Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
89/23.4T8CPV-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
FACTOS COMPLEMENTARES
RESIDÊNCIA ALTERNADA DO MENOR
Nº do Documento: RP2024040889/23.4T8CPV-C.P1
Data do Acordão: 04/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Para efeitos de acréscimo do prazo de interposição de recurso previsto no nº 7, do art.º 638.º, do CPCivil, e do preenchimento da condição aí prevista–ter o recurso por objeto prova gravada–não é necessário que seja deduzida impugnação da decisão quanto a específicos pontos matéria de facto, declarados como provados ou como não provados, nos termos do art.º 640.º do CPCivil, uma vez que o recurso que vise a modificação de tal matéria no âmbito do art.º 662.º do mesmo diploma legal, pode contemplar outras questões além da impugnação naqueles termos e também elas terem por objeto a invocação de prova gravada e a reapreciação desta.
II - Na vigência do Código de Processo Civil anterior, mas igualmente após 01/09/2013, ocasião em que passou a vigorar a Lei 41/2003, de 26 de Junho (NCPC) a matéria de facto à qual há que aplicar o direito tem de cingir-se a verdadeiros factos e não a questões de direito ou a meros juízos conclusivos, razão pela qual a revogação do artigo 646, n.º 4 do anterior CPC, não significa que o princípio nele estabelecido haja sido alterado devendo, assim, eliminar-se da fundamentação factual os pontos que neles se contenham meras conclusões.
III - Os factos complementares ou concretizadores dos alegados pelas partes e o Sr. juiz do processo não os tenha tomado em consideração não pode a Relação, em princípio, substituir-se à 1.ª instância e valorar já em termos definitivos a prova produzida quanto aos novos factos, ampliando em 2.ª instância a matéria de facto sem que previamente, em fase de audiência de julgamento, as partes estejam alertadas para essa possibilidade e lhes seja facultado produzir toda a prova que entenderem.
IV - Considerando ambos os progenitores separados não ser viável a atribuição da residência alternada ao filho menor e mostrando-se ser mais conforme aos superiores interesses desta confiar a mesma exclusivamente ao pai, deve prevalecer tal solução.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 89/23.4T8CPV-C-A.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro-Juízo de Competência Genérica de Castelo de Paiva.
Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Drª Eugénia Marinho da Cunha
2º Adjunto Des. Dr. António Mendes Coelho
Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO
Por decisão datada de 12/07/2021, no âmbito do processo 4878/21.6T8VNG o exercício das responsabilidades parentais relativas à criança AA foi regulado nos seguintes termos:
“1. A menor AA fixa residência com a progenitora.
1.1. O exercício das responsabilidades relativas às questões de vida corrente da menor cabe ao progenitor com quem a menor se encontrar em cada momento, não podendo, no entanto, o progenitor, ao exercer as suas responsabilidades, contrariar as orientações educativas mais relevantes tal como elas são definidas pela progenitora.
1.2. Relativamente às questões de particular importância para a vida da menor, serão exercidas em comum por ambos os progenitores.
2. Em matéria de visitas, férias, festividades e aniversários, fixa-se um regime livre, mediante prévio acordo entre os progenitores.
3. O progenitor contribuirá para os alimentos da menor com a prestação mensal de 100€ (cem euros), a pagar até ao dia 8 de cada mês, com início no mês de agosto de 2021, por transferência bancária, montante a atualizar todos os anos, no mês de janeiro de cada ano, no valor de 1,50 € (um euro e meio), com início em janeiro de 2022.
4. O progenitor contribuirá ainda com metade das despesas médico-medicamentosas e metade das despesas escolares, de natureza extraordinária (considerando-se estas últimas as tidas com livros, material escolar e didático, no início de cada ano letivo), bem como metade da mensalidade da creche, do infantário, do ATL, Centro de Estudos ou equivalente, sempre na parte que não haja comparticipação, mediante a apresentação de fatura ou recibo, em nome da menor e com o seu NIF, devendo as despesas serem apresentadas num prazo de 30 dias, a contar da data em que a despesa seja realizada, bem como o seu pagamento deverá ser efetuado em igual prazo.
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A 30/07/2020, foi aberto um processo de promoção e proteção em benefício da AA na CPCJ de Vila Nova de Gaia ..., posteriormente remetido à CPCJ de Castelo de Paiva e, a 16/12/2021, foi celebrado um acordo de promoção e proteção nos termos do qual foi aplicada em benefício da AA a medida de apoio junto do pai, pelo período de 12 meses com revisão aos 6 meses.
O referido processo de promoção e proteção foi arquivado a 08/05/2023, por desnecessidade da intervenção estadual, uma vez que a menor não se encontrava em situação de perigo.
Os presentes autos de alteração da regulação das responsabilidades parentais tiveram início com a emissão de certidão da ata da conferência de pais realizada no âmbito do proc. 89/23.4T8CPV (autos principais), no âmbito do qual os progenitores acordaram na fixação de um regime provisório de regulação das responsabilidades parentais nos seguintes termos:
1. A mãe compromete-se a entregar a criança ao progenitor, na próxima sexta feira ao final do dia.
2. A criança fixa a sua residência com o progenitor.
3. As responsabilidades parentais referentes a questões de particular importância para a vida da criança serão exercidas em conjunto por ambos os progenitores.
4. A progenitora estará com a criança, alternadamente, de 15 em 15 dias, sendo a recolha à sexta-feira ao final do dia ou ao sábado de manhã e a entrega ao domingo ao final do dia.
5. No dia da mãe, a criança passará o dia com a progenitora.
6. A título de pensão de alimentos, a progenitora obriga-se a pagar a quantia de 100 euros, bem como metade do valor da creche e das despesas extraordinárias, mediante apresentação do respetivo comprovativo e através de transferência bancária ou outro meio de pagamento idóneo de pagamento que permita comprovação, até ao dia 8 de cada mês.
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Foi agendada conferência de progenitores com vista a regular o exercício das responsabilidades parentais relativas à criança AA para o período das férias de Verão, no âmbito da qual os progenitores acordaram o seguinte:
“1. O progenitor estará com a criança do dia 15 ao dia 30 de julho.
2. A progenitora estará com a criança do dia 4 ao dia 20 de agosto.
3. O progenitor dará conhecimento à progenitora, por escrito, de todas as informações relativas à menor.
4. A progenitora poderá ser informada, pela escola, de todos os assuntos relativos à criança.
5. A progenitora poderá assistir às festividades escolares da criança.
6. A progenitora poderá contactar telefonicamente, a criança, diariamente, entre as 19 horas e as 19:30 horas, por chamada ou videochamada.
7. Os progenitores acordam na realização do batizado da menor, pela Igreja Católica.
8. A progenitora poderá vir buscar a criança ao sábado, em caso de impossibilidade na sexta-feira, sendo que na sexta-feira seguinte poderá vir buscá-la mais cedo”.
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Foi solicitado e junto aos autos pelo Instituto de Segurança Social relatório sobre a situação socioeconómica e pessoal da progenitora.
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Foi agendada e realizada a continuação da conferência de pais, no âmbito da qual não se logrou obter acordo definitivo quanto à alteração da regulação das responsabilidades parentais relativas à AA, tendo os progenitores e o Ministério Público sido notificados para apresentar alegações e arrolar meios de prova.
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A progenitora pugnou pela alteração do exercício das responsabilidades parentais relativamente à menor AA, por forma a que esta fique confiada à guarda e cuidados da sua mãe, fixando-se um regime de visitas livre, de forma que a menor possa estar na companhia do pai sempre que o desejar.
Arrolou testemunhas, juntou documentos e requereu a audição da menor, tendo esta sido indeferida atenta a sua tenra idade e presumível imaturidade.
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O progenitor pronunciou-se no sentido de lhe ser atribuída a guarda da menor AA.
Arrolou testemunhas, juntou documentos e requereu o depoimento de parte da progenitora e as suas declarações.
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Foi realizada audiência de julgamento, de acordo com os formalismos legais.
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A final foi proferida decisão do seguinte teor:
Tudo ponderado, decide-se alterar a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas a AA nos seguintes termos:
“1) Fixa-se a residência da criança AA junto do progenitor;
2) As responsabilidades parentais respeitantes às questões de particular importância na vida da AA serão exercidas por ambos os progenitores, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer deles pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível;
3) As responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente da AA serão exercidas por cada um dos progenitores durante o período em que a menina esteja à sua guarda e cuidados, sem prejuízo do dever de a progenitora não contrariar as orientações educativas mais relevantes definidas pelo progenitor;
4) A AA estará com a progenitora ao fim de semana, quinzenalmente, devendo esta garantir o transporte de e para a residência do progenitor, sendo a recolha efetuada à sexta-feira ao final do dia ou ao sábado de manhã e a entrega ao domingo ao final do dia;
5) Caso o dia anterior ou posterior ao fim de semana em que a AA esteja com a mãe seja feriado nacional, a menina passá-lo-á com a progenitora;
6) A AA passará com a progenitora o dia da mãe e o dia de aniversário da mãe e o dia do pai e o dia de aniversário do pai com este;
7) Na interrupção letiva do Verão, a AA passará períodos alternados de 15 (quinze) dias com cada progenitor, nos termos a acordar pelos progenitores com pelo menos 3 (três) meses de antecedência, consignando-se desde já que, caso os progenitores não logrem obter acordo, a AA passará a primeira quinzena de tal interrupção letiva com a mãe;
8) Nas demais interrupções letivas, a AA passará períodos de tempo tendencialmente iguais com ambos os progenitores, nos termos a acordar pelos progenitores com pelo menos 1 (um) mês de antecedência, consignando-se que, caso os progenitores não logrem obter acordo, a AA passará a primeira metade da respetiva interrupção letiva com o pai;
9) A AA passará o Natal (dia 24 e 25 de dezembro) e a Passagem de ano (dia 31 de dezembro e 1 de janeiro) com cada um dos progenitores, alternadamente, consignando-se que, em 2025, passará o Natal com a progenitora;
10) A progenitora pagará a quantia de 100,00 € (cem euros) mensais, a título de alimentos devidos à filha AA, que entregará ao pai desta, por transferência bancária, para o IBAN de conta titulada por este titulada, até ao dia oito de cada mês, quantia esta a atualizar anualmente no valor de 2,50 € (dois euros e cinquenta cêntimos), com início em janeiro de 2025;
11) A progenitora suportará ainda metade das despesas associadas à frequência da creche e das atividades desportivas e culturais em que a AA participe, e das despesas extraordinárias de educação (nomeadamente livros e material escolar adquirido no início de cada ano letivo) e saúde (nomeadamente próteses, aparelhos ortodônticos, óculos e intervenções cirúrgicas), mediante apresentação do respetivo comprovativo e através de transferência bancária ou outro meio de pagamento idóneo de pagamento que permita comprovação, até ao dia 8 de cada mês”.
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Não se conformando com o assim decidido veio a progenitora da menor interpor o presente recurso concluindo com extensas alegações que aqui nos abstemos de reproduzir.
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Devidamente notificado contra-alegou o Ministério Público, concluindo primeiro pela extemporaneidade do recurso e rematando depois, caso assim não se entenda, pelo não provimento do recurso.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são as seguintes as questões que importa apreciar e decidir:
a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto;
b)- saber se a subsunção dos factos ao direito aplicável se mostra, ou não, corretamente efetuada ainda que não se altere a fundamentação factual.
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A)-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É a seguinte a matéria de facto que vem dada como provada pelo tribunal recorrido:
1) AA nasceu no dia 03 de fevereiro de 2019 e é filha de BB e de CC;
2) Quando a AA nasceu, a sua progenitora tinha apenas 17 anos, tendo, em setembro de 2019, retomado os estudos que havia interrompido na fase final da gravidez;
3) Quando a AA nasceu, passou a viver com a progenitora em casa dos avós desta, sita em Vila Nova de Gaia;
4) O progenitor trabalha em Vila Nova de Gaia, visitando a AA e a progenitora regularmente e chegando a pernoitar na casa onde estas habitavam e a levá-las para passar o fim de semana consigo em Castelo de Paiva, na casa dos seus pais;
5) Em janeiro de 2020, os progenitores da AA terminaram o seu relacionamento amoroso;
6) A 12/07/2021, no âmbito do processo n.º 4878/21.6T8VNG (que atualmente se encontra autuado e distribuído como Apenso A dos presentes autos), o exercício das responsabilidades parentais relativas à criança AA foi regulado nos seguintes termos:
1. A menor AA fixa residência com a progenitora.
1.1. O exercício das responsabilidades relativas às questões de vida corrente da menor cabe ao progenitor com quem a menor se encontrar em cada momento, não podendo, no entanto, o progenitor, ao exercer as suas responsabilidades, contrariar as orientações educativas mais relevantes tal como elas são definidas pela progenitora.
1.2. Relativamente às questões de particular importância para a vida da menor, serão exercidas em comum por ambos os progenitores.
2. Em matéria de visitas, férias, festividades e aniversários, fixa-se um regime livre, mediante prévio acordo entre os progenitores.
3. O progenitor contribuirá para os alimentos da menor com a prestação mensal de 100€ (cem euros), a pagar até ao dia 8 de cada mês, com início no mês de agosto de 2021, por transferência bancária, montante a atualizar todos os anos, no mês de janeiro de cada ano, no valor de 1,50 € (um euro e meio), com início em janeiro de 2022.
4. O progenitor contribuirá ainda com metade das despesas médico-medicamentosas e metade das despesas escolares, de natureza extraordinária (considerando-se estas últimas as tidas com livros, material escolar e didático, no início de cada ano letivo), bem como metade da mensalidade da creche, do infantário, do ATL, Centro de Estudos ou equivalente, sempre na parte que não haja comparticipação, mediante a apresentação de fatura ou recibo, em nome da menor e com o seu NIF, devendo as despesas serem apresentadas num prazo de 30 dias, a contar da data em que a despesa seja realizada, bem como o seu pagamento deverá ser efetuado em igual prazo”;
7) Em data não concretamente apurada, mas situada no início de 2020, a progenitora iniciou uma relação amorosa com uma pessoa do mesmo sexo (de seu nome DD), o que não foi aceite pela sua mãe e avós;
8) Nessa sequência, os avós e a mãe da progenitora da AA tentavam demovê-la de ir à escola, para evitar encontrar-se com a namorada e, face à recusa desta, agrediam-na fisicamente e insultavam-na de “puta”, “porca”, “paneleira”;
9) A situação relatada em 8) durou cerca de um ano;
10) Nesse período, a AA continuou a viver com a progenitora e o progenitor continuou a visitá-la frequentemente, inclusive levando-a para sua casa nos períodos das suas folgas e fins de semana;
11) Na sequência de uma comunicação efetuada pela bisavó materna da AA datada de 30/07/2020, foi aberto um processo de promoção e proteção em benefício da AA na Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Vila Nova de Gaia ..., posteriormente remetido à CPCJ de Castelo de Paiva;
12) A 16/12/2021, foi celebrado um acordo de promoção e proteção (assinado pelos progenitores e pela avó paterna da AA), nos termos do qual foi aplicada em benefício da AA a medida de apoio junto dos progenitores, na pessoa do pai, pelo período de 12 meses, com revisão aos 6 meses, tendo cada um dos signatários assumido as seguintes obrigações:
“Pai: CC
- Assegurar as condições essenciais ao desenvolvimento da AA, nomeadamente ao nível da alimentação, higiene, segurança, saúde, educação e afeto;
- Assegurar o cumprimento de consultas e orientações médicas da criança, assim como o plano de vacinação devido;
- Cuidar para que o relacionamento com a mãe da criança, contribua para um saudável desenvolvimento e bem-estar da mesma;
- Não expor ou permitir a exposição da criança a qualquer situação que a coloque em perigo;
- Enquadrar a AA em equipamento sócio educativo;
- Proceder ao acompanhamento sócio educativo da criança, interessando-se pelas atividades e desenvolvimento das tarefas propostas, bem como contactar com o(a) Educador (a), sempre que necessário e/ou solicitado;
- Permitir que a AA mantenha contacto com a mãe, desde que o mesmo não perturbe as rotinas da criança e estejam reunidas condições que permitam a manutenção da segurança e bem-estar da mesma;
- Colaborar com interesse nas ações que lhes sejam propostas, seguindo as orientações da Técnica envolvida neste Acordo;
- Comunicar à CPCJ ou a Técnico da sua confiança quando se sentir incapaz de cumprir com a sua parte neste Acordo ou tiver conhecimento de qualquer incumprimento por qualquer uma das partes envolvidas no mesmo”;
“Mãe: BB
- Assegurar as condições essenciais ao desenvolvimento da AA, nomeadamente ao nível da alimentação, higiene, segurança, saúde, educação e afeto, nos períodos em que estiver consigo;
- Cuidar para que o relacionamento com o pai da criança, contribua para um saudável desenvolvimento e bem-estar da mesma;
- Não expor a AA a qualquer situação que a coloque em perigo nos períodos em que estiver consigo;
- Procurar, ativamente, por ocupação profissional;
- Colaborar com interesse nas ações que lhe sejam propostas, seguindo as orientações da Técnica envolvida neste Acordo;
- Comunicar à CPCJ ou Técnico da sua confiança quando se sentir incapaz de cumprir com a sua parte neste Acordo ou tiver conhecimento de qualquer incumprimento por qualquer uma das partes envolvidas no mesmo.»;
“Avó paterna: EE
- Assegurar as condições essenciais ao desenvolvimento da AA, nomeadamente ao nível da alimentação, higiene, segurança, saúde, educação e afeto, nos períodos em que a menina esteja aos seus cuidados;
- Apoiar e colaborar com o seu filho CC no respeito do acordo de promoção e proteção ora estabelecido, nomeadamente no cumprimento das ações acima mencionadas;
- Manter com os pais da AA um relacionamento que contribua para o desenvolvimento saudável e harmonioso da criança;
- Não expor a AA a qualquer situação que a coloque em perigo;
- Colaborar com interesse nas ações que lhes sejam propostas, seguindo as orientações dos Técnicos envolvidos neste Acordo;
- Comunicar à CPCJ ou Técnico da sua confiança quando se sentir incapaz de cumprir com a sua parte neste Acordo ou tiver conhecimento de qualquer incumprimento por qualquer uma das partes envolvidas no mesmo”;
13) Desde 16/12/2021, a AA passou a residir com o progenitor, em casa dos pais deste, sita em Castelo de Paiva, onde habita ainda o irmão mais novo daqueles;
14) Desde essa altura, o progenitor é o encarregado de educação da AA e acompanha o percurso escolar da filha, acompanhando-a ainda nas consultas médicas e atividades extracurriculares;
15) O progenitor providenciou pelo acompanhamento da AA em terapia da fala, devido ao atraso na linguagem de que esta padecia à data em que consigo passou a residir;
16) A AA atualmente uma criança alegre, feliz e está plenamente inserida no meio em que habita, bem como na escola, encontrando-se a frequentar o pré-primário, onde tem imensos amigos, sendo uma criança muito sociável, por quem todos na comunidade, quer escolar, quer social, nutrem um enorme carinho;
17) O progenitor da AA é amigo desta, seu confidente e esta relata-lhe as suas alegrias e tristezas e partilha consigo os seus receios e medos;
18) O progenitor ajuda diariamente a AA com as tarefas escolares de casa, prepara as suas refeições e roupa e trata da sua higiene;
19) Além disso, o progenitor brinca diariamente com a AA antes de esta ir dormir, bem como aos fins de semana e nas suas folgas;
20) A AA frequenta várias atividades, nomeadamente música, hip-hop e natação, integrando ainda o grupo folclórico infantil, retirando grande satisfação das mesmas;
21) Na casa onde reside com o progenitor, a AA tem uma gata de nome “fofinha”, com quem brinca imenso;
22) Os pais e irmão do progenitor da AA auxiliam-no na prestação de todos os cuidados de que a menina carece, bem como na gestão da sua rotina;
23) O progenitor da AA trabalha em Vila Nova de Gaia desde novembro de 2018, exercendo a profissão de operador de loja no A...;
24) O horário de trabalho progenitor da AA é das 8h00 às 17h00, de segunda a sexta feira, saindo este de casa pelas 7h00 e chegando entre as 18h30 e as 19h00, fazendo as deslocações entre Castelo de Paiva e Vila Nova de Gaia de autocarro;
25) O progenitor da AA tem folgas em dias de semana variáveis e, nos fins de semana em que a AA se encontra com a mãe, trabalha aos sábados;
26) A progenitora da AA fala diariamente com esta por videochamada e está com ela ao fim de semana, quinzenalmente, sendo estes convívios prazerosos para a AA e para aquela;
27) Desde dezembro de 2020, a progenitora da AA mantém uma relação amorosa com FF;
28) Em janeiro de 2022, a progenitora da AA passou a residir com a referida companheira, na casa da avó desta;
29) Em maio de 2022, a companheira da progenitora da AA comprou um apartamento na freguesia ..., no concelho de Vila Nova de Famalicão, que dispõe de 3 quartos, sala, cozinha, arrecadação, duas casas de banho, marquise e uma varanda;
30) Para a aquisição desse apartamento, a companheira da progenitora da AA contraiu um crédito-habitação, pagando mensalmente, a esse título, a quantia de 305,00 €;
31) A progenitora da AA contraiu um crédito para aquisição de mobiliário para a referida habitação, pagando mensalmente, a esse título, a quantia de 81,06 €;
32) A progenitora da AA e a companheira residem sozinhas no referido apartamento desde maio de 2022, local onde a AA passa os fins de semana em que convive com a mãe;
32) Além disso, visto que a AA ficou ao encargo do pai, a progenitora passou a pagar-lhe 100,00 € mensalmente a título a pensão de alimentos;
33) A progenitora da AA e a companheira trabalham ambas na fábrica da “B..., S.A.”, sita na freguesia ..., Vila Nova de Famalicão;
33) A progenitora da AA aufere 780,00 € mensais (salário base), sendo o seu horário de entrada às 6h00 e de saída às 14h00, de segunda a sexta feira;
34) Além disso, a requerente presta trabalho suplementar quinzenalmente, o que lhe permite auferir mensalmente cerca de 1.000,00 €;
35) Por sua vez, a companheira da progenitora da AA aufere 800,00€ mensais, também sem contabilizar as horas extras que presta, que lhe permitem retirar um salário mensal de cerca de 1.000,00 €, sendo o seu horário de trabalho das 14h00 às 22h00, de segunda a sexta feira;
36) Em ... existe oferta de escola primária e pré-primária, a poucos metros da casa da progenitora da AA;
37) A progenitora e a AA têm uma relação de muito afeto e carinho entre si e com a companheira daquela (FF), assim como com a sua (numerosa) família, em particular com a mãe, a tia e a irmã desta;
38) A mãe e a tia da companheira da progenitora da AA residem perto da casa onde estas habitam e exploram uma confeção têxtil familiar, tendo disponibilidade para ajudar, como sempre ajudaram, na prestação de cuidados à AA em qualquer momento/situação;
39) Muitas vezes é a tia da companheira da progenitora da AA (GG) que se desloca a Castelo de Paiva para buscar a menor quando esta passa o fim de semana com a mãe;
40) A companheira da progenitora da AA tem uma irmã (HH), que é estudante e tem atualmente 18 anos de idade, que mantém uma ótima relação com a AA e sempre se dispôs a ajudar em tudo o que fosse necessário;
41) Desde janeiro de 2022, a progenitora da AA cortou relações com a sua família, não promovendo o contacto da AA com a avó e bisavó materna, comportamento esse com que o progenitor não concorda, atenta a afinidade que a AA tem com tais elementos familiares, que, conjuntamente com os progenitores, cuidaram da AA nos primeiros anos de vida;
42) Assim, o progenitor da AA promove contactos esporádicos desta com a sua avó e bisavó materna, que nisso revelam interesse;
43) A 16/02/2022, o processo de promoção e proteção referido em 11) e 12) foi remetido aos serviços do Ministério Público deste Tribunal, por impossibilidade de obter acordo, e posteriormente arquivado a 08/05/2023, por se haver entendido que a AA não se encontrava em situação de perigo;
43) A 30/03/2023, no âmbito do proc. 89/23.4T8CPV (autos principais), os progenitores da AA acordaram na fixação de um regime provisório de regulação das responsabilidades parentais nos seguintes termos:
“1. A mãe compromete-se a entregar a criança ao progenitor, na próxima sexta feira ao final do dia.
2. A criança fixa a sua residência com o progenitor.
3. As responsabilidades parentais referentes a questões de particular importância para a vida da criança serão exercidas em conjunto por ambos os progenitores.
4. A progenitora estará com a criança, alternadamente, de 15 em 15 dias, sendo a recolha à sexta-feira ao final do dia ou ao sábado de manhã e a entrega ao domingo ao final do dia.
5. No dia da mãe, a criança passará o dia com a progenitora.
6. A título de pensão de alimentos, a progenitora obriga-se a pagar a quantia de 100 euros, bem como metade do valor da creche e das despesas extraordinárias, mediante apresentação do respetivo comprovativo e através de transferência bancária ou outro meio de pagamento idóneo de pagamento que permita comprovação, até ao dia 8 de cada mês”.
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III. O DIREITO
Questão prévia.
Nas conclusões 5ª e 6ª o Ministério alega, respetivamente, o seguinte:
-“Resultando faltar, no recurso interposto, uma real impugnação fáctica, por nenhum facto vir concretamente impugnado-daí ser uma impugnação fáctica de mera aparência- não pode a Recorrente aproveitar do acréscimo de prazo consagrado para situações de efetiva impugnação sustentada em prova gravada (artigo 638º, n.º 7 do Código de Processo Civil).
 – Sendo a Recorrente notificada da sentença a 4 de janeiro de 2024 e interposto recurso dela sem que nele haja uma efetiva impugnação da matéria de facto a 5 de fevereiro, isto é, decorridos mais de 15 dias após ser notificada da sentença, deve o recurso ser rejeitado por ser extemporâneo”.
Um recurso tem tal objeto–a reapreciação da prova gravada–quanto nele se impugna a decisão da matéria de facto nos moldes do artigo 640.º do CPCivil.
Tal impugnação tout court constitui a situação mais comum. Ela visa reverter o julgamento relativo à apreciação e valoração de meios de prova produzidos sobre factos controvertidos (quando baseado em prova livre e não vinculada), necessitados dela ou compreendidos nos temas de prova enunciados (balizados estes pelos factos essenciais que constituem a causa de pedir ou integrantes de exceções invocadas [cfr. artigos 5.º, nº 1, 410.º, 596.º, 5521.º, nº 1, alínea d), 572.º, alínea c), CPCivil].
Tal juízo pressupõe, contudo, um pré-julgamento, formulado sobre a panóplia de factos esgrimidos pelas partes ou aportados pela prova – no decurso do processo ou no da discussão final–, de análise, avaliação e prévia seleção criteriosa de quais os factos materiais relevantes para a boa solução jurídica da causa segundo as plausíveis, isto é, de acordo com o âmbito das previsões normativas dos preceitos legais perspetivados como suscetíveis de serem aplicados no caso.
E o seu resultado precipita-se no conjunto dos provados e não provados, presumindo-se que, como, no caso, resulta expressamente referido na sentença, outros o Tribunal entendeu não existirem “com relevo”.
A declaração discriminada–decisão–, em que se analisa o referido conjunto, referente aos factos que o Tribunal julga provados (apreciando livremente as provas e operando com os demais critérios legalmente contemplados e pela jurisprudência preconizados) e quais os factos que julga não provados (art.º 607.º, nºs 4 e 5, CPCivil) é precedida, pois, de um pré-juízo em cujo âmbito se determinam os factos relevantes.
Determinados, primeiro, estes, pronuncia-se, depois, o Tribunal sobre quais os que considera demonstrados ou não.
É aí, nesse segundo momento, ao nível do juízo de apreciação e valoração das provas sobre tais factos, no percurso consequente empreendido para a formação da sua convicção sobre a realidade (art.º 341.º, do CCivil) e da subsequente declaração sobre os provados e não provados, que opera e se consuma o julgamento da matéria de facto.
E é este julgamento enquanto tarefa judicativa/valorativa e o seu resultado enquanto definição/decisão sobre a realidade fáctica em discussão que constituem o objeto da impugnação prevista e disciplinada no citado art.º 640.º.
Assentando tais factos (provados ou não provados) em prova oral gravada, evidentemente é no recurso que, em conformidade com as respetivas alíneas dos nºs 1 e 2, se fundamente na existência de concretos pontos incorretamente julgados por errada apreciação e valoração dos meios constantes daquela, que ganhará papel de primordial relevo a respetiva reapreciação e é para facilitar a mais complexa tarefa de reanálise da gravação e, a partir da mesma, de fundamentação da respetiva impugnação, que o legislador admitiu o acréscimo do prazo–nº 7, do artigo 638.º do CPCivil
É, portanto, no âmbito do recurso de impugnação da decisão proferida– alegadamente errada–sobre a matéria de facto declarada provada ou não provada e nos moldes do art.º 640.º, que mais frequentemente se coloca a questão das condições a observar para que o recorrente beneficie, à partida, do alongamento do prazo.
Sucede que a decisão relativa à matéria de facto não se cinge a tal julgamento específico e que, por isso mesmo, o recurso pode também ter por objeto a reapreciação de prova gravada mesmo quando em causa não está, ou não está somente, a impugnação da decisão que declara provados uns e não provados outros.
Além daquele precedente juízo sobre quais os factos relevantes e alvo da declaração de provados e não provados, outros estão implicados na decisão da matéria de facto
Com efeito, no momento de elencar os factos fundamentadores da sentença, o Tribunal não se fica apenas pela enumeração/declaração de quais os que, entre os controvertidos e sujeitos a prova livre, ele julga provados ou não provados.
Deve ainda tomar “em consideração” os admitidos por acordo, os plenamente provados por documentos e os regularmente confessados–todos estes naturalmente subtraídos à sua livre apreciação, mas legalmente consideráveis se e na medida em que igualmente relevantes (nºs 4 e 5, do art.º 607.º do CPCivil).
Acresce que, o juiz, além dos factos articulados pelas partes (dos notórios e dos adquiridos por virtude do exercício de funções), “considera” ainda os instrumentais resultantes da instrução da causa e os complementares ou concretizadores daqueles também emergentes desta (artigo 5.º, nº 2 do CPCivil).
“Considerações” estas a que não deixa de estar subjacente um julgamento e uma decisão sobre a natureza, alcance e mérito do “acordo”, dos “documentos” e da “confissão”, bem como da utilidade, relevância e relação destes com o objeto do processo.
Nisso estando implicado um juízo e ninguém com certeza ousando duvidar que este é sindicável por via do recurso, por aqui já se vê que, afinal, ao nível da matéria de facto, ele pode não se cingir à impugnação da decisão que declara provados ou não provados certos factos e que se materializa na discriminação dos pontos respetivos.
As possibilidades de modificação da decisão de facto por via do recurso são, na verdade, bastante mais amplas, como decorre do art.º 662.º do CPCivil.
Aliás, tal modificação pode, nos termos da alínea c), do nº 2, impor-se quando a Relação “repute de deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta” e, para tanto, constem do processo “todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto”–entre esses “elementos” e por força de tal remissão estando os que resultem da “prova produzida”.
Ora, se é certo que algumas das modificações legalmente admissíveis da decisão da matéria de facto assim mais amplamente considerada em nada dependem da prova gravada–pense-se, por exemplo, nas que sejam fundamentadas na errada desconsideração de factos admitidos por acordo nos articulados, provados plenamente por documentos autênticos ou validamente confessados por escrito–, já outras– como acontecerá relativamente a factos essenciais que devam ser, mas não tenham erradamente sido, alvo da declaração a que alude o nº 4, do citado art.º 607.º, ou a instrumentais, concretizadores ou complementares deles que devam ser, mas também não tenham erradamente sido, considerados na respetiva fundamentação e que resultem de meios de prova gravados, não prescindem dela.
Evidentemente, sem a invocação dos mesmos e, para tal, sem o respetivo exame, pelo recorrente, de modo a poder mostrar o erro, a neste fundamentar adequadamente o respetivo recurso e a suscitar como objeto deste a necessária reapreciação daquela pela Relação, de modo a que esta possa pronunciar-se e decidir sobre o seu mérito e eventualmente modificar a decisão de facto, uma importante dimensão do recurso que nesta matéria se visou garantir com o segundo grau de jurisdição ficaria irremediavelmente comprometida.
Daqui se conclui, portanto, para efeitos do nº 7, do art.º 638.º, que o recurso tem, ainda, por objeto a reapreciação de prova gravada mesmo quando a impugnação não ataca propriamente a decisão que declarou provados ou não provados certos factos (art.º 640.º), nem se cinge a específico erro de apreciação, valoração e formação da convicção pressuposta em tal declaração e apontado a qualquer dos seus pontos (art.º 607.º, nº s 4 e 5).
Ele tem-no também naquelas outras ainda compreendidas no âmbito mais amplo da decisão da matéria de facto que ao Tribunal cabe tomar, suscetíveis de serem sindicadas e modificadas por via de recurso (artº 662.º), cujo fundamento radique na prova gravada e pressuponha a necessária reapreciação desta.
Ora, é na falta de distinção nítida deste regime, bem patente na própria terminologia incorreta usada pelo Ministério Público.
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Como assim, o recurso não é, ao contrário do alegado extemporâneo.
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A primeira questão que vem colocada no recurso prende-se com:
a)- saber se devem ser aditados a fundamentação factual os pontos factuais indicados pela apelante.
Como se evidencia das alegações recursivas a apelante pretende que sejam aditados à fundamentação factual os seguintes pontos:
1. A progenitora sofreu graves problemas pessoais, que a obrigaram a entregar menor, provisoriamente, ao pai.
2. Quando a menor retomou os estudos, que tinha interrompido durante a gravidez, vivia com a mãe e a menor, no 1º andar da casa dos avós maternos e estes, por sua vez, viviam no rés do chão dessa casa.
3. Como retaliação pela sua opção sexual, os avós iam também frequentemente à escola insultar a progenitora e a namorada (nomeadamente de filhas da puta, paneleiras, etc.) e inclusive criticar a postura da escola que, segundo eles, não devia aceitar tal situação, dado que ali era uma instituição de ensino.
4. Para além disso, os avós praticamente “apropriaram-se” da menor e recusavam-se a entrega-la à progenitora.
5. A progenitora recebia mensalmente uma subvenção da segurança social, dado ser “mãe solteira”, porém a mãe, para a retaliar, obrigava-a a entregar-lhe esse valor, sob a ameaça de mais agressões físicas, para além das já relatadas.
6. Dado que não dispunha de autonomia financeira, a progenitora viu-se obrigada a viver neste ambiente hostil e angustiante, durante cerca de um ano.
7. Entretanto, a progenitora conheceu uma outra pessoa (FF), com quem mantém uma relação amorosa até aos dias de hoje.
8. A família (mãe e avós) continuou a não aceitar a opção sexual da requerente e, como tal continuaram a infernizar-lhe a vida, nomeadamente a insultá-la e a agredi-la.
9. A avó materna apresentou queixa na CPCJ de Vila Nova de Gaia, razão pela qual a progenitora começou a ser acompanhada pela técnica dessa instituição, Drª II, que, após a ouvir, lhe disse que aquela não podia continuar a viver com aquelas pessoas (mãe e avós) uma vez que, quer ela como a filha, viviam num ambiente doentio.
10. E não contente, a avó continuou a telefonar numerosas vezes para a CPCJ (pelo menos até 15/02/23 - data em que a recorrente cessou o acordo com aquela instituição) acusando a neta de dar maus-tratos à filha, com o único propósito de a prejudicar e de a coagir a renunciar à sua própria orientação sexual.
11. Visto que a Drª II insistia na saída de casa da requerente e dado que esta não dispunha de autonomia económica para suportar todas as despesas minimamente necessárias à sua sobrevivência e da filha, a CPCJ decidiu chamar o pai da criança, informando-o que teria de ficar com a menor, apenas durante seis meses ou até a progenitora conseguir obter um emprego e orientar a sua vida.
12. Por essa razão, e por recomendação da referida Drª II, a requerente, embora a muito custo, e depois de protelar o mais que conseguiu, em 16/12/21, aceitou formalizar o acordo de promoção e protecção, promovido pela CPCJ, (que data de 16/07/21), segundo o qual entregou a menor ao pai, provisoriamente e pelas razões acima apontadas.
13. Não obstante, a CPCJ nunca se deslocou a casa da progenitora para constatar esses alegados maus-tratos e muito menos à do progenitor, por forma a aferir se o mesmo tinha condições de acolher a menina.
14. Do mesmo modo, não colheu qualquer tipo de informação relativa ao progenitor, tendo-se bastado com a declaração telefónica da avó, dizendo que a menina sofria de maus tratos por parte da progenitora e ignorado o relato e notório sofrimento desta.
15. Quer a primária como a pré-primária, em ..., são gratuitas.
16. A progenitora só entregou a menina ao pai porque não tinha outra alternativa; e jamais imaginou que este não iria cumprir com aquilo que se comprometeu, pois até fevereiro deste ano, o progenitor garantiu-lhe que entregava a menor no passado mês de setembro.
17. A progenitora é órfã de pai e a mãe nunca promoveu o seu contacto com a família deste.
18. Se a menina passasse a residir integralmente com a progenitora inexistiria qualquer óbice”.
Alega para o efeito que os referidos factos decorrem inequivocamente do depoimento da progenitora, do acordo de promoção e proteção junto aos autos, bem como do depoimento do psicólogo forense.
É certo que o n.º 2 do artigo 5.º do CPCivil permite que sejam considerados pelo juiz: a) os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções, não cabe ao juiz supor ou conceber factos que poderão ter relevo, é necessário que estejamos perante factos que resultem da instrução da causa, isto é, factos que tenham aflorado no processo através dos meios de prova produzidos e, portanto, possuam já alguma consistência prática, não sejam meras conjeturas ou possibilidades abstratas.
Por outro lado, o juiz só pode considerar factos instrumentais e, quanto aos factos essenciais, aqueles que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado. E isto é assim porque mesmo no novo Código de Processo Civil o objeto do processo continua a ser delimitado pela causa de pedir eleita pela parte [artigos 5.º, n.º 1, 552.º, n.º 1, alínea d), 581.º e 615.º, n.º 1, alínea d), segunda parte] e subsistem ainda as limitações à alteração dessa causa de pedir (artigos 260.º, 264.º, 265.º).
Acontece que, no caso concreto, os factos em causa nunca seriam instrumentais, antes se teriam de considerar complemento ou concretização dos que constam do quadro factual dado como provado.
Ora, a sua consideração oficiosa, não pode ser feita sem que as partes se pronunciem sobre ela, ou seja, o juiz, ante a possibilidade de tomar em consideração tais factos, tem que alertar as partes sobre essa sua intenção operando o exercício do contraditório e dando-lhe a possibilidade de arrolar novos meios de prova sobre eles.
Ora, não tendo o Sr. juiz do processo feito uso desta possibilidade, teriam de ter sido a apelante, em momento oportuno, a impetrar requerimento com vista a que tais factos fossem considerados pelo tribunal.
Como assim, não o tendo feito, esta Relação não pode substituir-se à 1.ª instância e valorar já em termos definitivos a prova produzida quanto aos novos factos, ampliando em 2.ª instância a matéria de facto sem que previamente, em fase de audiência de julgamento, as partes estejam alertadas para essa possibilidade e lhes seja facultado produzir toda a prova que entenderem.[1]
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Mas ainda que assim não se entenda importa, desde logo, sopesar que alguns dos referidos pontos não albergam factos, mas meras conclusões, como sejam os pontos 1. 3., 4., 6., 10., 16. e 18 e os pontos 13., 14. e 15 não passam de mera afirmações.
O artigo 607.º, nº 4 do CPCivil[2] dispõe que na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
No âmbito do anterior regime do Código de Processo Civil, o artigo 646.º, nº 4 do CPCivil, previa, ainda, que: têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documento, quer por acordo ou confissão das partes”.
Esta norma não transitou para o atual diploma, o que não significa que na elaboração da sentença o juiz deva atender às conclusões ou meras afirmações de direito.
Ao juiz apenas é atribuída competência para a livre apreciação da prova dos factos da causa e para se pronunciar sobre factos que só possam ser provados por documento ou estejam plenamente provados por documento, admissão ou confissão.
Compete ao juiz singular determinar, interpretar e aplicar a norma jurídica (artigo 607.º, nº 3 do CPCivil) e pronunciar-se sobre a prova dos factos admitidos, confessados ou documentalmente provados (artigo 607.º, nº 4).
Às conclusões de direito são assimiladas, por analogia, as conclusões de facto, ou seja, “os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados e exprimindo, designadamente, as relações de compatibilidade que entre eles se estabelecem, de acordo com as regras da experiência[3].
Antunes Varela considerava que deve ser dado o mesmo tratamento “às respostas do coletivo, que, incidindo embora sobre questões de facto, constituam em si mesmas verdadeiras proposições de direito[4].

Em qualquer das circunstâncias apontadas, confirmando-se que, em concreto, determinada expressão tem natureza conclusiva ou é de qualificar como pura matéria de direito, deve continuar a considerar-se não escrita porque o julgamento incide sobre factos concretos.

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Diante do exposto nunca tais pontos poderiam integrar a resenha dos factos provados.
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Quantos aos restantes eles não têm relevo decisivo, por si ou conjugados com os demais, capaz de fundamentar a revogação da decisão proferida e sua substituição por outra que fixe a residência habitual do menor com a recorrente, como, no fundo, ela pretende e nada mais que isso.
Sucede que a sentença alberga factualidade suficiente, exuberante até, capaz de suportar o juízo sobre a sua postura e condições, máxime sobre as competências parentais de cada um.
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A segunda questão colocada no recurso consiste:
b)- em saber se existe erro de subsunção do quadro factual.
Neste capítulo, esbraceja a recorrente no sentido de mostrar e convencer que o direito foi incorretamente aplicado aos factos apurados, que há erro de julgamento, não foi respeitado o superior interesse da criança e que, portanto, a ela, e não ao recorrido, deve ser confiada a guarda da criança.
Sucede que, tudo escalpelizado, não vemos, nem, no fundo, as alegações mostram, que, na sentença, exista tal erro e, portanto, que a mesma deva ser alterada.
Pelo contrário, o essencial das questões a decidir está certeiramente delineado, a determinação do quadro jurídico em que assenta e a interpretação das respetivas normas corretamente expostos e a análise e valoração à luz das mesmas da factualidade apurada suporta justamente a solução encontrada, estando adequadamente balanceados, face às circunstâncias, os interesses em jogo, à cabeça dos quais foram devidamente colocados os superiores da criança.
Vejamos.
Começando pelo enquadramento da questão, a sentença expôs:
“Conforme dispõe o artigo 42.º n.º 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, «[q]uando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais.».
No caso dos autos, é manifesta a necessidade de se alterar o exercício das responsabilidades parentais relativas à criança AA, atendendo às significativas alterações que, entretanto, ocorreram na vida da mesma e dos seus progenitores.
Enquadrando.
As situações de desunião ou desassociação familiar, cada vez mais típicas nos nossos dias, convocam a necessidade de se regular a situação dos menores de idade  (não emancipados) envolvidos, atendendo à necessidade especial de proteção de que carecem (artigo 6.º n.º 2 da Convenção sobre os Direitos da Criança).
Assim, quando os progenitores de uma criança se divorciam, se separam judicialmente de pessoas e bens, é declarado nulo ou anulado o seu casamento, ou por qualquer outro motivo cessa (ou nunca tenha existido) a vida em comum entre eles, é necessário regular o exercício das responsabilidades parentais relativamente aos seus filhos menores, conforme os artigos 1906.º, 1909.º e 1912.º do Código Civil.
Note-se ainda que, nos casos em que as responsabilidades parentais tenham sido atribuídas, por decisão judicial, ao cônjuge ou unido de facto do pai ou da mãe da criança, a dissolução familiar ou a cessação da coabitação também impõe a regulação do exercício das responsabilidades parentais (artigo 1904.º-A n.º 5 do Código Civil).
O princípio basilar que orienta todas as mencionadas decisões é o da salvaguarda do superior interesse da criança, consubstanciado, essencialmente, na manutenção de relações muito próximas com ambos os progenitores, favorecendo o contacto com eles (cfr. arts. 3.º n.º 1 e da Convenção sobre os Direitos da Criança, art. 1906.º n.º 8 do Código Civil e 40.º n.º 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível).
Assim, a decisão deverá assentar na valorização, continuação e potencialização das «relações de afeto de qualidade e significativas» e «psicológicas profundas» da criança, de modo a garantir a estabilidade e suporte necessários ao seu são desenvolvimento (cfr. art. 4.º, als. a) e g) da Lei n.º 147/99, de 1 de setembro-Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo-, na redação atual, aplicável por via do artigo 4.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível).
Para alcançar tal decisão, o juiz não está limitado à aplicação estrita da lei, podendo recorrer a critérios de oportunidade e conveniência, característicos dos processos de jurisdição voluntária (cfr. art. 12.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível e 987.º do Código de Processo Civil)”.
Passando, depois, à análise do caso concreto, ponderou o Tribunal a quo:
“i) Determinação da residência da criança
Comecemos por perceber com quem deve ser determinada a residência da criança.
Nos termos do n.º 1 do artigo 40.º do RGPTC, existem, essencialmente, quatro opções neste âmbito: fixar a residência apenas com um dos progenitores (progenitor residente); fixar a residência do menor com ambos os progenitores, de forma alternada (residência alternada - artigo 1906.º n.º 6 do Código Civil); fixar a residência do menor com um terceiro, seja ele outro familiar ou não (artigo 1907.º do Código Civil); confiá-lo a instituição de acolhimento (conforme também os artigos 36.º n.ºs 3 e 6 da CRP, 85.º, 1887.º n.º 1, 1907.º, 1908.º, in fine, 1918.º e 1919.º do Código Civil, 28.º n.ºs 1 e 2 e 40.º n.ºs 1 e 5 do RGPTC).
Como facilmente se percebe, esta não é uma questão de importância menor na vida da criança.
Na decisão, devem ser sopesados vários fatores e indicadores que nos permitam atingir o ponto mais alto de satisfação dos interesses da criança.
Deve procurar-se a solução mais estável possível para o seu desenvolvimento, atendendo às suas necessidades físicas, psicológicas e de saúde e, simultaneamente, à capacidade e condições (pessoais, profissionais, socioeconómicas) dos progenitores para supri-las.
Igualmente, deve manter-se, tanto quanto possível, a situação da criança anterior à rutura familiar e possibilitar-se o contacto frequente com outros familiares próximos (especialmente os irmãos), levando sempre e obrigatoriamente em conta a opinião da criança (cfr. art. 35.º n.º 3 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível e artigo 4.º, al. j) da LPCJP, que prevê o princípio da audição obrigatória e participação).
Além da ideia geral já avançada de garantir sempre uma relação de muita proximidade e alargados contactos com ambos os progenitores (n.º 8 do artigo 1906.º do Código Civil), a lei oferece-nos um critério específico para a fixação da residência, dando prevalência ao progenitor que manifeste maior disponibilidade para promover relações habituais com o outro. É a denominada “cláusula do progenitor amistoso”. No caso de os pais estarem de acordo quanto à futura residência do filho, com um deles ou partilhada, deve o tribunal, se nenhum interesse premente da criança indicar solução contrária, seguir essa orientação.
No presente caso, constata-se que esta questão é precisamente o ponto de principal discórdia entre os progenitores, uma vez que ambos pretendem que a residência da AA seja fixada junto de si.
Cumpre, pois, analisar, as condições de cada um dos progenitores para assegurar à AA um ambiente saudável e estável no qual possa crescer feliz e em que todas as suas necessidades sejam supridas.
Da análise da factualidade provada, resulta que a AA residiu com a progenitora entre o nascimento e cerca dos 2 anos e 10 meses de idade, tendo residido os últimos 2 anos com o progenitor.
Nesses períodos, manteve contactos frequentes e prazerosos com o progenitor com quem não residia.
Resulta ainda que a AA passou a residir com o pai na sequência de acentuados problemas no seio do anterior agregado familiar da mãe, que, entretanto, refez a sua vida junto de uma companheira com quem mantém uma relação amorosa há cerca de 3 anos.
Mais deve ponderar-se que o progenitor acolheu imediata e abnegadamente a menina, nomeadamente garantindo a sua inserção escolar e o acompanhamento no âmbito da terapia da fala (de que carecia, face ao atraso no desenvolvimento da linguagem de que padecia).
Desde então, o progenitor tem acompanhado a AA no seu quotidiano, prestando-lhe todos os cuidados de que carece ao nível da higiene, alimentação e vestuário e ainda seguindo o seu percurso escolar e garantindo que beneficia dos cuidados médicos de que necessita.
Além disso, o progenitor fomenta os convívios da AA com a progenitora, que vêm sendo efetuados diariamente por via telefónica e quinzenalmente de modo presencial e que, sem dúvida, são essenciais e prazerosos para a AA.
Deve ainda constatar-se que a AA é atualmente uma criança feliz, sociável e bem desenvolvida, possuindo laços afetivos significativos com ambos os progenitores e respetivas famílias alargadas (no caso da progenitora, apenas com a família da companheira).
Assim, em primeiro plano, cumpre referir que a residência da AA poderia ser fixada, com segurança, junto de qualquer dos progenitores, visto que ambos reúnem atualmente condições para garantir o seu desenvolvimento sadio.
Contudo, deve afastar-se a possibilidade de ser fixada uma residência alternada, atendendo sobretudo à idade da menina e à distância geográfica entre as residências dos progenitores (cerca de 75 km e 1h15, numa deslocação de automóvel).
Acresce que os progenitores não conduzem veículos automóveis, dependendo de terceiros para garantir as deslocações da filha entre as residências, e que a menina frequenta já um estabelecimento escolar e várias atividades extracurriculares. Note-se ainda que tal hipótese não foi sequer colocada por qualquer dos progenitores, respetivas mandatárias ou pelo Ministério Público, sendo notório que a mesma não salvaguardaria os interesses da AA.
Cumpre, pois, analisar qual dos progenitores reúne, atualmente, melhores condições para que a residência da AA seja fixada junto de si.
Desde logo, cumpre ponderar que a AA se encontra plenamente inserida no meio familiar, social e escolar em que se encontra atualmente - e há cerca de 2 anos -, isto é, junto do progenitor e respetiva família, em Castelo de Paiva.
Mais se deve considerar que o progenitor beneficia de uma forte rede de apoio familiar que permite salvaguardar qualquer eventual e momentânea indisponibilidade do próprio, nomeadamente os seus pais e irmão, com quem reside, e que lhe prestam auxílio nos cuidados diários de que carece a AA.
Por seu turno, a progenitora reside unicamente com a sua companheira, ainda que existam familiares desta que vivem nas proximidades e manifestam disponibilidade para auxiliar na prestação de cuidados à menina. Não pode, contudo, escamotear-se o facto de não se tratarem de familiares da AA (ainda que não se coloque em causa os laços afetivos existentes) e de nunca terem residido com a menina nem sequer passado longos períodos com a mesma. Mais se deve constatar que, apesar de a relação amorosa entre a progenitora e a companheira durar há já 3 anos, atenta a juventude da progenitora e o facto de não contar com o apoio de familiares diretos, existe um risco não negligenciável de ficar desamparada caso a relação entre aquelas termine, o que seria obviamente prejudicial para a AA.
Acresce que, desde que a AA passou a residir consigo, o progenitor tornou-se a figura de referência na vida da menina, ainda que esta mantenha uma relação bastante prazerosa e um vínculo afetivo considerável com ambos os progenitores, o que é saudável e desejável.
Com efeito, nos últimos 2 anos, é o progenitor quem acompanha a AA diariamente, promovendo de forma adequada e eficiente a sua saúde e felicidade.
Julga-se, pois, que a manutenção da situação fática que se verifica há cerca de 2 anos é a solução que melhor acautelará os interesses da AA, conferindo a esta menina a estabilidade e segurança de que carece para se manter uma criança feliz, alegre e inserida familiar e socialmente.
Reitere-se que, com o que ficou dito, não se pretende afirmar que a progenitora não reuniria condições para garantir o crescimento feliz e saudável da AA, caso esta passasse a residir consigo.
Antes se pretende expor os motivos pelos quais se entende que, neste momento, as condições de vida do progenitor e a rede de apoio de que beneficia são mais adequados a tal desiderato.
Assim, fixar-se-á a residência da AA junto do progenitor”.
Em face de tal fundamentação, a recorrente insurge-se contra a decisão por esta “favorecer” o pai.
Sucede que, nela não perpassa a ideia de qualquer “favor” na opção tomada. O que dela ressuma é a preocupação e o objetivo de, uma vez esfumada a hipótese de residência alternada,–pressuposto fáctico este bem salientado na sentença e cuja realidade não vem questionado no recurso–definir a que melhor realize os fundamentais interesses da criança sem os confundir com os de qualquer dos progenitores.
Nessa tarefa, o Tribunal foi justamente mais sensível à estabilidade que a residência com o pai, comparativamente com a perspetivada na hipótese de ela ser fixada com mãe, tem a potencialidade de garantir para o bem-estar e desenvolvimento da menor AA,  considerando que nos últimos 2 anos a menor residiu com o progenitor.
A menor tem 5 anos. Não parece que a idade constitua critério que pese decisivamente na preferência pela atribuição da guarda à mãe, atento o estatuto de igualdade dos progenitores e as circunstâncias concretas de vida em que cada um se movimenta. Assim como não parece que a menor seja indiferente ao ambiente paterno em que viveu nestes dois últimos anos. Pelo contrário.
Claro que a recorrente, como é natural e é seu direito, manifesta-se pessoalmente inconformada e desapontada com a decisão. Discorda dos fundamentos e razões nela expendidos, considera-os ora inatendíveis, ora insuficientes ou não convincentes.
Porém, ela não mostra onde, na opção tomada na sentença ou nos seus motivos, existirá qualquer erro na interpretação e aplicação ao caso de qualquer princípio ou regra, apesar das diversas fontes convencionais e legais invocadas, nem que a solução se apresente intoleravelmente inconveniente ou inoportuna.
Efetivamente, a decisão de fixar a residência da menor com o progenitor está justificada em razões objetivas colhidas da factualidade provada e nas razões por que a algumas das circunstâncias foi conferida maior valoração que a outras e, nessa linha, por que se concluiu ser do interesse superior do menor que a sua guarda seja confiada, apenas, ao pai e não à mãe.
Como decorre dos nºs 5 e 8, do art.º 1906.º, do CC, “O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro” e, inviabilizada que no caso foi a hipótese de residência alternada, “O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e partilha de responsabilidades entre eles”.
Como se refere no Sumário do Acórdão da Relação de Lisboa de 16-03-2017[5]não obstante a boa relação que o menor possa ter com os dois progenitores e a dedicação de ambos”, “numa idade em que a criança ainda não tem autonomia nas suas decisões mais correntes da vida–como é o caso de uma criança de 5 anos–é do seu interesse um regime que privilegie a estabilidade”, cabendo ao Tribunal, como se lembra no Acórdão da Relação de Coimbra, de 06-06-2017[6] , o “poder/dever de proferir a decisão que lhe pareça mais equitativa (mais conveniente e oportuna), a que melhor serve os interesses em causa” mesmo quando as circunstâncias aconselham que os interesses da criança ficam melhor salvaguardados sendo ela confiada à guarda do pai.
Não ocorre violação de qualquer princípio ou regra legal nem a densa e extensa argumentação aduzida pela apelante e reproduzida nas conclusões encerra verdadeira questão significativa de erro de julgamento e de cuja procedência derive a pretendida alteração.
Aliás, os considerandos tecidos pela Recorrente estão mais no âmbito do desejo e da projeção do futuro: se a AA residisse com a progenitora/recorrente seria igualmente bem tratada (…) Mas, deve aqui tomar-se em linha de conta o que a própria recorrente refere no seu recurso: “os motivos a atender na decisão têm de ser atuais e não meras antevisões ou possibilidades” (cf. conclusão P).
Ora, o que evola da factualidade provada é que a AA se encontra integrada no meio, no quadro sociofamiliar que o progenitor lhe proporciona, sendo visíveis os seus progressos desde que ficou a seu cargo, tendo o apoio de familiares e outros membros da comunidade-e daí a criança encontrar outros espaços onde se realizar e desenvolver (ex., o grupo folclórico infantil)-sendo uma criança feliz, que se encontra a trilhar o seu percurso.
E, na verdade, ponderando que os progenitores residem longe entre si e não é possível a fixação da residência alternada, considerando essencialmente o teor da factualidade provada descrita em 13) a 22), não se vê como poderia ser outra a decisão do Tribunal que não fosse fixar a residência da AA junto do seu pai.
Por isso, bem andou o Tribunal recorrido na decisão que tomou.
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Improcedem, desta forma, todas as conclusões formuladas pela apelante e, com elas, o respetivo recurso.
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V- DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos acordam, os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar a apelação improcedente, por provada não provada, e consequentemente confirmar a decisão recorrida.
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Custas da apelação pela apelante (artigo 527.º, nº 1 do CPCivil).
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Porto, 8/4/2024
Manuel Domingos Fernandes
Eugénia Cunha
Mendes Coelho
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[1] Diferentemente defendem Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2.ª ed., Almedina, 2014, p. 43-45, afirmando que, nessas situações, deve a Relação, caso entenda que o facto é complementar dos factos já alegados, se evidenciou na instrução da causa e é relevante para o seu desfecho, utilizar o poder que lhe é conferido pelo artigo 662.º, n.º 1, c), do Código de Processo Civil, para ampliação da matéria de facto.
[2] No que diz respeito aos factos conclusivos cumpre observar que na elaboração do acórdão deve observar-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º CPCivil aplicáveis ex vi artigo 663.º, nº 2 do mesmo diploma legal.
[3] José Lebre de Freitas e A. Montalvão Machado, Rui pinto Código de Processo Civil–Anotado,Vol. II, Coimbra Editora, pag. 606.
[4] Antunes Varela, J. M. Bezerra, Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição Revista e Actualizada de acordo com o DL 242/85, S/L, Coimbra Editora, Lda, 1985, pag. 648.
[5] Processo nº 1585/16.5T8SXL-B.L1 consultável em www.dgsi.pt..
[6] Processo nº 34/16.3T8FIG-A.C1 consultável em www.dgsi.pt..