Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
17669/23.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MIGUEL BALDAIA DE MORAIS
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
LESÃO GRAVE E DIFICILMENTE REPARÁVEL
OBRAS URGENTES
PODERES DO ADMINISTRADOR DO CONDOMÍNIO
Nº do Documento: RP2024031817669/23.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 03/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O decretamento de uma providência cautelar não especificada (ou comum) depende da concorrência dos seguintes requisitos: (i) que muito provavelmente exista o direito tido por ameaçado, ou que venha a emergir de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor; (ii) que haja fundado receio de que outrem antes de proferida decisão de mérito, ou porque a ação não está sequer proposta ou porque ainda se encontra pendente, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito; (iii) que ao caso não convenha nenhuma das providências tipificadas nos arts. 393º a 427º do Código de Processo Civil; (iv) que a providência requerida seja adequada a remover o periculum in mora concretamente verificado e a assegurar a efetividade do direito ameaçado; (v) que o prejuízo resultante da providência não exceda o dano que com ela se quis evitar.
II - Para o preenchimento do segundo dos requisitos enunciados, a lesão receada pelo requerente, para ser relevante (no sentido de legitimar a via cautelar), tem de ser grave, gravidade essa que se mede em função da dimensão dos danos que possa provocar, ou seja, apenas a lesão que possa vir a desencadear danos de montante considerável deverá ser considerada grave.
III - A essa luz, assume a gravidade legalmente suposta a situação que ocorre em fração autónoma onde se registam infiltrações provenientes de partes comuns do edifício onde a mesma se integra e que comprometem o direito do requerente de usar e fruir plenamente o seu imóvel, pondo igualmente em causa a sua saúde e bem-estar face aos problemas de insalubridade gerados.
IV - As obras necessárias para debelar essas infiltrações revestem natureza de obras urgentes, não estando a sua realização dependente de uma prévia deliberação favorável da assembleia de condóminos, integrando-se antes nos poderes do administrador (cfr. artigos 1427º, nº 1 e 1436º, al. f), do Código Civil) que as deverá fazer executar contanto disponha de saldo na conta do condomínio para esse efeito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 17669/23.0T8PRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Porto – Juízo Local Cível, Juiz 2


Relator: Miguel Baldaia Morais
1ª Adjunta Desª. Ana Paula Amorim
2ª Adjunta Desª. Maria Fernanda Almeida

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SUMÁRIO
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO

AA, residente na Avenida ..., Porto, instaurou a presente providência cautelar não especificada contra o Condomínio do prédio sito na Avenida ..., ..., no Porto, representado pela sociedade “A..., Lda.”, pedindo que o requerido, com vista a solucionar o problema de infiltrações de água  que se vem registando no interior da sua fração, seja intimado a realizar trabalhos de impermeabilização na fachada do prédio junto à janela do 4.º esquerdo do n.º ...8 ou, caso essa intervenção não resolva esse problema, proceda à retificação dos muretes/platibandas do terraço do 5.º esquerdo.

Para substanciar tais pretensões alegou ser proprietária da fração “T” do prédio sito na Avenida ..., ..., sendo que no seu interior vêm ocorrendo infiltrações de água que têm a sua origem em partes comuns desse edifício.

Acrescenta que, apesar de ter sucessivamente interpelado a administração do condomínio para resolver o problema dessas infiltrações, certo é que, até à data, se continua a registar a ocorrência das mesmas, o que a impede de usar e fruir a sua fração na sua totalidade.

Citado o Requerido deduziu oposição, alegando que a respetiva administradora tem diligenciado pela resolução das infiltrações ocorridas no interior da fração da requerente, tendo inclusive sido objeto de discussão em assembleia de condóminos as intervenções a levar a cabo com esse desiderato, sendo que no dia 10 de outubro de 2023 foi deliberado, pela maioria dos condóminos presentes, não avançar com a realização de qualquer obra seja ao nível da impermeabilização da fachada do prédio junto à janela do 4.º esquerdo do n.º ...8, seja através retificação dos muretes/platibandas do terraço do 5.º esquerdo, por não existir qualquer garantia de que a causa das infiltrações tenham origem nessas partes comuns do edifício e sequer que tais intervenções possam resolver definitivamente o problema dessas infiltrações, deliberando que «deve ser realizado um levantamento mais correto da origem da entrada da água e só assim se avançar com os trabalhos necessários para solucionar o problema na fração T, assim como outros que possam existir».

Adianta ainda que não pode dar satisfação à solicitação da requerente por não existir deliberação da assembleia de condóminos a autorizar a realização das obras por esta requeridas nem a movimentar, para esse efeito, o valor existente no fundo comum de reserva do condomínio.

Realizou-se audiência final com a inquirição das testemunhas arroladas, vindo a ser proferida decisão que não ordenou a providência cautelar requerida.

Não se conformando com o assim decidido, a requerente interpôs o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo da decisão.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES:

i. Face à prova produzida em audiência de julgamento, para além dos factos dados como provados na sentença proferida, o Tribunal a quo deveria ter considerado como provados os seguintes factos:

“A intervenção na fachada na zona do 4.º esquerdo, da entrada ...8 do prédio, realizada através da aplicação de um produto impermeabilizante, seria o procedimento a adotar atentas as circunstâncias para impedir a existência de infiltrações na sala do apartamento da recorrente em caso de ocorrência de chuvas”.

“Na eventualidade da intervenção na fachada não resolver o problema das infiltrações da sala da recorrente, a retificação dos muretes e platibandas do terraço do 5.º esquerdo seria o procedimento a adotar atentas as circunstâncias para impedir a existência de infiltrações na sala do apartamento da recorrente em caso de ocorrência de chuvas”.

ii. A testemunha BB no seu depoimento (cfr. ficheiro da gravação das declarações de BB (sessão de 04/12/2023) entre 04m:54s e 07m:42s, entre 15m:26s e 17m:46s e entre 19m:45s e 20m:25s), a testemunha CC (cfr. ficheiro da gravação das declarações de CC (sessão de 04/12/2023) entre 09m:03s e 09m:14s), bem ainda a testemunha DD (cfr. ficheiro da gravação das declarações de CC (sessão de 04/12/2023) entre 04m:10s e 05m:04s) explicaram que face ao resultado do teste em carga realizado no terraço do 5.º andar esquerdo, as infiltrações na sala da recorrente, à partida, teriam origem na fachada da frente do prédio, na zona do 4.º esquerdo ou nos muretes/platibandas do terraço do 5.º esquerdo.

iii. As três testemunhas recomendaram que, numa primeira abordagem, e de modo a evitar que continuem a ocorrer mais infiltrações, fosse realizada a intervenção na referida fachada através da colocação de um revestimento elástico antifissuras e, em último recurso, se as infiltrações não cessassem teriam de se retificar os muretes/platibandas do terraço do 5.º esquerdo.

iv. Apesar da força intrínseca do depoimento destas testemunhas atento o facto de o seu conhecimento advir da larga experiência profissional adquirida ao trabalharem na área da construção e engenharia civil há vários anos, que não foi contrariado por qualquer outro elemento probatório, o Tribunal a quo não lhe concedeu relevância, nem sequer se pronunciando sobre a sua virtude probatória.

v. Perante os depoimentos acima referidos, resulta que o tribunal a quo não valorou os mesmos de forma correta e adequada.

vi. O que tem uma clara influência na decisão final proferida, inquinando assim a sentença proferida o desfecho do presente procedimento cautelar conforme infra se irá demonstrar.

vii. Para além dos factos referidos no item (i) das conclusões, deveria ter considerado como provado o seguinte facto:

“Sempre que chove há infiltrações na sala do apartamento da requerente”.

viii. Pois, se foram dados como provados os factos 8, 24 e 37, é mais do que suficiente para concluir, acima de qualquer dúvida razoável, que no futuro sempre que chover com maior ou menor intensidade vão ocorrer novas infiltrações na sala do apartamento da recorrente.

ix. O que, alerta-se, entretanto, veio a suceder após a recorrente ter conhecimento da decisão do Tribunal a quo.

x. No caso sub judice, decorre das regras de experiência comum, constatadas de forma empírica por observação dos factos anteriores já dados como provados (cfr. factos n.ºs 8 e 24) que sempre que chover a recorrente terá água a cair na sua sala.

xi. Até porque já entramos na estação do Inverno, avizinha-se um tempo bastante chuvoso e húmido, de onde certamente resultarão (inclusive já resultaram) ainda mais danos na fração da recorrente em virtude das infiltrações de água com os consequentes prejuízos e transtornos perfeitamente evitáveis, caso seja permitida com urgência a referida intervenção na fachada, e caso não resolva o problema, a retificação dos muretes/platibandas do terraço do 5.º esquerdo.

xii. Atente-se, as declarações prestadas pela testemunha DD (cfr. ficheiro da gravação das declarações de CC (sessão de 04/12/2023) entre 13m:04s e 13m:22s).

xiii. Uma vez mais, apesar da força intrínseca do depoimento desta testemunha, que não foi contrariado por qualquer outro elemento probatório, o Tribunal a quo não lhe concedeu relevância.

xiv. Estando provada a existência de infiltrações na fração da recorrente quando ocorrem chuvas, que as intervenções na fachada ou murete/platibanda são a única forma de evitar mais infiltrações e que se entrou no período de inverno, durante o qual ocorrem chuvas com maior frequência e intensidade, é forçoso concluir que existe uma situação grave e urgente que merece a tutela do Tribunal.

xv. Atento o disposto nos artigo 381.º e 387.º do CPC o requerente da providência tem de afirmar a existência do direito tutelado e, por outro lado, o fundado receio de que lhe seja causada lesão grave e dificilmente reparável, bastando para que a providência seja decretada que se conclua pela séria probabilidade da existência do direito invocado (fumus boni júris) e pelo receio, suficientemente justificado, de que a natural demora na resolução definitiva do litígio cause prejuízo irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora).

xvi. Em 30 de dezembro de 2022, o apartamento da recorrente volta a sofrer graves infiltrações em virtude das chuvas que ocorreram nesse dia, causando assim (e novamente, após os que se verificaram em 2021) danos no apartamento – conforme facto provado n.º 8.

xvii. Danos esses que, na presente data (janeiro de 2024) continuam por resolver!!!

xviii. Ainda, na noite de 20 para 21 de setembro de 2023, uma vez mais, ocorrem infiltrações na sala da habitação da recorrente exatamente nos mesmos sítios – conforme facto provado n.º 24.

xix. Voltando a suceder o mesmo já depois de instaurada a presente providência cautelar, conforme foi documentado nos autos por requerimento e fotografias.

xx. Conforme se referiu, o problema não foi ainda resolvido e de cada vez que chove com alguma intensidade, entra água no apartamento da recorrente.

xxi. O que é reconhecido pela recorrida.

xxii. Mas que nada fez com vista a resolver este problema que reconhece, limitando-se a realizar testes em carga mais de 6 (seis) meses após as primeiras infiltrações (30 de dezembro de 2022).

xxiii. Verifica-se um elevado teor de humidade em toda a sala – conforme facto provado n.º 20 – estando inclusive a alastrar-se para as restantes áreas da habitação.

xxiv. Encontra-se atualmente num ambiente propício para desenvolver graves e sérios problemas de saúde, pois, é facto notório que a humidade e o bolor, ademais da proliferação de fungos e bactérias, provocam problemas respiratórios, alergias, asma, dores e, até mesmo, doenças pulmonares!!

xxv. Depois de múltiplas insistências da recorrente, foi possível encontrar um consenso entre o condomínio, representado pela sua administração e a recorrente, no sentido de ser realizada uma intervenção provisória na fachada do edifício, com o intuito de estancar o problema.

xxvi. Porém, a administração do condomínio decidiu submeter à consideração de uma assembleia a realização dessa intervenção, apesar de existirem fundos suficientes na conta de fundo de reserva (cerca de € 9.000,00) para realizar essa intervenção (com um custo entre os € 5.650,00 e os € 5.850,00).

xxvii. Assembleia essa que, inexplicavelmente, decidiu não aprovar a realização dessa intervenção, prejudicando, de forma inadmissível, os interesses da recorrente.

xxviii. Aprovando que essa intervenção deveria ocorrer no âmbito de uma intervenção obra muito mais abrangente, que abarcasse a totalidade do prédio.

xxix. Obra essa que, decorridos quase três meses dessa assembleia (10 de outubro de 2023) ainda nem sequer foi aprovada!

xxx. Existindo apenas um levantamento de patologias e um caderno de encargos.

xxxi. Os quais foram apresentados aos condóminos numa assembleia realizada no passado dia 03 de janeiro de 2024 – cfr. documento n.º 2 ora junto - a qual deveria ter sido realizada em 19 de dezembro de 2023, de acordo com o referido pela testemunha EE no seu depoimento.

xxxii. Depoimento este que, ao referir a data de 19 de dezembro de 2023, enganou o tribunal a quo criando a expetativa de celeridade por parte da administração do condomínio na resolução do problema – cfr. depoimento da testemunha ao minuto [00:08:38].

xxxiii. Mentindo ainda quando referiu no seu depoimento que o que iria ser apresentado nessa assembleia (que não se realizou na data de 19 de dezembro de 2023, mas apenas a 03 de janeiro de 2024) era um mix de 3 em 1, ou seja, um levantamento de patologias, um caderno de encargos e uma estimativa de orçamento, de modo a que os condóminos pudessem ter consciência do custo dessa intervenção.

xxxiv. Ora, na presente data, não há qualquer estimativa de custo para realização da obra, existindo apenas um levantamento de tipologias e um caderno de encargos, não tendo sido sequer aprovada ainda a realização da obra!

xxxv. Pois o ponto 5 da ordem de trabalhos não foi votado.

xxxvi. Decorridos assim, quase 3 (três) meses da famosa assembleia que rejeitou a intervenção na fachada e nos muretes do 5.º andar esquerdo temos… “uma mão cheia de nada!!!!”

xxxvii. Nem se prevê que tal venha a suceder a breve prazo, de acordo com as próprias declarações prestadas pelo gerente da empresa “A...” que administra o condomínio recorrido e que acima se transcreveram entre os minutos 32 e 37.

xxxviii. Foi o próprio gerente que referiu não ter qualquer solução para o problema da recorrente que não seja a realização de uma obra de âmbito geral a todo o edifício.

xxxix. E quando? Não sabe, pois para tal é necessariamente estar previamente reunido todo o valor necessário para liquidar essa mesma obra, que, com toda a certeza, custará centenas de milhares de euros!

xl. Quando, na presente data, essas obras ainda nem sequer foram aprovadas, não existindo na presente data qualquer estimativa orçamental para as mesmas – cfr. página 8 do documento n.º 3 junto com as presentes alegações.

xli. Assim, considerando como provados os factos acima referidos nas conclusões (i) e (vii), terá forçosamente que ser alterada da decisão final, determinando-se que existe, na realidade, um perigo iminente para a recorrente, devendo ser decretada a providência requerida.

xlii. Sobre recorrida impende, por força da lei, o dever de atuação no sentido de reparar as partes comuns de forma a evitar danos acrescidos na fração propriedade da recorrente - trata-se de uma manifestação dos chamados deveres de prevenção no tráfego jurídico que impõe a quem está em condições de os evitar que atue de forma a evitar que outrem sofra prejuízos desnecessários.

xliii. Por atos conservatórios entendem-se os adequados a evitar a degradação ou destruição do conjunto de elementos que integram as suas partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal.

xliv. Ora, a fachada do prédio junto à janela do 4.º esquerdo, bem ainda os muretes/platibandas do terraço do 5.º esquerdo, onde devem ser realizadas as intervenções constituem uma parte comum do edifício – cfr. art. 1421.º do CC.

xlv. A este propósito, atente-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto no processo 972/14.8T8GDM.P1: “Tratam-se, pois, quer as fachadas (paredes), quer o terraço de cobertura – e ainda que o uso exclusivo de tal terraço se encontre atribuído no título constitutivo a outra ou outras fracções do mesmo edifício –, de partes obrigatória ou necessariamente comuns, como decorre do preceituado no art. 1421º, n.º 1 als. a), quanto às fachadas, e b), quanto ao terraço de cobertura. Com efeito, como sustenta a maioria da doutrina e jurisprudência, em relação aos terraços a obrigatoriedade da sua comunhão verifica-se desde que eles sejam de cobertura, fazendo parte da estrutura integral do edifício e servindo o interesse de protecção do mesmo perante os factores climatéricos ou atmosféricos, independentemente de assentarem sobre o último piso ou um piso intermédio e de estarem afectos ao uso exclusivo de uma fracção.”

xlvi. Tal como a intervenção na fachada do prédio junto à janela do 4.º esquerdo e a retificação dos muretes/platibandas do terraço do 5.º esquerdo se integram nos designados atos conservatórios.

xlvii. Não se trata de uma obra de requalificação!! Estamos sim perante uma reparação indispensável e urgente de conservação verificada numa parte comum do edifício que padece de anomalias causadoras de infiltrações na fração da recorrente.

xlviii. Impendem deveres não só, sobre a administração do condomínio como sobretudo sobre os condóminos através da respetiva assembleia por forma a que de tais partes comuns não decorram danos para terceiros ou para outro condómino, ao nível da sua própria fração autónoma, como é o caso dos autos.

xlix. Constituiu por isso uma obrigação para a Administração do Condomínio a realização da intervenção na fachada (e se necessário a retificação dos muretes/platibanda) dispondo, pelo menos na conta de fundo de reserva, de valores suficientes para pagar essas mesmas obras!

l. Pelo que não podem os condóminos, em Assembleia, votar contra a realização da intervenção na fachada – necessária à urgente reparação da parte comum do prédio (fachada e/ou murete) para estancar as infiltrações na sala da fração da recorrente – precisamente por estarem a privar a recorrente do seu direito pleno de gozo e fruição relativamente à sua fração, com os inerentes prejuízos decorrentes dessa privação e das infiltrações.

li. Trata-se, pois, de uma obrigação legal, e que, portanto, não está na disponibilidade dos condóminos.

lii. Por último, é referido na sentença posta em crise que os condóminos, na ata da assembleia de 10 de outubro, terão referido que “os condóminos presentes, após este levantamento e a obtenção de orçamentos por parte de empresas da especialidade, irão dar prioridade à zona do 4.º esquerdo, da entrada ...8”.

liii. Ora, tal afirmação é um logro e apenas serviu para iludir o tribunal a quo! Que prioridade pretendem dar os condóminos ao assunto do imóvel da recorrente, quando, na presente data, ainda nem sequer foram aprovadas as obras a realizar?

liv. A decisão do tribunal a quo, conforme já se referiu, é uma verdade contradição entre os factos provados e a sentença!!!!

lv. Ao confirmar-se esta decisão (o que não se espera por parte deste Digníssimo Tribunal) significa que a recorrente vai passar o inverno de 2023/2024 com água a entrar pela sua sala e, obviamente, irá suceder o mesmo no outono e inverno de 2024 e 2025!!!

lvi. Que justiça é esta que não valora o direito da recorrente em pretender ver reparada uma situação em que a sua propriedade e o seu bem-estar são afetados por problemas em zonas comuns do prédio em que habita?

lvii. O que pretende a justiça? Que a recorrente volte a instaurar uma nova ação/procedimento cautelar daqui a um ano, quando ainda nem sequer as obras de renovação terão começado? Como acha a justiça que a recorrente vai continuar a habitar um imóvel que na sua sala de estar e jantar tem infiltrações de águas sempre que chove? Quem suporta os encargos com tudo isto?


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         Notificado o requerido apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.


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         Após os vistos legais, cumpre decidir.


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II- DO MÉRITO DO RECURSO


1. Definição do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].

Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, são as seguintes as questões solvendas:
- determinar se o tribunal a quo incorreu num error in iudicando, por deficiente avaliação ou apreciação das provas e assim na decisão da matéria de facto;

- decidir em conformidade face à alteração, ou não, da materialidade objeto de impugnação, mormente saber se estão verificados os pressupostos de que depende o decretamento da providência cautelar não especificada impetrada pela requerente.


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2. Recurso da matéria de facto

2.1. Factualidade considerada provada na decisão

O tribunal de 1ª instância considerou “indiciariamente provados” os seguintes factos:

1. A requerente é proprietária da fração “T” do prédio sito na Av. ..., ..., na cidade do Porto, descrito na CRP do Porto sob o n.º ...00, freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o atual artigo ...60.º da UF ..., ... e ....

2. A sociedade A..., Lda. é a administradora do condomínio.

3. No ano de 2021, verificaram-se infiltrações de água na sala (fachada poente) da fração autónoma da Requerente.

4. Em face do referido em 3. Foram efetuadas reparações no tubo de queda das águas do terraço do 5º andar esquerdo da entrada ...8”.

5. A Requerente enviou correspondência eletrónica à administração de condomínio.

6. Em 21 de setembro de 2021, a seguradora “B...” transferiu para a Requerente o valor de € 2.420,00, valor este respeitante ao orçamento que a requerente tinha remetido à seguradora para realização das obras na sua fração.

7. A Requerente, procedeu à reparação da sua habitação.

8. Em dezembro de 2022, a Requente voltou a ter infiltrações de água na sala da sua fração.

9. Nesse mês a Requerente comunicou à administração de condomínio o referido em 8.

10. Em março de 2023 a administração do condomínio participou à seguradora o sinistro que lhe foi comunicado pela Requerente.

11. Vindo a seguradora a declinar a responsabilidade.

12. Através de carta datada de 10 de abril de 2023, a seguradora “B...” comunicou à administração do condomínio que não se encontravam reunidas as condições para acionamento do seguro, pois as infiltrações ocorridas tiveram origem no terraço do 5.º esquerdo, “(…) por falta de estanquicidade resultante da deficiente impermeabilização, conforme esclarecimentos prestados pelo perito.”

13. O referido em 12., também foi comunicado pela seguradora à Requerente.

14. A Administração do condomínio solicitou a realização de testes em carga no terraço do 5.º esquerdo em junho de 2023 contratando a empresa C....

15. Na deslocação realizada, a mencionada “C...” verifica que havia água por debaixo da tela, que se encontrava descolada, o que era impeditivo da realização do teste em carga.

16. Em 29 de junho de 2023, a empresa que em 2021 já havia efetuado a reparação na tela do 5.º esquerdo voltou a ser contratada pela administração do condomínio para efetuar nova reparação do terraço.

17. Reparado novamente o problema da água na tela do 5.º esquerdo, foi possível realizar o “teste em carga” no terraço deste apartamento, o qual ocorreu em 11 de julho de 2023.

18. Este “teste em carga” foi inconclusivo.

19. Foi necessário realizar um segundo “teste em carga” em setembro de 2023.

20. Em agosto de 2023 verificou-se um elevado teor de humidade nas superfícies, do teto, paredes e painéis de madeira lacados da sala da fração da Requerente.

21. Foi comunicado à Requerente que a origem do problema poderia estar na fachada principal ao nível da fração e platibanda superior de fissuras no revestimento final e que o mesmo se apresenta com sinais de desgaste em face da exposição aos agentes externos.

22. O “teste em carga” realizado no dia 5 de setembro deu negativo, tendo sido afastada a possibilidade da origem da infiltração de água na fração da Requerente poder estar relacionada com o chão do terraço do 5.º esquerdo.

23. No alçado do terraço do 5.º esquerdo verificam-se danos estruturais com indícios de escorrimentos.

24. Na noite de 20 para 21 de setembro de 2023, verificou-se bastante chuva verificando-se infiltração de água junto à janela da sala da Requerente.

25. Foi solicitado orçamento de empresa de alpinismo para a realização de intervenção na fachada frente, na zona do 4º esquerdo, da entrada ...8, tendo em vista minimizar a entrada de água na sala da fração da Requerente.

26. A administração do condomínio comunicou à Requerente os orçamentos apresentados pela sociedade “D...” nos valores de € 5.650,00 e € 5.850,00, acrescidos de IVA.

27. Os orçamentos foram sujeitos à votação na assembleia de condóminos realizada no dia 10 de outubro de 2023.

28. À data na conta de fundo de reserva o condomínio tinha um saldo disponível de cerca de € 9.000,00.

29. Na assembleia de condóminos, a maioria decidiu votar contra a realização desta intervenção, optando pela realização de um levantamento total de todos os problemas e patologias do prédio, a que se seguirá a apresentação de um caderno de encargos que terá que ser aprovado pelos condóminos, seguindo-se a apresentação de orçamentos por parte de algumas empresas para realização de uma empreitada com vista a resolver os problemas de todo o prédio e ainda a cobrança de uma quota extra para realização dessa mesma obra.

30. A concretização do referido em 29. poderá implicar cerca de um ano e meio.

31. A Requerente, pelo menos, desde dezembro de 2022, tem problemas de infiltrações na sala da sua fração.

32. Existem reclamações de infiltrações noutras frações do prédio.

33. O prédio urbano no qual está integrada a fração autónoma propriedade da Requerente tem mais de 45 anos.

34. Está localizado em primeira linha de mar.

35. Os problemas de infiltrações em partes comuns e no interior das frações já se verificam há algum tempo, tendo sido objeto de discussão em assembleias de condóminos as intervenções a fazer com vista à resolução dos problemas detetados.

36. Na assembleia de condóminos de 10 de outubro de 2023, foi deliberado a adjudicação da elaboração do caderno de encargos à empresa “E...”.

37. Da ata da assembleia de condóminos realizada em 10 de outubro de 2023 consta que: “PONTO 2 - APRESENTAÇÃO, DISCUSSÃO E DELIBERAÇÃO DA REALIZAÇÃO DE TRABALHO PONTUAL NA FACHADA FRENTE, NA entrada ...8, ZONA DO 4º ESQUERDO; APRESENTAÇÃO DE ORÇAMENTOS E PRAZOS DE PAGAMENTO; Neste ponto foram os presentes informados sobre a situação da fração T, referente ao 4º esquerdo, da entrada ...8. Esta situação tinha sido já abordada na assembleia realizada em abril de 2023, na qual a proprietária informou que estava com problemas de infiltrações na sua fração, na zona da sala. Nessa assembleia foi apresentado relatório por parte da condómina com a indicação que a infiltração tinha origem, no terraço de cobertura da fração X, referente ao 5º esquerdo, da mesma entrada. Conforme decidido, foram realizados dois testes de carga no terraço do 5º piso e segundo os relatórios da empresa contratada verificou-se que a infiltração não tinha origem naquela zona como referido no relatório apresentado pela condómina na assembleia de 19 de abril de 2023, emitido pela companhia de seguros B.... Aliás os testes de carga quer a esse terraço quer ao terraço do 5º Direito, da mesma entrada provaram que os mesmos estavam estanques, não tendo existido qualquer infiltração nas 72 horas que os mesmos estiveram à carga sendo que o 5º esquerdo, esteve mais que uma vez à carga sem qualquer infiltração detetada. Após estes testes, foi contratado o Eng.º FF por parte da proprietária da fração T (4º Esqº), que em reunião com empreiteiro da empresa D..., concluíram que provavelmente a situação podia ter origem na fachada do prédio e/ou nos muretes tendo sugerido que fossem feitos os respetivos trabalhos de impermeabilização da zona, na fachada frente, ao nível do 4º esquerdo, entrada ...8. De imediato a administração procedeu à recolha de orçamento para o efeito, tendo sido apresentados dois orçamentos, um a ser realizado através de alpinismo e um outro através da utilização de plataforma elevatória, ambos da empresa D..., empresa que tem seguido desde de 2022 estes problemas. Estes orçamentos tinham o custo de 5.650,00€ e 5.850,00€ mais IVA, respetivamente, conforme comunicado aos condóminos presentes. Foram os presentes informados pela administração que a obra deveria ser realizada pelo condomínio, dado que a infiltração começa a criar problemas de insalubridade à proprietária, que por diversas vezes alertou a administração e inclusivamente os condóminos na assembleia passada, apesar de a origem por ela apontada não ser a correta. Foram, ainda, os presentes informados que tem a administração manifestado por diversas vezes a prontidão para a tentativa de resolução do problema, no menor espaço de tempo e com a máxima eficácia, mostrando-se disponível para todas as solicitações da proprietária, quer pelos diversos e-mails, quer por diversas chamadas telefónicas assim como presencialmente nas diversas reuniões tidas. Após este esclarecimento a proprietária da fração T pediu a palavra fazendo a seguinte declaração de voto: “Antes de iniciarmos o ponto 2 da ordem de trabalhos, em que se irá debater a “Apresentação, discussão e deliberação da realização de trabalho pontual na fachada frente, na entrada ...8, zona do 4º esquerdo; apresentação de orçamentos e prazos de pagamento pretendo fazer uma declaração que, obrigatoriamente, tem que ficar a constar da ata desta assembleia. Quero alertar todos os meus vizinhos para a situação que se arrasta há vários anos na minha fração e que resulta da inércia da administração de condomínio. Todos têm conhecimento, de uma forma detalhada, do que se passa com a minha fração, uma vez que na passada semana foi entregue a todos os condóminos uma carta elaborada por mim com explicação minuciosa de tudo o que se passou nos últimos anos. Gostaria de alertar que, depois da realização dos testes que a administração do condomínio entendeu fazer no 5.º esquerdo, os quais se estenderam desde o final de junho até ao passado dia 05 de setembro, apenas no dia 25 de setembro foi possível obter os orçamentos para a realização de uma intervenção (a qual alerto que foi aprovada pela administração do condomínio) na fachada por cima da janela virada a poente do meu apartamento. A administração do condomínio, depois de muitas insistências dos meus advogados, forneceu o saldo da conta do fundo de reserva comum existente (atualmente ascende a € 9.000,00) e, apesar deste valor, recusaram-se a realizar a intervenção previamente acordada, a qual tem um custo que varia entre € 5.650, 00 e € 5.850,00. Essa intervenção consiste na colocação de um revestimento elástico antifissuras na zona da fachada para, no caso da entrada de água ser pela fachada exterior, evitar que sempre que chova essa água entre na minha fração, como aconteceu no passado dia 21 de setembro de 2023. Esta é sempre uma solução provisória e, a seu devido tempo, caso se confirme que a entrada de água se dá pela fachada externa então teremos que pensar numa solução duradoura para todo o prédio. Alerto para o facto de os técnicos (da A... e o por mim contratado) estarem de acordo que este pode ser apenas parte do problema e que, se ainda assim, com o revestimento antifissuras a água tornar a entrar na minha habitação, então o mais certo é que também os muretes/platibandas por cima da minha fração estejam degradados e seja esta a origem ou então também parte do problema. Mas, este é o rumo, segundo os técnicos, mais eficaz e menos custoso para se descobrir o problema da entrada de água. O fundo comum de reserva serve para ser utilizado para intervenções nas zonas comuns do edifício (como é o caso da fachada) e para este tipo de intervenções não é necessária qualquer autorização de uma assembleia de condóminos. Esta autorização é apenas necessária quando se pretende utilizar o fundo de comum de reserva para outros fins que não a reparação de zonas comuns do imóvel. Os meus advogados alertaram a administração do condomínio para esta situação, citando e transcrevendo os artigos da Lei que regulamenta a utilização do fundo comum de reserva, porém a administração decidiu “empurrar” este assunto para a assembleia. Assim, com esta declaração, quero apenas apelar e alertar a todos os meus vizinhos da urgência da intervenção que tem que ser efetuada e para o risco que todos correm caso não seja aprovada nesta assembleia a imediata realização desta utilizando-se o fundo de reserva comum. Se caso não acontecer, serão todos os condóminos e a própria administração responsabilizados pelos prejuízos passados, presentes e futuros na minha habitação, o que será tratado nos tribunais, pois não posso passar outro inverno com água a entrar na minha habitação sempre que chove. Sobre a declaração efetuada a administração recusa liminarmente qualquer responsabilidade e/ou inércia conforme está devidamente comprovado nas centenas de documentos e nos diversos testemunhos das várias entidades que têm seguido este problema. Após alguns esclarecimentos sobre a situação que se encontrava a ser debatida, relativa à adjudicação do teste proposto na fachada do prédio, da zona em causa (4º esquerdo, entrada ...8) pelos condóminos presentes foi referido que entendiam a situação da vizinha e compreendiam que a mesma tenha a necessidade de resolver o problema da sua infiltração, contudo referiram que existem outros problemas no prédio que carecem, de igual forma, de reparação urgente e que deve ser tal tido em conta. Pela presidente da mesa foram os presentes alertados e aconselhados a realizar os trabalhos anteriormente indicados para que pelo menos se conseguisse dar mais alguns passos na tentativa de resolução deste assunto. No entanto, consideram os restantes condóminos que não se deve avançar com esta obra pontual uma vez que não existe qualquer garantia de que o problema seja naquela zona e que a solução apresentada seja definitiva. Consideram, os mesmos, que deve ser realizado um levantamento mais correto da origem da entrada de água e só assim se avançar com os trabalhos necessários para solucionar o problema na fração T, assim como outros que possam existir. Posto isto, foi colocado à consideração dos presentes avançar com a realização dos trabalhos apontados, anteriormente pela administração, tendo esta proposta obtido o voto a favor da fração T (4,39%), as abstenções das frações D e S (8,26%) e os votos contra das restantes frações presentes (52,95%). Mais uma vez os presentes manifestaram que não são contra a reparação, apenas pretendem que a mesma seja realizada de forma definitiva e eficaz, não só para esta fração, mas para todas as outras que possuem problemas idênticos. VOTAÇÃO: Reprovado por maioria (52,95%) com o voto a favor da fração T (4,39%) e a abstenção da fração D e S (8,26%). PONTO 3 - APRESENTAÇÃO, DISCUSSÃO E DELIBERAÇÃO DA REALIZAÇÃO DE CADERNO DE ENCARGOS; APRESENTAÇÃO DE ORÇAMENTOS E PRAZOS DE PAGAMENTO; Neste ponto ausentou-se a condómina da fração T passando o quórum para 61,21 %. A representante da administração, informou os presentes que tinham sido solicitados orçamentos para a elaboração do Caderno de Encargos do edifício, dadas as patologias existentes no prédio, que os diversos proprietários têm reclamado, ao longo dos últimos anos e como ficou evidente no ponto anterior. Foram obtidas três propostas, das seguintes empresas: F..., G... e E..., conforme já enviado anteriormente, por e-mail, a todos os condóminos. Foram, ainda, informados que se encontravam presentes os representantes da empresa E..., a convite dos moradores, para que pudessem ser esclarecidas todas as dúvidas sobre a realização deste caderno de encargos. Após os esclarecimentos por parte do Eng.º GG e da Arq.ª HH passou-se à deliberação de realizar o caderno de encargos. Colocada à votação a realização do Caderno de Encargos a mesma obteve a unanimidade dos votos a favor Seguidamente foram os presentes questionados qual a proposta que deveria ser adjudicada, tendo a proposta da empresa E... obtido a unanimidade dos votos a favor (61,21 %). Foram os presentes questionados da forma como deveria o valor da proposta apresentada ser liquidado (2.500,00 € + IVA), tendo sido proposto realizar uma cobrança extraordinária, no mesmo valor de 2.500,00 € + IVA, a ser cobrado numa única prestação, no mês de outubro de 2023. Colocada à votação a presente proposta colheu a unanimidade dos votos a favor (61,21 %). Os condóminos presentes, após este levantamento e a obtenção de orçamentos por parte de empresas da especialidade, irão dar prioridade à zona do 4º esquerdo, da entrada ...8. Nada mais havendo a tratar encerrou-se a assembleia pelas 23:00 horas lavrando-se a presente ata que irá ser assinada pelo presidente da mesa da assembleia e da qual faz parte integrante a lista de presenças assinada nesta assembleia.”


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2.2. Apreciação da impugnação da matéria de facto

Como emerge das respetivas conclusões recursivas, a apelante advoga que deverão constar da materialidade provada as seguintes afirmações de facto (que correspondem a matéria alegada no requerimento inicial, v.g., nos seus artigos 43º, 49º, 54º, 57º, 96º e 97º):

.  “A intervenção na fachada na zona do 4.º esquerdo, da entrada ...8 do prédio, realizada através da aplicação de um produto impermeabilizante, seria o procedimento a adotar atentas as circunstâncias para impedir a existência de infiltrações na sala do apartamento da recorrente em caso de ocorrência de chuvas”;

. “Na eventualidade da intervenção na fachada não resolver o problema das infiltrações da sala da recorrente, a retificação dos muretes e platibandas do terraço do 5.º esquerdo seria o procedimento a adotar atentas as circunstâncias para impedir a existência de infiltrações na sala do apartamento da recorrente em caso de ocorrência de chuvas”;

. “Sempre que chove há infiltrações na sala do apartamento da requerente”.

No que tange às duas primeiras proposições factuais, depois de se proceder à audição integral do registo fonográfico dos depoimentos produzidos na audiência final, verifica-se que sobre essa matéria depuseram com conhecimento direto sobre essa facticidade as testemunhas BB, CC e DD.

BB referiu que, na sua qualidade de engenheiro civil, se deslocou ao ajuizado edifício em diversas ocasiões, tendo visitado a fração da requerente aí percecionando sinais evidentes de infiltrações provenientes da água da chuva, registando a presença de elevado teor de humidades (geradoras de insalubridade) no teto, paredes e painéis de madeira, designadamente na sala dessa fração.

Acrescentou que o problema das infiltrações que se verificam na fração da requerente terá origem na fachada do prédio e/ou nos muretes, indicando como solução técnica para a sua resolução a necessidade de serem feitos trabalhos de impermeabilização da zona, na fachada frente, ao nível do 4º esquerdo, entrada nº ...8, mormente através de colocação de um revestimento elástico anti fissuras nessa fachada.

 Adiantou ainda que os muretes/platibandas que se situam no terraço por cima da fração da requerente estão degradados podendo também tal facto contribuir para a ocorrência das ditas infiltrações.

CC referiu que, na qualidade de técnico coordenador da “C...” (que foi a empresa que, a pedido do condomínio, realizou os “testes de carga” no terraço do 5º esquerdo do edifício) se deslocou a esse imóvel manifestando-se no sentido de que as infiltrações que ocorrem na fração da requerente estarão relacionadas com patologias estruturais, passando a solução pela impermeabilização da fachada. Acrescentou que a reparação da fissuração localizada nos 4º e 5º andares pode não resolver definitivamente o problema das infiltrações na fachada poente do 4º andar (onde se situa a fração da requerente), sugerindo ainda a retificação dos muretes do terraço que situa por cima dessa fração para evitar infiltrações.

DD (colaborador da empresa “D...”) referiu que se deslocou ao edifício a solicitação do condomínio com o propósito, designadamente, de se encontrar a causa da ocorrência das infiltrações que se verificam na fração da requerente.

Adiantou que, em conjunto com o engenheiro FF, chegaram a uma conclusão de que a causa provável dessas infiltrações estaria na fachada ou então nos “muretes guardas” do terraço do andar superior, encontrando-se aquela fissurada.

Acrescentou que face a essa constatação a resposta técnica para o problema passaria por uma intervenção ao nível da fachada do 4º andar (onde se situa a fração da requerente) ou através do tratamento da guarda do murete do terraço, tendo, inclusive, apresentado um orçamento para esse efeito.   

Os referidos depoimentos mostram-se, em grande medida, corroborados pelos suportes documentais juntos com o requerimento inicial como documentos nºs 12, 13 (e registos fotográficos que o acompanham), 16 e 26, de cuja exegese se extrai a confirmação dos problemas que se registam no interior da fração pertencente à requerida, das causas que estão na base das infiltrações que nela ocorrem e das medidas tecnicamente indicadas para a sua resolução.

Como assim, da ponderação desses subsídios probatórios, afigura-se-nos que os mesmos são de molde a justificar a inclusão das mencionadas proposições no elenco dos factos provados, onde passarão a constar (com o nº 38) com a seguinte redação: «Sob o ponto de vista técnico, com vista a solucionar ou mitigar o problema das infiltrações que se registam na fração autónoma da requerente, é recomendada a intervenção na fachada na zona do 4.º esquerdo, da entrada ...8 do prédio, através da aplicação de um produto impermeabilizante e/ou a retificação dos muretes e platibandas do terraço do 5.º esquerdo».

No concernente à terceira afirmação de facto acima referida, a sua confirmação resulta já do que consta dos factos dados como provados, v.g., sob os nºs 8, 20, 24, 31 e 37.

Como quer que seja, a realidade nela vertida mostra-se confirmada quer pelos documentos juntos com o requerimento inicial sob os nºs 14, 15 e 26, quer pelo depoimento adrede prestado por DD que, dada a sua formação técnica, atestou, a dado passo, que “se não se fizer nada provisoriamente nem se fizer obras definitivas, é evidente que vai continuar a entrar água” na fração da requerente. Aliás, neste conspecto, não seria sequer despiciendo apelar às máximas da experiência (que servem de base à emissão do juízo inferencial típico das presunções judiciais), já que, naturalmente, enquanto não estiver resolvida a causa das infiltrações de água proveniente da chuva as mesmas continuarão a ocorrer sempre que se registem episódios de maior pluviosidade.

Deste modo, a aludida proposição passará a constar autonomamente da materialidade provada, onde assumirá o nº 39.


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3. FUNDAMENTOS DE FACTO

Face à decisão que antecede, passa a ser a seguinte a factualidade relevante provada:

1. A requerente é proprietária da fração “T” do prédio sito na Av. ..., ..., na cidade do Porto, descrito na CRP do Porto sob o n.º ...00, freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o atual artigo ...60.º da UF ..., ... e ....

2. A sociedade A..., Lda. é a administradora do condomínio.

3. No ano de 2021, verificaram-se infiltrações de água na sala (fachada poente) da fração autónoma da Requerente.

4. Em face do referido em 3. Foram efetuadas reparações no tubo de queda das águas do terraço do 5º andar esquerdo da entrada ...8”.

5. A Requerente enviou correspondência eletrónica à administração de condomínio.

6. Em 21 de setembro de 2021, a seguradora “B...” transferiu para a Requerente o valor de € 2.420,00, valor este respeitante ao orçamento que a requerente tinha remetido à seguradora para realização das obras na sua fração.

7. A Requerente, procedeu à reparação da sua habitação.

8. Em dezembro de 2022, a Requente voltou a ter infiltrações de água na sala da sua fração.

9. Nesse mês a Requerente comunicou à administração de condomínio o referido em 8.

10. Em março de 2023 a administração do condomínio participou à seguradora o sinistro que lhe foi comunicado pela Requerente.

11. Vindo a seguradora a declinar a responsabilidade.

12. Através de carta datada de 10 de abril de 2023, a seguradora “B...” comunicou à administração do condomínio que não se encontravam reunidas as condições para acionamento do seguro, pois as infiltrações ocorridas tiveram origem no terraço do 5.º esquerdo, “(…) por falta de estanquicidade resultante da deficiente impermeabilização, conforme esclarecimentos prestados pelo perito.”

13. O referido em 12., também foi comunicado pela seguradora à Requerente.

14. A Administração do condomínio solicitou a realização de testes em carga no terraço do 5.º esquerdo em junho de 2023 contratando a empresa C....

15. Na deslocação realizada, a mencionada “C...” verifica que havia água por debaixo da tela, que se encontrava descolada, o que era impeditivo da realização do teste em carga.

16. Em 29 de junho de 2023, a empresa que em 2021 já havia efetuado a reparação na tela do 5.º esquerdo voltou a ser contratada pela administração do condomínio para efetuar nova reparação do terraço.

17. Reparado novamente o problema da água na tela do 5.º esquerdo, foi possível realizar o “teste em carga” no terraço deste apartamento, o qual ocorreu em 11 de julho de 2023.

18. Este “teste em carga” foi inconclusivo.

19. Foi necessário realizar um segundo “teste em carga” em setembro de 2023.

20. Em agosto de 2023 verificou-se um elevado teor de humidade nas superfícies, do teto, paredes e painéis de madeira lacados da sala da fração da Requerente.

21. Foi comunicado à Requerente que a origem do problema poderia estar na fachada principal ao nível da fração e platibanda superior de fissuras no revestimento final e que o mesmo se apresenta com sinais de desgaste em face da exposição aos agentes externos.

22. O “teste em carga” realizado no dia 5 de setembro deu negativo, tendo sido afastada a possibilidade de a origem da infiltração de água na fração da Requerente poder estar relacionada com o chão do terraço do 5.º esquerdo.

23. No alçado do terraço do 5.º esquerdo verificam-se danos estruturais com indícios de escorrimentos.

24. Na noite de 20 para 21 de setembro de 2023, verificou-se bastante chuva verificando-se infiltração de água junto à janela da sala da Requerente.

25. Foi solicitado orçamento de empresa de alpinismo para a realização de intervenção na fachada frente, na zona do 4º esquerdo, da entrada ...8, tendo em vista minimizar a entrada de água na sala da fração da Requerente.

26. A administração do condomínio comunicou à Requerente os orçamentos apresentados pela sociedade “D...” nos valores de € 5.650,00 e € 5.850,00, acrescidos de IVA.

27. Os orçamentos foram sujeitos à votação na assembleia de condóminos realizada no dia 10 de outubro de 2023.

28. À data na conta de fundo de reserva o condomínio tinha um saldo disponível de cerca de € 9.000,00.

29. Na assembleia de condóminos, a maioria decidiu votar contra a realização desta intervenção, optando pela realização de um levantamento total de todos os problemas e patologias do prédio, a que se seguirá a apresentação de um caderno de encargos que terá que ser aprovado pelos condóminos, seguindo-se a apresentação de orçamentos por parte de algumas empresas para realização de uma empreitada com vista a resolver os problemas de todo o prédio e ainda a cobrança de uma quota extra para realização dessa mesma obra.

30. A concretização do referido em 29. poderá implicar cerca de um ano e meio.

31. A Requerente, pelo menos, desde dezembro de 2022, tem problemas de infiltrações na sala da sua fração.

32. Existem reclamações de infiltrações noutras frações do prédio.

33. O prédio urbano no qual está integrada a fração autónoma propriedade da Requerente tem mais de 45 anos.

34. Está localizado em primeira linha de mar.

35. Os problemas de infiltrações em partes comuns e no interior das frações já se verificam há algum tempo, tendo sido objeto de discussão em assembleias de condóminos as intervenções a fazer com vista à resolução dos problemas detetados.

36. Na assembleia de condóminos de 10 de outubro de 2023, foi deliberado a adjudicação da elaboração do caderno de encargos à empresa “E...”.

37. Da ata da assembleia de condóminos realizada em 10 de outubro de 2023 consta que: “PONTO 2 - APRESENTAÇÃO, DISCUSSÃO E DELIBERAÇÃO DA REALIZAÇÃO DE TRABALHO PONTUAL NA FACHADA FRENTE, NA entrada ...8, ZONA DO 4º ESQUERDO; APRESENTAÇÃO DE ORÇAMENTOS E PRAZOS DE PAGAMENTO; Neste ponto foram os presentes informados sobre a situação da fração T, referente ao 4º esquerdo, da entrada ...8. Esta situação tinha sido já abordada na assembleia realizada em abril de 2023, na qual a proprietária informou que estava com problemas de infiltrações na sua fração, na zona da sala. Nessa assembleia foi apresentado relatório por parte da condómina com a indicação que a infiltração tinha origem, no terraço de cobertura da fração X, referente ao 5º esquerdo, da mesma entrada. Conforme decidido, foram realizados dois testes de carga no terraço do 5º piso e segundo os relatórios da empresa contratada verificou-se que a infiltração não tinha origem naquela zona como referido no relatório apresentado pela condómina na assembleia de 19 de abril de 2023, emitido pela companhia de seguros B.... Aliás os testes de carga quer a esse terraço quer ao terraço do 5º Direito, da mesma entrada provaram que os mesmos estavam estanques, não tendo existido qualquer infiltração nas 72 horas que os mesmos estiveram à carga sendo que o 5º esquerdo, esteve mais que uma vez à carga sem qualquer infiltração detetada. Após estes testes, foi contratado o Eng.º FF por parte da proprietária da fração T (4º Esqº), que em reunião com empreiteiro da empresa D..., concluíram que provavelmente a situação podia ter origem na fachada do prédio e/ou nos muretes tendo sugerido que fossem feitos os respetivos trabalhos de impermeabilização da zona, na fachada frente, ao nível do 4º esquerdo, entrada ...8. De imediato a administração procedeu à recolha de orçamento para o efeito, tendo sido apresentados dois orçamentos, um a ser realizado através de alpinismo e um outro através da utilização de plataforma elevatória, ambos da empresa D..., empresa que tem seguido desde de 2022 estes problemas. Estes orçamentos tinham o custo de 5.650,00€ e 5.850,00€ mais IVA, respetivamente, conforme comunicado aos condóminos presentes. Foram os presentes informados pela administração que a obra deveria ser realizada pelo condomínio, dado que a infiltração começa a criar problemas de insalubridade à proprietária, que por diversas vezes alertou a administração e inclusivamente os condóminos na assembleia passada, apesar de a origem por ela apontada não ser a correta. Foram, ainda, os presentes informados que tem a administração manifestado por diversas vezes a prontidão para a tentativa de resolução do problema, no menor espaço de tempo e com a máxima eficácia, mostrando-se disponível para todas as solicitações da proprietária, quer pelos diversos e-mails, quer por diversas chamadas telefónicas assim como presencialmente nas diversas reuniões tidas. Após este esclarecimento a proprietária da fração T pediu a palavra fazendo a seguinte declaração de voto: “Antes de iniciarmos o ponto 2 da ordem de trabalhos, em que se irá debater a “Apresentação, discussão e deliberação da realização de trabalho pontual na fachada frente, na entrada ...8, zona do 4º esquerdo; apresentação de orçamentos e prazos de pagamento pretendo fazer uma declaração que, obrigatoriamente, tem que ficar a constar da ata desta assembleia. Quero alertar todos os meus vizinhos para a situação que se arrasta há vários anos na minha fração e que resulta da inércia da administração de condomínio. Todos têm conhecimento, de uma forma detalhada, do que se passa com a minha fração, uma vez que na passada semana foi entregue a todos os condóminos uma carta elaborada por mim com explicação minuciosa de tudo o que se passou nos últimos anos. Gostaria de alertar que, depois da realização dos testes que a administração do condomínio entendeu fazer no 5.º esquerdo, os quais se estenderam desde o final de junho até ao passado dia 05 de setembro, apenas no dia 25 de setembro foi possível obter os orçamentos para a realização de uma intervenção (a qual alerto que foi aprovada pela administração do condomínio) na fachada por cima da janela virada a poente do meu apartamento. A administração do condomínio, depois de muitas insistências dos meus advogados, forneceu o saldo da conta do fundo de reserva comum existente (atualmente ascende a € 9.000,00) e, apesar deste valor, recusaram-se a realizar a intervenção previamente acordada, a qual tem um custo que varia entre € 5.650, 00 e € 5.850,00. Essa intervenção consiste na colocação de um revestimento elástico antifissuras na zona da fachada para, no caso da entrada de água ser pela fachada exterior, evitar que sempre que chova essa água entre na minha fração, como aconteceu no passado dia 21 de setembro de 2023. Esta é sempre uma solução provisória e, a seu devido tempo, caso se confirme que a entrada de água se dá pela fachada externa então teremos que pensar numa solução duradoura para todo o prédio. Alerto para o facto de os técnicos (da A... e o por mim contratado) estarem de acordo que este pode ser apenas parte do problema e que, se ainda assim, com o revestimento antifissuras a água tornar a entrar na minha habitação, então o mais certo é que também os muretes/platibandas por cima da minha fração estejam degradados e seja esta a origem ou então também parte do problema. Mas, este é o rumo, segundo os técnicos, mais eficaz e menos custoso para se descobrir o problema da entrada de água. O fundo comum de reserva serve para ser utilizado para intervenções nas zonas comuns do edifício (como é o caso da fachada) e para este tipo de intervenções não é necessária qualquer autorização de uma assembleia de condóminos. Esta autorização é apenas necessária quando se pretende utilizar o fundo de comum de reserva para outros fins que não a reparação de zonas comuns do imóvel. Os meus advogados alertaram a administração do condomínio para esta situação, citando e transcrevendo os artigos da Lei que regulamenta a utilização do fundo comum de reserva, porém a administração decidiu “empurrar” este assunto para a assembleia. Assim, com esta declaração, quero apenas apelar e alertar a todos os meus vizinhos da urgência da intervenção que tem que ser efetuada e para o risco que todos correm caso não seja aprovada nesta assembleia a imediata realização desta utilizando-se o fundo de reserva comum. Se caso não acontecer, serão todos os condóminos e a própria administração responsabilizados pelos prejuízos passados, presentes e futuros na minha habitação, o que será tratado nos tribunais, pois não posso passar outro inverno com água a entrar na minha habitação sempre que chove. Sobre a declaração efetuada a administração recusa liminarmente qualquer responsabilidade e/ou inércia conforme está devidamente comprovado nas centenas de documentos e nos diversos testemunhos das várias entidades que têm seguido este problema. Após alguns esclarecimentos sobre a situação que se encontrava a ser debatida, relativa à adjudicação do teste proposto na fachada do prédio, da zona em causa (4º esquerdo, entrada ...8) pelos condóminos presentes foi referido que entendiam a situação da vizinha e compreendiam que a mesma tenha a necessidade de resolver o problema da sua infiltração, contudo referiram que existem outros problemas no prédio que carecem, de igual forma, de reparação urgente e que deve ser tal tido em conta. Pela presidente da mesa foram os presentes alertados e aconselhados a realizar os trabalhos anteriormente indicados para que pelo menos se conseguisse dar mais alguns passos na tentativa de resolução deste assunto. No entanto, consideram os restantes condóminos que não se deve avançar com esta obra pontual uma vez que não existe qualquer garantia de que o problema seja naquela zona e que a solução apresentada seja definitiva. Consideram, os mesmos, que deve ser realizado um levantamento mais correto da origem da entrada de água e só assim se avançar com os trabalhos necessários para solucionar o problema na fração T, assim como outros que possam existir. Posto isto, foi colocado à consideração dos presentes avançar com a realização dos trabalhos apontados, anteriormente pela administração, tendo esta proposta obtido o voto a favor da fração T (4,39%), as abstenções das frações D e S (8,26%) e os votos contra das restantes frações presentes (52,95%). Mais uma vez os presentes manifestaram que não são contra a reparação, apenas pretendem que a mesma seja realizada de forma definitiva e eficaz, não só para esta fração, mas para todas as outras que possuem problemas idênticos. VOTAÇÃO: Reprovado por maioria (52,95%) com o voto a favor da fração T (4,39%) e a abstenção da fração D e S (8,26%). PONTO 3 - APRESENTAÇÃO, DISCUSSÃO E DELIBERAÇÃO DA REALIZAÇÃO DE CADERNO DE ENCARGOS; APRESENTAÇÃO DE ORÇAMENTOS E PRAZOS DE PAGAMENTO; Neste ponto ausentou-se a condómina da fração T passando o quórum para 61,21 %. A representante da administração, informou os presentes que tinham sido solicitados orçamentos para a elaboração do Caderno de Encargos do edifício, dadas as patologias existentes no prédio, que os diversos proprietários têm reclamado, ao longo dos últimos anos e como ficou evidente no ponto anterior. Foram obtidas três propostas, das seguintes empresas: F..., G... e E..., conforme já enviado anteriormente, por e-mail, a todos os condóminos. Foram, ainda, informados que se encontravam presentes os representantes da empresa E..., a convite dos moradores, para que pudessem ser esclarecidas todas as dúvidas sobre a realização deste caderno de encargos. Após os esclarecimentos por parte do Eng.º GG e da Arq.ª HH passou-se à deliberação de realizar o caderno de encargos. Colocada à votação a realização do Caderno de Encargos a mesma obteve a unanimidade dos votos a favor. Seguidamente, foram os presentes questionados qual a proposta que deveria ser adjudicada, tendo a proposta da empresa E... obtido a unanimidade dos votos a favor (61,21 %). Foram os presentes questionados da forma como deveria o valor da proposta apresentada ser liquidado (2.500,00 € + IVA), tendo sido proposto realizar uma cobrança extraordinária, no mesmo valor de 2.500,00 € + IVA, a ser cobrado numa única prestação, no mês de outubro de 2023. Colocada à votação a presente proposta colheu a unanimidade dos votos a favor (61,21 %). Os condóminos presentes, após este levantamento e a obtenção de orçamentos por parte de empresas da especialidade, irão dar prioridade à zona do 4º esquerdo, da entrada ...8. Nada mais havendo a tratar encerrou-se a assembleia pelas 23:00 horas lavrando-se a presente ata que irá ser assinada pelo presidente da mesa da assembleia e da qual faz parte integrante a lista de presenças assinada nesta assembleia.”

38. (aditado) Sob o ponto de vista técnico, com vista a solucionar ou mitigar o problema das infiltrações que se registam na fração autónoma da requerente, é recomendada a intervenção na fachada na zona do 4.º esquerdo, da entrada ...8 do prédio, através da aplicação de um produto impermeabilizante e/ou a retificação dos muretes e platibandas do terraço do 5.º esquerdo.

39. (aditado) Sempre que chove há infiltrações na sala do apartamento da requerente.


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4. FUNDAMENTOS DE DIREITO

Na decisão recorrida não foi decretada a providência cautelar requerida pela ora apelante com o fundamento de que a factualidade indiciariamente apurada não permite afirmar o preenchimento dos pressupostos necessários para o efeito, mormente porque, apesar de se registarem infiltrações no interior da fração autónoma da requerente, “não resultou demonstrado um perigo eminente para a mesma”.

A apelante rebela-se contra esse segmento decisório, argumentando estarem reunidos os requisitos a que o art. 362º subordina o deferimento da concreta providência que solicitou.

Que dizer?
            Preceitua o n.º 1 do citado preceito legal que «[s]empre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito pode requerer a providência concretamente adequada a assegurar a efectividade deste».
Por seu turno, o artigo 368.º prescreve que a providência é decretada quando houver “[p]robabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão” (nº 1), podendo o tribunal, no entanto, recusar a sua decretação “[q]uando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar” (nº 2 do mesmo normativo).
Tendo por base os referidos normativos vem-se generalizadamente[2] entendendo que o decretamento de uma providência cautelar não especificada (ou comum) depende da concorrência dos seguintes requisitos: (i) que muito provavelmente exista o direito tido por ameaçado, ou que venha a emergir de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor; (ii) que haja fundado receio de que outrem antes de proferida decisão de mérito, ou porque a ação não está sequer proposta ou porque ainda se encontra pendente, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito; (iii) que ao caso não convenha nenhuma das providências tipificadas nos arts. 393º a 427º; (iv) que a providência requerida seja adequada a remover o periculum in mora concretamente verificado e a assegurar a efetividade do direito ameaçado; (v) que o prejuízo resultante da providência não exceda o dano que com ela se quis evitar.
Como se referiu, no caso sub judicio, a divergência recursiva da apelante centra-se primordialmente no preenchimento do segundo requisito enunciado, por considerar que, contrariamente ao que é afirmado na decisão recorrida, a materialidade apurada é de molde a permitir concluir-se pela sua verificação.
A propósito deste requisito[3] no procedimento cautelar comum o legislador foi mais exigente (e, portanto, mais restritivo) na sua formulação do que, em geral, para os procedimentos cautelares específicos: enquanto que para estes basta que se verifique “dano apreciável”, “justificado receio de perda da garantia patrimonial do crédito” ou “justo receio de extravio ou dissipação de bens”, para aquele não basta uma qualquer lesão, tornando-se mister que se esteja perante uma lesão grave e dificilmente reparável do direito.

O legislador exige, pois, que a lesão seja grave e dificilmente reparável, sendo que a utilização da conjunção copulativa significa que não é apenas a gravidade da lesão previsível que justifica a tutela provisória, do mesmo passo que não basta a irreparabilidade absoluta ou difícil, de forma que apenas merecem a tutela provisória as lesões que sejam simultaneamente graves e irreparáveis ou de difícil reparação. Por isso, como sublinha ABRANTES GERALDES[4], ficam afastadas do “círculo de interesses acautelados pelo procedimento comum, ainda que se mostrem irreparáveis ou de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, do mesmo modo que são excluídas as lesões que, apesar de serem graves, sejam facilmente reparáveis”.

A lei optou, assim, por permitir apenas a utilização do procedimento cautelar, expedito e meramente indiciário - em que se não exige uma comprovação segura dos fundamentos da providência requerida - nos casos em que a lesão cujo perigo de verificação fundamente a providência revista natureza grave e de difícil reparação, sendo que nos demais casos (isto é, de receio de lesão não grave ou que não seja de difícil reparação) o legislador, de acordo com a ponderação de interesses que entendeu fazer, considerou não se justificar a utilização de um expediente sumário e escassamente apurado como é o procedimento cautelar não especificado. Por conseguinte, havendo justo receio de lesão de direito, o titular do mesmo terá de recorrer ao meio processual normal - ação -, com a necessidade de uma demorada, segura e amadurecida indagação dos fundamentos da pretensão, para a adoção da providência reparadora de modo definitivo, no fim do processamento normal da ação, se a lesão em causa não revestir a natureza grave e de difícil reparação; caso a lesão se possa qualificar como grave e de difícil reparação, poderá, então e só então, lançar mão do expedito, sumário e urgente procedimento cautelar comum.

Deste modo, a lesão receada pelo requerente, para ser relevante (no sentido de legitimar a via cautelar), tem de ser grave, gravidade essa que se mede em função da dimensão dos danos que possa provocar, ou seja, apenas a lesão que possa vir a desencadear danos de montante considerável deverá ser considerada grave.
Apelando, neste conspecto, ao substrato factual (perfunctoriamente) apurado (cfr., v.g., pontos nºs 8, 20, 21, 23, 24, 25, 29, 31, 32, 35, 37 e 39) dele emerge que se vêm registando infiltrações na fração autónoma pertencente à requerente, as quais provêm de partes comuns do edifício e que têm ocasionado problemas de insalubridade que motivaram já diversas participações à administração do condomínio por banda daquela.
Consequentemente, enquanto não for debelada a causa dessas infiltrações, a requerente verá comprometido o direito de usar e fruir plenamente a sua fração, vendo igualmente posta em causa a sua saúde e qualidade de vida face aos apontados problemas de insalubridade que se registam no interior da mesma, factos estes que, naturalmente, tenderão a agudizar-se com o decurso do tempo.

É certo que os demais condóminos deliberaram não aprovar a realização de qualquer intervenção nas partes comuns do edifício destinadas a solucionar a descrita situação, optando antes - como resultou provado no ponto nº 29 - “pela realização de um levantamento total de todos os problemas e patologias do prédio, a que se seguirá a apresentação de um caderno de encargos que terá que ser aprovado pelos condóminos, seguindo-se a apresentação de orçamentos por parte de algumas empresas para realização de uma empreitada com vista a resolver os problemas de todo o prédio e ainda a cobrança de uma quota extra para realização dessa mesma obra”.
Questão que, então, se coloca é a de saber se será razoável, sob um ponto de vista objetivo, “impor” à requerente que aguarde a concretização de todos esses procedimentos quando é facto ter resultado provado (cfr. ponto nº 30) que tal não ocorrerá antes de decorridos “um ano e meio”.
Tendo em conta o quadro factual que logrou demonstração, afigura-se-nos que o mesmo permite suportar afirmação no sentido de que se torna indispensável levar a cabo obras que possibilitem manter as condições de habitabilidade mínimas da fração pertencente à requerente, eliminando ou reduzindo por essa via os impactos negativos que se vêm verificando. Nesse contexto, é à luz do que se dispõe no nº 2 do art. 1427º do Cód. Civil[5] (na redação introduzida pela Lei nº 8/2022, de 10.01), essas obras assumem natureza urgente, não podendo ser adiadas nos termos preconizados na aludida deliberação da assembleia de condóminos, por delas depender, nos termos expostos, o bem-estar e saúde da requerente.
Aliás, neste particular, não será despiciendo sublinhar que, ao invés do que advoga o requerido, a realização desses trabalhos não está dependente de uma deliberação favorável da assembleia de condóminos - já que as obras urgentes em partes comuns constituem uma das situações previstas na lei que não carecem de autorização da assembleia de condóminos -, integrando-se antes nos poderes do administrador (cfr. arts. 1427º, nº 1 e 1436º, al. g), do Cód. Civil[6]) que os deverá executar contanto disponha de saldo na conta do condomínio para esse efeito.
Consequentemente a deliberação a que acima se fez alusão não tem o condão de neutralizar o exercício do direito de ação da requerente em demandar o condomínio para proceder à realização dos trabalhos necessários para solucionar ou mitigar o problema que a aflige.
É sabido que a necessidade da composição provisória que se obtém através de um procedimento cautelar advém do prejuízo que a demora na decisão da ação principal e na composição definitiva causaria à parte cuja situação jurídica merece ser acautelada.
 Com a providência cautelar comum visa-se, precisamente, evitar a lesão grave e dificilmente reparável decorrente da demora na tutela da situação jurídica, assim se contornando o periculum in mora.
No caso vertente esse perigo existe e assume, quanto a nós, a gravidade legalmente suposta, não sendo razoável “obrigar” a requerente a aguardar não menos de um ano e meio até que (eventualmente) se iniciem os trabalhos tendentes a solucionar o problema das infiltrações que se registam no interior da sua fração autónoma, ficando até lá sujeita ao agravamento dos impactos negativos no seu bem-estar e na sua qualidade de vida resultantes da subsistência da situação geradora dessas infiltrações. Tanto basta para que se possa concluir que o receio de lesão grave invocado pela requerente é justo e fundado por estarmos em presença de “lesões” continuadas urgindo prevenir a sua continuação ou a sua repetição, uma vez que se pretende prevenir a ocorrência de novas infiltrações na fração com os inerentes constrangimentos na sua utilização e na saúde da requerente.
Acresce que a realização dos solicitados trabalhos não se revela desproporcionada, tanto mais que, como resultou provado (cfr. ponto nº 28), existe no fundo comum de reserva - que, nos termos legais (art. 4º, nº 1 do DL nº 268/94, de 25.10), está especialmente vocacionado para ser utilizado em situação de necessidade de realização de serviços urgentes em partes comuns, como é o caso da fachada ou dos muretes/platibandas (cfr. art. 1421º, als. a) e b) do Cód. Civil) - montante suficiente que permite levar a cabo as obras que tecnicamente estão indicadas (cfr. ponto nº 38 dos factos provados) para debelar ou, pelo menos, minorar o problema de infiltrações que se registam no interior da fração da requerente e que provêm de partes comuns do edifício onde a mesma se integra.
Afigura-se-nos, assim, estarem in casu demonstrados os pressupostos normativos de que depende o decretamento da requerida providência, entendendo-se ajustado fixar o prazo máximo de 30 dias para o início das obras.
Por conseguinte, impõe a procedência do recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida.


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III- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revogando a decisão recorrida e decretando-se a providência solicitada, em consequência do que se ordena que o requerido diligencie pela realização das requeridas obras (dentro do balizamento que resulta definido nos pontos nºs 28 e 38 dos factos provados), as quais deverão ter o seu início no prazo máximo de 30 dias.

Custas a cargo do apelado (art. 527º, nºs 1 e 2).


Porto, 18/3/2024
Miguel Baldaia de Morais
Ana Paula Amorim
Fernanda Almeida

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[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
[2] Cfr., por todos, ABRANTES GERALDES, in Temas da Reforma do Processo Civil, vol. III, 3ª edição, Almedina, págs. 97 e seguintes, LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE, in Código de Processo Civil Anotado. Vol. II, 3ª edição, Almedina, págs. 5 e seguintes e CARVALHO GONÇALVES, in Providências Cautelares, 2015, Almedina, págs. 168 e seguintes.
[3] Que alguns autores consideram constituir a verdadeira causa de pedir cautelar, assumindo natureza de pressuposto material de concessão da providência cautelar – cfr., neste sentido, RITA LYNCE DE FARIA, in A tutela cautelar antecipatória no Processo Civil Português, Universidade Católica Editora, 2016, págs. 132 e seguintes e RUI PINTO, in A questão de mérito na tutela cautelar – A obrigação genérica de não ingerência e os limites da responsabilidade civil, Coimbra Editora, 2009, págs. 589 e seguintes.
[4] Ob. citada, págs. 101 e seguinte.
[5] No qual se preceitua que «[S]ão indispensáveis e urgentes as reparações necessárias à eliminação, num curto prazo, de vícios ou patologias existentes nas partes comuns que possam, a qualquer momento, causar ou agravar danos no edifício ou conjunto de edifícios, ou em bens, ou colocar em risco a segurança das pessoas».
[6] Afigura-se-nos, com efeito, que do nº 1 do art. 1427º do Cód. Civil pode extrair-se um argumento de texto no sentido de que a realização das obras urgentes pode ser levada a cabo pelo administrador sem necessidade de prévia autorização da assembleia de condóminos (isto é, em primeira linha compete ao administrador diligenciar pela realização dessas obras sem necessidade dessa autorização e somente perante a sua falta, impedimento ou omissão estarão, então, os condóminos legitimados a, de motu proprio, levar a efeito as mesmas - o que não está em causa no presente processo). De igual modo, no contexto, a referência à al. g) do art. 1436º do Cód. Civil, visa sublinhar que compete ao administrador realizar os atos conservatórios nas partes comuns (como é o caso) de modo a evitar a produção de danos seja a terceiros, seja aos condóminos, mormente nas suas frações.