Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | JOAQUIM GOMES | ||
| Descritores: | DANOS NÃO PATRIMONIAIS UNIÃO DE FACTO | ||
| Nº do Documento: | RP201303219001/09.2TDPRT.P1 | ||
| Data do Acordão: | 03/21/2013 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REC. PENAL. | ||
| Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE. | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - O conceito constitucional e legal de família não se circunscreve ao relacionamento que advém exclusivamente do casamento, abrangendo também as uniões de facto, quando estas constituírem uma relação estável e duradoura de modo a assemelharem-se, na sua integridade e funcionalidade, a uma união conjugal, surgindo ambas como autênticas garantias de instituto, ainda que com regulamentações legais distintas. II - O Código Civil ao disciplinar o regime da responsabilidade civil extracontratual por danos não patrimoniais em caso de falecimento da vítima e para determinação dos seus beneficiários partiu de um conceito alargado de família, pois todos os potenciais titulares desse direito têm em comum serem familiares do falecido. Por outro lado, escalonou essa titularidade dando primazia àqueles que, em princípio, teriam um relacionamento mais próximo com a vítima falecida e relativamente à qual estariam numa situação de economia comum. III - Perante a redação primitiva do disposto no artigo 496.°, n.° 2, do Código Civil, impõe-se uma interpretação orientada pela Constituição (Verfassungsorientierung) de modo a abranger as pessoas conviventes em união de facto, atenta a mens legislatoris originária e a evolução deste específico vínculo familiar que atualmente surge como uma autêntica garantia de instituto. | ||
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| Decisão Texto Integral: | Recurso n.º 9001/09.2TDPRT.P1 Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjunta: Paula Guerreiro Acordam em Conferência no Tribunal da Relação do Porto I RELATÓRIO 1. No PC n.º 9001/09.2TDPRT do 3.º Juízo do Tribunal de Amarante, em que são: Recorrente/Demandante: B…., S. A. Recorrida/Demandante: C…. Recorrido/arguido: D….. Recorrido: Ministério Público por sentença de 2012/Jun./11, a fls. 269-289, foram condenados: a) o arguido D..... pela prática, como autor material, de um crime de homicídio por negligência da previsão do artigo 137.º, n.º 1, do Código Penal na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, com o valor diário de 5€ (cinco euros). b) a demandada B....., SA a pagar, na procedência dos pedido de indemnização cível, à demandante C..... a quantia de € 53.210,00 , acrescida de juros à taxa legal a contar da data da notificação daquele pedido; 2. A demandada B....., S.A. interpôs recurso em 2012/Jun./21, a fls. 299-317, pedindo a revogação da sentença recorrida “em conformidade com as conclusões que antecedem”, que foram as seguintes: 1.º) Vem dado como provado que: na data do acidente, a demandante vivia em união de facto há 9 anos consecutivos, com a vítima mortal E..... (itens 20 e 21 da douta sentença); O acidente ocorreu em 17.05.2009, tendo o E.....falecido no imediato dia 19.06.2009; Vem ainda dado como provado que, em consequência da morte do seu companheiro, a demandante sofreu grande desgosto e depressão e perdeu a alegria de viver, pois eram um casal muito unido e o E.....um companheiro atencioso e amigo (item 30). Que a demandante suportou 60,00€ em transportes com a vítima do acidente, seu dito companheiro, e 3.1 50.00€ com as despesas do funeral (item 31). Que o E.....deixou três filhos de outra mulher, um deles de menoridade, conforme certidão de habilitação junta aos autos com a contestação da recorrente (1-5); 2.º) Na data do acidente e do falecimento do E....., o artigo 496.º do Código Civil contemplava a companheira sobreviva de união de facto entre os familiares com direito a indemnização por danos não patrimoniais por morte do companheiro (n.º 2) (6); 3.º) A morte do E..... dissolveu e extinguiu a situação dc união de facto em que vivia com a demandante (n.º 1, al. a) do artigo 8.° da Lei 7/2001, de 11/05) (7); 4.º) Só a partir da introdução do n.º 3 do artigo 496.º do C. Civil pela Lei 23/2010, de 30.08 é que o companheiro ou companheira sobrevivo/a de união de facto passou a elencar o primeiro grupo de pessoas com direito a indemnização por danos não patrimoniais estabelecido no n°. 2 desse normativo (8); 5.º) Essa alteração do regime jurídico do artigo 496.º não tem efeitos retroactivos a situação de união de facto dissolvidas em data anterior, como foi o caso dos presentes autos, porquanto é com o acidente e com a morte da vítima que nasce instantaneamente a relação jurídica de indemnização com a configuração que lhe dá a lei em vigor nesse momento, sendo irrelevantes as alterações legislativas posteriores (9); 6.º) Contrariamente ao que se diz na sentença, daí não resulta ofensa do princípio da igualdade estabelecido no art. 13.º da CR porquanto a união de facto e o casamento continuam a ser realidades jurídicas diferentes aos olhos da lei, não sendo até equiparáveis, para este efeito o/a parceiro/a ao marido ou ao cônjuge (10); 7.º) Contrariamente também ao que se diz na sentença, a relação jurídica de indemnização decorrente de um acidente de viação não abstrai, na sua modelação ao facto que lhe deu origem. Mesmo que a Lei 23/2010 tivesse efeitos retroactivos, e não tem, sempre ficariam ressalvados os efeitos já produzidos pela lei anterior relativamente às pessoas com direito a indemnização (11); 8.º) Acresce que no tocante às relações civilísticas emergentes do acidente, a Lei 23/2010 é inovadora, aplicando-se, portanto, apenas para o futuro e não também às relações jurídicas já passadas e em especial às uniões de facto já dissolvidas aquando da sua publicação (12); 9.º) Deve, portanto, ser a recorrente absolvida do pedido da indemnização do pagamento à demandante das aludidas quantias de 10.000,00€, pelos sofrimentos da vitima, e 40.000,00€ por danos não patrimoniais próprios dela demandante, mantendo-se portanto apenas a condenação da recorrente no pagamento de 60,00€ por transportes da vítima e 3.150,00€ de despesas com o seu funeral (13); 10.º) A entender-se o contrário, deve reduzir-se para não mais de 3.000,00€ a indemnização pelos sofrimentos da vítima e ser atribuída à demandante apenas a que lhe couber, considerando que a vítima deixou três filhos de outra mulher e reduzir-se para não mais de 15.000,00€ a indemnização à demandante pelos seus danos não patrimoniais próprios (20.000,00€ havia sido concedido à companheira Sobreviva no pelo douto acórdão do STJ acima parcialmente transcrito) (14); 11.º) A sentença recorrida violou os preceitos legais que foram citados. em especial os artigos 12.º e 496.º, n°s 2 e 3, 566.º, n.º 3 do Código Civil, a Lei 23/2010, de 30/08. 3. A demandante C..... respondeu por correio electrónico enviado em 2012/Set./10 a fls. 327-392 sustentando que se negue provimento ao recurso porquanto e em suma: 1.º) A matéria de facto deve ser considerada perfeitamente estabilizada, na medida em que a recorrente não impugnou regularmente de acordo com os requisitos preceituados, com base no disposto no artigo 412.º, n.º 3 e 4 do Código de Processo Penal, nem logrou demonstrar fundamentos para a sua modificabilidade ou sequer invocou a nulidade por omissão de pronúncia, com referência ao artigo 379.º, n.º 1, al. a), também do Código de Processo Penal (I, II); 2.º) Mesmo no respeitante à matéria de facto do ponto 12 da douta sentença, que a recorrente parece pôr em causa, apenas tece meras considerações, com discordância da valoração dos depoimentos de dois mecânicos, mas também aqui não observa os já citados preceitos e nem nas conclusões submete a questão à apreciação desse Venerando Tribunal, sendo elas, as conclusões, que delimitam o objecto do conhecimento — artigo 412°, n.º 1 do Código de Processo Penal (III); 3.º) No que respeita aos montantes indemnizatórios, a recorrente foi civilmente demandada nos precisos termos em que a condenação veio a ocorrer, não lhe cabendo, agora, a defesa dos interesses de terceiros, tal como não optou, no momento próprio, por suscitar a questão e fazer intervir quaisquer outros beneficiários daquele montante (IV); 4.º) E relativamente aos valores fixados, a recorrente fica-se por uma simples discordância, motivada apenas em critério pessoal e por remessa para um caso concreto de um acórdão, ou seja, sem qualquer suporte de convicção ou de convencimento que permita a análise ou sindicância desse Venerando Tribunal (V); 5.º) Considerando a matéria de facto mais impressiva, a saber as dos pontos 20, 21, 28, 29 e 30, é evidente que esse conjunto de factos (mais a percepção que o Tribunal teve como resultado da imediação com a assistente) esteve presente no momento decisório, traduzido na afirmação (sensível) de que face ao resultado, solidão e perda de um companheiro dedicado e carinhoso..., é razoável e equilibrado compensá-la com a verba de 640.000 euros (VII); 6.º) É para aqui irrelevante a invocação do pagamento de indemnização aos filhos da vítima, tal como é inócua a ordem da “sucessão” da assistente na vida do falecido, pois os factos provados não desabonam nos profundos sentimentos que lhe tinha (aliás, mútuos) e que também dão cobertura e indemnização pedida e arbitrada, numa decisão material justa, e com uma leitura pessoal e escorreita da questão concreta (VIII); 7.º) Conforme exuberantemente demonstrado, a Lei 23/2010, ao aditar o n.º 3 ao artigo 496° do Código Civil, é de aplicação imediata, e ao caso concreto, pois, regulando direitos, refere-se a todos os direitos existentes no futuro — quer constituídos depois, quer constituídos antes da lei nova – sem conexão directa com o facto que lhes dá origem (IX, X, XI, XII, XIII, XIV) 8.º) Relativamente à mesma lei, e no domínio de outras prestações sociais, a jurisprudência vem sendo quase unânime no sentido da aplicação da lei nova, sendo certo que essas situações são inteiramente semelhantes à destes autos (XV); 9.º) Uma vez que a aplicação da lei nova aos casos como o destes autos, segundo o artigo 12.º, n.º 2, depende de as relações já constituídas subsistirem à data da sua entrada em vigor, tem que se atender a que, nestes casos, o facto gerador do direito à indemnização é precisamente o óbito de um dos membros da união de facto, o que postula, para estes casos, que a subsistência da relação jurídica deva ser lida, e aplicada, cum granu salis (XVI, XVII, XVIII, XIX); 10.º) Não se entendendo que não é imediatamente aplicável a lei nova ao caso em apreço, nem por isso a pretensão da recorrida deixaria de ter fundamento, agora por invocação da aplicação do artigo 496.º, n.º 2 do Código Civil, na redacção anterior, sendo certo que o Tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito — artigo 664.º do C.P.C. (XX); 11.º) Os factos pertinentes, que traduzem a vivência análoga à dos cônjuges, da recorrida e da vítima, com as características concretas provadas, preenchem os fundamentos de raiz do direito à indemnização concedido daquele preceito, devendo entender-se que aqueles fundamentos valem, por igual, para qualquer tipo social de família, pois têm a sua origem num facto juridicamente relevante e merecedor da tutela do direito — a dor moral —, independente do nome ou da designação legal dos beneficiários (XXI, XXII, XXIII); 12.º) A cada dia, são mais e maiores os apelos (e os imperativos), à mais actualista aplicação do direito, sem perda dos seus princípios basilares e, no caso concreto, com base nos factos acima descritos, que tipificam uma relação socialmente reconhecida e aceite, e um sofrimento análogo ao de qualquer cônjuge, ficam reunidos, e preenchidos, todos os requisitos legais para atribuição à recorrida da indemnização por ela pedida (XXIV); 13.º) Do imediatamente antes exposto, resulta que o dano sofrido pela aqui recorrida é, subsidiariamente, indemnizável ao abrigo da redacção anterior do n.º 2 do artigo 496°, seja por actualização da intenção da lei, seja por iguais razões, por aplicação extensiva (XXVIII); 14.º) Porém, mesmo que assim se não entenda, sempre, e em último termo, cabe direito de indemnização pelos danos não patrimoniais ao caso concreto, pelo regime geral dos artigos 483.º e 496.º, n.º 1 (pelo menos pelos danos próprios da autora), face ao princípio geral da ressarcibilidade dos danos de natureza não patrimonial, uma vez que a demandante vivia nas condições descritas com o falecido, pois tal situação merece a tutela do direito, e sendo assim dispensável a previsão do n.º 2 do mesmo artigo 496.º (XXIX, XXX, XXXII, XXXIII, XXXIV); 15.º) Se em vez de morrer, o companheiro da autora apenas sofresse danos físicos gravíssimos, irreversíveis, que o tornassem esteticamente monstruoso ou, por exemplo, impotente, por certo a companheira tinha direito a ser indemnizada pelo sofrimento próprio, posto que se compreenda a orientação que defende que em casos extremos a vítima indirecta, com dano directo, também merece a tutela do direito (XXXI); 16.º) Caso assim se não entenda, e com base nos fundamentos acima expostos, deixa-se invocada como inconstitucional, por violação do disposto no artigo 36.º, n.º 1 da CRP, conjugado com o princípio da proporcionalidade, a norma contida no n.º 2 do artigo 496° do Código Civil (redacção anterior), na parte em que, em caso de morte da vítima, exclui a atribuição de um direito de indemnização por danos não patrimoniais pessoalmente sofridos pela pessoa que convivia com a vítima em situação de união de facto, estável e duradoura, em condições análogas às dos cônjuges (XXV, XXVI, XXVII, XXXV, XXXVI) 4. Remetidos os autos para esta Relação, onde foram registados em 2012/Out./22, foram os mesmos com vista ao Ministério Público, tendo-se colhido de seguida os vistos legais. * O objecto deste recurso passa pelo reexame da matéria de facto (a) e pela determinação da existência de responsabilidade civil extra-contratual por danos não patrimoniais em relação à companheira da vítima (b).* II. FUNDAMENTAÇÃO* * 1. A sentença recorrida Nesta foi dada como provada a factualidade, com a subsequente motivação que se passa a transcrever: “Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos: 1. No dia 17 de Maio de 2009, cerca das 22h e 10 m, no IP 4, freguesia de Ansiães, concelho de Amarante o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros Citroen Xantia de matrícula ..-..-MM, sua propriedade, no sentido de marcha Amarante/Vila Real. 2. Quando circulava por esta via e, ao chegar ao km 71, local onde a estrada tem uma inclinação ascendente de 7%, atento o sentido de marcha Amarante/Vila Real, o arguido ultrapassou as balizas cilíndricas flexíveis existentes no local que funcionam como separador das hemi-faixas e invadiu a faixa de rodagem contrária, no preciso momento em que por esta faixa de rodagem transitava o veículo automóvel ligeiro de passageiros Renault Clio de matrícula ..-..-DV, conduzido por E....., no sentido Vila-Real/Amarante. 3. O veículo automóvel conduzido pelo arguido embateu na frente do lado esquerdo do DV com a parte da frente, lado direito, do MM. 4. O condutor do DV nada pôde fazer para evitar a colisão atento o imprevisto da manobra. 5. A faixa de rodagem configura uma recta e em cada hemi-faixa, está dividida por balizas cilíndricas flexíveis apostas sobre linha longitudinal contínua, permitindo a formação de duas filas de veículos em ambos os sentidos. 6. Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, caía uma chuva miudinha e o piso estava molhado. 7. O arguido seguia a uma velocidade de, pelo menos, 60 km/h. 8. Em consequência deste acidente o E..... sofreu fractura diafisária do fémur esquerdo, submetido a encavilhamento rimado e fechado e lesões traumáticas meningo-encefálicas subsequentes ao embate, lesões estas que lhe causaram a morte no dia 19 de Junho de 2009. 9. No local do embate, a referida estrada é de traçado recto e mede 10,40 metros de largura. 10. Em consequência necessária e directa do embate, o E..... sofreu as lesões descritas no relatório de autópsia de fls. 39, que aqui se dá por reproduzido e que lhe determinaram, como efeito directo e necessário, a morte. 11. A qual teve lugar 33 dias após o sinistro, em 19 de Junho de 2009. 12. Ao conduzir naquelas circunstâncias e àquela velocidade, numa estrada perigosa como é o IP-4 e com chuva miudinha, o arguido podia e devia prever que se poderia despistar, e sabia que não lhe era permitida por lei uma conduta que levasse à morte de uma pessoa. 13. O arguido é dono de uma serralharia modesta com apenas 2 empregados. Aufere de lucro quantias incertas que por vezes não ultrapassam o SMN. Tem a 4.ª classe. A esposa é doméstica. Vive numa casa que está impartilhada com a mãe e os irmãos. 14. O arguido não tem antecedentes criminais. 15. É tido como boa pessoa, cidadão e condutor exemplar e digno de confiança, bem considerado, respeitado e respeitador. Interiorizou e ficou tremendamente abalado com a morte do sinistrado, aparecendo em audiência com um semblante mortificado mostrando a amargura que sobre ele se abateu. 16. Desde o dia do acidente entrou em estado de abatimento e apatia e ficou profundamente marcado por esta tragédia. 17. O arguido possui carta de condução há mais de 40 anos e nunca teve acidente algum antes deste. 18. À data do acidente o arguido tinha transferido para a “Companhia B…., S. A.” através de contrato de seguro a que corresponde a apólice n.º 751731404 (fls. 201) a obrigação de indemnizar os danos que o seu veículo causasse a terceiros. 19. À data do óbito o E..... tinha 45 anos de idade e era um indivíduo activo e que gozava de boa saúde. 20. Vivia com a assistente, há 9 anos consecutivos, como se fossem marido e mulher, partilhando a mesma habitação, o leito e as refeições e recebendo juntos os amigos e familiares, passeando juntos e dividindo as despesas domésticas e entre-ajudando-se nas doenças e dificuldades. 21. Muitos amigos e vizinhos da assistente e do falecido estavam mesmo convencidos que o casal estava unido pelo vínculo matrimonial. 22. O E.....não faleceu logo após o acidente e foi transportado para o Hospital de Vila Real e horas mais tarde foi transferido para o Hospital de Santo António. 23. No dia 18 de Maio de 2009 o E.....foi submetido a cirurgia, foi medicado com analgésicos, fez pensos em consultas externas e teve de andar com canadianas. 24. No dia 18/06/2009 foi conduzido ao Centro Hospitalar de Gaia/Espinho sendo que já no dia anterior tinha recorrido ao Hospital de Santo António por estar afectado por cefaleias e vómitos há 5 dias. 25. Encontrava-se sem apetite desde a cirurgia e apresentava movimentos de decorticação, incontinência de esfíncteres e midríase bilateral com suspeita de hemorragia cerebral. 26. Acabou por falecer no dia seguinte no Serviço de Neurocirurgia do Hospital de Santo António para onde fora transferido. 27. Foi autopsiado onde se concluiu pela existência de um nexo de causalidade adequada entre os danos corporais sobrevindos ao embate e a sua morte. 28. Entre o dia do acidente e a sua morte o falecido sofreu dores intensas e desconforto e vivenciou angústia e tristeza. 29. Em consequência da morte do seu companheiro a assistente sofreu grande desgosto e depressão e perdeu a alegria de viver pois eram um casal muito unido sendo o E..... um companheiro atencioso e amigo. 30. A assistente sepultou o seu companheiro no seu jazigo de família. 31. A assistente suportou de despesas € 60 de transportes do falecido para os Hospitais e destes para a sua residência e os encargos do funeral, no valor de € 3.150. * Não se provaram quaisquer outros factos que tenham relevância para a decisão da causa e que estejam em contradição com os assentes, designadamente:- que o veículo do arguido sofresse uma avaria mecânica que o fizesse desgovernar e despistar que o arguido tivesse apanhado óleo ou areia na estrada; - que o embate fosse frontal; - que o carro do arguido embatesse no rail da sua direita; - que o arguido circulasse vários metros pela faixa da sua esquerda; * Indicação probatória.O Tribunal, num juízo de apreciação crítica da prova produzida, formulou a sua convicção, quanto aos factos dados como provados, com base nos seguintes elementos: a) nas declarações do arguido que se pronunciou quanto à sua situação familiar, económica e habilitações literárias. Tivemos em atenção tudo quanto nos transmitiu, mas uma coisa é inegável, o carro tripulado pelo arguido invadiu a faixa contrária com o que foi cometida a contra-ordenação do art. 13 do CE pelo que, competia ao arguido comprovar que tal invasão da faixa contrária se deveu a factor de força maior o que o arguido ensaiou alegando que ocorrera uma avaria mecânica imprevista que ocasionou o despiste, porém, na nossa sempre falível e limitada perspectiva, não o logrou. Mas efectuemos a revisitação da prova de índole pessoal: - O arguido relatou que o seu carro descreveu um pião e nesse rodar bateu com o lado direito frente do seu veículo na frente do lado esquerdo do carro da vítima. Não costuma andar depressa, seguia a 60, 70 km/hora (mas conhecemos bem o traçado traiçoeiro e mortífero do IP-4 e num dia de chuva miudinha, mesmo a subir, naquela zona fatídica, não é prudente passar dos 50 km/hora e seguir a 60, 70 km/hora é excessivo paras as tremendas armadilhas da via). Depois do embate os carros vieram embrulhados pela faixa abaixo. Caía uma chuva miudinha. Seguia na direcção de Vila Real. Ultrapassou as balizas flexíveis e a respectiva linha contínua onde estão implantadas. O seu automóvel não tinha seguros para danos próprios e não era viável a sua reparação, tinha um braço de suspensão partido que pensa até ter sido a causa do despiste. Há pouco tempo tinha efectuado a revisão do carro e estava tudo em ordem. Conduz há 42 anos e nunca tinha tido nenhum acidente. Foi um acidente aparatoso. Não percorreu a faixa contrária nem em 5 cm, pelo contrário, como é uma subida, depois do embate o carro descaiu. O acidente dá-se numa recta, cerca de 50 metros após uma curva e junto a um restaurante com umas bombas de gasolina. Lamenta profundamente a morte ocorrida mas não pôde fazer nada para evitar o embate. O airbag lateral do lugar do passageiro, onde seguia a sua esposa abriu. Como os carros batem de lado o outro condutor foi gravemente atingido. Foi um imprevisto para o qual não encontra explicação ou justificação, tanto mais que conduz há mais de 40 anos e nunca lhe aconteceu tal, já percorreu o estrangeiro, tem carta de tractorista e de máquinas, tem muita experiência e em 42 anos de estrada nunca viu nada equiparável. O seu mecânico disse que o braço da suspensão devia ter partido e, ao partir a rótula dos braços da suspensão o carro entrou em desgoverno. Apesar da plausibilidade deste dado o certo é que não nos conseguiu incutir a dúvida sobre a causalidade da avaria mecânica, o braço da suspensão partido pode ser sequela do embate e o certo é que nos impressionou mais a conjugação dos 60, 70 km/hora com chuva miudinha que torna pastoso e escorregadio o piso, mais a mais, no ponto negro da via que é aquele onde se deu o acidente que configura uma autêntica armadilha mortal. - A assistente C..... relatou que vivia maritalmente há mais de 9 anos com o falecido E...... No dia em questão regressavam a Vila Nova de Gaia à casa de ambos e onde a assistente explora um café. Viviam em condições conjugais e partilhavam tudo. Inclusive o de cujus trabalhava na quinta da mãe da assistente em Vila Real, aos fins-de-semana. A intimidade era tanta e a ligação tão forte que o E..... foi sepultado na campa do seu pai. A sua mãe gostava muito dele, considerando-o como um filho pois caso contrário não iria para um jazigo de família. O E..... gozava de boa saúde, eram muito felizes, iam juntos de férias para o Algarve. Recebiam amigos no café em jantares. Ele era o seu marido e era tudo para ela. Foi operado no Hospital de Santo António. Quando foi para casa teve de usar canadianas. Era 100 % saudável antes do acidente, só tinha feito uma operação a um braço. Enquanto esteve no Hospital de Santo António o E..... sempre se queixou de dores na cabeça, no peito e na perna partida. Pagou o funeral com dinheiro seu e não do falecido pois nunca quis ficar autorizada a movimentar a conta bancária do falecido. Nunca tiveram contas em comum. Foi a 4.ª mulher do falecido. O E..... teve filhos de 3 mulheres. - F…., agente da GNR autuante. Foi chamado ao local logo após o acidente. O local do embate configura uma recta. O arguido transportava duas senhoras. Falou com ambos os condutores. Aquela zona é muito perigosa, já morreu lá muita gente. Há, com efeito uma curva perigosa mas é antes da recta onde se deu a colisão. O embate dos carros foi lateral mas na zona da frente. A colisão deu-se na faixa da vítima e estavam lá vidros partidos. A estrada tem uma inclinação de 7%. Nesse local a 60, 70 km/hora já é uma velocidade arriscada em especial, se se conjugar com a tal chuvinha que caía e que não dá para lavar o pavimento antes para o tornar escorregadio. Este acidente é o típico de quem sobe a estrada, é um ponto negro da estrada. O carro despistou-se mas não caminhou vários metros pela faixa esquerda acima. Não havia sinais de travagem, foi um despiste imprevisível. Não observou se havia óleos ou outros derrames na via. - G…., que seguia como passageira no carro do arguido, no banco de trás. Ia a conversar descontraidamente com a esposa do Sr. D….. Seguiam devagar, 60, 70 km/hora. O piso estava molhado. O arguido não ia distraído. Só sabe que o carro entrou em despiste. O arguido é um condutor prudente e seguro. Tudo ocorreu numa fracção de segundo e não há explicação, pensa que foi alguma falha do carro. Não se apercebeu de barulhos suspeitos no carro antes da colisão e não chegaram a embater no rail. O arguido ficou perturbado e arrasado com isto. O choque não foi frontal. As duas passageiras foram socorridas no Hospital. O arguido é humilde, trabalhador, sério, honesto. Já viajou muito com ele e é um condutor muito prudente e atento, revelando grande perícia na condução. Tem a certeza que fez uma condução segura pois é assim que o conhece há 35 anos. O arguido vive do seu trabalho, tem uma oficina de serralharia, a esposa do arguido é doméstica. Considera que foi um acidente sem explicação, iam a 60, 70 km/hora, não iam com pressa, não iam a ultrapassar. - H…., esposa do arguido. O carro ia muito bem na recta e, de repente, guinou para as balizas flexíveis, o carro ficou desgovernado e atravessou a faixa de rodagem. O carro do marido valia menos do que o custo da reparação e não compensava consertá-lo. Tem a certeza que não chegaram a bater no rail da direita pois dariam conta disso no interior do carro. Só disparou o airbag lateral do seu lado, por isso não foi uma colisão violenta. Não circularam pela faixa contrária até porque é a subir. Já tinham passado a curva há um bom bocado. Foi ao lado de um desvio de emergência que tem faixas vermelhas e brancas. Parece que tinha partido um ponteiro da direcção. O marido ainda está muito desorientado e abalado e não se vai recompor. - I…., mãe do falecido. Na missa do sétimo dia do falecido apresentou a assistente como esposa do seu filho aos seus conhecidos. O seu filho foi sepultado numa terra que não era a dele e no jazigo de família da D. C….. Quem recebeu os pêsames e os sentimentos como esposa do falecido foi a assistente pois vivia com ele como se fossem casados. - J….., irmã do falecido. Não conviviam. A última vez que o viu foi no funeral do avô de ambos. Separaram-se aquando do divórcio dos pais e o seu irmão ficou a viver com o pai sendo que os restantes filhos ficaram a viver com a mãe. No funeral do irmão a D. C…. recebeu as condolências, estava muito desgostosa e mostrava grande dor. Aparentemente o seu irmão era muito estimado na freguesia de Parada de Cunhos, em Vila Real onde residia a família da assistente e aí ficou sepultado. - K…., mecânico que examinou o carro do arguido depois do acidente para aferir da viabilidade do conserto. O carro estava danificado do lado direito. Quando içou o carro no elevador, a roda do lado esquerdo caiu e constatou que a rótula do lado esquerdo estava partida. A rótula é uma esfera que logo saltou. Se um problema destes se verifica na condução o carro fica sem controle, porém, não pode garantir se a quebra se deu antes ou depois do embate. - L…., mecânico, que examinou o veículo. Constatou que a roda do lado direito tinha saltado. A ponteira e a rótula da ponteira de direcção tinham saltado. Concluiu que houve um desgaste na rótula, que esta saltou e que tal foi a causa do acidente. Este depoimento, vale o que vale até porque foi diverso da testemunha anterior que também é mecânico. - M….., vizinho da assistente e companheiro de caça do falecido E….. O falecido vivia com a assistente e referia-se a ela como sendo a sua mulher. Chegou a visitar o amigo no Hospital de Santo António e quem estava lá a cuidar dele era a assistente. - N…., cliente do café da assistente há mais de 10 anos. A assistente e o falecido eram um casal normal, via-os sair juntos. O E..... trabalhava na construção civil. Depois do acidente inteirava-se do estado de saúde do E..... junto da assistente, não tinha outra pessoa mais chegada a quem perguntar. Via a assistente muito abatida e preocupada. O E..... foi sepultado em Vila Real pois o casal fazia lá a sua vida aos fins-de-semana. - O…., amigo do casal e frequentador do café da assistente, o qual, se chama “P….”. Eles eram um casal, eram homem e mulher, o falecido usava a terminologia “a minha mulher”. A assistente ainda não se recompôs do acidente ainda fala muito amiúde no “meu E….”. Foi um abalo profundo que ela sofreu na vida. O falecido foi sepultado num jazigo da família da assistente. - Q…., sócio-gerente da agência funerária que realizou o funeral, “R…., Lda.”. Confirmou o teor e o pagamento pela assistente da factura de fls. 9. A assistente foi a sua única interlocutora como interessada em realizar o funeral. Foi um funeral caro pois envolveu a deslocação de Gaia para Vila Real. - S….., cunhada da assistente, casada com um irmão desta. O falecido para ela era um cunhado e para os filhos era o tio E…., Não eram namorados, ele era marido, só faltava o papel. Partilhavam casa, cama e em Vila Real a casa da família dela. O falecido jantava sempre com ela. Até ao acidente ele gozava de boa saúde e era um homenzarrão. Depois do acidente a assistente deixou de ser a C…. que nós conhecíamos. No funeral não viu mais ninguém a receber os pêsames como esposa. Ela era avessa ao casamento e ele morreu novo senão tinham acabado por casar. A assistente foi-se muito abaixo, ainda hoje toma anti-depressivos e teve de fazer uma cura de sono. Ela sente muito a falta dele e deixou tudo em casa como ele queria. Era um casal muito feliz, amparavam-se reciprocamente e viviam um para o outro. - T….., perito liquidatário da demandada “B…., S. A.”, que explicou que foi contactado por um advogado, Dr. U….., que alegadamente representava os dois filhos maiores do falecido e a senhora que vivia com ele e a ele entregaram o recibo das despesas do funeral que até hoje não foi apresentado a pagamento. - V…., amiga da assistente a quem costuma ajudar no café, de forma gratuita, que referiu que foi a assistente que o ajudou, cuidou e alimentou quando teve alta do acidente. A assistente sofreu muito com a morte do E..... e ainda hoje anda medicada. Foi a assistente quem pagou a elevada despesa do funeral. O falecido era mestre-de-obras e tinha trabalho mas tinham bolsas e contas separadas. - W…., irmão da assistente e que se intitulou cunhado do falecido. O falecido gostava muito da sua irmã, dizia que com as outras mulheres que tinha tido não foi feliz e que a sua irmã foi a única que lhe deu alegria de viver. Era muito chegado à família da assistente, cultivando as terras da mãe dele e quando ela adoeceu, transportava-a à clínica para tratamento. Era uma pessoa da sua família, de outra forma, não aceitaria que fosse sepultado junto dos seus pais. As pessoas em Vila Real julgavam que eles eram marido e mulher e toda a gente sabia que eles eram muito felizes um com o outro - X…., prima da assistente que revelou que a assistente se sente muito sozinha desde a morte do companheiro. - Y…., empregado da demandada “B…., S. A.” na área de acidentes de viação. Explicou que enviaram o recibo das despesas de funeral para o então advogado da assistente porque este disse que a assistente só queria as despesas do funeral mas tal recibo nunca foi apresentado para liquidação. B) no teor dos documentos: certificado de óbito de fls. 5, relatório de fls. 19, relatório de autópsia de fls. 39, participação de fls. 46, declaração de fls. 157, recibos de fls. 118 e 119, factura de fls. 120, apólice de fls. 201 e CRC de fls. 164. * Quanto aos factos dados como não provados, não foi feita prova dos mesmos por forma a que, pela positiva, pudessem ser tidos como assentes. Por um lado ficou bem patente em audiência que o arguido não seguia como a acusação pretendeu inculcar pela faixa contrária por vários metros. Por outro lado, não foi produzida prova tendente a demonstrar que o choque fosse uma colisão frontal ou que se devesse a uma avaria mecânica.”* 2. Fundamentos do recursoa) Reexame da matéria de facto Decorre do disposto no art. 428.º, n.º 1 do Código Processo Penal[1],que as relações conhecem de facto e de direito, acrescentando-se no art. 431.º que “Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412.º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.” Por sua vez e de acordo com o precedente art. 412.º, n.º 3, “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas”. Acrescenta-se no seu n.º 4 que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.” Nesta conformidade e para se proceder à revisão da factualidade apurada em julgamento, deve o recorrente indicar os factos impugnados (i), a prova de que se pretende fazer valer (ii), identificando ainda o vício revelado pelo julgador aquando da sua motivação na livre apreciação da prova (iii). Convém, no entanto, precisar que o reexame da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas apenas sindicar aquele que foi efectuado, despistando e sanando os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso (Ac. do STJ de 2005/Jun./16, Recurso n.º 1577/05), 2006/Jun./22, Recurso n.º 1426/06). Por isso, o recurso sobre a matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso de todos os elementos de prova que foram produzidos e que serviram de fundamento à sentença recorrida, mas apenas e tão-só a reapreciação da razoabilidade da convicção formada pelo tribunal “a quo”, a incidir sobre os pontos de factos impugnados e com base nas provas indicadas pelo recorrente (Ac. STJ de 2007/Jan./10). Daí que esse reexame esteja sujeito a este ónus de impugnação, sendo através do mesmo que se fixam os pontos da controvérsia e possibilita-se o seu conhecimento por esta Relação (Ac. do STJ de 2006/Nov./08). Como é sabido e muito embora, segundo o disposto no art. 127.º, o tribunal seja livre na formação da sua convicção, existem algumas restrições legais ou condicionantes estruturais que o podem comprimir. Tais restrições existem no valor probatório dos documentos autênticos e autenticados (169.º), no efeito de caso julgado nos Pedido de Indemnização Cível (84.º), na prova pericial (163.º) e na confissão integral sem reservas (344.º). Aquelas condicionantes assentam no princípio da legalidade da prova (32.º, n.º 8 C. Rep.; 125.º e 126.º) e no princípio “in dubio pro reo”, enquanto emanação da garantia constitucional da presunção de inocência (32.º, n.º 2, Constituição; 11.º, n.º 1 DUDH[2]; 6.º, n.º 2 da CEDH[3]). Por tudo isto, este princípio da livre apreciação das provas não tem carácter arbitrário nem se circunscreve a meras impressões criadas no espírito do julgador, estando antes vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que não estão subtraídas a esse juízo, sendo imprescindível que este seja motivado, estando ainda sujeito aos princípios estruturantes do processo penal, como o da legalidade das provas e “in dubio pro reo”. Assim e para além da violação daquelas restrições legais ou das apontadas condicionantes estruturais, o juízo decisório da matéria de facto só é susceptível de ser alterado, em sede de recurso, quando a racionalidade do julgamento da matéria de facto corresponda, de um modo objectivo, a um juízo desrazoável ou mesmo arbitrário da apreciação da prova produzida. * Muito embora o recorrente não invoque a nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia em relação à matéria por si alegada nos itens 4.º e 5.º da sua acusação, o certo é que o mesmo sustenta que essa matéria deve ser considerada como provada, na sequência da certidão de habilitação de herdeiros que foi junta aos autos. Ora como se pode constatar dessa mesma certidão, constante a fls. 196-198, o falecido E....., no estado de divorciado, tem como seus únicos e universais herdeiros, os seus filhos Z….., AA…., AB….., AC,,,,, menor.Assim, esta factualidade deverá constar nos factos provados sob o item 32 e mediante a seguinte redacção: “E....., aquando do seu falecimento, estava divorciado, tem como seus únicos e universais herdeiros os seus filhos Z….., AA…., AB…. e AC…., este de menor idade”. * b) A responsabilidade civil extra-contratual por danos não patrimoniais em relação à companheira da vítimaO Código Civil estabelece no seu artigo 483.º, que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Daqui resulta a regra geral de responsabilizar extra-contratualmente os agentes da prática de factos ilícitos, mediante a obrigação de indemnizar os respectivos lesados, assumindo-se que a mesma tem uma dupla função: uma sancionadora e outra reparadora. Tal obrigação de indemnizar tanto abrange os danos patrimoniais (562.º, 563.º, 564.º, 565.º, 566.,º 567.º do Código Civil), como os danos não patrimoniais (496.º Código Civil). Quanto a estes últimos estabelece-se no citado artigo 496.º n.º 1 que “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, acrescentando-se no seu n.º 2, na sua redacção original, que “Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem”. Para a sua determinação prescreve-se no subsequente n.º 3 do mesmo artigo 496.º, que “O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores”. Com a Lei n.º 23/2010, de 30/Ago., que veio reforçar as medidas de protecção jurídica das situações de união de facto, este n.º 3 passou para n.º 4 tendo-se aditado um n.º 3 cuja redacção passou a ser a seguinte: “Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes”. O disposto neste artigo 496.º Código Civil ao instituir a regra de ressarcibilidade dos danos não patrimoniais e onde se segue um critério de equidade para a fixação da respectiva indemnização, tem sido sempre controverso, seja na determinação do âmbito da sua cobertura, seja no que concerne aos seus titulares, quase que se repristinando, naturalmente mutatis mutandi, a controvérsia existente no Código Civil de Seabra (1867) sobre a indemnização de tais danos, entre uma tese negadora, apoiada na natureza irreparável desses danos e na margem de arbítrio que envolvia a sua determinação, e outra afirmativa, que partia da função sancionadora para o agente do ilícito e compensadora para a respectiva vítima do prejuízo sofrido que tal indemnização podia representar. A propósito do seu âmbito e no que concerne ao dano não patrimonial resultante da perda de vida basta recordar que havia quem inicialmente o colocasse fora de qualquer indemnização, partindo da sua leitura restritiva que incidia exclusivamente no sofrimento da vítima ou então, no caso da sua morte, no sofrimento do seu cônjuge e familiares (Ac. STJ 1969/Fev.12, RLJ 103/166), enquanto outra posição sustentava que essa vertente do dano merecia a devida tutela jurídica, tomando como referência o direito de personalidade e a sua protecção mesmo depois da morte do seu titular, cm conformidade com o disposto nos artigos 70.º e 71.º, n.º 1 do Código Civil (Ac. STJ de 1971/Mar./17, BMJ 205/150). Ainda no que concerne ao seu âmbito, tínhamos aqueles que negavam a extensão de tal regra de ressarcibilidade dos danos não patrimoniais à responsabilidade contratual, partindo da sua inserção sistemática e pela falta de correspondência entre as duas responsabilidades (Ac. STJ de 1997/Set./30, CJ (S) III/37), enquanto outros a proclamavam, face à inexistência de qualquer restrição legal, designadamente da latitude indemnizatória dos artigos 798.º e 804.º do Código Civil, e em virtude de não existir, salvo no que concerne à origem e ao modo dessa de vinculação, essa tão acentuada diferenciação entre a responsabilidade extra-obrigacional e obrigacional (Ac. STJ 1975/Nov./18, 1976/Dez./02, 1981/Jan./30 e 1985/Mai./25, 1993/Jan./07, 1993/Nov./10, 1993/Dez./09, 1997/Nov./25, in, respectivamente, BMJ 251/148; 262/142, 303/212, 347/398, CJ (S) I/61, III/132 e 174, III/140). No que concerne à titularidade em virtude da ocorrência da morte da vítima, discutia-se se esse direito a ser indemnizado transmite-se por via sucessória (i), nos termos gerais definidos no artigo 2024.º Código Civil (Ac. STJ 1969/Fev./12, 1971/Nov./13) ou por via “mortis causa” às pessoas indicadas no n.º 2 do citado artigo 496.º (ii), por direito próprio da vítima e transmissível a tais pessoas (Ac. STJ de 1974/Nov./13) ou então por direito próprio destas últimas (iii), correspondendo a um direito de indemnização originário (Ac. STJ de 1996/Mai./09, 1997/Abr./24 e 1998/Jan./29, BMJ 457/280, CJ (S) II/186, I/46). Para se sustentar esta última posição, que actualmente é praticamente uniforme, para além dos trabalhos preparatórios, partia-se do argumento de que antes da Reforma de 1977 do Código Civil (Dec.-Lei n.º 496/77, de 25/Nov.), ou seja, na sua versão originária, o cônjuge sobrevivo integrava apenas a 4.ª de sucessíveis, depois dos descendentes, ascendentes e dos irmãos e sobrinhos (2133.º, al. d) Código Civil) e era excluído da sucessão legitimaria, pois esta só abrangia os descendentes e os ascendentes (2157.º Código Civil). A propósito da extensão da titularidade do direito a ser indemnizado por danos não patrimoniais aos progenitores da vítima, mesmo quando esta não tenha falecido, sobressai o Ac. do STJ de 1998/Nov./25 (BMJ 481/470), em cujo sumário se pode ler que “Enquanto titulares do poder paternal, os pais têm o direito de ver o filho menor crescer e desenvolver-se em saúde, por força do n.º 1 do artigo 68.º da Constituição da República Portuguesa. A directa violação de tal direito absoluto, pela grave omissão dos funcionários da ré, de que resultaram danos pessoais para o menor, implica indemnização, por danos não patrimoniais, a favor dos progenitores”. No caso, em que um bebé de 7 meses de idade sofreu queimaduras na cabeça, na cara, pescoço e mãos, quando se encontrava no jardim-infância, tendo ficado gravemente desfigurado naquelas zonas do corpo, num valor estético de grau máximo, que causou aos seus pais um enorme desgosto e dor, considerou-se que não sendo admissível aplicar o disposto no artigo 496.º, n.º 2 por interpretação analógica (11.º Código Civil), o correspondente direito de indemnização por danos não patrimoniais dos pais daquele menor encontrariam tutela no disposto no artigo 496.º, n.º 1. Tal posição veio contrariar o entendimento de que o disposto nestes segmentos normativos, por razões de segurança e uniformidade de aplicação do sistema jurídico, apenas concedia o direito de indemnização por danos não patrimoniais ao próprio ofendido, revestindo-se aquele direito de carácter estritamente pessoal, só estendendo-se aos seus familiares indicados no subsequente n.º 3 em caso de falecimento da respectiva vítima (Ac. STJ de 1995/Nov./02, BMJ 451/39). Como se pode constatar de todas estas leituras mais afirmativas do direito à indemnização por danos patrimoniais, as mesmas não se restringiam à percepção literal do texto legal, mas a extroversão do seu sentido, não só a partir das suas raízes históricas mas também com a função desse instituto, atento o seu carácter sancionador e compensador, aqui no sentido de mitigar a dor e o sofrimento, conjugando-o com o direito de tutela da personalidade, designadamente na sua dimensão civilística, ou então com os direitos constitucionais, por via da sua violação directa. Também a regulação jurídica da união de facto teve igualmente sérias controvérsias jurisprudenciais. Uma delas dizia respeito à aplicação no tempo do alterado regime jurídico dos beneficiários da Segurança da Social a favor do parceiro sobrevivo da união de facto, tendo sido consagrada a jurisprudência uniforme no sentido de “A alteração que a Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto, introduziu na Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, sobre o regime de prestações sociais em caso de óbito de um dos elementos da união de facto beneficiário do regime da segurança social, é aplicável também às situações em que o óbito do beneficiário ocorreu antes da entrada em vigor do novo regime” (Ac STJ n.º 3/2013, DR, I, n.º 10, de 2013/Jan./15). Também no âmbito do disposto no artigo 492.º, n.º 2, antes do actual aditamento formulado pela Lei n.º 23/2010, discutia-se se o mesmo abrangia as situações de união de facto. A resposta negativa era essencialmente sustentada numa interpretação literal daquele segmento normativo e numa diferenciação admitida pelo 13.º da Constituição, partindo-se do pressuposto de que o artigo 67.º da Constituição não veda que o legislador efectue a propósito uma distinção entre a protecção concedida à união de facto, por um lado, e à união conjugal, por outro lado (Ac. STJ 1998/Abr./23, 2003/Nov./04, CJ (S) II/49, III/133, Ac. TRCoimbra de 2010/Mar./16, www.dgsi.pt). Por sua vez, a resposta positiva veiculava que são efectivamente os vínculos especiais de afecto com o falecido e não apenas razões formais de vinculação familiar que estão na origem da razão de ser da titularidade de tais danos, sustentando-se ainda no posicionamento do Ac. TC n.º 275/2002 (Ac. TRCoimbra de 2010/Abr./21, www.dgsi.pt). Assim, o Tribunal Constitucional não ficou afastado deste diferendo e de modo divergente, começando por “Julgar inconstitucional, por violação do artigo 36.º n.º 1, da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, a norma do n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil na parte em que, em caso de morte da vítima de um crime doloso, exclui a atribuição de um direito de «indemnização por danos não patrimoniais» pessoalmente sofridos pela pessoa que convivia com a vítima em situação de união de facto, estável e duradoura, em condições análogas às dos cônjuges” (Ac TC 275/2002, acedido em www.tribunalconstitucional.com, assim como os demais deste tribunal). Mas logo depois e com uma subtileza argumentativa decorrente da natureza distinta do facto originador da morte (naquele crime doloso, neste crime negligente), foi considerado “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil, na parte em que exclui o direito à indemnização por danos não patrimoniais da pessoa que vivia em união de facto com a vítima mortal de acidente de viação resultante de culpa exclusiva de outrem” (Ac TC 86/2007), decisão esta que foi posteriormente renovada (Ac. TC 87/2007 e 210/2007). Mas esta discórdia posicional teve igualmente repercussões no regime jurídico da aposentação da função pública, decidindo-se “Julgar inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, tal como resulta das disposições conjugadas dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 36.º, n.º 1 e 63.º, n.º 1 e3, todos da Constituição da República Portuguesa, a norma que se extrai dos artigos 40.º, n.º 1 e 41.º, n.º 2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência no funcionalismo público, quando interpretada no sentido de que a atribuição da pensão de sobrevivência por morte de beneficiário da Caixa Geral de Aposentações, quem com ele convivia em união de facto, depende também da prova do direito do companheiro sobrevivo a receber alimentos da herança do companheiro falecido, direito esse a ser invocado e reclamado na herança do falecido, com o prévio reconhecimento da impossibilidade da sua obtenção nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009.º do Código Civil”. Mas também já se decidiu precisamente o contrário (Ac. TC 195/2003, 159/2005, 614/2005, 134/2007 e 651/2009). Daqui resulta que a compreensão do significado jurídico e mais precisamente jusfundamental da união de facto está longe de uma compreensão uniforme por parte da jurisprudência, pois enquanto uns são mais afirmativos dessa realidade sociológica, outros são mais restritivos na sua tutela jurídica, o que nos leva a tentar encontrar a compreensão que a mesma tem vindo ultimamente a ter e que passa pela leitura das respectivas fontes normativas. A Constituição estabelece no seu artigo 36.º, n.º 1 que “Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade”, inspirando-se esta disposição nos artigos 16.º da DUDH, 12.º da CEDH, assim como no artigo 23.º, n.º 2 do PIDCP, que agora foi renovado no artigo 9.º da CDFUE. Qualquer uma destas disposições distingue o direito de constituir família do direito do direito contrair casamento. Por sua vez, no artigo 67.º, n.º 1 da Constituição consagra-se que “A família, como elemento fundamental da sociedade, tem o direito de protecção da sociedade e do Estado à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros”. Nesta conformidade e para além do casamento (1576.º Código Civil), passaram a considerar-se outros tipos de constituição de relação familiar, como sucede com a união de facto (Ac. TC 651/09). Também o TEDH, mas agora por referência ao artigo 8.º da CEDH, tem considerado que o âmbito da família aí contemplado não se resume às relações originárias ou derivadas do casamento, podendo abranger outras relações onde existam efectivos “laços familiares”, como aquelas que surgem de uma união de facto (Ac. TEDH Johnston e outros (A 112, pp. 25); Keegan (A 290, pp. 17-18); Kroon e outros (A 297-C, § 30)). Aliás, este conceito alargado de agregado familiar veio a ser reconhecido pelo legislador nacional, mormente quando o mesmo estabeleceu o regime jurídico do rendimento social de inserção, colocando o cônjuge e o parceiro da união de facto na mesma referência estatutária (5.º, n.º 1, al. a) da Lei n.º 13/2003, de 21/Mai., alterado pelo Dec.-Lei n.º 133/2012, de 27/Jun.). Daqui decorre que o conceito constitucional e legal de família é bastante amplo, não se circunvendo àquele relacionamento que advém exclusivamente do casamento. No que concerne ao percurso regulativo da tutela jurídica da união de facto, podemos encontrar os seus inícios mais consistentes com a concessão do direito a exigir alimentos à herança do “de cujus” por parte do parceiro sobrevivo, tal como está consagrado no artigo 2020.º, n.º 1, em conjugação com o artigo 2009.º, al. a) a d), que surgiu com a Reforma de 1977 do Código Civil (Dec.-Lei n.º 496/77, de 25/Nov.), bem como com o direito às pensões de sobrevivência (Dec.-Lei n.º 191-B/79, de 25/Jun.) e ao direito ao designado “subsídio por morte” no âmbito do regime da protecção social da função pública (Dec.-Lei n.º 223/95, de 08/Set., 3.º, n.º 1, al. a)). Nestes últimos casos o convivente em união de facto encontrava-se em situação de paridade com o cônjuge sobrevivo, sendo ambos considerados no Estatuto das Pensões de Sobrevivência, como “herdeiros hábeis” (40.º, n.º 1, al. a). Esta disciplina repercutiu-se no regime jurídico das pensões de preço sangue (Dec.-Lei n.º 404/82, de 24/Set., artigo 4.º, n.º 1) e foi depois estendida ao regime da segurança social (Dec.-Lei n.º 322/90, de 18/Out.) e ao seu regulamento (DR 1/94, de 18/Jan.), equiparando-se, de alguma forma e para efeitos sociais, as uniões de facto às uniões matrimoniais. Mais tarde, similar regime de paridade entre o ex-cônjuge e parceiro sobrevivo foi introduzido na protecção dos encargos familiares através do abono de família e do subsídio de funeral (Dec.-Lei n.º 176/2003, de 02/Ago.), inclusive no complemento solidário para idosos (DR 14/2007). O mesmo sucedeu no âmbito do regime laboral da função pública, nos casos de marcação de férias, falecimento, acompanhamento médico (Dec.-Lei n.º 100/99, de 31/Mar., 5.º, 9; 27.º, n.º 2; 53.º), preferência de colocação em concurso (Dec.-Lei n.º 215/95, de 22/Ago.) ou então no que concerne ao regime laboral em geral (Dec.-Lei n.º 397/91, de 16/Out.). E o mesmo se passou com o regime jurídico do arrendamento para habitação, seja no que concerne à transmissão do arrendamento (Dec.-Lei n.º 321-B/90, de 15/Out., 85.º, n.º 1, al. e) ou então à atribuição do subsídio de arrendamento (Dec.-Lei n.º 68/86, de 27/Mar.). O Código Civil veio igualmente reconhecer essa paridade, designadamente quando estabelece uma presunção de paternidade (1871.º, n.º 1, al. c)) ou então no que concerne ao exercício das responsabilidades parentais (1911.º, n.º 1). Também o Código Penal veio a assimilar essa equiparação, tanto para o exercício do direito de queixa, após o falecimento do respectivo titular (113.º, n.º 2, al. a)), subordinando o procedimento criminal ao exercício de queixa, como sucede no crime de coacção (154.º, n.º 4), como na tipificação do crime de homicídio qualificado (132.º, n.º 2, al. b)) e no crime de violência doméstica (152.º, n.º 1, al. b)) ou então como circunstância de atenuação especial ou mesmo de dispensa de pena em certos crimes contra a realização da justiça (364.º, 367.º, n.º 5, al. b)). E mais referências se podem encontrar desta equipação da situação jurídica do ex-cônjuge e do parceiro sobrevivo da união de facto, como sucede na concessão do direito de usufruto das casas de função atribuídas aos servidores do Estado (Dec.-Lei n.º 280/2007, de 07/Ago.), no acesso ao perfil de ADN (Lei n.º 5/2008, de 12/Fev.), no regime jurídico específico de apoio ao arrendamento para jovens (Dec.-Lei n.º 308/2007, de 03/Set.) e no programa de financiamento para acesso à habitação, designado por PROHABITA (Dec.-Lei n.º 54/2007). Mas foi sem dúvida quase nos fins do Século XX que a protecção jurídica das uniões de facto ou da designada relação more uxorio teve o seu incremento mais significativo, através das suas específicas leis quadro. Estas começaram por abranger a “situação jurídica das pessoas de sexo diferente que vivem em união de facto há mais de dois anos” (1.º, n.º 1 da Lei n.º 135/99, de 28/Ago.), para depois passar a regular “a situação jurídica de duas pessoas, independentemente do sexo, que vivam em união de facto há mais de dois anos” (1.º, n.º 1 da Lei n.º 7/2001, de 11/Mai.). Mas em ambas consagrou-se, de modo claro e convincente, que tais pessoas, nesta comunhão de vida em união de facto, têm direito, entre outras coisas, à “Protecção na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral da segurança social e da lei” (3.º, al. f) da Lei n.º 135/99 e depois da Lei n.º 7/2001). Nesta conformidade, podemos constatar que a evolução legislativa do regime de protecção das uniões de facto tem duas referências distintas: uma de incidência dispersa ou proliferante, em que “cirurgicamente” se equiparam as uniões de facto às uniões conjugais; outra de incidência mais concentrada, como que disciplinando uma autêntica lei-quadro, como sucedeu primeiro com a Lei n.º 135/99, de 28/Ago. e depois com a Lei n.º 7/2001, de 11/Mai. Ora tal evolução teve naturalmente por referência a Constituição e a destrinça entre o direito constitucional a constituir família em relação ao direito constitucional a contrair casamento, sabido que o casamento é considerado como o paradigma das garantias de instituto. E isto porque os direitos fundamentais, por se tratarem de direitos subjectivos e também de referências valorativas de constitucionalidade, exigem muitas vezes a sua regulação infra-constitucional, designadamente através de garantias de instituições, que o legislador terá que respeitar, muito embora as possa e deva conformar. É o que sucede com as garantias de instituto (Institutsgarantien) ao nível do direito privado, ou através de garantias institucionais (Institutionelle Garantien), no âmbito do direito público. Assim, a par da garantia de instituto do casamento, surge igualmente, por imposição constitucional, uma autêntica garantia de instituto das uniões de facto, quando estas surgirem como uma relação estável e duradoura, assemelhando-se na sua integridade e funcionalidade a uma união conjugal. Naturalmente que o legislador tem plena liberdade de conformação desse instituto das uniões de facto, desde que naturalmente preserve o seu núcleo essencial, tanto na sua dimensão negativa, de manter esse instituto, como na sua dimensão positiva, de activar o mesmo (18.º, n.º 3 da Constituição). Por sua vez, o Código Civil ao disciplinar o regime da responsabilidade civil extra-contratual por danos não patrimoniais em caso de falecimento da vítima, pretendeu em primeiro lugar beneficiar o cônjuge sobrevivo, não separado judicialmente de pessoas e bens, bem como os filhos ou descendentes daqueles, e em segundo lugar os pais da vítima ou outros ascendentes e em terceiro lugar os irmãos daqueles ou sobrinhos que os representem. Assim e para efeitos de beneficiários dessa indemnização partiu-se de um conceito alargado de família, pois todos os potenciais titulares desse direito têm em comum serem familiares do falecido. Por outro lado, escalonou-se essa titularidade, tendo-se dado primazia àqueles que, em princípio, teriam um relacionamento mais próximo com a vítima falecida e relativamente à qual estariam numa situação de economia comum. A isto acresce que em ambas as leis-quadro das uniões de facto (Lei n.º 135/99 e Lei n.º 7/2001) consagrou-se, de modo claro e convincente, que as pessoas que estabelecem essa comunhão de vida análoga à dos cônjuges, têm direito, entre outras coisas, à “Protecção na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral da segurança social e da lei” (3.º, al. f)). Tal protecção em caso de morte de um dos parceiros de uma união de facto ao nível da segurança social equipara-se à do cônjuge sobrevivo, pelo que não vemos justificações, quer em termos de proporcionalidade, quer de razoabilidade, para na demais “lei” e nos demais casos se tratar de modo dissemelhante o que a legislação vem regulando, de modo insistente e crescente, de modo análogo. Assim para que haja esse mínimo de tutela e se assegure o núcleo essencial dessa protecção no caso de falecimento de um dos parceiros de uma união de facto, por acto ilícito de outrem, seja a título doloso, seja a título negligente, já que aquelas leis-quadro nunca fizeram essa distinção, não vemos razões sustentáveis, para além da literalidade do texto, para que no âmbito da responsabilidade por danos não patrimoniais decorrentes de factos ilícitos se conceda ao cônjuge sobrevivo a titularidade da correspondente indemnização e ao parceiro sobrevivo da união de facto se negue a mesma. Por tudo isto, sustentamos que perante a redacção primitiva do disposto no artigo 496.º, n.º 2 do Código Civil se faça uma interpretação constitucionalmente correctiva deste segmento normativo ou, como se agora diz, uma interpretação orientada pela Constituição (Verfassungsorientierung), de modo a abranger as pessoas conviventes em união de facto, atenta a mens legislatoris originária e a evolução deste específico vínculo familiar, que actualmente surge como uma autêntica garantia de instituto. E isto logo na primeira escala dos beneficiários dessa indemnização. Tal interpretação encaixa-se, ainda que implicitamente, na letra da lei, e satisfaz os mandatos constitucionais de protecção da família, activando neste parâmetro legal a garantia do instituto das uniões de facto. * O Código Civil no seu artigo 496.º, n.º 3 preceituava na sua redacção primitiva que “O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores”. As circunstâncias assinaladas em 494.º compreendem o “grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”. Por sua vez e muito embora não se encontrem neste “enxerto cível” os três filhos da falecida vítima, nada obsta que neste momento o tribunal fixe o montante indemnizatório correspondente, discriminando a quota da demandante (Ac. STJ de 1997/Out./14, CJ (S) III/64).Ora o direito à vida, o qual está constitucionalmente consagrado (24.º Constituição), pode ter vários enfoques no que diz respeito ao carácter da sua indemnização, tendo para uns uma vertente absoluta ou uniforme, e para outros uma vertente contingente ou circunstancial. No entanto, tem-se considerado que não está apenas em causa o direito a viver, mas também o direito a viver com qualidade (Ac. STJ de 1995/Abr./26, BMJ 446/224). A propósito consideramos que o respectivo quantitativo deverá ter em atenção a concreta perda de vida que está em causa, ponderando-se as circunstâncias em concreto, tal como a idade da vítima, o seu estado de saúde e outro circunstancialismo pessoal (Ac. STJ 2007/Nov./01, em www.dgsi.pt). Para o efeito e na atribuição dos correspondentes valores indemnizatórios, deve procurar-se um justo grau de compensação, proporcionando a quem é lesado situações ou montantes que possam atenuar, já que neutralizar é quase impossível, a intensidade da dor, os desgostos e sofrimentos suportados. Relativamente a tais valores e seguindo a legislação nacional de alguns países da União Europeia, tem-se procurado uniformizar ou pelo menos aproximar os valores desses mesmos montantes relativamente à sinistralidade rodoviária, como ficou patente na 5.ª Directiva Automóvel do Parlamento Europeu e do Conselho (Directiva n.º 2005/14/CE, de 11/Maio).[4] Na aprovação desta Directiva teve-se em consideração, entre outras circunstâncias, o direito dos sinistrados em exigirem directamente às empresas de seguros o cumprimento do contrato de seguro que vincula as mesmas em relação aos titulares das correspondentes indemnizações, como forma de reforçar a protecção das vítimas dos acidentes rodoviários, na sequência da Directiva 2000/26/CE, de 16/Maio, incrementando-se a regularização rápida e eficaz de sinistros, de modo a evitar, tanto quanto possível, os processos judiciais dispendiosos. Desde modo e com o propósito de facilitar à parte lesada a atribuição célere e com menos custos, de uma indemnização dos danos causados por um sinistro rodoviário, sentiu-se a necessidade de impor uma fase obrigatória de composição extra-judicial dos mesmos, bem como a indexação dos montantes indemnizatórios a valores orientadores para todas as empresas de seguros, como se fossem autênticas “guide lines” ou protocolos de ressarcimento dos prejuízos causados (§ 23). Foi com esse intuito que primeiramente surgiu a regulamentação dos procedimentos para garantir, de forma pronta e diligente, a responsabilização e o pagamento das indemnizações em caso de sinistro no âmbito do seguro automóvel, instituindo-se a necessidade de haver uma proposta razoável para os danos materiais por parta das empresas seguradoras (20.º-G a 20.º-L, do Dec.-Lei n.º 522/85, de 31/Dez.), através do Dec.-Lei n.º 83/2006, de 03/Mai. (DR, I-A, n.º 85). Posteriormente e com o novo regime jurídico do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, através do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21/Ago. (DR I, n.º 160), que apenas entrou em vigor a 20 de Outubro de 2007 (art. 95.º), manteve-se a exigência de uma regularização célere e extrajudicial, de modelo autocompositivo, do sinistro rodoviário, que passa obrigatoriamente por uma proposta razoável e fundamentada das empresas de seguros (art. 38.º a 40.º). Na sequência deste novo regime a Portaria n.º 377/2008, de 26/Mai. (DR I, n.º 100), veio estabelecer os critérios e valores orientadores dessas propostas razoáveis indemnizatórias, cujos valores foram posteriormente actualizados pela Portaria n.º 679/2009, de 25/Jun. (DR I, n.º 121). Nesta conformidade e mesmo que, em nenhum momento, estes valores orientadores possam condicionar os demais critérios legais (culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado, as demais circunstâncias do caso) e de equidade na fixação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais – ou mesmo patrimoniais – a que estão sujeitos os tribunais, enquanto órgãos de soberania para administrar a justiça, pois estão sujeitos à lei e ao direito (202.º, 203.º Constituição), os mesmos, ainda que sejam dirigidos exclusivamente às empresas seguradoras, podem, no entanto, funcionar como uma referência mínima dos valores indemnizatórios (Ac.TRP de 2011/Jan./26, www.dgsi.pt). Assim, esses indexadores valorativos de autocomposição da sinistralidade rodoviária podem servir como patamar mínimo do ressarcimento em caso de heterocomposição de um acidente viação, mas sempre coadjuvado pelos critérios correntes adoptados pela jurisprudência (Ac.STJ de 2009/Nov./05 e 2010/Mar./18, 2010/Mai./20 www.dgsi.pt), podendo até considerar-se ajustado efectuar acréscimos, que nalguns casos podem rondar os 20 % em relação aos valores daquela portaria, e balizados pelos critérios legais da responsabilidade civil. Aliás, o juízo de equidade contém sempre uma margem de discricionariedade, que apenas deve impor a revogação, em sede de recurso, se os primeiros sentenciamentos se afastarem substancialmente dos critérios jurisprudenciais que têm sido comummente utilizados, de modo a manter-se a integralidade da segurança na aplicação do direito e do princípio da igualdade (Ac.STJ de 2002/Jun./25; 2010/Out./21; 2010/Dez./16, 2012/Jan./31, www.dgsi.pt). Será ainda de considerar que em sede de recurso, o que releva essencialmente são os valores globais atribuídos na indemnização e não propriamente a parcela de cada item ou factor indemnizatório (Ac. STJ de 2010/Nov./23, www.dgsi.pt). Assim, partindo daquela Portaria n.º 679/2009 e não da anterior 377/2008, cujos valores já se encontram desactualizados, temos o seguinte quadro: a) Pela lesão do direito à vida, no caso de a vítima ter entre 25 e 49 anos de idade, a dividir pelos beneficiários: até € 51.300; b) danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima, a dividir por partes iguais: € 7.182; c) danos não patrimonial do cônjuge que no caso será do parceiro da união de facto, com menos de 25 ano dessa união: até € 20.520. A propósito da indemnização pelo direito à vida a jurisprudência já fixou valores que rondam os € 80.000 ou então € 75.000, quando haja culpa exclusiva do agente e a vítima tinha 19 anos de idade (AcSTJ de 2012/Mai./31, www.dgsi.pt) ou 27 anos de idade (AcSTJ 2012/Jan./31, www.dgsi.pt). Tendo a vítima falecido com 40 anos de idade, já chegou a fixar o valor de € 50.000 (Ac. STJ de 2010/Out./27, www.dgsi.pt) e mais recentemente, mas num caso de homicídio, não se considerou exagerado o montante estabelecido de € 30.000, quando a vítima tinha 77 anos de idade (Ac. STJ de 2012/Jun./27, www.dgsi.pt). No caso em apreço podemos constatar que a conduta do arguido e segurado da Companhia de Seguros demandada foi a única e exclusiva responsável pelo acidente, no qual veio a falecer o condutor do outro veículo, ainda que 33 dias depois do acidente, tendo 45 anos de idade, o qual seguia na sua hemi-faixa direita, em virtude daquele outro se ter despistado, por não ter adequado a velocidade do veículo que conduzia às condições da estrada em que circulava. Perante este circunstancialismo, temos como adequado fixar o valor pela perda da vida em € 60.000, que a dividir por quatro (demandante + 3 filhos do falecido), corresponde a quota-parte da demandante ao valor de € 15.000. Os danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima foram ajustados para € 10.000, pelo que aqui não temos nenhuma censura a fazer, cabendo por isso à demandante a sua quota-parte de € 2.500. Os danos não patrimoniais da própria demandante consideram-se ajustados ao valor de € 30.000. Tudo isto perfaz um total de € 47.500, pelo que o diferencial de 2.500 € com a sentença recorrida, compreende a margem sempre aceitável de discricionariedade do juízo de equidade. * * * III. DECISÃO Nos termos e fundamentos expostos, concede-se parcial provimento ao recurso interposto pela Companhia de Seguros B....., S. A. e, em consequência, procede-se à alteração dos factos provados aditando-se o item 32, em conformidade com o anteriormente referido em a) dos fundamentos, negando-se provimento quanto ao demais, e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida quanto aos valor indemnizatório final aí fixado. Custas deste recurso, atento o seu decaimento parcial, pela demandada Companhia de Seguros B....., S. A., com taxa de justiça em três (3) Ucs (446.º, C. P. Civel “ex vi” art. 523.º C. P. Penal). Notifique. Porto, 21 de Março de 2013 Joaquim Arménio Correia Gomes Paula Cristina Passos Barradas Guerreiro ________________________________ [1] Doravante são deste Código os artigos a que se fizer referência sem indicação expressa da sua origem. [2] Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 Dezembro de 1948. [3] Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que foi aprovada, para ratificação, pela Lei n.º 65/78, de 13/Out. [4] Acessível em http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:32005L0014:PT:HTML |