Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | RUI MOREIRA | ||
Descritores: | MAIOR ACOMPANHADO ADMINISTRAÇÃO DO PATRIMÓNIO AÇÃO PRESTAÇÃO DE CONTAS LEGITIMIDADE ATIVA | ||
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Nº do Documento: | RP2025040813141/22.4T8PRT-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 04/08/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | A um parente sucessível de um maior acompanhado não assiste o direito a exigir a prestação de contas pelo acompanhante nomeado, relativamente a actos de administração de património daquele, anteriores à decisão que decretou o acompanhamento e praticados na execução de um mandato que vinha sendo executado, enquanto o acompanhado estiver vivo e devidamente representado para o exercício dos seus direitos. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 13141/22.4T8PRT-A.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Cível do Porto - Juiz 1 REL. N.º 951 Relator: Juiz Desembargador Rui Moreira 1º Adjunto: Juiz Desembargador Ramos Lopes 2º Adjunto: Juíza Desembargadora Márcia Portela * ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO1 – RELATÓRIO Por apenso ao processo em que foi decretado o acompanhamento de maior quanto a AA, em 4-3-2024, e em que BB foi nomeada sua acompanhante, no âmbito de uma medida de acompanhamento de representação geral, veio CC, na qualidade de protutor e de parente sucessível da beneficiária, pedir que a acompanhante nomeada BB preste contas da administração que vem fazendo dos bens da beneficiária, desde 2014 até à presente data. O tribunal, entendendo não se verificar qualquer das hipóteses previstas no art. 151º nº 2 do C. Civil, indeferiu liminarmente tal pretensão. É desta decisão que vem interposto o presente recurso, que CC termina formulando as seguintes conclusões. I - Se à Maior Acompanhada foi aplicada a medida de acompanhamento de representação geral desde 2014 e, se a Acompanhante já era procuradora com poderes gerais de administração dos seus bens desde 2011, já tendo passado 10 anos, deverá a Acompanhante apresentar contas da sua administração. II - Um sobrinho, que é protutor e seu parente sucessível, pode requerer ao Tribunal que a Acompanhante preste contas. III - Sendo a Maior Acompanhada totalmente dependente de terceiros, para além do seu bem estar físico, o tribunal também deve curar de saber a forma como há tantos anos é administrado o seu valioso património e como são usados os seus rendimentos. IV - Até porque já tendo passado 10 anos, cada vez é mais difícil a comprovação da prestação de contas, sendo certo que até o cabeça de casal as tem de prestar anualmente. Termos em que, por erro de interpretação e aplicação do disposto no artº 948 al. a), deve a Sentença do M.º Juiz "a quo" ser revogada e substituída por outra que ordene à Acompanhante que preste contas desde 2014, com o que se fará JUSTIÇA. Citada a requerida, para os termos da causa e do recurso, veio ela responder, defendendo a confirmação da decisão requerida, sustentando não estar sujeita ao dever de prestação de contas relativamente ao período anterior à sua nomeação. * O tribunal recorrido admitiu o recurso como apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo. Cumpre decidir. * 2- FUNDAMENTAÇÃOO objecto do recurso é circunscrito pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da decisão de questões que sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC. Neste recurso, compete decidir se, nas concretas circunstâncias do caso, deve reconhecer-se o dever de prestação de contas, pela requerida, quanto à administração de todos os bens da beneficiária do acompanhamento, desde o início de 2014 até à presente data, atendendo à data da decisão de acompanhamento, mas também às circunstâncias anteriores segundo as quais há mais de 10 anos que a requerida vem administrando o património da beneficiária. * A decisão a proferir convoca os seguintes elementos, que resultam dos próprios autos:I – Na sentença que decretou o acompanhamento, foi dado por provado que: 1 – A beneficiária AA nasceu em ../../1936 e é filha de DD e de EE. 2 – É viúva, tendo o ex-marido FF falecido em 9-12-2011. 3 – O requerente CC nasceu em ../../1958 e é sobrinho da requerida. 4 – BB nasceu em ../../1960 e é sobrinha da requerida. 5 – GG nasceu em ../../1987 e é filho de BB. 6 – A requerida não tem filhos. 7 – A requerida padece, desde os anos de 2013 e 2014, de Demência. 8 – Tal doença tem evolução crónica e irreversível. 9 – Desde 2018, por força da evolução dessa doença, a beneficiária carece totalmente da ajuda de terceiros para as actividades básicas da vida diária, designadamente, para se alimentar, vestir e para a prática de actos de higiene. 10 – Não consegue deambular autonomamente. 11 – Quando questionada quanto ao seu nome, a beneficiária apenas responde “AA”. 12 – Não consegue responder a outras questões que lhe sejam colocadas, não sendo capaz de manter um nível de vigília que permita uma comunicação minimamente capaz e efectiva. 13 – A requerida carece de acompanhamento a consultas de fisioterapia, de medicina geral e familiar, assim como de Psiquiatria e/ou Neurologia. 14 – A doença de que a beneficiária padece afecta-lhe de forma permanente o entendimento, o discernimento e a vontade, limitando-lhe a sua capacidade de compreensão e autodeterminação. 15 – A beneficiária reside em casa própria, aí passando os seus dias. 16 – A requerida beneficia de cuidados assistenciais 24 horas por dia, durante todos os dias da semana, que lhe são prestados, em rotação, por funcionárias contratadas para o efeito pela sua sobrinha BB. 17 – BB desloca-se diariamente à casa da beneficiária, com ela contactando nessas ocasiões. 18 – BB residiu, entre os 9 e os 25 anos, em casa da requerida. 19 - BB vem assegurando o acompanhamento, o transporte e o pagamento dos encargos e despesas da beneficiária. 20 – Em 22-12-2011, a beneficiária constituiu BB como sua procuradora, tendo outorgada, para o efeito, a procuração junta aos autos em 26-1-2023, tendo-lhe atribuído poderes para, além do mais, “reger e gerir, conforme melhor entender, todos os bens e direitos dela outorgante”. II – Tal sentença, de 4/3/2024, culminou no seguinte dispositivo: “- Decreto a aplicação à requerida AA de medida de acompanhamento, sob o regime da representação geral, fixando no ano de 2014 o momento a partir do qual tal medida se tornou conveniente; - Nomeio BB, sobrinha da requerida, como sua acompanhante; - Nomeio, como vogais do Conselho de família, CC e GG, assumindo o primeiro o cargo de protutor; e (…)” III – Na petição inicial, o autor alegou, com utilidade para a decisão a proferir: “(…) 2 - Ora, como consta da mesma, foi decretada a medida de acompanhamento sob o regime de representação geral, fixando-se no ano 2014, o momento a partir do qual tal medida se tornou conveniente. 3 - Como se deu a conhecer nos autos principais, por requerimento de 20/5/2024, a Acompanhante BB, é procuradora da Maior Acompanhada, AA, por procuração notarial outorgada em 22/12/2011, com poderes de administração gerais e de representação da Maior Acompanhada, cobrança de rendas, representá-la em todos os Bancos onde tenha dinheiro, bem como representá-la na sociedade "A..., Lda". (…) 5 - Constata-se de tal procuração, que a Requerida já gere todo o património da Maior Acompanhada desde Dezembro de 2011. 6 - Com a prolação da Sentença de maior acompanhado, cessou todo e qualquer efeito que tinha a referida procuração 7 - Como a incapacidade da Maior Acompanhada se reporta a 2014, sob o regime de representação geral, é manifesto que a Requerida, pelo menos desde 2014 que gere todo o património sem que a Mandante tenha capacidade de dar como boas as contas apresentadas, sendo que nunca foram prestadas contas. 8 - É obrigação do Acompanhante prestar contas nos termos dos artºs 948º e 949º do C.P.C., sendo que correm por Apenso ao processo em que a nomeação foi feita – artº 947º do C.P.C.. 9 - O Requerente para além de protutor, é sobrinho da Maior Acompanhada e, como esta é viúva, não tem filhos, nem ascendentes vivos, o Requerente é seu putativo parente sucessível. 10 - Destarte, a Requerida é, assumidamente, Procuradora geral dos bens da Maior Acompanhada, desde 2011 e, tem de prestar contas, pelos menos desde 2014. * Na decisão de indeferimento liminar sob recurso, o tribunal considerou exclusivamente a obrigação de prestação de contas do acompanhante prevista no nº 2 do art. 151º do Código Civil, que dispõe: “2 - O acompanhante presta contas ao acompanhado e ao tribunal, quando cesse a sua função ou, na sua pendência, quando assim seja judicialmente determinado.”O tribunal atentou em que a requerida BB, nomeada para o exercício da sua função em 4-3-2024, não cessou esse exercício e, bem assim, que “nada nada consta dos autos que justifique que o Tribunal ordene a prestação de contas pela acompanhante nomeada.” Por isso, tendo por não verificada qualquer das hipóteses constantes da previsão do citado nº 2 do art. 151º, respondeu liminar e negativamente à pretensão do autor. Poderia especular-se, no entanto, que o autor, embora de forma pouco clara e desprovida de adequada qualificação jurídica, havia invocado outra ordem de fundamentos para sustentar a existência da obrigação de prestação de contas. Com efeito, se por um lado sedia a obrigação de prestação de contas no exercício da função de acompanhante, por outro parece sediá-la também na anterior administração do património da beneficiária, com base na procuração emitida em 2011 e por referência à época de 2014, em que o tribunal deu por verificada a discapacidade de AA, com fundamento em: - Estar a requerida a administrar o património da agora beneficiária desde Dezembro de 2011, com base numa procuração que esta emitiu a seu favor e para esse efeito; - Ter sido fixado no ano de 2014 o momento a partir do qual se reconhece que a medida de acompanhamento se tornou conveniente; - Ter caducado a procuração, com a sentença de acompanhamento; - Ser o requerente parente sucessível da beneficiária. Então, o fundamento para a pretensão da prestação de contas não seria apenas o exercício da função de acompanhamento, desde a nomeação de BB para esse efeito, mas também a circunstância de já o vir fazendo desde 2014, época em que se afirmou ter a beneficiária passado a carecer de acompanhamento, dada a doença de que padece, que “…afecta-lhe de forma permanente o entendimento, o discernimento e a vontade, limitando-lhe a sua capacidade de compreensão e autodeterminação.” Todavia, se a pretensão de prestação de contas fosse sustentada na relação de mandato evidenciada pela procuração que permitiu à requerida administrar o património de AA, desde 2014, seria inevitável concluir pela falta de legitimidade do autor. Com efeito, a obrigação de prestação de contas fixada na al. d) do art. 1161º do C. Civil, tem por titular do correspondente direito o dono do património administrado ou, no caso de estar impossibilitado de exercer os seus direitos, será essa impossibilidade suprida pelo acompanhante nomeado. É essa a solução que resulta do art. 941º do CPC. E, em caso de conflito de interesses, não deixa o CPC de proporcionar uma solução adequada. Diferentemente, não tem um putativo sucessor do maior beneficiário de acompanhamento, isto é, um seu parente sucessível, legitimidade para requerer a prestação de contas relativamente a actos praticados no exercício de um mandato, enquanto o acompanhado estiver vivo e devidamente representado para o exercício dos seus direitos. Daí, certamente, não ter o tribunal recorrido enquadrado em tal regime a pretensão do autor, que se defrontaria necessariamente com um juízo de ilegitimidade activa. De resto, o próprio autor acabou, pelo menos expressamente, por subsumir a sua pretensão apenas ao disposto no art. 949º, nº 1 do CPC, conexionando-a com o exercício de funções de acompanhante, por BB. Porém, se à luz desta norma se tem de reconhecer a legitimidade do autor para requerer a prestação de contas em causa, a questão passa a colocar-se em sede substantiva, isto é, em sede de verificação dos pressupostos para a exigibilidade de prestação de contas. Ora, nesse enquadramento, somos devolvidos à aplicação do regime do nº 2 do art. 151º do C.Civil, em face do qual cumpre reconhecer, em concordância com o tribunal recorrido, que, em relação ao exercício de funções como acompanhante, desde a data da sentença, de Março de 2024, inexiste qualquer razão objectiva que lhe faça impor a obrigação de prestação de contas, sendo certo, por outro lado, que tais funções não cessaram. Tem de se concluir, em suma, pela não verificação dos pressupostos dessa norma que, complementada pelo disposto no art. 949º, nº 1 do CPC, permitiria que se admitisse a pretensão do autor. No mesmo sentido do que vem de decidir-se, veja-se o Ac. do TRC de 18/2/2025, proc. nº 2882/21.3T8LRA-C.C1, Relator: HUGO MEIRELES, disponível em dgsi.pt. Note-se que esta conclusão não significa que inexista solução de direito adjectivo que permita obter a prestação de contas, por BB, relativamente ao período em que, no desenvolvimento do mandato conferido pela procuração emitida por AA, administrou o respectivo património, se se reunirem os pressupostos necessários. O que simplesmente se afirma, em concordância com o tribunal recorrido, é que a pretensão singelamente deduzida pelo autor não pode ser acolhida, por não lhe assistir o direito que se apresenta a exercer. Em conclusão, resta reconhecer o acerto da decisão recorrida, o que obsta ao provimento da presente apelação. * Sumário (art. 663º, nº 7 do CPC):……………………………… ……………………………… ……………………………… * 3 - DECISÃOPelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em negar provimento ao presente recurso de apelação, na confirmação integral da decisão recorrida. Custas pelo apelante. Reg. e not. Porto, 8 de Abril de 2025 Rui Moreira João Ramos Lopes Márcia Portela |