Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | NUNO MARCELO DE NÓBREGA DOS SANTOS DE FREITAS ARAÚJO | ||
| Descritores: | INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA INTERVENÇÃO DO MUNICÍPIO | ||
| Nº do Documento: | RP202511103492/24.9T8VFR-A.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/10/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA | ||
| Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Da decisão final sobre a admissibilidade do incidente de intervenção principal provocada cabe recurso de apelação autónoma. II - Apenas a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, produz a nulidade da decisão prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil. III - A fundamentação errónea, ou aquela que não tenha encontrado e abordado o regime legal apropriado para a cabal resolução da questão, não inquina a decisão de nulidade, nos termos da al. d) daquela disposição legal, configurando apenas, se for o caso, erro de julgamento quanto ao mérito ou quanto ao procedimento, a corrigir pela via do recurso. IV - O deferimento do chamamento deduzido pelo réu de outros sujeitos processuais depende da conexão da sua causa com a relação material controvertida, tal como esta é configurada pelo autor na petição inicial. V - A posse de elementos e informações necessários à boa decisão da causa não constitui fundamento idóneo, à luz dos arts. 311.º e segs. do CPC, para o deferimento do chamamento de terceiros à acção. VI - Em acção proposta para demolir parcialmente e corrigir uma edificação em cuja execução afirmam os AA., entre outros fundamentos, ter ocorrido violação de normas regulamentares de proveniência municipal, a intervenção como terceiro da edilidade que as aprovou não tem cabimento legal. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo: 3492/24.9T8VFR-A.P1 ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO (3.ª SECÇÃO CÍVEL): Relator: Nuno Marcelo Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo 1.º Adjunto: Ana Paula Amorim 2.º Adjunto: Manuel Fernandes RELATÓRIO. AA, NIF ..., residente na Rua ..., 1.º, em Espinho, BB, NIF ..., com residência na Rua ..., ..., 2.º, em Espinho, CC, NIF ..., residente na Rua ..., ..., 2.º, em Espinho, e DD, NIF ..., com residência na Rua ..., 2.º, também em Espinho, intentaram acção declarativa de condenação contra A..., Lda., NIPC ..., com sede na Rua... - Fração EC, em Santa Maria da Feira (representada por EE), FF, com domicílio profissional na Rua ..., n.º ... – 3.º sala ..., em Espinho, GG, com domicílio profissional na Avenida ..., ..., em Lousada, e HH, com domicílio profissional na Rua ..., n.º ..., R/C, em Espinho. Pediram que, pela procedência da acção: a) fosse declarada a constituição, a favor do prédio dos Autores identificado nos artigos 1.º e 2.º da petição inicial, e sobre o prédio da 1.ª Ré identificado no artigo 6.º da petição inicial, de uma servidão de vistas, de ar e de luz relativamente às janelas, varandas e marquises situados no 1.º e 2.º andares do prédio dos Autores; b) fossem condenados solidariamente os Réus na demolição das varandas do prédio edificado pela 1.ª Ré, que não respeitem o intervalo de um metro e meio entre o corpo do edifício daquela e as marquises dos Autores; c) fossem condenados solidariamente os Réus na demolição do muro na altura superior a um metro e oitenta centímetros e na reposição do índice legal de permeabilização do prédio; d) fossem condenados solidariamente os Réus no pagamento aos Autores de quantia nunca inferior a 5.000,00€ (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais causados aos Autores; e e) a condenação, também solidária, dos Réus no pagamento da sanção pecuniária compulsória à taxa diária de 50,00€ enquanto não repuserem a legalidade do prédio edificado pela 1.ª Ré. Para o efeito e em síntese, alegaram que são proprietários e usufrutuários de duas fracções autónomas no prédio urbano sito na Rua ..., Espinho (dotadas de janelas, varandas e marquises), junto do qual, à fachada nascente, tem vindo a ser construído um prédio urbano destinado a habitação, composto por quatro pisos, já finalizado, mas cujas frações ainda não estão licenciadas, edificado pela 1.ª Ré e acompanhada pelo Diretor de Obra, o 3.º Réu, e pela Diretora de Fiscalização, a 4.ª Ré, sendo o autor do projeto o aqui 2.º Réu. Nessas circunstâncias, pela 1.ª Ré foi adicionado um canteiro amovível, com o máximo de 50 centímetros de largura, o qual não só não substitui o que está no projeto, como não assegura o distanciamento de 1,50 m da varanda dos Autores, tal como foi edificado um muro, junto do pátio traseiro dos Autores, com uma altura de, pelo menos, 4,80 metros, que veda a 1.ª Autora do direito à luz solar no seu pátio traseiro até, pelo menos, meio do dia. Mais, a construção em causa não cumpre os índices de impermeabilização definidos no Regulamento Municipal. Em face disso, os AA. decidiram apresentar uma participação ao órgão de fiscalização da Câmara Municipal ..., ao qual foi atribuído o n.º ..., inexistindo, porém, nesta data, qualquer decisão. No plano do direito, afirmaram a defesa do seu direito de propriedade e de usufruto, bem assim o Regulamento n.º ... (Regulamento Municipal de Urbanização, Edificação e Taxas por Operações Urbanísticas) do Município ..., o Aviso n.º ... do Município ... e ainda a Lei n.º 31/2009, de 03 de julho. Na contestação, além da incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria, da sua ilegitimidade e de outra intervenção provocada, o 2.º R., FF, suscitou o chamamento à acção do Município ..., com NIPC ... e sede no Largo .... Fundamentou esse incidente com base na alegação de que os Municípios são civilmente responsáveis pelos danos que causem a terceiros pelas ilegalidades cometidas no âmbito dos procedimentos de controlo prévio das operações urbanísticas, segundo dispõem os n.ºs 1 e 2 o artigo 70.º do RJUE, pelo que, o Município ... é parte da relação material controvertida, tanto mais está na posse de todos os elementos e informações necessários à boa decisão do diferendo em causa nos autos. Conclusos os autos e na falta de qualquer oposição das primitivas partes, foi proferido despacho que admitiu a intervenção principal provocada do Município ..., expondo que, atento o objecto da acção, em que é peticionado seja declarada a constituição, a favor do prédio dos Autores identificado nos artigos 1.º e 2.º da petição inicial, e sobre o prédio da 1.ª Ré identificado no artigo 6.º da petição inicial, onerando-o com uma servidão de vistas, de ar e de luz relativamente às janelas, varandas e marquises situados no 1.º e 2.º andares do prédio dos Autores, sejam os Réus condenados solidariamente na demolição das varandas do prédio edificado pela 1.ª Ré, que não respeitem o intervalo de um metro e meio entre o corpo do edifício daquela e as marquises dos Autores, bem como na demolição do muro na altura superior a um metro e oitenta centímetros, na reposição do índice legal de permeabilização do prédio e no pagamento aos Autores de quantia nunca inferior a 5.000,00€ (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais causado e da sanção pecuniária compulsória à taxa diária de 50,00€ enquanto não repuserem a legalidade do prédio edificado pela 1.ª Ré, face ao quadro alegado pelo 2.º Réu, à luz do disposto no art.º 316.º, n.º 3, al. a), do CPC, acima citado, deve ser admitida a requerida intervenção principal. * E dessa decisão, inconformado, veio o Município ... interpor recurso, que integrou as seguintes conclusões:(…) * O 2.º R. ofereceu resposta ao recurso, mediante requerimento sem conclusões e cujos segmentos mais relevantes se transcrevem:(…) * Reconhecido o justo impedimento invocado pelo recorrente, o recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo, com referência aos art.ºs 629.º, 631.º, 638.º, 641.º, 644.º, n.º 1, al. a), 645.º, n.º 2, e 647.º do CPC.* Relativamente à questão da inadmissibilidade do recurso a título de apelação autónoma, parece-nos que o recorrido carece de razão.Por um lado, mercê do disposto no art. 644.º/1, al. a), do CPC, segundo o qual, cabe recurso de apelação da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo a (…) incidente processado autonomamente. Evidenciando-se fora de dúvida que a decisão recorrida realmente findou o incidente de chamamento, após observância do contraditório, o que afasta a sua aventada natureza liminar ou interlocutória e, além disso, que o referido iter processual específico, face ao normal desenvolvimento da acção, constitui justamente a tramitação autónoma a que se refere a lei, e que não se confunde com o processamento do incidente por apenso. Para significar que a previsão própria na lei do tratamento processual do incidente constitui a mais expressiva e acertada forma de afirmar o processado autonomamente a que alude aquele preceito legal, como sucede em todos os incidentes regulados nos arts. 296.º e segs. do CPC e não já, por exemplo, nas questões incidentais relativas ao teor dos articulados. Neste sentido, aponta igualmente a doutrina, ou seja, exactamente ao contrário do que citou o recorrido, quando inclui, entre os incidentes dotados de autonomia, “outros incidentes tramitados no âmbito da própria ação”, começando “com os incidentes de intervenção de terceiros” (cfr. A. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª ed., p. 243). Por outro lado, a posição do recorrido a este respeito carece de fundamento em atenção ao preceituado no art. 644.º/2, al. h), do CPC e da admissibilidade de apelação autónoma que ele estabelece quanto às decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil. Na verdade, parece evidente que, ao colocar em crise a admissão do chamamento, o recorrente é movido sobretudo pelo escopo de deixar de participar na causa para a qual foi chamado em todas as suas fases relevantes e, em especial, na instrução e no julgamento. Razão pela qual, caso o recurso tivesse subida diferida, nos termos do art. 644.º/3 do CPC, para o momento da impugnação da sentença, tal desiderato se esfumaria por completo, mesmo que o recorrente tivesse ganho de causa. Identicamente, tem decidido a jurisprudência que “da decisão final sobre a admissibilidade de incidente de intervenção principal provocada referida no n.º 2 do art. 318.º do Cód. Proc. Civil cabe recurso de apelação autónomo, a ser interposto nos termos e prazo previstos nos arts. 644.º, n.º 1, al. a) e 638.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26/6/2025, relatora Ana Luísa Loureiro, proc. 848/23.8T8PVZ-B.P1, disponível na base de dados da DGSI em linha). Assim, se bem pensamos, nada obsta ao conhecimento da apelação, a qual foi admitida na forma e com os efeitos legalmente previstos. * OBJECTO DO RECURSO.Sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões do recurso, as quais, assim, definem e delimitam o seu objeto (arts. 635.º/4 e 639.º/1 do CPC). Nestes termos, importa apreciar: a) se a decisão recorrida padece de nulidade; e b) se estão ou não verificados os requisitos de que o chamamento de terceiros depende, quanto ao recorrente, seja mediante a intervenção principal provocada, seja através de outra modalidade admissível para o efeito. * FUNDAMENTAÇÃO.Os factos relevantes a considerar para a resolução das referidas questões são os que ficaram indicados no relatório, para o qual, por economia processual, se remete. Em face deles, afigura-se, salvo o devido respeito, que a invocação da nulidade da decisão é inteiramente destituída de fundamento e de utilidade. Com efeito, bem ou mal, a decisão recorrida resolveu a questão que lhe foi colocada, assente em admitir ou não o chamamento do recorrente, e motivou a opção tomada, como resulta da transcrição feita no relatório, o que afasta o seu enquadramento no regime do art. 615.º/1, als. b) e d), do CPC. Por um lado, porque está amplamente sedimentado na doutrina que “há nulidade quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação” (cfr. J. Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum, À luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª ed., p. 332). E o mesmo sucede na jurisprudência, segundo a qual “só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil” (cfr., por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9/12/2021, relator Oliveira Abreu, proc. 7129/18.7T8BRG.G1.S1, dgsi.pt). Por outro lado, porque caso tenha julgado mal, ou não tenha encontrado e abordado o regime legal apropriado, isso não inquina a decisão de nulidade, somente configurando erro de julgamento a corrigir pela via do recurso. Algo que também traduz orientação consolidada, pois “importa distinguir a falta de fundamentação, geradora da nulidade do ato decisório, da fundamentação errónea ou contraditória, seja a nível factual, seja a nível jurídico, que constitui erro de julgamento” (cfr. Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 11/12/2024, relator Carlos Gil, proc. 10508/22.1YIPRT.P1, acessível na mesma base de dados em linha). Para além disso, tendo em conta o disposto no art. 665.º/1 do CPC, a nulidade da decisão, mesmo que existisse, não impediria o conhecimento do restante e principal objecto do recurso. Razão pela qual, a invocação nenhum efeito útil aporta ao caso, o que é apenas de reconhecer quando, sem ela, esteja vedada a impugnação da decisão e a apreciação da questão por tribunal superior, o que aqui não sucede. Donde resulta, pois, a clara improcedência da primeira questão colocada na presente apelação. Importa, por isso, passar ao que é realmente relevante: saber, em resposta à questão colocada pelo recorrente em segundo lugar, se estão ou não verificados, relativamente a ele, os requisitos de que depende a admissibilidade do chamamento de terceiros. Na decisão recorrida, o incidente deduzido pelo R. FF foi julgado procedente e justificou enquadramento no âmbito da intervenção principal provocada, como resulta do nomen juris que expressamente indicou e da referência na sua fundamentação ao art. 316.º do CPC. De acordo com o nº1 desse preceito legal, ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária. Ao passo que, nos termos do nº2, nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º. Finalmente, o nº3 dispõe que o chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida ou pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor. Estando em causa a intervenção de terceiro requerida por um dos réus, dessa disposição legal interessa-nos apenas o nº1 e o nº3, o primeiro reportado ao litisconsórcio necessário e o outro ao litisconsórcio voluntário passivo ou à contitularidade do direito invocado pelo autor. Quando a relação material controvertida respeite a várias pessoas, ocorre litisconsórcio necessário se a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados ou se, pela própria natureza da relação jurídica, ela for necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal (art. 33.º do CPC). Nos demais casos de pluralidade subjectiva da relação, o litisconsórcio é voluntário, pelo que a acção respetiva pode ou não ser proposta por todos ou contra todos os interessados (art. 32.º/1 do CPC), ocorrendo mera acumulação de acções, nas quais cada litigante conserva uma posição de independência em relação aos seus compartes (art. 35.º do CPC). Devendo destacar-se ainda com especial relevo a este respeito que, inserindo- -se a temática do litisconsórcio no capítulo mais amplo relativo à legitimidade das partes, na sua averiguação interessa aferir a relação material controvertida tal como é configurada pelo autor (art. 30.º/3 do CPC). Neste sentido, refere a doutrina que “a intervenção na lide de alguma pessoa como associado do réu [ou da parte contrária, deve acrescentar-se] pressupõe um interesse litisconsorcial no âmbito da relação controvertida, cuja medida da sua viabilidade é limitada pela latitude do accionamento operado pelo autor, não podendo intervir quem lhe seja alheio” (cfr. Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 3.ª ed., p. 108). Pelo que, em face desse accionamento, importa verificar, para decidir sobre a admissibilidade do chamamento, se o terceiro tem ou não interesse em afirmar algum direito, por retirar algum proveito da acção, ou em contradizer os factos, por serem susceptíveis de lhe acarretar prejuízo. Identicamente, a jurisprudência tem salientado que “o chamamento deduzido pelo réu de outros sujeitos passivos da relação material controvertida depende da análise dessa relação, tal como é configurada pelo autor na petição inicial” e, por isso, “se a relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor, respeita apenas ao autor e ao réu, essa constatação determina o indeferimento da requerida intervenção principal provocada” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15/6/2023, relator José Lúcio, processo 1539/22.2T8STR-B.E1, em dgsi.pt). Preconizando ainda que “o incidente de intervenção principal provocada pressupõe que o chamado e a parte à qual se deve associar têm interesse igual na causa, ou seja, que existe subjacente uma situação de litisconsórcio, necessário ou voluntário”, daí decorrendo que “o deferimento do chamamento deduzido pelo réu de outros sujeitos passivos da relação material controvertida depende da análise dessa relação, tal como é configurada pelo autor na petição inicial” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19/11/2024, relatora Anabela Dias da Silva, proc. 7971/23.7T8VNG-A.P1, na mesma base de dados). Em consequência, se a relação material controvertida, nos termos em que é configurada pelo autor na petição inicial, diz somente respeite ao autor e à ré, daí resultará inevitável o indeferimento da intervenção principal provocada por uma das partes da acção. No caso dos autos, e reduzindo-a aos seus termos mais simples possíveis, a relação controvertida, segundo emerge da petição, centra-se na edificação de um prédio que os AA. pretendem seja parcialmente demolido e corrigido, e cujos autores visam responsabilizar, por ter sido executada, alegadamente, contra os limites legais do seu direito de propriedade sobre outro imóvel, tal como da servidão de vistas, ar e de luz a favor do qual afirmam estar constituída e até de algumas disposições regulamentares de proveniência municipal. Ora, na falta de qualquer outro elemento de conexão com o Município ..., bastará esta referência à violação de disposições regulamentares por ele elaboradas para justificar o respectivo chamamento? Vista em detalhe a petição inicial, constata-se que as únicas referências relevantes expostas sobre aquela edilidade pelos AA. respeitam à aprovação de normas que terão sido desrespeitadas pelos RR., além de uma participação que os primeiros terão dirigido ao órgão de fiscalização camarário, sem qualquer decisão conhecida até ao momento. Ora, é manifesto, a nosso ver e sem prejuízo do devido respeito por opinião diversa, que tais referências são insuficientes para fundar a intervenção requerida, certo que o facto de ter sido o Município ... a elaborar as normas regulamentares em causa não o torna um dos sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada na petição, os quais são constituídos, diversamente, pelos autores e pelas pessoas a quem eles atribuíram a responsabilidade pela edificação cuja legalidade questionaram. Algo que afasta, simultaneamente, a possibilidade de verificação do litisconsórcio necessário e voluntário a que se refere o art. 316.º/1 e 3 do CPC, como seria indispensável para a procedência do chamamento. Ao que acresce a constatação de que não está em causa, nem sequer o 2.º R. o invoca, a contitularidade do direito invocado pelos AA. por parte do Município, visto que os direitos relevantes que eles invocam são apenas seus: a propriedade e o usufruto sobre duas fracções autónomas. Vale dizer, neste quadro, que a intervenção do Município ... será apenas possível e necessária, mas como decisor, e não na qualidade de parte, no processo administrativo que porventura possa ter originado a participação à Câmara Municipal ..., com o n.º ..., a que se referem os AA. na petição, o mesmo não sucedendo, evidentemente, nestes autos. Quando, como afirma a doutrina, “a intervenção principal stricto sensu visa permitir a participação de um terceiro que é titular (activo ou passivo) de uma situação subjectiva própria, mas paralela à alegada pelo autor ou pelo réu” (cfr. M. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, p. 181). Sendo certo que, no caso dos autos, o Município ... não ostenta uma posição paralela à de qualquer das partes originais da acção. Por isso, fica arredada a legalidade do seu chamamento no âmbito da intervenção principal provocada, nos termos dos arts. 316.º e segs. do CPC. Em todo o caso, e uma vez que, de acordo com o disposto no art. 193.º/3 do mesmo diploma, o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo tribunal, importa ainda aquilatar a hipótese de o chamamento ter cabimento noutra forma de intervenção de terceiros. A resposta, no entanto, permanece negativa. Em relação à intervenção acessória provocada, prevista nos arts. 321.º e segs. do CPC, porque não foi fundadamente invocada pelo R. a titularidade de um direito ou a justificação de uma acção de regresso sobre o chamado. E no que concerne à assistência e à oposição, a que aludem os arts. 326.º do referido diploma legal, desde logo, porque dependem da iniciativa processual do terceiro e não, como sucedeu in casu, do chamamento de alguém que seja já parte no processo. Certo que é ressalvado dessa exigência o incidente de oposição provocada, o qual, porém, nos termos do art. 338.º do CPC, está circunscrito às situações em que o réu esteja disposto a satisfazer a prestação que lhe é exigida mas tenha conhecimento de que um terceiro se arroga ou pode arrogar-se de direito incompatível com o do autor. O que, claramente, não integra os fundamentos aduzidos pelo R. FF como causa do chamamento. Com efeito, analisada a sua contestação, pode concluir-se que o pedido de intervenção foi deduzido por aquele R., no essencial, com base na alegação de que os Municípios são civilmente responsáveis pelos danos que causem a terceiros pelas ilegalidades cometidas no âmbito dos procedimentos de controlo prévio das operações urbanísticas. No entanto, não é o procedimento de controlo prévio das operações urbanísticas que integra o objecto do processo, mas, isso sim, embora de forma acessória, face à preponderância do direito de propriedade e da afirmada servidão como esteios fundamentais da pretensão dos AA., a possível violação, já na fase da construção da obra, das regras camarárias e das prévias aprovações urbanísticas que os RR. alegadamente terão cometido. Razões pelas quais, mostra-se nitidamente afastada da realidade, segundo pensamos e salvo o devido respeito por outro entendimento, a afirmação do recorrido no sentido de que “os Autores corroboram a alegação que o Recorrido também sublinhou na sua Contestação de que a obra foi promovida em plena conformidade com o projeto aprovado em sede de licenciamento, de que é exemplo o artigo 7 da Petição Inicial”. De modo que, caso se demonstre, produzida a prova, estar em crise uma “obra que foi executada de harmonia com o licenciamento aprovado”, como afirma o 2.º R., daí resultará simplesmente o insucesso de um dos fundamentos aduzidos pelos AA. para lograr a procedência da acção e não uma diferente modelação da causa de pedir a que se refere o recorrido. Trata-se, pois, de mera impugnação, incapaz de modelar a causa de pedir, tanto que “é o autor quem determina o objecto do processo; é ele também quem determina o aspecto subjectivo, enquanto tal, do objecto processual” (cfr. M. Galvão Teles, Âmbito subjectivo atribuído ao objecto do processo, Estudos Em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I, p. 1075). Cumpre assinalar, por fim, a insubsistência do argumento a que, embora apenas em primeira instância, o recorrido também lançou mão para justificar o chamamento, no sentido de que o terceiro estaria na posse de elementos e informações necessários à boa decisão do diferendo em causa nos autos. É que, à luz dos arts. 311.º e segs. do CPC, esse não constitui fundamento idóneo para o efeito, acrescendo que, segundo prescreve o art. 417.º/1 do CPC, todas as pessoas têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, sejam ou não partes na causa. Procede, assim sendo, e ao contrário da anterior, a segunda questão inserida no objecto do recurso, o que impõe a revogação da decisão apelada e a sua substituição pela recusa do requerido chamamento. * DECISÃO:Pelo exposto, julgando a apelação parcialmente procedente, revoga-se a decisão recorrida, a qual se substitui pelo indeferimento do requerimento de intervenção deduzido pelo 2.º R. relativamente ao Município .... As custas do incidente são da responsabilidade do recorrido e as custas do recurso dele e do recorrente, na proporção do decaimento, que se fixa em 2/3 para o primeiro e em 1/3 para quem aquele interpôs (art. 527.º CPC). * SUMÁRIO ……………………………… ……………………………… ……………………………… (o texto desta decisão não segue o Novo Acordo Ortográfico) Porto, d. s. (10/11/2025) Nuno Marcelo de Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo Ana Paula Amorim Manuel Domingos Fernandes |