Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | NUNO MARCELO DE NÓBREGA DOS SANTOS DE FREITAS ARAÚJO | ||
| Descritores: | OMISSÃO DE PRONÚNCIA SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA | ||
| Nº do Documento: | RP202410077212/23.7T8PRT.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/07/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | ANULADA | ||
| Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Apenas ocorre nulidade por omissão de pronúncia quando a sentença não aprecia as questões relevantes que deva conhecer, o que não se confunde com considerações, argumentos, factos ou razões invocados pela parte. II - Porém, assume tal natureza de questão, cuja falta de apreciação gera a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, o pedido de suspensão da instância por motivo fundado que uma das partes tenha formulado imediatamente antes da sentença e que nesta não tenha sido apreciado. III - A arguição da nulidade, nos termos dos artigos 199º, n.º 1 e 149º, n.º 1 do Código de Processo Civil, só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que implicitamente, coberta por despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso. IV - Verificada a omissão de pronúncia, o regime previsto no art. 617.º do CPC concede ao juiz de 1.ª instância a oportunidade, ainda que derradeira, antes da subida do recurso, para validamente sanar o vício. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo nº7212/23.7 T8PRT.P1 ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO (3.ª SECÇÃO CÍVEL): Relator: Nuno Marcelo Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo 1.º Adjunto: Teresa Pinto da Silva 2.º Adjunto: Jorge Martins Ribeiro RELATÓRIO. Nos presentes autos de acção declarativa, com processo comum, que A..., Lda. instaurou, contra AA, a autora pediu a condenação da ré no pagamento da quantia de € 189.628,66, alegando, em síntese, que a ré assumiu uma dívida que BB, ex-cônjuge da ré, tinha com a autora por esse montante na partilha dos bens comuns do casal. A ré ofereceu contestação, na qual, em resumo, suscitou as questões da prescrição, do caso julgado, do abuso de direito e da rectificação da partilha por documento elaborado em 26/11/2010. Findos os articulados, foi proferido pela primeira instância o seguinte despacho: Equaciona o tribunal a possibilidade de proferir decisão a julgar improcedentes as exceções alegadas pela ré, no essencial pelas razões que a autora alega na réplica, e a julgar procedente a ação, condenando a ré no pedido, por lhe ter sido adjudicada a dívida (à autora) na partilha do património conjugal com BB, assim como a sua condenação como litigante de má fé por, ao contrário do que veio alegar na contestação, o documento 2 junto com esse articulado, que se refere à retificação da partilha do património conjugal, não ter dado entrada no processo de partilha n.º... da 3.ª Conservatória do Registo Civil do Porto, não tendo essa partilha sido retificada. Não o faz, porém, sem antes dar a possibilidade às partes, designadamente à ré, para se pronunciar. Na sequência, juntou a ré o requerimento de 8/1/2024, visando dar cumprimento ao referido despacho, que concluiu da seguinte forma: Termos em que e nos melhores de Direito: - Deve improceder, pelos motivos expostos, a litigância de má-fé - Se requer que a presente instância seja suspensa, nos termos do artº 272-º nº 1 do C.P. Civil, até que seja proferida decisão no processo de Maior Acompanhado, designadamente quanto á autorização requerida para outorgar a rectificação/emenda das partilhas. A autora respondeu, pugnando pela improcedência do requerido pela contraparte e pela condenação desta como litigante de má-fé. Conclusos os autos, foi então proferida decisão pelo tribunal recorrido, datada de 7/3/2024, que julgou improcedentes as questões da prescrição do crédito da autora, do caso julgado e do abuso de direito, suscitadas na contestação, e apreciando os fundamentos aduzidos na petição inicial, julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré AA a pagar à autora A..., Lda., a quantia de € 189.207,25, acrescida de juros de mora, à taxa de juros civis, desde a citação até integral pagamento. Relativamente à ponderada litigância de má-fé, porém, não decidiu a condenação da demandada. Inconformada com a sentença, veio a ré interpor recurso de apelação, o qual foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. Terminou as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. A Apelante entende que a douta sentença enferma de nulidade, incorreta qualificação da matéria de facto e de erro de julgamento. Nulidade: 2. A decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia relativamente ao requerimento apresentado em 08/01/2024 (ref. 47585128). 3. Por despacho de 30/10/2023 (ref. 453248576), foi ordenado à 3.ª Conservatória do Registo Civil do Porto informação sobre se o documento 2 junto com a Contestação deu entrada no processo n.º 5128/2010 de partilha de património conjugal de BB e AA e, em caso afirmativo, em que data e se em função dele a partilha e adjudicações anteriormente efetuadas, a 22 de outubro de 2010, foi retificada/emendada/alterada e em que termos. 4. Em 09/10/2023, a 3ª Conservatória do Registo Civil do Porto informou que não fora feita qualquer retificação ao procedimento de partilha do património conjugal com o nº ... da 3ª CRCivil do Porto, e que o documento em anexo não constava daquele processo. 5. Em face desta informação, o Tribunal proferiu o despacho de 11/12/2023 (ref. 454891656), a informar as partes, entre o demais, que equacionava a possibilidade de proferir decisão a julgar improcedentes as exceções alegadas pela ré e a julgar procedente a ação, condenando a ré no pedido, por lhe ter sido adjudicada a dívida na partilha do património conjugal com BB, mas antes dava a possibilidade às partes, designadamente à ré, para se pronunciar. 6. Notificada desse despacho, a Ré veio a pronunciar-se através do requerimento apresentado em 08/01/2024 (ref. 47585128), que, por economia processual aqui não se transcreve mas se dá por reproduzido. 7. Nesse requerimento, a Ré veio requerer a suspensão da instância para obter a autorização judicial necessária para suprir a incapacidade do ex-cônjuge que sofre de doença demencial e, dessa forma, poder dar a forma legal ao documento de retificação da partilha datado de 22/10/2010. 8. Caso o Documento de retificação de partilha assinado pelos ex-cônjuges em 26/11/2010 (cerca de um mês após a partilha) não padecesse de vício de forma, deixaria de existir o fundamento em que a Autora se baseia na presente ação. 9. Estando em tempo de validar o referido documento, conferindo-lhe a forma legal, mas necessitando de uma autorização judicial para o fazer por o ex-cônjuge padecer de doença demencial - autorização essa requerida no Processo de maior acompanhado, entretanto instaurado - era justificada a suspensão da instância para permitir à Apelante obter a autorização e proceder à formalização da retificação da partilha. 10. Em 10-01-2024 foi proferido o seguinte despacho com a ref. 455642074, do qual a Apelante não foi notificada: “Aguarde-se o decurso do prazo que tem o Autor para se pronunciar sobre o requerido pela Ré, desconhecendo o Tribunal se aceita a requerida suspensão da instância” 11. A Autora pronunciou-se quanto ao requerido pela Ré, no requerimento que apresentou em 19-01-2024 (ref. 47711623), pugnando pelo seu indeferimento. 12. Sucede que, o Tribunal a quo não tomou qualquer posição sobre o requerimento apresentado pela Ré, designadamente de suspensão da instância, nem nada refere a esse respeito na decisão proferida. 13. O julgador tem o dever de pronúncia ou de decisão, em conformidade com o prescrito no art.º 608º, nº 2 do CPC e as decisões devem ser fundamentadas nos termos do art.º 154º, nº 1 do CPC, o que, in casu, não sucedeu. 14. A omissão de pronúncia sobre questão que deveria ter apreciado traduz a nulidade da mesma, nos termos do art.º 615º, nº 1, al. d) e nº 4 do CPC. 15. O art.º 272º, nº 1 do CPC atribui ao Juiz a possibilidade de ordenar a suspensão da instância quando entenda que há utilidade ou conveniência processual em que a instância se suspensa ou indeferir sempre que entenda que não existe motivo justificado. O que não pode é deixar de tomar posição sobre este requerimento. 16. Não tendo o Tribunal se pronunciado sobre o referido requerimento, é manifesta a omissão de pronúncia sobre a sobredita questão de suspensão da instância, a qual influía sobre a decisão da causa, nos termos das disposições art.º 269º, nº 1, c), 272º, nº 1 e 195º, nº 1, todos do CPC. Impugnação da matéria de facto: 17. Foi dada como não provada a seguinte matéria de facto constante do ponto 12: “A partilha do património conjugal de BB e AA referida em 7) foi corrigida com base no documento datado de 26/11/2010, junto com a Contestação como Documento 2, cujo teor se dá por reproduzido.” 18. Em face do Documento 2 junto com a Contestação, intitulado de “Retificação de Partilhas de BB e AA no dia 25 de Outubro de 2010, na 3ª Conservatória do Registo Civil do Porto, nº ...”, o Tribunal teria de ter dado como provado o referido facto 12). 19. A correção da partilha foi feita pelos intervenientes, ainda que não tenha obedecido à forma legalmente prevista. 20. Esse documento veio a ser apresentado em 18-09-2012, no Processo de execução nº 508/2000-D do 3ª Juízo Cível de Vila Nova de Famalicão, processo este onde a Autora havia pedido a habilitação de cessionária da aqui Apelante para obter o prosseguimento da execução para cobrança desta mesma divida, com base na partilha, e foi-lhe indeferida com o fundamento da falta de titulo de transmissão – cfr. Doc. nº 4 do requerimento apresentado em 06-07-2023, com a ref. 46070434 e Doc. 1 junto com a Contestação. 21. Pelo que, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado a matéria de facto constante do ponto 12) ou, pelo menos, dar como provado que: “Em 26/11/2010 foi elaborado e assinado pelas partes um escrito particular intitulado “Retificação de Partilhas de BB e AA no dia 25 de Outubro de 2010, na 3ª Conservatória do Registo Civil do Porto, nº ..., constante do documento 2, cujo teor se dá por reproduzido”. Erro de Julgamento: 22. O Tribunal a quo entendeu que, na partilha de bens do património conjugal que foi de BB e da ré AA , fizeram estes constar, por acordo, como passivo, a divida de € 189.628,66 à Autora, quando a inclusão desse passivo tratou-se de um erro no relacionamento dos bens. 23. A divida contraída junto da firma “A...” no valor de € 189.628,66, nunca deveria ter integrado a verba nº 8 do Passivo da Relação de Bens Comuns a partilhar, uma vez que não se tratava de uma divida comum. 24. No processo de partilha por divórcio apenas compete relacionar o passivo que onera o património comum, isto é, o que se considera como de responsabilidades de ambos os cônjuges, responsabilidade a apurar de acordo com os comandos dos artigos 1691º, 1693º, nº 2, 1694º, nºs 1 e 2 do Código Civil. 25. Portanto, apenas tal passivo tem de ser relacionado para se proceder posteriormente à sua adjudicação, já não assim, as dívidas da responsabilidade de um dos cônjuges – incomunicáveis. A distinção fundamental em matéria de dívidas dos cônjuges coloca, de um lado as dívidas que responsabilizam ambos os cônjuges – artigos 1691º, nºs 1 e 2, 1694, nºs 1 e 2 – e do outro as que apenas responsabilizam um dos cônjuges – artigos 1692º, 1693º, nº 1, todos do CC. 26. Esse erro influiu na partilha dos bens levando a que fosse adjudicada à Apelante uma divida da qual não tinha qualquer responsabilidade. 27. Pouco tempo após a partilha, os respetivos intervenientes, apercebendo-se do erro, vieram a elaborar um documento particular de retificação de partilhas datado de 26-11-2010 (Documento 2 da Contestação). 28. É certo que o documento em causa padecia de vício de forma, pois foi feito por mero escrito particular quando deveria ter sido feito por escritura pública ou documento particular autenticado. 29. Contudo, era lícito às partes sanar o vicio de que padecia o escrito de “Retificação das Partilhas” mediante a celebração de um novo documento mais solene que respeitasse a forma legalmente exigível e para tanto a Apelante requereu a suspensão da instância. 30. Mesmo que o Tribunal a quo entendesse que o documento de retificação de partilhas era nulo por vicio de forma – o que não fez nem nada disse a este respeito – a verdade é que sempre teria de valorizar como prova a declaração negocial constante do referido escrito, na parte em que respeita à responsabilidade e assunção da divida reclamada pela Autora. 31. Nesse documento, os intervenientes na partilha declararam que o valor do passivo da responsabilidade pessoal da Apelante, no processo nº 508, 3º Juízo do Tribunal Cível de Vila Nova de Famalicão, era apenas de € 49,89, já liquidado e que o valor do passivo de € 89.859,45, mais juros, relativo à divida em que o BB havia sido era da responsabilidade daquele. 32. Independentemente do vicio de forma tornar inválido o Documento 2 em termos de retificação da partilha, designadamente para efeitos de registo predial, a declaração das partes, constante do dito Documento 2, relativamente à divida, deve ser tida como o reconhecimento do erro em que lavraram quando a relacionaram no passivo do património comum e como vontade expressa em o corrigir. 33. O Tribunal a quo não deveria ter entendido que o crédito que a autora tinha foi cedido à ré, pelo que dessa forma celebraram a ré e o seu ex-marido um contrato transmissão de divida, nos termos do artigo 595º, 1, a), do C.C. 34. Pois, tratando-se de uma divida incomunicável, para que ocorresse a transmissão do crédito, teria a Apelante de ter plena consciência de que iria assumir uma divida da exclusiva responsabilidade do ex-cônjuge, o que não sucedeu. 35. A divida não foi assumida por esta como uma transmissão de um débito, mas como adjudicação de um passivo para composição da sua meação no património comum do casal. 36. E tanto assim foi que, logo de seguida, as partes procederam à devida retificação da indevida inclusão da divida no património comum, através da elaboração do aludido Documento 2. 37. E mesmo que se entendesse que ocorreu a transmissão do crédito - o que por mera hipótese académica se admite - sempre se dirá que a declaração contida no documento elaborado em 26-11-2010 (documento 2) consubstanciou um distrate dessa hipotética transmissão, muito antes de a Autora ter dado entrada do pedido de habilitação de cessionário (em 30/03/2011), ato que foi considerado pelo Tribunal como ratificação da transmissão pelo credor. 38. Violou o Mmo Juiz a quo as normas dos supra ditos artigos, designada e mormente os artº 607 nºs 3 e 4, 608º nº 2, 615º nº 1 d) e nº 4, artº 269º nº 1 c) e 272º, nº 1, 195º nº 1 todos do C.P. Civil entendendo, ainda, a ré a não aplicabilidade da assunção de dívida prevista no artº 595º do C. Civil. 39. A decisão a quo fez errada interpretação e aplicação das disposições legais aplicáveis aos factos controvertidos, o que resultou, designadamente, em erro de julgamento. Em consequência, pediu que, concedendo-se provimento ao recurso, (i) seja a sentença declarada nula, ordenando-se o prosseguimento do processo para que seja proferida decisão sobre o pedido de suspensão da instância, a fim de a Apelante poder dar a forma legal à retificação da partilha. E, caso assim não se entenda, (ii) seja alterada a decisão sobre a matéria de facto dando como provado o ponto 12 nos termos supra explanados, substituindo-se a sentença em crise por outra que absolva a Ré do pedido. A autora ofereceu resposta, sem conclusões, na defesa da improcedência do recurso, seja quanto à nulidade da sentença por omissão de pronúncia (já que mencionou que o resultado é sempre a falta de rectificação da partilha, já que a matéria alegada no requerimento da ré de 08/01/2024 não colocava nenhuma questão que tivesse relação com o pedido ou causa de pedir da acção e já que a rectificação agora pretendida realizar, e referida em tal requerimento, seria insusceptível de produzir qualquer efeito em relação à autora), seja a respeito da impugnação da matéria de facto (pois o alegado na contestação foi que o extinto casal havia procedido à rectificação da partilha, o que não se provou, e porque a elaboração do escrito particular intitulado “Rectificação de partilha de BB e AA” foi impugnado pela autora, que invocou a sua falsidade), seja ainda em relação ao alegado erro de julgamento (por ausência de qualquer erro). Em suma, pugnou pela integral improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida. Nada obsta ao conhecimento do recurso, o qual foi admitido pela forma e com os efeitos legalmente previstos. * OBJECTO DO RECURSO.Sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões, as quais, assim, definem e delimitam o objeto do recurso, como decorre do disposto nos arts. 635º/4 e 639º/1 do CPC. Assim sendo, importa em especial apreciar: a) se ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia sobre o requerimento a ela prévio oferecido pela ré, na parte em que requereu a suspensão da instância (conclusões I a XVI); b) na negativa, se foi validamente deduzida e procede a impugnação da matéria de facto, quanto ao ponto 12 dos factos não provados, de modo que lhe seja dada resposta afirmativa ou, pelo menos, que se julgue provado que foi elaborado e assinado pelas partes um escrito particular intitulado “Retificação de Partilhas de BB e AA” (conclusões XVII a XXI); c) e, bem assim, se ocorreu erro no julgamento do tribunal a quo, justificando os factos provados e o direito aplicável decisão de improcedência da acção (conclusões XXII e seguintes). * FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.Quanto à apreciação da nulidade da sentença, a factualidade relevante é a que resulta do relatório, havendo ainda que analisar o despacho proferido pelo tribunal recorrido ao abrigo do disposto no art. 617.º do CPC. Quanto às restantes questões, importa considerar que a matéria julgada provada em primeira instância, sem precedência de audiência de julgamento, foi a seguinte: 1. No processo 508/2000 que correu termos pelo extinto 3º Juízo Cível dos Juízos de Competência Cível de Vila Nova de Famalicão, BB, ex-cônjuge da ré, foi condenado no pagamento à autora da importância de € 89.859,4, acrescida de juros de mora a partir da citação e até integral pagamento, tudo conforme termos do acórdão da Relação do Porto de 12/05/2009, junto como documento 1 com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido. 2. Tendo a ré sido condenada no pagamento, solidariamente com aquele, até ao montante de 249,40€. 3. Daí que a autora haja intentado, contra ambos, em 31/05/2010, ação executiva para pagamento de quantia certa, no valor de €180.598,72, tudo conforme termos do documento 2 com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido. 4. Tendo a executada AA pago, no âmbito desta execução, a referida quantia de 249,40€. 5. BB e a ré AA divorciaram-se em 14/09/2010, por decisão proferida no processo nº 4600/2010 da 3.ª Conservatória do Registo Civil do Porto, tudo conforme termos do documento 3 com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido. 6. Tendo nesse processo o casal junto requerimento a conter a relação de bens comuns, composto pelo seguinte: “ACTIVO I - Bens móveis - Verba nº 1 - Quadros e ouro, no valor de € 154.000,00; - Verba nº 2 - Móveis, máquinas e utensílios, no valor de € 10.000,00; II - Bens Imóveis - Verba nº3 - Prédio urbano destinada à habitação, constituído por casa e rés-dochão, situada na Rua ..., com a matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia ... no Porto, e inscrito na CRP do Porto sob o nº ..., no valor de 125.000,00; - Verba nº4 - Fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao estabelecimento no RC, ns... e ..., da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., e descrito na CRP do Porto sob o nº ... no valor de 125.000,00; Verba nº 5 — Prédio urbano em Espanha sita na povoação ... (...) ..., constituída por um prédio de 450 m2, com as confrontações de N. Propriedade de herdeiros de CC; S. caminho...; E. e O. herdeiros de CC, com a referência cadastral ..., na freguesia ..., ..., ..., no valor de 200.000,00; III - Direitos - Verba nº 6- Trespasse e arrendamento do estabelecimento sito no Largo ... no Porto, no valor de 100.000,00: - Verba nº 7 - Trespasse e arrendamento do estabelecimentos sito no Rua ..., ... no Porto, no valor de 100.000,00; - Verba nº 8 - Trespasse e arrendamento do estabelecimento sito na Rua ..., no valor de 100.000,00; - Verba nº 9 - Crédito a advir no processo 508-A/2000 do 3º Juízo no Tribunal de Vila Nova de Famalicão, no valor de 515.775,00; Viaturas Verba nº 10 - Veículo ligeiro de matrícula ..-..-DF no valor de 1.000,00; Verba nº 11 - Veículo ligeiro de matrícula IX-..-.. no valor de 500,00; II - OUTROS - Não existem outros bens comuns do casal a partilhar.”, tudo conforme termos do documento 4 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido. 7. No procedimento de partilha do património conjugal n.º ..., da 3.ª Conservatória do Registo Civil do Porto, BB e AA procederam a 22 de outubro de 2010 à partilha do património conjugal nos seguintes termos: “RELAÇÃO DE BENS A PARTILHAR ACTIVO IMÓVEIS Verba n°.1: Prédio urbano composto de casa de rés-do-chão e andar, com quintal, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho do Porto, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..., com o valor: Valor patrimonial: €27.811,51 Valor atribuído: € 200.000,00. Que sobre o referido imóvel incide um ónus de arresto conforme apresentação nº 13 de 21/06/2000 e outro de penhora conforme apresentação nº 33 de 14/01/2002, a favor de "A..., Lda". MÓVEIS Verba n°.2: recheio de habitação, composto de quadros, ouro, móveis, electrodomésticos e utensílios, com o valor de € 164.000,00 Verba n° 3: Veículo automóvel com a matrícula ..-..-DF, marca BMW, a qua atribuem o valor de 5.903,66 € Verba n° 4: Veículo automóvel com a matrícula IX-..-.., marca Volkswagen, a que atribuam o valor de 500,00 € DIREITOS Verba n° 5: direito ao trespasse e arrendamento do estabelecimento sito no Largo ..., Porto, com o valor de € 165.000,00 Verba n° 6: direito ao trespasse a arrendamento do estabelecimento sito na Rua ..., Porto, com o valor de € 170.000,00 Verba n°.7: Crédito a advir no processo 508-A/2000 do 3° Juízo no Tribunal de Vila Nova de Famalicão, no valor de € 515.775,00. PASSIVO Verba n°.8: Dívida contraída junto da firma "A... , Lda", no valor de € 189.628,66 PARTILHA Conferidos e aceites os valores do activo e passivo constantes da relação de bens supra os partilhantes acordaram na partilha, parcial dos bens comuns, pela forma seguinte: Bens comuns do casal dissolvido: Valor dos bens comuns: € 1.221.178,66 Valor do passivo a cargo do casal: € 189.628,66 Valor líquido dos bens comuns do casal dissolvido: € 1.031.550,00 Valor da meação: € 515.775,00 Apuramento; Valor líquido da meação: € 515.775,00 ADJUDICAÇÕES: Apurados os valores, acordam fazer a partilha da forma seguinte: BB: Verba n° 7 Valor activo adjudicado: € 515.775,00 Valor passivo adjudicado: € 0,00 Valor a que tinha direito: € 515.775,00 AA: Verba n° 1 Verba n° 2 Verba nº 3 Verba n° 4 Verba n° 5 Verba n° 6 Verba n° 8 Valor activo adjudicado: € 705.403,66 Valor passivo adjudicado: € 189.628,66 Valor líquido adjudicado: € 515.775,00 Valor a que tinha direito: € 515.775,00”, tudo conforme termos do documento 5 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido. 8. BB requereu a sua insolvência, tendo sido decretada a 20/12/2010, tudo conforme termos do documento 7 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido. 9. No processo de insolvência referido em 8), a autora reclamou créditos, tendo recebido a quantia de 421,41€. 10. No processo de insolvência referido em 8), foi proferido despacho final de exoneração do passivo restante. tudo conforme termos do documento 11 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido. 11. A ré não pagou à autora a quantia de 189.628,66€. Por sua vez, foi julgado não provado o facto seguinte: 12. A partilha do património conjugal de BB e AA referida em 7) foi corrigida com base no documento datado de 26/11/2010, junto com a contestação como documento 2, cujo teor se dá por reproduzido. * O DIREITO.Considerando o objecto do recurso acima definido e o disposto no art. 663.º/2 do CPC, importa começar a apreciação jurídica pela questão da alegada nulidade da sentença. Dispõe o art. 615.º/1, al. d), do Código de Processo Civil que é nula a sentença quando, entre o mais, o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Trata-se da consequência prevista para a infracção ao comando do art. 608.º/2 do mesmo diploma legal, segundo o qual, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. Na interpretação dessa causa da nulidade da decisão, a jurisprudência e a doutrina são consensuais no sentido de que as questões cuja falta de apreciação pelo tribunal é susceptível de a gerar identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/5/2022, proferido no processo nº588/14.9TVPRT, disponível na base de dados da Dgsi em linha, e J. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. 5º, p. 143). Está em causa, pois, noutra terminologia, mas com idêntico significado, a necessidade de conhecimento pelo tribunal das questões temáticas centrais, as quais importa não confundir com factos, argumentos, razões ou considerações (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20/5/2024, relativo ao processo nº3489/22.3T8VFR e disponível no mesmo sítio). Na verdade, diferentes das questões a decidir, relevantes para a sentença, são os argumentos e as considerações alegados pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do art. 608.º/2 do Código de Processo Civil. Da mesma forma, a falta de apreciação de algum fundamento fáctico ou argumento jurídico, invocado pela parte, mesmo eventualmente susceptível de prejudicar a boa decisão sobre o mérito das questões suscitadas, apenas pode determinar um eventual erro de julgamento, mas não já um vício (formal) de omissão de pronúncia. Por outro lado, importa distinguir claramente as nulidades processuais, cometidas por acção ou omissão durante o procedimento, das nulidades específicas da sentença. As primeiras, “sendo actos de tramitação processual stricto sensu, que se situam a montante da decisão final, não se confundem com os actos ou omissões praticadas pelo tribunal, já a jusante, no âmbito do processo decisório e com este concomitantes, como integrando este, actos que tangem ao âmago da decisão, nulidades de conhecimento, de índole material decisória, que a lei adjectiva também considera e classifica como nulidades do julgamento ou da sentença” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/10/2022, Nuno Ataíde das Neves, processo nº9337/19.4T8LSB, acessível em texto integral na referida base de dados). Dito por outras palavras, ao passo que as nulidades do procedimento, que estão previstas nos art. 186.º e seguintes do CPC, versam sobre vícios relativos à tramitação processual, as nulidades da sentença decorrem do conteúdo destes actos do tribunal, quando tais decisões não têm o conteúdo que deveriam ter ou têm um conteúdo que não poderiam ter, nos termos dos artigos 615.º, 666.º e 685.º do Código de Processo Civil. Segundo pensamos, estas considerações, sendo essenciais para a boa compreensão da nulidade em questão, são ainda determinantes para concluir que, no caso dos autos, ela está efectivamente verificada, como defende a recorrente, ao arrepio do entendimento da recorrida e nos termos que se passarão a expor circunstanciadamente. Quanto ao enquadramento a título de questão, importa primeiro tomar em consideração que, como causa de pedir, para a pretensão de condenação da ré no pagamento da quantia de € 189.628,66, a autora invocou que aquela assumiu uma dívida que BB, seu ex-cônjuge, tinha com a autora por esse montante, na partilha dos bens comuns do casal outorgada a 22 de outubro de 2010, no procedimento de partilha do património conjugal n.º5128/2010, da 3.ª Conservatória do Registo Civil do Porto. Ao passo que, na contestação, a ré excepcionou, entre o mais, que a partilha acima referida havia sido retificada em 26/11/2010, conforme o documento n.º 2 que juntou nessa peça. Sendo certo que, após averiguação determinada pelo tribunal recorrido, apurou-se que, no referido procedimento n.º..., da 3.ª Conservatória do Registo Civil do Porto, os interessados na partilha não deram entrada de qualquer pedido de rectificação. E foi precisamente na sequência do despacho que, prevenindo a hipótese de proceder ao julgamento imediato do mérito da acção, deu cumprimento, de forma fundada, aliás, ao princípio do contraditório, que a ré formulou o pedido de suspensão da instância. Justificado, em síntese e entre o mais, no facto de, sendo embora certo “que o documento junto com a Contestação como Doc. nº 2 sofre de vício de forma, uma vez que a rectificação /emenda da partilha teria de ser efectuada ou na Conservatória”, a verdade, porém, “é que, o passivo relacionado como bem comum do casal, era da exclusiva responsabilidade do ex-cônjuge e, como tal, nunca deveria ter sido relacionado. Não podendo, a Ré, ser condenada, nos presentes autos, por um erro que subsiste mas que ainda está em tempo de ser sanado, mediante a formalização da rectificação de partilhas” (cfr. arts. 1, 14 e 15 do requerimento de 8/1/2024). Ora, parece-nos evidente, salvo o devido respeito por outra opinião, que este pedido e o seu fundamento estão imediata ou directamente associados à causa de pedir da acção e à excepção deduzida na contestação, visando neutralizar a primeira e manter a eficácia da segunda. Com efeito, no essencial, devidamente interpretado o requerimento em questão, com ele pretendeu a ré, com ou sem razão (pois não é disso que cuidamos neste momento), evidenciar que a rectificação de partilhas, que desde o início aduziu contra a pretensão da autora, embora realizada à data sem a forma exigível, pode ainda ser concretizada válida e eficazmente para a apreciação destes autos, agora com observância das formalidades legais. Algo que, estando claramente associado ao mérito da acção, justifica sem dúvida o enquadramento como “questão”, não devendo olvidar-se ainda, a este respeito, que o documento particular contendo a rectificação de partilhas, a que se refere a contestação, foi apresentado em juízo, no âmbito de outro processo, em 18/09/2012, muito antes da instauração dos presentes autos. Dito por outras palavras, é notório, pois, que aquele pedido de suspensão da instância pode ter repercussão na decisão da causa, por contender com a causa de pedir e de contestar, e merece apreciação. Por outro lado, agora quanto ao enquadramento do vício em apreciação, estando verificado, como nulidade processual ou da sentença, deve registar-se que a suspensão da instância foi requerida pela ré, juntamente com a sua pronúncia sobre o mérito da acção e sobre a sua eventual litigância de má-fé, no momento imediatamente anterior à prolação da sentença recorrida. Como resulta do relatório antecedente, concedida a oportunidade de pronúncia, a ré juntou o requerimento datado de 8/1/2024 que concluiu da forma seguinte: Termos em que e nos melhores de Direito: - Deve improceder, pelos motivos expostos, a litigância de má-fé; - Se requer que a presente instância seja suspensa, nos termos do artº 272 nº 1 do C.P. Civil, até que seja proferida decisão no processo de Maior Acompanhado, designadamente quanto á autorização requerida para outorgar a rectificação/emenda das partilhas. Mais evidenciando os autos que, após a resposta da autora, pugnando pela improcedência do requerido pela contraparte e pela condenação desta como litigante de má-fé, os autos foram conclusos e, acto contínuo, foi proferida a decisão final (7/3/2024). O que significa que a ré não teve oportunidade de suscitar a falta de apreciação do pedido de suspensão em qualquer outro momento, que não no presente recurso, por um lado, e por outro, que com aquela decisão final, o tribunal a quo viu esgotado o seu poder jurisdicional sobre todas as questões relativas ao mérito da causa, nos termos do art. 613.º do CPC e sem prejuízo do disposto no art. 617.º do mesmo diploma. Ora, estas considerações vêm demonstrar que, embora a omissão do tribunal de primeira instância tenha ocorrido perante um requerimento prévio à sentença, o vício em causa, ficando coberto por aquela, passou a inquinar a decisão judicial proferida. Determinando, pois, que a sentença tenha omitido a apreciação de uma questão – o pedido de suspensão da instância – que nela ou antes dela deveria ter sido objecto de conhecimento. No mesmo sentido, decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/7/2019 (tirado no processo nº4794/18.9T8OER e disponível na referida base de dados) que “a arguição da nulidade, nos termos dos artigos 199º, n.º 1 e 149º, n.º 1 do Código de Processo Civil, só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por um qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso”. E também no caso apreciado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/10/2022, acima citado, ocorreu semelhante problema, pois estava em causa, muito sinteticamente, a circunstância de, ao ser proferida a decisão final referente a um incidente de habilitação, ter sido ignorado pelo Juiz da 1ª instância, em momento imediatamente prévio, o deferimento tácito do pedido de apoio judiciário, assim como a não verificação judicial oficiosa da renúncia à herança por parte das recorrentes. Justificando que o STJ, em tal aresto, tenha considerado que as nulidades invocadas deixaram de se inscrever no segmento de desvio do formalismo processual prescrito na lei, como questão de natureza procedimental ou processual, passando a configurar-se, isso sim, “como omissões ou vícios de natureza material ou substantiva, cometidos no próprio momento da decisão, corrompendo esta”. Identicamente, aliás, ao entendimento da doutrina a respeito das designadas decisões surpresa, tal como em situações análogas de repercussão de irregularidades na sentença, “sempre que a nulidade processual apenas seja evidenciada pela própria decisão, o interessado (parte vencida) deve reagir mediante a interposição do recurso sustentado na nulidade da própria decisão, nos termos do art. 615.º, nº1, al. d)” (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª ed., pp. 24-9). Importa por isso concluir que, para além de não ter podido suscitar a questão da falta de apreciação do pedido de suspensão anteriormente, a ré arguiu a questão legal e tempestivamente no recurso. Sendo certo que, face ao disposto no art. 615.º/4 do Código de Processo Civil, as nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 desse preceito legal só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades. Para além disso, impõe-se igualmente relevar que não ocorreu qualquer preclusão para a ré, quanto à dedução do pedido de suspensão, apesar de não o ter formulado logo na contestação. Efectivamente, como resulta do disposto nos arts. 269.º e 272.º do CPC, a suspensão por determinação do juiz pode ocorrer e, logo, ser requerida, em qualquer estado da causa, sem que essa pretensão esteja vinculada à fase dos articulados ou a qualquer outro momento processual. A apreciação deste Tribunal, no entanto, não pode olvidar o essencial, que radica em saber se ocorreu, ou não, a apontada omissão de pronúncia. Questão que se vê relegada para esta fase, apesar da sua essencialidade, apenas porque, na verdade e salvo o devido respeito por outra opinião, é a que oferece maior evidência na resposta, no sentido afirmativo. Com efeito, depois do despacho de observância do contraditório sobre o mérito da acção, veio a ré requerer, entre o mais, que a presente instância seja suspensa, nos termos do artº 272 nº 1 do C.P. Civil, até que seja proferida decisão no processo de Maior Acompanhado, designadamente quanto á autorização requerida para outorgar a rectificação/emenda das partilhas. Ora, vista a sentença recorrida, é simples constatar que ela não contém qualquer decisão nem apreciação sobre o pedido de suspensão da instância, verificando-se igualmente que da sua fundamentação, embora cuidada, nenhum segmento foi ou pode ser utilizado para resolver a questão. A qual, segundo pensamos, justifica a ponderação, entre outras que possam considerar-se pertinentes, das seguintes interrogações: a) Poderá a partilha realizada entre a ré e BB ser ainda emendada? b) Na afirmativa, poderá tal emenda, caso ocorra, produzir algum efeito sobre a autora ou, como esta defende, ser-lhe-á totalmente inócua? c) Em qualquer caso, resultando de certidão junta aos autos que o documento particular contendo a rectificação de partilhas foi elaborado antes de 18/09/2012, data em que foi submetido a juízo, no âmbito de outro processo, e, portanto, antes do início desta acção, tal facto poderá traduzir revogação da transmissão da dívida oponível à autora? Isto para além do eventual apuramento sobre o estado do processo de maior acompanhado relativo ao ex-marido da ré e da possível reflexão sobre o motivo para que, na referida partilha, apenas a dívida à autora tenha sido assumida pela ré, não obstante a existência de um acórdão recente, à época, que dela a desresponsabilizava (cfr. factos provados nº1 e 2), ao passo que os outros débitos do ex-marido ficaram à sorte de um processo de própria insolvência que ele instaurou de imediato, desvanecendo-se depois no sucesso do pedido de exoneração do passivo restante. A verdade, porém, é que nem essas nem outras circunstâncias que eventualmente poderão ter relevância a este respeito foram objecto de análise na sentença recorrida, tal como sucedeu com os demais fundamentos aduzidos no pedido de suspensão da instância. Isto quando tal apreciação era exigível ao tribunal recorrido, tanto mais que, tendo observado, fundadamente, o princípio do contraditório sobre o mérito da acção, antes de o decidir sem produção de prova pessoal, teria de levar a referida observância às suas devidas consequências, designadamente, através da justa ponderação do contributo e dos pedidos que, na sequência do despacho prévio, as partes apresentaram. No entanto, a verificação da nulidade na sentença, por omissão de pronúncia, não determina necessariamente, apesar de se tratar da decisão final do processo, que o vício subsista na ordem jurídica posteriormente, uma vez que pode ser sanado, mesmo no tribunal recorrido. Com efeito, o regime previsto no art. 617.º do CPC concede ao juiz de primeira instância a oportunidade, ainda que derradeira, antes da subida do recurso, para reparar os vícios formais que, como a omissão de pronúncia, possam inquinar a sentença. E foi assim que, por exemplo, na situação versada no Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 20/5/2024, foi admitido que “o identificado despacho, tendo suprido a nulidade por omissão de pronúncia quanto ao referido pedido indemnizatório, considera-se como complemento e parte integrante da sentença recorrida, ficando o recurso interposto a ter como objeto a nova decisão, nos termos do artigo 617.º, n.º 2, do CPC” (cfr. www. dgsi.pt, processo nº 3489/22.3T8VFR). No caso dos autos, todavia, apesar de ter sido proferido despacho ao abrigo do disposto no art. 617.º do CPC, não nos parece que o tribunal recorrido tenha procedido à reparação do vício. Foi o seguinte, o teor do referido despacho: No recurso que interpõe a ré alega o cometimento de uma nulidade, a falta de conhecimento do requerimento de 08/01/2024, pelo que nos termos do artigo 641.º, 1, do CPC, vai este Tribunal pronunciar-se sobre essa matéria. Discute-se nesta ação um crédito da autora sobre a ré no montante de 189.628,66€, cujo contexto envolve alguma explicação, aqui apresentada de forma sintética. A autora havia intentado uma ação contra a ré e BB, ex-cônjuge da ré (processo 508/2000 do 3° Juízo no Tribunal de Vila Nova de Famalicão), tendo este último sido condenado no pagamento à autora da importância de € 89.859,4, acrescida de juros de mora, ao passo que a ré foi condenada no pagamento, solidariamente com aquele, mas somente até ao montante de 249,40€, conforme o acórdão da Relação do Porto de 12/05/2009, junto como documento 1 com a petição inicial. Posteriormente, em 14/09/2010, BB e a ré AA divorciaram-se, tendo a 22 de outubro de 2010, no procedimento de partilha do património conjugal n.º ..., da 3.ª Conservatória do Registo Civil do Porto, procedido à partilha do património conjugal no sentido de ser adjudicada ao ex-marido um crédito a advir no processo 508-A/2000 do 3° Juízo no Tribunal de Vila Nova de Famalicão, no valor de € 515.775, e à ré todos os bens do ativo e ainda a dívida à autora, que então se fixava em 189.628,66€. Depois disso, BB requereu a sua insolvência, que foi decretada a 20/12/2010, nesse processo foi proferido despacho de concessão da exoneração do passivo restante, tendo a autora reclamado créditos e recebido a quantia de 421,41€. Posto isto. Na contestação a ré alegava que a partilha acima referida havia sido retificada em 26/11/2010, conforme o documento n.º 2 que juntou com a contestação, certo que pedida informação ao processo n.º 5128/2010, da 3.ª Conservatória do Registo Civil do Porto, resultou a resposta negativa prestada a 09/11/2023. Nesse seguimento, a ré apresenta o requerimento de 08/01/2024, onde se pronuncia sobre a falta de litigância de má fé da sua parte e quanto a um pedido de suspensão da instância para poder retificar essa partilha. Desconhecendo se o autor aceitaria a requerida suspensão da instância, determinou o tribunal a 10/01/2024 que se deveria aguardar pela sua resposta. Esta veio com o requerimento de 19/01/2024, do qual resultava que não concordava com a dita suspensão da instância. Não tendo o autor aceitado a possibilidade da instância poder ser suspensa, esta prosseguiu, tendo o tribunal proferido a sentença de 07/03/2024 onde conheceu das exceções que a ré havia alegado e do mérito da ação, considerando-a procedente. Nessa sentença alude-se à dita retificação da partilha que a autora ré dizia ter efetuado, no sentido de não ser verdadeira conforme a informação prestada pela Conservatória do Registo Civil do Porto de 09/11/2023, mas não obstante não condenando a ré como litigante de má fé dado que naquele requerimento de 08/01/2024 alegava que o ex-marido “não se encontra capaz para outorgar a escritura de retificação de partilhas” (por sinal, com o requerimento de 08/01/2024 ré juntava diversa documentação, entre ela um atestado médico de incapacidade multiuso referente a BB que lhe atribui uma incapacidade de 85%, se bem que reportada a 2021, e um requerimento de uma ação de acompanhamento de maior que dá entrada em juízo a 03/01/2024). E ainda se acrescenta na sentença que, seja como for, essa indagação não tem de ser apurada, pois que o resultado é sempre o mesmo, a partilha não foi retificada. Desta forma, julga-se que a nulidade apontada não existe, tendo o requerimento em causa sido considerado. Em face da leitura desta decisão, é seguro concluir que ela não emitiu pronúncia sobre o pedido de suspensão da instância formulado pela ré com base na circunstância de ser ainda possível emendar a partilha, de forma válida e eficaz, segundo sustenta, para os presentes autos. Tal como não contém apreciação sobre os demais fundamentos aduzidos pela ré para sustentar o seu pedido no requerimento de 8/1/2024, nem sobre as interrogações, eminentemente jurídicas, mas também factuais, que, como acima referimos, a decisão dessa pretensão suscita. Na verdade, a única referência que se detecta a respeito da suspensão da instância versa, não aquela que foi requerida pela ré, baseada em motivo fundado, nos termos dos nº1, 2 e 3 do art. 272.º do CPC, mas apenas a prevista no nº4, resultante de acordo das partes (Não tendo o autor aceitado a possibilidade da instância poder ser suspensa, esta prosseguiu). E nem se diga, como faz a autora, que o segmento constante naquela e na decisão recorrida, nos termos do qual essa indagação (incapacidade do ex-marido da ré, obstando à rectificação prévia da partilha) não tem de ser apurada, pois que o resultado é sempre o mesmo, a partilha não foi retificada, basta para suprir a omissão, pois é evidente que ele não resolve a questão de saber se procede o pedido de suspensão fundamentado, diferentemente, na possibilidade de essa partilha vir ainda a ser rectificada. Procedem, pois, as conclusões I a XVI das alegações e a arguida nulidade da sentença, ficando prejudicada a apreciação das demais questões, visto que suscitadas a título subsidiário. A propósito, uma palavra deve dizer-se para registar que foi equacionada a possibilidade de aplicação do disposto no art. 665.º do CPC, no sentido de este Tribunal, suprindo a nulidade, apreciar de imediato o pedido de suspensão, concluindo-se, porém, pela inviabilidade desse procedimento, pois o que o nº1 daquele preceito legal prevê, quando seja julgada nula a decisão recorrida, é que o tribunal de recurso deve conhecer o objecto da apelação. Todavia, no caso dos autos, o objecto da apelação, nos termos em que foi configurada pela ré, incluiu apenas a nulidade da decisão recorrida (ainda que acompanhada de outras pretensões deduzidas apenas subsidiariamente), o que lhe é permitido pelo art. 615.º/4 do CPC, não tendo ocorrido igualmente ampliação do recurso na resposta da contraparte, e por isso que a apreciação da suspensão da instância nesta sede afrontaria, não só o pedido, mas também o direito das partes ao duplo grau de jurisdição na decisão da questão. A qual, assim, terá de competir ao tribunal de primeira instância. * DECISÃOCom os fundamentos expostos, pela procedência da apelação, declara-se nula, revogando-a, a sentença recorrida, ordenando-se o prosseguimento dos autos no tribunal recorrido para ser proferida decisão sobre o pedido de suspensão da instância e, no momento julgado pertinente, para ser proferida decisão sobre o mérito da acção. Custas do recurso pela autora, que nele decaiu (art. 527.º do CPC). Notifique. * SUMÁRIO ……………………………… ……………………………… ……………………………… (o texto desta decisão não segue o Novo Acordo Ortográfico) Porto, 07/10/2024 Nuno Marcelo Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo Teresa Pinto da Silva Jorge Martins Ribeiro |