial em relação a este regime.
eee) Tal regime especial deveu-se ás exigências especiais e temporárias vividas durante a pandemia que ditaram a necessidade de regular com especialidade a matéria, derrogando e alterando temporariamente as normas jurídicas que regulam o arrendamento urbano, especialmente no que diz respeito ao pagamento de rendas e ás consequências do seu não pagamento.
fff) Uma vez que temos então legislação especial e geral que regulam a mesma matéria, ditam as mais elementares regras de aplicação do Direito que primeiramente deve ser ponderado se ao caso concreto se aplica o regime especial, e depois, e em caso negativo deve ser aplicado o regime geral para apreciar a causa.
ggg) Esteve bem o tribunal a quo em ponderar a aplicação da Lei 4-C/2020 ao caso, mas como supra se expôs esteve mal na sua conclusão de aplicá-la ao caso concreto.
hhh) Toda a explanação supra demonstra que não há fundamentação suficiente para ser aplicado tal regime ao caso concreto.
iii) Assim, deveria ter sido aplicado ao caso o regime geral vigente.
jjj) Ora sendo a lei especial aplicável apenas, como definiu o tribunal a quo” (…) as rendas vencidas nos meses em que vigorou aquele estado (Março e Abril) e a renda do mês subsequente (Maio) (…)”, não entendemos como aplica o regime especial a rendas vencidas antes de março de 2020 e a rendas vencidas após maio de 2020
kkk) E quem diz às rendas vencidas antes de março de 2020 e depois de 2020, diz aplicar o regime especial às consequências do não pagamento destas rendas, como a indemnização do artigo 1041. Do CC peticionada na ação principal.
lll) Além de que mesmo em relação às rendas vencidas no período de março, abril e maio de 2020, a sentença é totalmente desconsideradora da data da propositura da ação, e nem sequer pondera qual o objetivo do legislador em permitir o diferimento dessas rendas anulando as consequências do seu não pagamento atempado por 12 meses .
mmm) Pois entendemos que o legislador apenas anula as consequências do não pagamento das rendas vencidas nos meses de março, abril e maio de 2020 durantes esses meses e durante o prazo que concedeu para a regularização (até abril de 2021)
nnn) Passado esse tempo e mostrando-se que as rendas vencidas em março, abril e maio de 2020 não estão pagas não há fundamento legal, nem sequer no espírito da Lei de continuar a impedir que o senhorio faça operar contra o arrendatário relapso a possibilidade de exercício (coercivo) das consequências da falta de pagamento das rendas.
ooo) Havendo título, verificando-se que há rendas em atraso, que as partes são legitimas e estando excluído a aplicação do regime especial, deveria ter sido determinada a prossecução da execução nos precisos termos peticionados quanto às rendas peticionadas
ppp) E quanto à indemnização do artigo 1041.º do CC, estando excluída a aplicação do regime especial e uma vez que o contrato em causa não cessou por falta de pagamento de rendas, nada impede a prossecução da execução nos precisos termos peticionados quanto à indemnização.
qqq) Ao caso concreto deveria ter sido aplicado o regime geral do arrendamento, com exclusão total do regime especial (por não aplicável ao caso concreto)”.
Termina, assim, pedindo que se conceda provimento ao presente recurso e, revogando a sentença recorrida, se determine:
“a) A correção do ponto 4) dos fatos provados em consonância com a cláusula 4.ª constante do contrato de arrendamento constante do título executivo;
b) A prossecução dos autos executivos para pagamento da competente indemnização do artigo 1041.º do CC e das rendas vencidas nos meses de janeiro, fevereiro, junho a dezembro de 2020, e janeiro a maio de 2021;
c) A prossecução dos autos executivos para pagamento da competente indemnização do artigo 1041.º do CC e das rendas vencidas nos meses de março, abril e maio de 2020 por à data da propositura da execução já estar ultrapassado o prazo de diferimento e pagamento diferidas destas rendas, não havendo fundamentação legal ou no Espírito da Lei que justifique o não exercício coercivo pelo senhorio das consequências do não pagamento referente a estas rendas
d) A aplicação ao caso concreto do regime geral do arrendamento definido no Código Civil, Livro II, Título II, capítulo IV – Locação -, o que corresponde aos artigos 1022.º a 1113.º -, e na Lei 6/2006 de 27 de fevereiro (NRAU).
e) A prossecução dos embargos para apreciação das restantes questões levantadas e ainda não apreciadas”.
5- Os embargantes responderam pugnando pela improcedência deste recurso, uma vez que, ressalvada a correção do lapso de escrita existente no ponto 4 dos Factos Provados, mais nenhum dos fundamentos invocados pela Apelante pode ser atendido.
6- Recebido o recurso nesta instância e preparada a deliberação, importa tomá-la.
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II- Mérito do recurso

A- Definição do seu objeto
Esse objeto é, como sabido, delimitado, em regra e ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, pelas conclusões das alegações do recorrente [artigos 608.º n.º 2, “in fine”, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º1, do Código de Processo Civil (CPC)].
Assim, levando em conta este critério, o objeto deste recurso reconduz-se a saber se:
a) Deve haver lugar à requerida modificação da matéria de facto.
b) A exequente tem direito a todas as prestações que peticiona na ação executiva e, na afirmativa em que montantes concretos.
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B- Fundamentação

a) Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:
1) No processo de execução de que os presentes autos são apenso, nos quais é exequente S..., Ldª e executados AA e BB, foi dado à execução um documento, reduzido a escrito e por todos subscrito, datado de 24/04/2015, designado de contrato e arrendamento, acompanhado do comprovativo de comunicação aos executados, a 1 de Julho de 2021, através de carta registada com aviso de receção, do montante em dívida a título de rendas, no valor de 13.435,12€, e da indemnização por mora no montante de 2.015,52€.
2) No aludido documento, são peticionadas as seguintes rendas: - Renda parcial do mês de Fevereiro de 2020: 553,68€; - Rendas dos meses de Março, Abril, Maio e Junho de 2020: 1.220,35€ x 4 = 4.841,40€ - Rendas de Julho de 2020 a Junho de 2021(inclusive): 12x 666,67€ = 8.000,04€
3) Sob as cláusulas 1.ª e 2.ª desse documento reduzido a escrito, resulta que a exequente S..., Ldª dá de arrendamento, por um período de 5 anos e com início a 01/05/2015, à co-executada P... Unipessoal, Lda. que aceita, as frações autónomas correspondentes ao 1.º andar, 2.º andar direito, 2.º andar esquerdo e 3.º andar direito, do prédio sito na Rua ..., Porto, descrito no Registo Predial sob o n.º... e inscrito na matriz predial sob o n.º ... na união de freguesias ..., ..., ..., ..., ... e ....
4) E que, sob a cláusula 4.º, o arrendamento é feito pelo prazo de 1 ano, automaticamente, renovável por idênticos períodos enquanto não for validamente denunciado ou resolvido por qualquer das partes, com início no dia 1 de Abril de 2006.
5) Sob a cláusula 3.ª desse escrito foi acordada uma renda global referente a todas as frações no valor de 1.080€ (mil e oitenta euros), durante os primeiros 12 meses e atualizável anualmente pelos decreto-lei anuais, a ser depositada até ao dia 08 de cada mês na conta bancária da senhoria.
6) A cláusula 8.ª desse escrito particular prevê que os executados AA e BB, referenciados com a qualidade de fiadores e principais pagadores, serão responsáveis solidariamente pelo bom pagamento do arrendamento incluindo com os respetivos e possíveis aumentos anuais do arrendamento, bem como pelo bom estado das frações.
7) Do documento escrito designado aditamento ao contrato de arrendamento, datado de 25/04/2020, constam as seguintes alterações ao documento indicado em 1):
“Por este aditamento o período de arrendamento passa a ser de um ano com início em 01 de Julho de 2020 e terminando a 30 de Junho de 2021. (…)
O valor da renda mensal líquida a ser depositada na conta da senhoria será de 500,00 euros. (…)
A dívida líquida de euros 2.745,78 dos arrendamentos não pagos nos meses de Fevereiro, Março e Abril será paga em duodécimos (228,81 eu), cujas prestações serão somadas aos 500,00 euros mensais a pagar mensalmente”.
8) Através de carta registada com aviso de receção, datada de 12 de Maio de 2020, a executada AA, na qualidade de sócia-gerente da P... Unipessoal, Lda., remeteu à exequente a seguinte comunicação:
“A P... Unipessoal, Lda. está neste momento numa situação financeira muito debilitada, devido a esta situação de pandemia, conforme já antes referido.
Assim, está a anunciar os apartamentos para ocupação de médio/longo prazo e por isso, gostávamos de saber se haveria disponibilidade da V/ parte para aceitar 50% do valor das rendas a partir de maio de 2020 até abril de 2021 e desta forma ir pagando também até essa data, 1/12 dos meses em atraso do ano de 2020.
Ou seja, pagar 50% do valor da renda de maio 2020 e 1/12 do valor das rendas em atraso de 2020 e assim sucessivamente até abril de 2021. (…)”
9) Através de carta e correio eletrónico, a 19 de Maio de 2020, a exequente respondeu à missiva antemencionada, referindo o seguinte:
“(…) Mas apenas direi que não a poderemos aceitar. Apenas diremos que ficaríamos a receber um valor líquido mensal aproximadamente de 300,00 euros.
Existe uma dívida no valor de 03 meses de arrendamento, uma vez que o último mês pago foi o de Janeiro em 17/2, num total bruto de euros 3661,05, já não contando com o presente Maio.
Assim sendo: Os aditamentos ao contrato ficam aqui anulados uma vez que não foram aceites nem devolvidos. Os arrendados deverão ser entregues à senhoria livres de pessoas e bens até ao fim do mês de Maio presente. Quanto aos pagamentos não efetuados poderá haver uma negociação certamente”.
10) Por carta registada com aviso de receção, datada de 1 de Julho de 2021, remetida à executada P... Unipessoal, Lda., invocou a exequente o seguinte:
“Vimos, por este meio, notificar que o valor em dívida das rendas referentes aos imóveis identificados em epígrafe ascende a 13.435,12€ ilíquidos, o que corresponde a uma quantia líquida de 10.076,30€ sendo os remanescentes 3.358,82€ correspondentes à retenção de 25% do valor da renda que deveria ser entregue ao Estado.
Recordamos que o último pagamento que efetuou foi de 500,00€ líquidos no dia 3 de Novembro de 2020, que correspondeu a um valor ilíquido de 666,67€, cuja diferença deveria ter entregue ao Estado. Este pagamento foi imputado à renda mais antiga em débito que à data era a renda de fevereiro de 2020, que era no valor bruto de 1.220,35€.
Estão assim em débito até à presente data as seguintes rendas e pelos seguintes valores (em termos brutos):
a) Renda do mês de Fevereiro de 2020: 553,68€ (1.220,35€ - 666,67€);
b) Rendas do mês de Março, Abril, Maio e Junho de 2020: 4.841,40€ (1.220,35€ x 4).
Em 25 de Abril de 2020 por aditamento, a renda líquida baixou para 500,00€ mensais, que corresponde um valor ilíquido de 666,67€. Assim, desde essa data até à presente (30/06/2021) estão em dívida todos os meses, ou seja, julho 2020, agosto 2020, setembro 2020, outubro 2020, novembro 2020, dezembro 2020, janeiro 2021, fevereiro 2021, março 2021, abril 2021, maio 2021 e junho 2021, que totaliza 8.000,04€ (666,67 x 12).
Mais informamos que, tendo o contrato terminado por caducidade, de acordo com o aditamento de 25 de abril de 2020, no dia 30 de junho de 2021, de acordo com o artigo 1041.º/1 do Código Civil deverá acrescer ao valor em dívida uma indemnização pela mora no pagamento das rendas no valor de 20% do valor em dívida, isto é, de 2.015,52€, que totaliza uma dívida no valor de 15.450,64€”.
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b) Análise dos fundamentos do recurso
Começa por nele estar em causa a questão de saber se deve haver lugar à requerida modificação da matéria de facto. Mais concretamente, se a redação do ponto 4 dos Factos Provados deve ser alterada, uma vez que não tem correspondência com o teor da cláusula do contrato de arrendamento, nele mencionada (4ª).
E sem dificuldade se conclui que a resposta deve ser afirmativa. Ou seja, deve fazer-se essa correspondência porque efetivamente não a tem.
Assim, o ponto 4, dos Factos Provados, passará a ter a seguinte redação:
“E, sob a cláusula 4.ª, que faz parte do arrendamento o mobiliário que se encontra nas referidas frações”.
Avancemos, agora, para a questão central do presente recurso: saber se a exequente tem direito às prestações que peticiona na ação executiva contra a qual foram deduzidos os presentes embargos.
Essas prestações foram as seguintes:
1- Rendas:
a) Mês de fevereiro de 2020: 1.220,35-666,67= 553,68€
b) Meses de março, abril, maio e junho de 2020: 1.220,35x4= 4.841,40€
c) Meses de julho de 2020 a junho de 2021: 12 x 666,67=8.000,04€
O que totaliza, na versão da Apelante, 13.435,12€ ilíquidos (com imposto incluído à taxa de 25%)
2- Indemnização pela mora (artigo 1041.º, n.º 1, do Código Civil), 2.015, 52€:
3- Juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.
Na sentença recorrida, considerou-se que assistia à sociedade executada (à qual os embargantes prestaram fiança) o direito ao diferimento das referidas rendas (nos termos da legislação especial publicada no âmbito da pandemia Covid 19, que menciona) e, nessa medida, todas as citadas prestações eram inexigíveis. Declarou, por isso, extinta aquela execução.
Quem não se conforma com este resultado é a exequente para a qual, pelo contrário, nem as rendas em dívida se situam todas no âmbito de aplicação da referida legislação, nem, mesmo que algumas delas o estivessem, poderia essa ser essa razão suficiente para a extinção da obrigação exequenda, uma vez que, à data da propositura da execução, já estava terminado o prazo de pagamento dessas mesmas rendas. Daí que, a seu ver, a execução deva prosseguir para cobrança de todas as indicadas prestações.
O que os embargantes contestam, já que, em síntese, todas as rendas em dívida estão abrangidas pela dita legislação especial e, à data da propositura da execução, ainda não tinha terminado o prazo para o seu pagamento.
É, pois, no confronto destes argumentos com os factos provados e com as pertinentes normas legais, que se impõe solucionar este conflito.
Como ponto de partida, é importante começar por ter presente que o Estado de Emergência, fruto da pandemia Covid 19, vigorou em Portugal em dois períodos de tempo distintos. Num primeiro período, entre 19/03/2020 e 02/05/2020 (Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, Decreto do Presidente da República n.º 17-A/2020, de 2 de abril e Decreto do Presidente da República n.º 20-A/2020, de 17 de abril) e, num segundo período, entre 09/11/2020 e 30/04/2021 (Decreto do Presidente da República n.º 51-U/2020, de 6 de novembro, Decreto do Presidente da República n.º 59-A/2020, de 20 de novembro, Decreto do Presidente da República n.º 61-A/2020, de 4 de dezembro, Decreto do Presidente da República n.º 66-A/2020, de 17 de dezembro, Decreto do Presidente da República n.º 6-A/2021, de 6 de janeiro, Decreto do Presidente da República n.º 6-B/2021, de 13 de janeiro, Decreto do Presidente da República n.º 9-A/2021, de 28 de janeiro, Decreto do Presidente da República n.º 11-A/2021, de 11 de fevereiro, Decreto do Presidente da República n.º 21-A/2021, de 25 de fevereiro, Decreto do Presidente da República n.º 25-A/2021, de 11 de março, Decreto do Presidente da República n.º 31-A/2021, de 25 de março, Decreto do Presidente da República n.º 41-A/2021, de 14 de abril).
De permeio, entre os dias 03/05/2020 e o dia 08/11/2020, foi declarada a Situação de Calamidade (v.g. Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-A/2020, de 30 de abril e Resolução do Conselho de Ministros n.º 88-A/2020 de 14 de outubro e Resolução do Conselho de Ministros n.º 89-A/2020, de 26 de outubro) e a Situação de Calamidade, Contingência e Alerta (Resolução do Conselho de Ministros n.º 51- A/2020, de 26 de junho, e Resolução do Conselho de Ministros n.º 53-A/2020 de 14 de julho), mas não vigorou o Estado de Emergência.
Esta distinção é relevante porque, justamente devido à presumida quebra de rendimentos de alguns dos arrendatários de estabelecimentos abertos ao público que foram obrigados a encerrar ou viram a sua atividade suspensa e/ou limitada, foi publicada, logo no dia 06/04/2020, a Lei n.º 4-C/2020, que previa que esses arrendatários pudessem deferir “o pagamento das rendas vencidas nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente, para os 12 meses posteriores ao término desse período, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, pagas juntamente com a renda do mês em causa- (artigo 8.º - cfr. também artigo 7.º).
E acrescentava o artigo 9.º do mesmo diploma legal:
“1- A falta de pagamento das rendas que se vençam nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente, nos termos do artigo anterior, não pode ser invocada como fundamento de resolução, denúncia ou outra forma de extinção de contratos, nem como fundamento de obrigação de desocupação de imóveis.
2- Aos arrendatários abrangidos pelo artigo 7.º não é exigível o pagamento de quaisquer outras penalidades que tenham por base a mora no pagamento de rendas que se vençam nos termos do número anterior”.
Mais tarde, foi publicada a Lei n.º 17/2020, de 29 de maio, que, entre outros aspetos, alterou a redação aos artigos 7.º, 8.º e 9.º, da Lei n.º 4-C/2020, acrescentando, com interesse para este recurso, os números 2 a 5 ao artigo 8.º, nos quais se prescreve o seguinte:
“2- Até 1 de setembro de 2020, o arrendatário que preencha o disposto no artigo anterior pode igualmente diferir o pagamento das rendas vencidas, pelos meses em que ao abrigo de disposição legal ou medida administrativa aprovada no âmbito da pandemia da doença COVID-19 seja determinado o encerramento de instalações ou suspensão de atividades ou no primeiro mês subsequente desde que compreendido no referido período, aplicando-se o disposto nos n.ºs 4 e 5.
3- No caso de arrendatários abrangidos pelo disposto nos números anteriores, o período de regularização da dívida só tem início a 1 de setembro de 2020, ou após o término do mês subsequente àquele em que cessar o impedimento se anterior a esta data.
4- Do disposto nos números anteriores não pode, contudo, resultar um período de regularização da dívida que ultrapasse o mês de junho de 2021.
5- As rendas vencidas e cujo pagamento foi diferido ao abrigo do presente regime devem ser satisfeitas em prestações mensais não inferiores ao valor resultante do rateio do montante total em dívida pelo número de meses em que esta deva ser regularizada, pagas juntamente com a renda do mês em causa”.
Por outro lado, acrescentou um outro número (n.º 2) ao artigo 12.º da referida Lei 4-C/2020, estabelecendo que a indemnização prevista no artigo 1041.º, n.º 1, do Código Civil, “por atraso no pagamento de rendas que se vençam até 1 de setembro de 2020, não é exigível nos casos em que o seu pagamento possa ser diferido conforme o disposto no n.º 2 do artigo 8.º”.
Entretanto, no dia 20/08/2020, foi publicada a Lei n.º 45/2020, que alterou o artigo 8.º da Lei 4-C/2020, passando o mesmo a ter a seguinte redação:
“1- O arrendatário que preencha o disposto no artigo anterior pode diferir o pagamento das rendas vencidas:
a) Nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente;
b) Nos meses em que, ao abrigo de disposição legal ou medida administrativa aprovada no âmbito da pandemia da doença COVID-19, seja determinado o encerramento das suas instalações ou suspensão da respetiva atividade;
c) Nos três meses subsequentes àquele em que ocorra o levantamento da imposição do encerramento das suas instalações ou da suspensão da respetiva atividade.
2- Nos casos previstos no número anterior:
a) O diferimento não pode, em qualquer caso, aplicar-se a rendas que se vençam após 31 de dezembro de 2020;
b) O período de regularização da dívida tem início a 1 de janeiro de 2021 e prolonga-se até 31 de dezembro de 2022;
c) O pagamento é efetuado em 24 prestações sucessivas, de valor correspondente ao resultante do rateio do montante total em dívida por 24, liquidadas juntamente com a renda do mês em causa ou até ao oitavo dia do calendário de cada mês, no caso de renda não mensal.
3- Para efeitos do disposto na alínea b) do número anterior, o montante total em dívida exclui as rendas vencidas e já pagas, as quais se consideram, para todos os efeitos, liquidadas.
4- Sem prejuízo do disposto no n.º 3, o arrendatário pode, a qualquer altura, proceder ao pagamento total ou parcial das prestações em dívida.
5- (…)”.
Para poder beneficiar deste regime, a mesma Lei 45/2020, aditou à referida Lei n.º 4-C/2020, um outro preceito, que denominou como artigo 8.º-A, nos termos do qual impôs ao arrendatário a obrigação de comunicar por escrito ao senhorio a intenção de usufruir do referido diferimento no pagamento de rendas ou uma proposta de acordo diferente para o realizar.
Além disso, acrescentou o artigo 13.º-A à mesma Lei n.º 4-C/2020, no qual se passou a prever o seguinte:
“1- O disposto na presente lei não prejudica a existência de regimes mais favoráveis ao arrendatário, decorrentes da lei ou de acordo, celebrado ou a celebrar entre as partes, nomeadamente acordos de perdão de dívida ou acordos de diferimento no pagamento de rendas mais benéficos para o arrendatário.
2- Nos casos de arrendamento não habitacional, existindo acordo previamente celebrado que estabeleça condições menos favoráveis para o arrendatário, o mesmo fica sem efeito mediante comunicação a enviar pelo arrendatário, no prazo de 30 dias após a entrada em vigor da Lei n.º 45/2020, de 20 de agosto, para a morada do senhorio constante do contrato de arrendamento ou da sua comunicação imediatamente anterior, através da qual o arrendatário manifesta a intenção de aplicar o presente regime.
3- São nulas as cláusulas de renúncia a direitos atribuídos pela presente lei ou de recurso a meios judiciais e de aceitação de aumentos de renda ou do período do contrato dispostas nos contratos referidos no número anterior.
4- No caso previsto no n.º 2, as quantias que já tenham sido pagas a título de renda não são devolvidas ao arrendatário, relevando antes para efeitos de cálculo do montante total em dívida a que se refere a alínea b) do n.º 3 do artigo 8.º
5 - O disposto no n.º 1 do artigo 10.º do NRAU não se aplica à comunicação referida no n.º 1 deste artigo, aplicando-se, nesta situação, o regime previsto nos n.ºs 3 a 5 daquela disposição legal”.
Por fim, a Lei n.º 75-A/2020, de 30 de dezembro, alterou a redação do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 4-C/2020, estabelecendo que “[a] indemnização prevista no n.º 1 do artigo 1041.º do Código Civil, por atraso no pagamento de rendas que se vençam nos meses em que é possível o respetivo diferimento, não é exigível sempre que se verifique o disposto nos artigos 4.º e 7.º da presente lei” e estabeleceu um novo regime (no artigo 8.º-B) de deferimento de rendas para os arrendatários de estabelecimentos que permanecessem encerrados no dia 01/01/2021.
Ora, confrontando estas normas com o caso em apreço e dando como certo que estamos perante um arrendamento não habitacional relativo a um estabelecimento que teve a sua atividade limitada pelas medidas legais e administrativas adotadas no âmbito do combate à pandemia Covid 19 – o que nenhuma das partes questiona neste recurso-, podemos, desde já, retirar as seguintes conclusões:
Em primeiro lugar, a renda referente ao mês de fevereiro do ano de 2020, está completamente fora do âmbito de aplicação de qualquer uma das referidas normas. Venceu-se, segundo resulta do contrato de arrendamento celebrado entre as partes (cláusula 3ª), no dia 8 desse mês e, nessa medida, é anterior à data em que começou a vigorar o primeiro Estado de Emergência indicado (19/03/2020),
Por outro lado, essa renda e ainda as referentes aos meses de março e abril de 2020, foram objeto de expresso acordo de pagamento entre as partes (celebrado no dia 25/04/2020 – doc 1 anexo ao requerimento executivo) e deviam ter sido liquidadas, em duodécimos de 228,81€, vencidos juntamente com as rendas referentes ao período decorrido entre 01/07/2020 e 30/06/2021.
Mas, não se provou que o tivessem sido.
Diversamente, logo no dia 12/05/2020, a executada, AA, aquilatou da disponibilidade da exequente para “aceitar 50% do valor das rendas a partir de maio de 2020 até abril de 2021 e desta forma ir pagando também até essa data, 1/12 dos meses em atraso do ano de 2020.
Ou seja, pagar 50% do valor da renda de maio 2020 e 1/12 do valor das rendas em atraso de 2020 e assim sucessivamente até abril de 2021. (…)”.
A exequente, todavia, não o aceitou.
Nessa data (12/05/2020), porém, a lei já permitia que o pagamento das rendas vencidas nos meses em que vigorasse o estado de emergência e no primeiro mês subsequente, pudesse ser deferido para os 12 meses posteriores ao término desse período, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total (artigo 8.º da Lei n.º 4-C/2020). Isto é, tendo em conta que o primeiro Estado de Emergência vigorou, como vimos, entre os dias 19/03/2020 e 02/05/2020, a arrendatária podia pagar as rendas referentes a estes meses e ainda a do mês de junho de 2020 até ao mês de junho de 2021.
Aliás, até este mês de Junho de 2021, vieram, depois, com a alteração introduzida pela Lei n.º 17/2020, aos artigos 7.º e 8.º, da Lei n.º 4-C/2020, a poder ser pagas também as rendas vencidas até ao dia 01/09/2020, desde que preenchidos os pressupostos aí previstos.
Acontece que não está demonstrado que a arrendatária, neste caso concreto, ou os embargantes tenham aproveitado estas oportunidades, pagando tais rendas, pagamento esse que, recorde-se, tinha como limite máximo o mês de junho de 2021.
Subsequentemente, com a publicação da Lei n.º 45/2020, no dia 20/08/2020, houve uma nova oportunidade para o diferimento do pagamento das rendas vencidas até ao dia 31/12/2020 (diferimento esse para um período compreendido entre o dia 01/01/2021 e 31/12/2022). Para o efeito, porém, o arrendatário tinha a obrigação de comunicar por escrito ao senhorio a intenção de usufruir do referido diferimento ou uma proposta de acordo para efetuar o pagamento, o que também não se mostra ter sido realizado neste caso concreto.
Esta oportunidade, de resto, era facultada, inclusive, para os casos em que houvesse, já firmado, acordo menos favorável para o arrendatário (artigo 13.º-A, n.º 2, da Lei n.º 4-C/2020), mas não consta que tivesse sido igualmente aproveitada, na situação em análise.
Por fim, no dia 30 de dezembro foi publicada a Lei n.º 75-A/2020, que aditou à Lei n.º 4-C/2020 um novo artigo (artigo 8.º-B) que permitiu um novo diferimento no pagamento de rendas, inclusive as vencidas no ano de 2021, mas a concretização desse direito estava dependente do facto do estabelecimento estar encerrado no dia 01/01/2021[1], o que, no caso presente, também não se provou.
Donde, em resumo, à data em que foi proposta a execução contra a qual foram deduzidos estes embargos (25/09/2021), nem as rendas indicadas no requerimento executivo (Fevereiro de 2020 a Junho de 2021) estavam já pagas, nem eram, então, objeto de qualquer plano de pagamento deferido. Pelo contrário, mantinham-se em dívida e, por isso mesmo, porque todas elas já se encontravam vencidas e estavam em mora, podia o respetivo pagamento ser exigido, inclusive, aos embargantes, que, como fiadores, se responsabilizaram por esse pagamento.
Mas, não só. Também lhes podia ser exigida a correspondente indemnização, tal como previsto no artigo 1041.º, n.º 1, do Código Civil.
Na verdade, embora essa exigência tivesse sido excecionada em muitos dos diplomas legais já referidos, era pressuposto dessa exceção que o deferimento de pagamento de rendas era aproveitado e cumprido, na altura própria. Até porque tratando-se de normas especiais, contendo um regime excecional, destinado a “fixar os termos das modificações contratuais adequadas aos efeitos da pandemia por COVID-19 nos aspectos pontuais considerados fragilizados nos respectivos institutos jurídicos sobre que versam”[2], tinha necessariamente um caráter temporário. De modo que, ultrapassado o período em que vigorou esse regime, sem o mesmo ser aproveitado, deixam de subsistir os correspondentes efeitos jurídicos. Ou seja, a situação de mora volta a verificar-se, com todas as implicações daí decorrentes e, particularmente, com o ressurgimento do direito do senhorio a exigir a referida indemnização.
Consequentemente, portanto, a indemnização peticionada pela exequente na referida execução, porque tem apoio no regime geral (artigo 1041.º, n.º 1, do Código Civil), não pode deixar de se considerar como devida.
E a tal não obsta o facto do contrato de arrendamento em questão já ter terminado, por ter sido ultrapassado o prazo da sua vigência. Efetivamente, ao contrário do sustentado pelos embargantes, nada há na lei que excecione tal obrigação indemnizatória, quando o contrato se extingue por caducidade, por ter terminado o prazo para a sua vigência (artigo 1051.º, al. a), do Código Civil). Há essa exceção, de facto, mas para as hipóteses em que o contrato cessa por resolução desencadeada pelo senhorio, por falta de pagamento de rendas, o que não se provou ser o caso.
Por conseguinte, e em resumo, todas as já indicadas prestações são devidas pelos executados.
Cumpriria, agora, determinar em que montantes concretos, uma vez que essa é também uma questão controvertida.
Acontece que a factualidade provada, só por si, não nos permite fazer essa concretização. A sentença recorrida foi proferida logo após a fase dos articulados[3] e não é possível, a partir daquela factualidade, determinar qual ou quais as variáveis concretas que, na versão da exequente, contribuem para a iliquidez do valor das rendas pela mesma indicado. Até porque a mesma pede a correção do requerimento executivo (artigo 50.º da contestação) e esse pedido não chegou sequer a ser apreciado.
De modo que os autos terão de prosseguir os seus termos, com vista a apurar o referido valor.
Por ora, o que importa reafirmar, face a tudo o já dito, é que este recurso não pode deixar de ser julgado procedente, com a consequente revogação da sentença recorrida.
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III - Dispositivo

Pelas razões expostas, acorda-se em julgar procedente o presente recurso e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida, determinando o prosseguimento dos autos com vista à determinação dos valores concretos das prestações em dívida
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- Em função deste resultado, as custas deste recurso serão suportadas pelos embargantes – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.

Porto, 22/11/2022.
João Diogo Rodrigues
Anabela Miranda
Lina Baptista
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[1] Neste sentido, por exemplo, o Ac.RE de 10/02/2022, Processo n.º 464/21.9T8FAR.E1, consultável em www.dgsi.pt.
[2] Neste sentido, Ac. RP de 27/09/2022 (relatado pela ora 2ª Adjunta), Processo n.º 17115/20.1T8PRT.P1, consultável em www.dgsi.pt.
[3] E a realização, no dia 16/02/2022, de uma tentativa de conciliação.