| Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | JUDITE PIRES | ||
| Descritores: | ALIMENTOS EX-CÔNJUGE CESSAÇÃO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA | ||
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| Nº do Documento: | RP202101282451/19.8T8PRD.P1 | ||
| Data do Acordão: | 01/28/2021 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | ALTERADA | ||
| Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
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| Sumário: | Formulado pedido de cessação dos alimentos através de alguma das vias processuais legalmente admissíveis, é sobre o obrigado que recai o ónus de alegar e de provar que, por virtude de circunstâncias supervenientes, não está em condições de continuar a prestar os alimentos acordados, ou que o alimentando não carece de continuar a recebê-los. | ||
| Reclamações: | |||
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| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 2451/19.8T8PRD.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este Juízo de Família e Menores de Paredes – Juiz 2 Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.RELATÓRIO. 1. B…, divorciada, contribuinte fiscal n.º ………, residente na Rua …, n.º …, freguesia …, concelho de Paços de Ferreira, código postal ….-…, propôs acção contra C…, divorciado, contribuinte fiscal n.º ………, residente na Rua …, n.º …, frente, freguesia …, concelho de Paços de Ferreira, código postal ….-…, alegando que tendo contraído casamento com o Réu, no dia 27 de Março de 1976, sem convenção antenupcial, por decisão proferida pela Conservatória do Registo Civil de Paços de Ferreira, sob o n.º 423/2018, no dia 16 de Março de 2018, tal casamento foi dissolvido por divórcio por mútuo consentimento. Acrescenta que os cônjuges acordaram entre si que o Réu se obrigava a pagar à Autora, a título de alimentos, a quantia mensal de €575,00, e por documento escrito, no dia 25 de Maio de 2018, acordaram que, a partir do mês de Junho de 2019, o Réu passaria a pagar-lhe a quantia mensal de €200,00. Ainda segundo a Autora, o Réu procedeu ao pagamento, por cheque, de todas as quantias devidas a título de pensão de alimentos até Maio de 2019, deixando de o fazer a partir de Junho de 2019, encontrando-se, até ao momento por pagar as mensalidades dos meses de Junho de 2019, inclusive, a Outubro de 2019, num total de €1.000,00, que o Réu não liquidou apesar de interpelado, recusando-se a fazê-lo. Requer seja reconhecida a alteração da pensão de alimentos operada por acordo das partes para a quantia mensal de 200,00 euros (duzentos euros), a partir de junho de 2019, que o Réu seja condenado a pagar à Autora todas as quantias vencidas a título de pensão de alimentos, desde Junho de 2019 a Outubro de 2019, num total de €1.000.00 euros (mil euros), assim como as vincendas, até efectivo pagamento, acrescidas de juros à taxa legal anual de 4%, desde a citação até efectivo pagamento. Pretende ainda que seja directamente debitada da conta bancária do Requerido o pagamento do valor mensal da pensão de alimentos vencidas e vincendas. O Réu foi regularmente citado para a conferência a que se reporta o artigo 936.º, n.º 2 do CPC e compareceu, não sendo possível qualquer consenso, pelo que foi notificado para contestar. Contestando, alegou o Réu que, neste momento, é reformado, recebendo uma pensão de reforma no montante de €413,13 (que consubstancia extrato bancário emitido pela D…), pelo que está impossibilitado de pagar o valor inicialmente acordado. Esclarece que a alteração de valor apenas ocorreu, porque, face ao divórcio, não tinha habitação para ir residir, pelo que se tornou necessário efectuar a denúncia do contrato de arrendamento de uma das habitações que constituem o acervo comum a partilhar, para que pudesse aí residir, que, nessa sequência, o seu rendimento disponível diminuiu, tornando-se impossível pagar a quantia que inicialmente, em sede de divórcio por mútuo consentimento, foi acordada, determinando, assim, que o valor baixasse para os €200,00, até à partilha dos bens comuns ou até que se acordasse novo valor para a pensão de alimentos, de acordo com o que resulta do documento junto aos autos pela Autora. Refere ainda que o pagamento do IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis) de todos os imóveis, onde se inclui aquele onde a Autora reside, é pago única e exclusivamente pelo Réu, no valor total de €1.110,96, pago em 3 (três) prestações no montante de €370,32, adiantando ainda que a declaração faz depender o pagamento da pensão de alimentos até que se efectue a partilha dos bens comuns, a qual, embora não tenha sido realizada, foi iniciada pela partilha de alguns bens móveis, nomeadamente, aqueles que se mostravam indispensáveis à vida do aqui Réu, o que que nele fez inculcar a ideia de que tudo estaria encaminhado para que se efectuasse a partilha da totalidade dos bens comuns, que a Autora informou que a partilha dos bens imóveis não era para ser efectuada, não obstante o Réu ter manifestado, por mais de uma vez, a sua disponibilidade em concretizar a partilha de forma extrajudicial. Afirma, por fim, o Réu que o mesmo tem que prover à sua própria subsistência, custeando bens para a alimentação, consumo de energia eléctrica, água, não podendo prestar alimentos à Autora, sendo que esta reside num imóvel, relativamente ao qual, não paga qualquer valor de renda. Requer que seja considerada cessada a pensão de alimentos e seja a acção julgada improcedente. Por despacho proferido no dia 10.12.2019 determinou-se que a acção seguisse os termos do processo comum, atento o disposto no artigo 936.º, n.º 3 do CPC e, nos termos do artigo 590.º, n.ºs 3 e 4, do mesmo diploma, convidou-se o Réu a deduzir a sua pretensão de cessação da prestação de alimentos através de reconvenção, apresentando novo articulado, nos termos determinados no artigo 583.º do CPC. Veio então o Réu apresentar novo articulado, esclarecendo, conforme já o fizera na contestação, as circunstâncias em que ocorreu a alteração do valor da pensão de alimentos, relatando as suas actuais condições económicas, referindo que com a sua reforma tem que prover à sua própria subsistência, custeando bens para a alimentação, consumo de energia eléctrica, água, não tendo como prestar alimentos à Autora, sendo que esta reside num imóvel, relativamente ao qual, não paga qualquer valor de renda. Afirma ainda que a Autora não faz prova de que necessita de alimentos, que a partilha dos bens comuns não se realiza por manifesta falta de vontade da Autora, que por isso litiga de má-fé, que a mesma reside num imóvel, o qual faz parte do acervo comum a partilhar, em consequência de divórcio, conforme a “Relação de Bens” junta com a p.i., que a Autora não paga qualquer valor de renda e pode, por residir nesse imóvel, obter rendimentos. Requer seja cessada a pensão de alimentos. A Autora apresentou réplica mencionando que o Réu não alegou quaisquer circunstâncias supervenientes ao divórcio por mútuo consentimento de forma a cessar a respetiva pensão de alimentos, bem como, não invoca quaisquer factos demonstrativos de que não está em condições de continuar a prestar os alimentos acordados, ou que o alimentando não carece de continuar a recebê-los, que o pagamento do Imposto Municipal sobre imóveis (IMI) de todos os bens imóveis é suportado pela Autora, pelo Réu e por um dos filhos dos mesmos, o que sempre aconteceu, que o Requerido efetivamente suportou o pagamento no IMI no ano de 2019 (respeitante ao ano de 2018), referente ao imóvel onde reside a Autora, contudo, e uma vez que o mesmo era devedor à Autora da quantia de €1.000,00, a título de indemnização no âmbito de um processo-crime que culminou numa suspensão provisória do processo, ao mencionado montante foi deduzido a quantia que a Autora teria de suportar com o IMI do imóvel onde reside, motivo pelo qual a mesma também suportou o IMI, que o Réu recebe ainda a quantia de €300,00, a título de renda referente ao rés-do-chão do imóvel onde reside, imóvel esse que faz parte do acervo comum a partilhar, que as necessidades da Autora se mantêm as mesmas, tendo de suportar um conjunto de despesas com água, luz, gás, alimentação, higiene, medicamentos e todas as despesas fundamentais para o seu dia-a-dia, que o Réu auferia a mesma quantia de reforma, recebia rendas e tinha ainda depósitos em diversas contas bancárias, o que se mantém, que também não se verificou qualquer alteração nos rendimentos da Autora, que apenas aufere uma parca reforma, pois dedicou toda a sua vida à família, sendo doméstica, cuidando do lar conjugal e dos seus 4 filhos, pelo que a Requerente apenas conseguiu obter uma reforma no valor de 305,00 euros (trezentos e cinco euros), que com a pensão de alimentos fixada, reconhece a Requerente que não consegue ter o estilo de vida que tinha durante a relação matrimonial, nem pretende manter, sendo tal montante indispensável para o seu sustento, habitação e vestuário, que não poderá o Tribunal descurar a duração do casamento entre as partes (42 anos), a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde da Requerente (62 anos de idade), as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que dedicou à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos, que o Réu se apodera da totalidade das rendas do património comum, a Autora tem atualmente 63 anos de idade, encontrando-se reformada, sendo que há quase 40 anos que não exerce qualquer atividade profissional, tendo-se dedicado durante estes últimos 40 anos aos afazeres domésticos e à criação de 4 filhos, não tendo qualquer formação profissional, não conseguindo prover à sua subsistência, carecendo do auxílio e da solidariedade do seu ex-cônjuge para prover à satisfação das suas necessidades essenciais, realidade essa que o próprio Réu reconheceu quando aceitou fixar uma prestação de alimentos, que a situação do Réu não se alterou, que o mesmo tem valores em depósitos bancários, que apesar de se encontrar reformado, foi durante a sua vida ativa um empresário com sucesso no sector do imobiliário, tendo construído alguns imóveis e adquirido bastantes bens. Concluiu pedindo a improcedência do pedido de cessação de alimentos. Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, que declarou a validade e regularidade processuais, foi identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova. Realizado o julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “...julga-se a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e a reconvenção procedente por provada e decide-se: - Reconhecer que a prestação mensal de alimentos a pagar pelo Réu à Autora, através do documento referido em 6), foi alterada para a quantia de €200,00 e que o Réu não liquidou este valor, desde junho de 2019 até junho de 2020. - Condenar o Réu a liquidar as prestações de alimentos vencidas desde junho de 2019 a junho de 2020, ao que acrescem os juros de mora, à taxa legal, contados, quanto às mensalidades vencidas até à citação, desde esta data e até integral pagamento e quanto às que se venceram após a citação até junho de 2020, desde as respetivas datas de vencimento, ou seja desde o último dia de cada mês. - Declarar improcedente o pedido de ser debitado o valor dos alimentos, vencidos e vincendos, diretamente na conta bancária do Requerido. - Declarar cessada a prestação mensal de alimentos a pagar pelo Réu à Autora, fixada em 3) e em 6), dos factos provados, a partir de julho de 2020, inclusive. Valor: já fixado. Custas da ação na proporção de 90% para o Réu e 10% para a Autora, dado que decaiu num dos pedidos. Custas da reconvenção pela Autora. Registe e notifique. 2.Por não se conformar com a referida sentença, dela interpôs a Autora recurso de apelação para esta Relação, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: I) Jamais deveria a Reconvenção deduzida pelo Recorrido ser admitida, uma vez que não foi deduzida com o articulado respetivo (contestação), pelo que deverá considerar-se extemporânea. II) A reconvenção porque é um pedido autónomo ao do autor, tem de ver preenchido um conjunto de pressupostos processuais, tal como é exigido na generalidade dos processos, pelo que, o interesse em agir faltará sempre que o efeito pretendido pelo réu seja a mera improcedência da ação, para que seja absolvido do pedido, pois, neste caso não existirá um interesse em recorrer aos tribunais ou a um certo meio processual, através de uma pretensão autónoma. III) Conforme se constata pela contestação apresentada pelo Recorrido/Réu (e reconhecida inclusive pelo tribunal “a quo”), o Recorrido apenas impugna a factualidade vertida na Petição Inicial apresentada pela Recorrente concluindo apenas e unicamente pela improcedência da ação, NÃO DEDUZINDO QUALQUER PEDIDO AUTÓNOMO. IV) Apesar de nenhum facto ter sido invocado na sua contestação, conforme supra referido, por douto despacho proferido nos presentes autos com a referência eletrónica 81349640 (datado de 10-12-2019), foi o Recorrido convidado a apresentar novo articulado, apenas porque referiu que deveria ser considerada cessada a pensão de alimentos, SEM INVOCAR QUAISQUER FACTOS OU DEDUZIR QUALQUER PEDIDO AUTÓNOMO, NOMEADAMENTE A CESSAÇÃO DA PENSÃO DE ALIMENTOS. V) Jamais poderia tal reconvenção ter sido aceite visto que, e em consonância com o disposto no art.º 583º do Código de Processo Civil, a reconvenção, para além de ter de ser deduzida separadamente, o que efetivamente ocorreu no novo articulado, DEVERIA SER APRESENTADA COM A CONTESTAÇÃO e não após a dedução da mesma, como efetivamente ocorreu, pelo que, o despacho de aperfeiçoamento com a referência eletrónica 81349640 na senda do plasmado no n.º 3 do art.º 590 do CPC, apenas deve permitir o remedeio das "insuficiências ou imprecisões na exposição ou a concretização da matéria de facto alegada", através do consequente "esclarecimento, aditamento ou correção" e nunca para que se possa deduzir reconvenção quando a mesma não foi deduzida com a contestação e nem sequer peticionado nem alegado qualquer facto relativo a essa mesma reconvenção, NÃO SE PODENDO SUPRIR A AUSÊNCIA DE PEDIDO RECONVENCIONAL. VI) No cumprimento desse despacho de aperfeiçoamento não pode a parte visada exceder os poderes ínsitos no art.º 265° do CPC, NÃO PODENDO A RESPOSTA TRADUZIR-SE NA RENOVAÇÃO DO PRAZO PARA DEDUÇÃO DE NOVAS EXCEÇÕES OU IMPUGNAÇÃO DE FACTOS ANTERIORMENTE NÃO IMPUGNADOS, BEM COMO PARA DEDUZIR RECONVENÇÃO QUANDO A MESMA NÃO FOI DEDUZIDA COM A CONTESTAÇÃO. VII) Perante um despacho de aperfeiçoamento, correspondido com nova contestação devidamente corrigida, não pode, no entendimento da Recorrente, o réu/recorrido aproveitar a possibilidade para deduzir reconvenção quando não a tinha deduzido com a contestação primitiva, sendo que, o que o Recorrido pretendia com a contestação apresentada era apenas e unicamente a improcedência da ação, porque através da mera improcedência da ação o réu é absolvido do pedido, não lhe ficando reconhecido o direito de cessação da pensão de alimentos, necessitando para isso de o fazer através de pedido reconvencional, que não o fez atempadamente, ou seja, com a contestação deduzida mas sim, após o despacho de convite ao aperfeiçoamento. VIII) No cumprimento do despacho de aperfeiçoamento não pode a parte visada exceder os poderes que do artigo 265° do CPC resulta para a modificação da causa de pedir, já que os factos alegados pela parte para o suprimento da deficiência ou irregularidade não podem implicar uma alteração unilateral da causa de pedir anteriormente apresentada. IX) O princípio da estabilidade de instância e as modificações subjetivas da instância legalmente consagradas na lei processual civil (artigos 260º e 262º do CPC) impede que o réu ou o autor aproveitem o convite ao aperfeiçoamento, para apresentar nova petição inicial ou até reconvenção, alterando o pedido ou apresentando novos pedido. X) Assim sendo, entende a Recorrente que a reconvenção jamais poderia ter sido admitida, pelo que deverá ser desentranhada, acrescido do facto de nenhum despacho ter sido proferido pelo Tribunal “a quo” nomeadamente o despacho de 24-03-2020 (ref.ª 82212261) a admitir “a reconvenção deduzida”, sendo que a inexistência de qualquer decisão acerca da admissão da reconvenção, constitui nulidade processual, podendo ser arguida em sede de recurso. MAIS ACRESCE QUE, XI) Na senda dos factos dados como provados, impera efetuarmos uma análise crítica dos diversos depoimentos prestados nas audiências de discussão e julgamento pela recorrente e recorrida (única prova existente), numa exposição concisa sobre o presente litígio. Assim, sempre se dirá o seguinte: XII) A sentença recorrida, salvo o devido respeito por opinião contrária, fez uma incorreta interpretação e valoração da prova produzida, mais concretamente dos depoimentos de parte e declarações de parte, pelo que, deverá o Venerando Tribunal da Relação do Porto alterar a matéria de facto considerada provada na sentença recorrida, usando os poderes conferidos pelo artigo 662º, 1, do Código de Processo Civil, tornando-se incompreensível que o Tribunal “a quo” tenha decidido pela cessação da pensão de alimentos devida à Recorrente. XIII) Ficou provado, e não subsistem quaisquer dúvidas de que: “A AUTORA MANTÉM AS MESMAS NECESSIDADES QUE TINHA AQUANDO DO DIVÓRCIO; AQUANDO DA FIXAÇÃO DA PENSÃO DE ALIMENTOS NO ÂMBITO DO PROCESSO DE DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO E DO ACORDO SUBSEQUENTE, O RÉU AUFERIA A MESMA QUANTIA DE REFORMA E TINHA AINDA DEPÓSITOS EM DIVERSAS CONTAS BANCÁRIAS, O QUE SE MANTÉM. A AUTORA AUFERE APENAS ESSA REFORMA, POIS DEDICOU TODA A SUA VIDA À FAMÍLIA, SENDO DOMÉSTICA, CUIDANDO DO LAR CONJUGAL E DOS SEUS 4 FILHOS. A PENSÃO DE ALIMENTOS FIXADA CONTINUA A SER NECESSÁRIA PARA A AUTORA FAZER FACE AO SEU SUSTENTO, HABITAÇÃO E VESTUÁRIO. A AUTORA HÁ QUASE 40 ANOS QUE NÃO EXERCE QUALQUER ATIVIDADE PROFISSIONAL, TENDO-SE DEDICADO DURANTE ESTES ÚLTIMOS 40 ANOS AOS AFAZERES DOMÉSTICOS E À CRIAÇÃO DE 4 FILHOS, NÃO TENDO QUALQUER FORMAÇÃO PROFISSIONAL, contudo, tal factualidade deverá ser considerada como provada até porque foram alegados pela Recorrente e confessados pelo Recorrido, conforme declarações transcritas. XIV) Ora, em face do depoimento de parte e declarações de parte do Recorrido, dúvidas não subsistem de que as necessidades da Recorrente mantêm-se as mesmas, como também os rendimentos do Recorrido são os mesmos desde pelo menos a data da assinatura do acordo de redução da pensão de alimentos, não se verificando-se assim quaisquer factos supervenientes, nem nenhum facto foi sequer alegado pelo Recorrido, para se julgar procedente a extinção da pensão de alimentos; XV) Sendo a obrigação alimentícia uma obrigação temporária que assenta fundamentalmente em dois pilares básicos – as necessidades económicas de quem recebe versus as disponibilidades económicas de quem paga – e, sofrendo tais fatores, necessariamente, alterações, a lei permite que o quantitativo da prestação se adapte, através de um aumento, uma redução ou mesmo através da cessação da obrigação, a todo o momento, e em face da mutação daqueles fatores. XVI) A cessação da pensão de alimentos, ou seja, a cessação da obrigação do Recorrido ESTÁ INDISSOCIAVELMENTE ASSOCIADA A UMA EVENTUAL ALTERAÇÃO DAS NECESSIDADES ECONÓMICAS DE QUEM RECEBE VERSUS AS DISPONIBILIDADES ECONÓMICAS DE QUEM PAGA, sendo que, na situação em apreço, está em causa a obrigação de alimentos entre ex-cônjuges, não tendo o recorrido invocado, muito menos provado, qualquer alteração das necessidades económicas de quem recebe (Recorrente) versus as disponibilidades económicas de quem paga. XVII) O direito a alimentos na sequência do divórcio só se constitui se o ex-cônjuge não tiver possibilidades de prover à sua subsistência, QUE FOI O QUE RECORRENTE E RECORRIDO RECONHECERAM AQUANDO DA CELEBRAÇÃO DO DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO, aderindo o legislador ao chamado princípio da autossuficiência, conferindo, em regra, o direito a alimentos entre ex- cônjuges carácter temporário e natureza subsidiária, pelo que, o direito a alimentos entre ex-cônjuges, assentando num dever assistencial que perdura para além do casamento, passou a ter assumidamente carácter subsidiário, excecional e temporário. XVIII) No que tange à cessação dos alimentos, os mesmos cessam verificadas as circunstâncias elencadas no art.º 2013º do Código Civil, o que não se verifica nos presentes autos, uma vez que, o tribunal “a quo” não ponderou devidamente, no entendimento da Recorrente, se ocorreram ou não circunstâncias supervenientes após o acordo celebrado em 25/05/2018 e não após o divórcio por mútuo consentimento, pois as partes desde logo aceitam que a redução da pensão de alimentos ocorre na sequência da diminuição dos rendimentos do recorrido, sendo um facto assente, pelo que, não se constatam a existência de quaisquer factos que acarretam ALTERAÇÃO DAS NECESSIDADES ECONÓMICAS DE QUEM RECEBE VERSUS AS DISPONIBILIDADES ECONÓMICAS DE QUEM PAGA REVOGANDO-SE a douta sentença recorrida nos termos que ficaram expostos e proferindo-se Acórdão que acolha as Conclusões precedentes. O apelado apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida. Colhidos os vistos, cumpre apreciar. II.OBJECTO DO RECURSO. A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito. B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar: - Admissibilidade/oportunidade da reconvenção do Réu; - Se ocorreu erro na apreciação da matéria de facto; - Cessação dos alimentos. III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. III.1. Foram os seguintes os factos julgados provados em primeira instância: 1) A Autora contraiu casamento com o Réu, no dia 27 de Março de 1976, sem convenção antenupcial [certidão da Conservatória do Registo Civil de Paços de Ferreira junta com a p.i.]. 2) Por decisão proferida pela Conservatória do Registo Civil de Paços de Ferreira, sob o n.º 423/2018, no dia 16 de Março de 2018, tal casamento foi dissolvido por divórcio por mútuo consentimento [doc. referido em 1)]. 3) Os então cônjuges apresentaram, no âmbito desse divórcio, o acordo a que chegaram quanto a alimentos, estabelecendo que o cônjuge marido obriga-se a pagar a título de alimentos ao cônjuge mulher a quantia mensal de €575,00, devendo tal quantia ser paga até à partilha dos bens comuns [doc. referido em 1)]. 4) Apresentaram ainda o acordo a que chegaram quanto ao uso da casa de morada de família, sita na Rua …, n.º …, freguesia …, concelho de Paços de Ferreira, estabelecendo que a mesma era atribuída ao cônjuge mulher [doc. referido em 1)]. 5) Apresentaram ainda a relação dos bens comuns, composta por um veículo automóvel, marca Renault, modelo …, com a matrícula ..-NA-.., com o valor atribuído de €2.000,00, recheio da casa de morada de família, sita na Rua …, n.º …, freguesia …, concelho de Paços de Ferreira, composto por diversos bens móveis, nomeadamente mobiliário, televisões, eletrodomésticos e decorações, ao qual atribuem o valor de €8.000,00, prédio urbano, sito na Rua …, n.º …, freguesia …, concelho de Paços de Ferreira, inscrito na matriz sob o artigo 2815 e não descrito na CRP, com o valor patrimonial de €106.918,58, prédio urbano sito na Rua …, n.º …, freguesia …, concelho de Paços de Ferreira, inscrito na matriz sob o artigo 1210 e descrito na CRP sob o n.º 1168, com o valor patrimonial de €132.307,10 e prédio urbano sito na Rua …, n.º … - lote ., freguesia …, concelho de Paços de Ferreira, inscrito na matriz sob o artigo 2708 e descrito na CRP sob o n.º 01723, com o valor patrimonial de €101.557,67. 6) Por documento datado de 25 de Maio de 2018, constando como primeiro outorgante C…, divorciado, contribuinte fiscal n.º ………, residente na Rua …, n.º …, freguesia …, concelho de Paços de Ferreira, código postal e segunda outorgante B…, divorciada, contribuinte fiscal n.º ………, residente na Rua …, n.º …, freguesia …, concelho de Paços de Ferreira, por eles assinado, declararam que no âmbito do divórcio por mútuo consentimento celebrado entre os outorgantes ficou acordado que o primeiro outorgante pagaria à segunda a quantia mensal de €575,00, a título de pensão de alimentos, que o primeiro outorgante procedeu na presente data à entrega à segunda do cheque n.º ………., sacado sobre o Banco D…, S.A., no valor de €6.006,00, datado de 27.05.2018, referente a todas as prestações de alimentos devidas até Maio de 2019, que da mencionada quantia foi já deduzida a quantia de €479,21, referente ao IMI de todos os imóveis, bem como das prestações restantes de um crédito ao consumo que os outorgantes contraíram, no valor de €140,00, sendo tais despesas de ambos os outorgantes, ficando o primeiro outorgante obrigado a proceder ao pagamento integral de tais despesas, que acordam ainda que caso as partes não procedam a qualquer alteração do acordo da quantia de alimentos já fixados até à partilha dos bens comuns ou até tal data (Maio de 2019), acordam fixar, a partir de Junho de 2019, que o primeiro outorgante se obriga a pagar a título de pensão de alimentos, a quantia mensal de €200,00, devendo tal quantia ser paga até à partilha dos bens comuns ou à celebração de novo acordo quanto à pensão de alimentos [documento junto com a p.i.]. 7) A alteração ao valor estabelecido em 3), nos termos referidos em 6), ocorreu, porque o Réu face ao divórcio não tinha habitação para ir residir, pelo que se tornou necessário efectuar a denúncia do contrato de arrendamento de uma das habitações que constituem o acervo comum a partilhar, para que o Réu aí pudesse residir. 8) O Réu consta no Sistema de Informação do Centro Nacional de Pensões como beneficiário e a receber uma pensão de velhice no valor mensal de €454,80. 9) O Réu procedeu ao pagamento, por cheque, de todas as quantias devidas a título de pensão de alimentos à Autora até Maio de 2019. 10) O Réu deixou de proceder ao pagamento das pensões de alimentos a partir de Junho de 2019, encontrando-se, até à instauração da presente acção, por pagar as mensalidades dos meses de Junho de 2019, inclusive, a Outubro de 2019, num total de €1.000,00. 11) O Réu, neste momento, é reformado, contando com uma pensão de reforma no montante referido em 8). 12) A prestação de alimentos seria paga até que se efectuasse a partilha dos bens comuns. 13) Já foram partilhados alguns bens móveis. 14) O Réu tem que fazer face ao custo dos bens essenciais com a sua alimentação, consumo de energia eléctrica, água e outros. 15) A Autora reside num imóvel do ex-casal, que faz parte dos bens a partilhar, relativamente ao qual, não paga qualquer valor de renda. 16) O Réu recebe ainda a quantia de €300,00, a título de renda referente ao rés-do- chão do imóvel onde reside, imóvel esse que também faz parte do acervo comum a partilhar. 17) A Autora tem de suportar um conjunto de despesas com água, luz, gás, alimentação, higiene, medicamentos e todas as despesas fundamentais para o seu dia-a-dia. 18) Aquando da fixação da pensão de alimentos no processo de divórcio o Réu recebia outras rendas. 19) A Autora atualmente encontra-se reformada e aufere presentemente uma reforma, no valor de cerca de €315,00. 20) A Autora e o Réu estiveram casados durante cerca de 42 anos. 21) A Autora atualmente tem cerca de 63 anos de idade. III.2. A mesma instância considerou não provados “quaisquer outros factos, relevantes para a boa decisão da causa, articulados pelas partes, que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicados por estes e designadamente que: a) A Autora solicitou, por diversas vezes, o pagamento dos alimentos ao Réu. b) O Réu ignorava por completo que, ao assinar a nova declaração, esta permitia outras interpretações, qual seja, a que a pensão de alimentos seja liquidada independentemente da partilha. c) O pagamento do IMI (Imposto Municipal sobre imóveis) de todos os imóveis, onde se inclui aquele onde a Autora reside é paga única e exclusivamente pelo Réu, no valor total de €1.110,96, pago em três prestações no montante de €370,32. d) O facto de terem sido partilhados alguns bens móveis fez inculcar no Réu a ideia de que tudo estaria encaminhado para que se efectuasse a partilha da totalidade dos bens comuns e por isso aceitou pagar o montante de €200,00, a título de pensão de alimentos. e) O Réu por mais de uma vez já mostrou à Autora a sua disponibilidade em efectuar a partilha de forma extrajudicial. f) O Réu faz face às suas despesas apenas com o valor da sua reforma. g) A partilha dos bens imóveis não se realiza por manifesta falta de vontade da Autora. h) O pagamento do Imposto Municipal sobre imóveis (IMI) de todos os bens imóveis é suportado pela Autora, pelo Réu e por um dos filhos dos mesmos. i) Para além do referido em 6) o Réu suportou o pagamento do IMI no ano de 2019 (referente ao ano de 2018), quanto ao imóvel onde reside a Autora, uma vez que o mesmo era devedor à Autora da quantia de €1.000,00, a título de indemnização no âmbito de um processo-crime que culminou numa suspensão provisória do processo, sendo que ao mencionado montante foi deduzida a quantia que a Requerente teria de suportar com o IMI do imóvel onde reside. j) A Autora mantém as mesmas necessidades que tinha aquando do divórcio. k) Aquando da fixação da pensão de alimentos no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento, o Requerido auferia a mesma quantia de reforma e tinha ainda depósitos em diversas contas bancárias, o que se mantém. l) A Autora aufere os mesmos rendimentos. m) A Autora aquando o processo de divórcio auferia a referida reforma. n) A Autora aufere apenas essa reforma, pois dedicou toda a sua vida à família, sendo doméstica, cuidando do lar conjugal e dos seus 4 filhos. o) A pensão de alimentos fixada continua a ser necessária para a Autora fazer face ao seu sustento, habitação e vestuário. p) A Autora há quase 40 anos que não exerce qualquer atividade profissional, tendo-se dedicado durante estes últimos 40 anos aos afazeres domésticos e à criação de 4 filhos, não tendo qualquer formação profissional. q) O Requerido foi durante a sua vida activa um empresário com sucesso no sector do mobiliário, tendo construído alguns imóveis e adquirido bastantes bens. IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. 1. Da reconvenção. Começa a recorrente por questionar a circunstância de haver sido admitida a reconvenção sustentando que “jamais deveria a Reconvenção deduzida pelo Recorrido ser admitida, uma vez que não foi deduzida com o articulado respetivo (contestação), pelo que deverá considerar-se extemporânea”, sustentando que na contestação apresentada o Réu não deduziu contra a Autora qualquer pedido autónomo, limitando-se a impugnar a factualidade por esta alegada, concluindo pela improcedência da acção, e que o despacho de aperfeiçoamento não pode destinar-se a suprir a falta de formulação de pedido reconvencional. Por isso, na perspectiva da recorrente, a reconvenção deduzida após a contestação apresentada pelo Réu é extemporânea, devendo ser desentranhada. Contraditoriamente, insurgindo-se contra a admissão da reconvenção, simultaneamente denuncia a recorrente o facto de não ter sido proferido despacho a admiti-la, acrescentando que “a inexistência de qualquer decisão acerca da admissão da reconvenção, constitui nulidade processual, podendo ser arguida em sede de recurso”. No articulado da contestação pode o réu deduzir pedidos contra o autor, exercendo, por esta via, também direito de acção através da ampliação do objecto do processo[1]. De acordo com o n.º 1 do artigo 583.º do Código de Processo Civil, “A reconvenção deve ser expressamente identificada e deduzida separadamente na contestação, expondo-se os fundamentos e concluindo-se pelo pedido, nos termos das alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 552.º”, acrescentando o n.º 2 do mesmo normativo que “O reconvinte deve ainda declarar o valor da reconvenção; se o não fizer, a contestação não deixa de ser recebida, mas o reconvinte é convidado a indicar o valor, sob pena de a reconvenção não ser atendida”. No caso dos autos, o Réu, contestando a acção contra si proposta pela Autora, alegou, designadamente que: - Face ao valor que o R. recebe a título de reforma, e já demonstrado em 3.o e considerando que, o custo dos bens essenciais, como alimentação, consumo de energia elétrica, agua, são de custo elevado, é de elementar compreensão que o R. não tem como prestar alimentos à ora A. em prestações pecuniárias mensais – artigo 16.º; - Assim, e considerando que a A. reside num imóvel, relativamente ao qual, não paga qualquer valor de renda, deverá ser considerada cessada a pensão de alimentos requerida– artigo 17.º. Na sequência da apresentação de tal articulado, com a referência 81349640 foi proferido o seguinte despacho: De acordo com o princípio geral resultante da conjugação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 6º do CPC, cumpre ao Juiz, uma vez iniciada a instância e sem prejuízo do ónus de impulso processual especialmente imposto às partes, promover oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação e ao suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação. Visa-se reduzir os obstáculos formais e as dificuldades de natureza processual no sentido de permitir a justa composição dos interesses em litígio. Valoriza-se, assim, a decisão de mérito ou de fundo. Acresce ainda que nos termos do artigo 590º, n.º 3 e 4, do CPC o juiz pode convidar qualquer das partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido. Constata-se que na contestação o Réu no item 17º refere que deverá ser considerada cessada a pensão de alimentos. Todavia não deduziu tal pretensão através de reconvenção e nos termos determinados no artigo 583º do CPC. Nesta conformidade, ao abrigo do disposto nos citados artigos convida-se o Réu a, no prazo de 10 dias e caso assim o entenda, apresentar novo articulado onde formule a sua pretensão em conformidade com o disposto no citado artigo 583º do CPC. Notifique. Sobre o juiz recai o dever de gestão processual, expressamente consagrado no artigo 6.º da lei adjectiva, no exercício do qual, findos os articulados, profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador, designadamente com vista a “providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados ...”[2], devendo convidar “... as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais...”[3]. Como claramente resulta da letra da lei, o despacho de aperfeiçoamento com vista ao suprimento ou correcção de vícios destina-se a todos os articulados, e não apenas à petição inicial, até porque a igualdade de armas que deve ser reconhecida a todos os intervenientes processuais assim o exige. Todavia, tal como não consente aperfeiçoamento a petição inicial inepta, designadamente por falta de pedido, também a contestação/reconvenção não pode ser objecto de idêntica solução paliativa quando ocorra correspondente vício. Sustentando o Réu no artigo 17.º da contestação que “deverá ser considerada cessada a pensão de alimentos requerida”, tal formulação traduz, ainda que de forma implícita, dedução de uma pretensão processual. Assim, ainda que não deduzido de forma explícita e processualmente adequada, a contestação contém implícito o pedido de cessação de alimentos. Na linha do que vem sendo entendimento jurisprudencial para situações similares – designadamente, nas acções de reivindicação em que não é formulado de modo explícito o pedido de reconhecimento do direito de propriedade, mas em que essa pretensão se extrai dos factos articulados -, deve conferir-se relevância, reconhecendo-o como tal, ao pedido ainda que formulado implicitamente e sem a formalidade processual adequada, não sendo, por isso, de considerar inepto o primitivo articulado do Réu por ausência de pedido, não existindo obstáculo legal ao seu aperfeiçoamento. Cabendo ao juiz verificar se o Réu deduziu a reconvenção de acordo com as exigências formais do artigo 583.º do Código de Processo Civil e, constatando o incumprimento de alguns dos requisitos formais, formular convite ao suprimento das irregularidades detectadas[4], justifica-se plenamente o convite ao aperfeiçoamento expresso no despacho com a referência 81349640. Tendo o Réu correspondido ao convite que lhe foi dirigido, a reconvenção deduzida não só é admissível no contexto em que foi formulada, como não se exigia qualquer pronúncia sobre a sua admissibilidade[5], pelo que se revelam sem fundamento as objecções argumentativas da recorrentes nos ponto I) a X) das suas conclusões. 2. Reapreciação da matéria de facto. Não se conformando o recorrente com a decisão proferida em primeira instância quanto à matéria de facto submetida a julgamento, reclama desta instância o reexame da mesma. Defende que deve considerar-se provada a matéria que o tribunal recorrido julgou não provada e que elencou nas alíneas j), n), o), p) e q), indicando os meios probatórios que lhe servem de suporte. A reapreciação da matéria de facto reclamada pela recorrente revela-se, porém, um exercício inútil. Com efeito, recaindo sobre aquele que pretenda a cessação da prestação de alimentos a que se obrigou o ónus da prova de que se alteraram as suas possibilidades económicas ou as necessidades de quem beneficia dos alimentos, a eventual alteração da decisão da matéria de facto, designadamente nos indicados segmentos decisórios, nenhuma influência traria ao conhecimento do mérito da acção. Por tal razão, se decide não conhecer da impugnação deduzida à decisão relativa à matéria de facto. 3. Do mérito do julgado. O direito a alimentos é um direito estruturalmente obrigacional e funcionalmente familiar. A noção legal de alimentos é facultada pelo artigo 2003.º do C. Civil, quando estabelece: “1. Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário.2. Os alimentos compreendem também a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor”. E dispõe o artigo 2004.º do mesmo diploma legal: “1. Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los. 2. Na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência”. Segundo Vaz Serra[6], “...partindo do pressuposto de que deve entender-se por alimentos «tudo o que é indispensável à satisfação da necessidades da vida segundo a situação social alimentado», a prestação alimentar concreta haverá de determinar-se a partir do “confronto da necessidade do alimentando com as possibilidades económicas do devedor de alimentos, tendo em conta os critérios postos pelo artigo 2004.º do C. Civil, dos quais resulta que na apreciação das possibilidades do obrigado, deve o juiz atender às receitas e despesas daquele, isto é, à parte disponível dos seus rendimentos normais, tendo em atenção as obrigações do devedor para com outras pessoas…”, não esquecendo que a “possibilidade de prestar alimentos não resulta apenas dos rendimentos dos bens do obrigado, resultando igualmente de outros proventos do mesmo, designadamente os provenientes do seu trabalho, e ainda os seus rendimentos de carácter eventual”[7].Vale dizer, “a medida da prestação alimentar destina-se pelo binómio: possibilidades do devedor e necessidade do credor, devendo aquelas possibilidades e outras necessidade serem actuais. Na fixação dos alimentos há que ter em conta em cada caso concreto, não só as necessidades primárias do alimentado, mas também as exigências decorrentes do nível de vida e posição social correspondentes à sua situação familiar” [8], sendo ainda certo que para a avaliação das possibilidades do obrigado deve atender-se nomeadamente, à sua idade, ao seu estado de saúde, situação social, à circunstância de ter ou não outro filhos, de poder ou não trabalhar, aos rendimentos directamente ou não, provenientes do seu trabalho, aos seus encargos, ao seu modo de vida…[9]. Ou seja, para a avaliação das possibilidades do obrigado à prestação de alimentos, deve, por um lado, atender-se ao volume dos seus rendimentos, contrapondo-o, todavia, com o montante dos seus encargos regulares. No que diz respeito à primeira daquelas componentes, ela deve abarcar o acervo de todos os rendimentos, qualquer que seja a sua fonte lícita, de modo a abranger não só os rendimentos do trabalho, salários ou pensões, com todos os seus elementos, fixos e variáveis, como ainda os ganhos de natureza eventual. Como defendeu o Acórdão do STJ de 20/11/2003[10], “para se aquilatar da maior ou menor capacidade do devedor de alimentos terá de se tomar em linha de conta não só com os seus meios de rendimento como também com os encargos a que se encontre adstrito, para além daqueles que possam decorrer da própria prestação alimentícia a determinar. Mas tais encargos, obviamente, que carecem de ser hierarquizados de modo a que só sejam tomados em consideração os que se mostrem justificados pelas necessidades de uma condigna subsistência do prestador de alimentos, excluindo-se todos aqueles que promanem de uma obrigação que não possa, ou não deva, prevalecer sobre a obrigação alimentar. É que se assim não fosse, bastaria ao devedor de alimentos assumir os encargos voluptuários e desnecessários que lhe aprouvesse para ficar desobrigado de prestar alimentos, o que a ética e o direito não aceitam”. De acordo com o artigo 2009.º, n.º 1, a) do Código Civil, estão vinculados à prestação de alimentos o cônjuge e o ex-cônjuge. O artigo 2016.º do mesmo diploma legal, na redacção introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31.10.2008, estabelece: 1 - Cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio. 2 - Qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio. 3 - Por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos pode ser negado. 4 - O disposto nos números anteriores é aplicável ao caso de ter sido decretada a separação judicial de pessoas e bens. Por fim, o artigo 2016.º-A estabelece os critérios objectivos para a determinação do montante da prestação de alimentos na sequência do divórcio ou da separação de bens. A doutrina tradicional subordina a medida dos alimentos aos seguintes parâmetros: 1.º - necessidade do alimentando; 2.º - possibilidades do obrigado; e 3.º - possibilidade de o alimento prover à sua subsistência[11]. De acordo com os mesmos, o ex-cônjuge só será credor de alimentos, em relação ao outro, se não conseguir prover à sua própria subsistência, e se este último dispor de condições económicas para os prestar, sendo que o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio, como estabelece o n.º 3 do artigo do artigo 2016º-A do Código Civil. Contextualizando o que se deixa afirmado ao que nos autos se discute: Com a acção proposta pretende a Autora que seja o Réu condenado a pagar-lhe todas as quantias vencidas a título de pensão de alimentos, desde Junho de 2019 a Outubro de 2019, num total de €1.000.00 euros (mil euros), assim como as vincendas, até efectivo pagamento, acrescidas de juros à taxa legal anual de 4%, desde a citação até efectivo pagamento, alegando, para o efeito, que os cônjuges acordaram entre si que o Réu se obrigava a pagar à Autora, a título de alimentos, a quantia mensal de €575,00, e por documento escrito, no dia 25 de Maio de 2018, acordaram que, a partir do mês de Junho de 2019, passaria a pagar-lhe a quantia mensal de €200,00, deixando de cumprir tal obrigação a partir de Junho de 2019. O Réu, sem impugnar a factualidade nuclear alegada pela Autora, contrapõe argumentos para justificar o não pagamento das prestações vencidas, sustentando que deve atender-se ao facto de ter de prover à sua própria subsistência, adiantando que “Face ao valor que o R. recebe a título de reforma [...],e considerando que, o custo dos bens essenciais, como alimentação, consumo de energia elétrica, agua, são de custo elevado, é de elementar compreensão que o R. não tem como prestar alimentos à ora A”. Formula o Réu pedido reconvencional no sentido da cessação da prestação de alimentos à Autora, referindo, para o efeito, que “a ora A. não faz qualquer prova que carece de alimentos, e, considerando o facto de a mesma residir numa habitação, que constitui património comum a partilhar e daí poder obter rendimentos, e pela qual não paga qualquer renda” – artigo 23.º da contestação/reconvenção. Se é verdade que é sobre aquele que reclama a prestação alimentar que recai o ónus de provar a necessidade dos alimentos peticionados – ou seja, é ao autor na acção de alimentos que incumbe satisfazer esse ónus -, em contrapartida, é sobre aquele que requer a cessação da prestação alimentar, ou a sua alteração, quer o faça por via de acção proposta contra o credor dos alimentos, quer por meio de reconvenção em acção de alimentos contra si proposta, que cabe o ónus de alegar e de provar que se alteraram as circunstâncias que ditaram a celebração do acordo relativo à prestação dos alimentos definitivos, de tal forma que aquele que os presta não possa continuar a satisfazer a obrigação a que estava vinculado ou que aquele que os recebe deles deixou de carecer[12]. Com efeito, “Estando em causa – como ora sucede - uma cessação da obrigação alimentar antes fixada, relevam, naturalmente, as alterações supervenientes relativamente à data em que a obrigação de alimentos foi fixada, seja quanto às necessidades do alimentando [...], seja quanto às possibilidades do obrigado, pois que quanto às condições existentes à data do acordo é de presumir que as partes as tiveram presentes e ponderaram quando o outorgaram”[13]. Desta forma, formulado pedido de cessação dos alimentos através de alguma das vias processuais legalmente admissíveis, é sobre o obrigado que recai o ónus de alegar e de provar que, por virtude “de circunstâncias supervenientes, não está em condições de continuar a prestar os alimentos acordados, ou que o alimentando não carece de continuar a recebê-los”[14]. No caso dos autos, ao formular pedido de cessação da prestação de alimentos, não invocou o Réu qualquer circunstância superveniente ao acordo estabelecido com a Autora quanto à obrigação de lhe prestar alimentos e medida dos mesmos, que o impossibilite de continuar a satisfazer a obrigação assumida, ou que a Autora deixou de precisar dos alimentos. O Réu limita-se a alegar que a Autora reside num imóvel, o qual faz parte do acervo comum a partilhar, sem pagar renda por essa ocupação, e que o mesmo “está neste momento, reformado, contando com uma pensão de reforma no montante de € 413,13” – artigos 20.º, 21.º e 22.º da contestação/reconvenção.Em parte alguma, porém, refere que as invocadas circunstâncias ocorreram após convencionada a prestação alimentar a que vinculou para com a Autora, tal como não invoca que delas haja resultado, da sua parte, a impossibilidade de continuar a prestar os alimentos ou que deles deixou a Autora de carecer. Logo, não tendo o Réu logrado satisfazer o ónus de alegação e de prova que sobre ele recaía quanto ao pedido reconvencional de cessação dos alimentos, teria este, ao contrário do decidido, necessariamente de improceder. Impõe-se, consequentemente, a revogação da sentença na parte em que julgou procedente a reconvenção e relativamente ao segmento em que declarou cessada a prestação mensal de alimentos a pagar pelo Réu à Autora, fixada em 3) e em 6), dos factos provados, a partir de julho de 2020, inclusive, procedendo, nessa parte, o recurso. *Síntese conclusiva: ……………………………… ……………………………… ……………………………… *Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação, em: - Não conhecer do recurso na parte em que visou a impugnação da decisão relativa à matéria de facto; - Julgar procedente o recurso sobre a matéria de direito, revogando a sentença recorrida na parte em que julgou procedente a reconvenção e declarou cessada a prestação mensal de alimentos a pagar pelo Réu à Autora, fixada em 3) e em 6), dos factos provados, a partir de julho de 2020, inclusive, mantendo-se o demais decidido, não objecto de impugnação recursiva. Custas da apelação: pelo apelado, que suportará ainda as custas relativas à reconvenção que deduziu. Porto, 28.01.2021 Acórdão processado informaticamente e revisto pela primeira signatária. Judite Pires Aristides Rodrigues de Almeida Francisca Mota Vieira _____________ [1] Artigo 266.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. [2] Artigo 590.º, n.º 2, b) do Código de Processo Civil. [3] N.º 3 do mesmo normativo. [4] Cfr. Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra Editora, 3.ª ed., pág. 160, 161. [5] A admissão da reconvenção está, no entanto, implícita no despacho com a referência 82212261, ao atender ao pedido reconvencional para a determinação do valor da causa, identificando ainda, como objecto do litígio, “Ser declarada cessada a prestação mensal de alimentos a pagar pelo Réu à Autora”. [6] R.L.J., 102º-262. [7] Ibid, pág. 98. [8] Acórdão do STJ, 7/5/80, BMJ 297º-342; cf. ainda Acórdão da Relação do Porto, 26/1/78, Colectânea de Jurisprudência 1978, 3º, 138. [9] Cf. Abel Pereira Delgado, “Do Divórcio”, pág. 200. [10] www.dgsi.pt. [11] L.P. Moitinho de Almeida, Os alimentos no Código Civil 1966, Revista da Ordem dos Advogados, ano 28, 1968, pág. 96 e seguintes. Convocando o acórdão do STJ, de 10.12.1954 (BMJ, 46,540), refere o autor (ob. cit., pág. 101): “Já no direito anterior (…) se entendia que, na fixação dos alimentos à mulher, não podem ser alheias as possibilidades que ela tenha de angariar, por si própria, meios de subsistência, sendo irrelevante que não se sirva dessas possibilidades por não estar disposta a isso. Qualquer que seja a classe da mulher não pode esta considerar-se diminuída por ganhar a sua vida e prover, pelo seu esforço, a parte do seu sustento, em vez de receber essa parte do marido”. [12] Artigo 2013.º, n.º 1, b) do Código Civil. [13] Acórdão da Relação do Porto de 24.01.2018, processo n.º 3435/05.9TBVNG-D.P1, www.dgsi.pt. [14] Citado acórdão da Relação do Porto de 24.01.2018; no mesmo sentido, cfr. ainda acórdão da mesma Relação de 15.04.2013, processo n.º 7367/06.5TBVNG-A.P1; acórdão da Relação de Lisboa de 9.11.2017, processo n.º 2032/15.5T8BRR.L1-2; acórdãos da Relação de Guimarães de 12.03.2020, processo n.º 1459/07.0TBBCL-C.G1 e de 9.03.2027, processo n.º 4992/15.7T8BRG.G1, todos em www.dgsi.pt. |