Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1777/21.5T8STS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: SEGURO AUTOMÓVEL FACULTATIVO
DANOS PRÓPRIOS
ALCOOLEMIA
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: RP202303231777/21.5T8STS.P1
Data do Acordão: 03/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A cláusula contratual que, no seguro automóvel facultativo, exclui a responsabilidade da seguradora por danos no próprio veículo, quando o agente conduz sob o efeito de uma TAS superior à legalmente permitida, não carece de ser comunicada ao aderente por estar estabelecida em conformidade com a realização de princípios fundamentais da ordem pública do Estado Português que impedem que o seguro cubra situações de contrariedade a normas legais proibitivas típicas do direito criminal.
II - No contrato facultativo de seguro automóvel por danos próprios, a cláusula de exclusão da cobertura do seguro “quando o condutor conduza com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida” não exige a prova do nexo causal entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1777/21.5T8STS.P1 (apelação)
Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Santo Tirso – J1

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida
Adj. Desemb. Francisca Mota Vieira

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
A..., UNIPESSOAL, LDA., pessoa coletiva n.º ..., com sede na Rua ..., ..., ... Vila Nova de Famalicão, instaurou ação declarativa com processo comum contra B... – COMPANHIA DE SEGUROS S.A., pessoa coletiva n.º ..., com sede no Largo ..., ..., Lisboa, alegando essencialmente que, tendo celebrado com a R. um contrato de seguro automóvel facultativo relativamente um determinado veículo, na sua vigência ocorreu um despiste quando era conduzido pelo cônjuge da sócia-gerente da A., de que resultaram danos materiais muito significativos.
Alega também que a R. se recusa a pagar a indemnização relativa àqueles danos, invocando uma cláusula de exclusão da responsabilidade. Porém, a mesma violou os deveres de comunicação e de informação, designadamente quanto às cláusulas de exclusão ou limitação da responsabilidade, incluindo a que invocou, devendo tais cláusulas ser consideradas nulas.
Termina o seu articulado com a dedução do seguinte pedido:
«

».
Citada, a R. seguradora ofereceu contestação, onde, além de impugnar matéria de facto, afirmou ter cumprido os seus deveres de comunicação e informação e que a cláusula de exclusão diz respeito à condução sob o efeito do álcool, pelo que, mesmo que tivessem sido violados aqueles direitos da A., a responsabilidade da R. não poderia deixar de ser afastada por as normas de proibição de condução sob o efeito do álcool terem a natureza de ordem pública, não necessitando de ser comunicadas.
Manifestou também discordância relativamente ao valor do pedido, que deve ser reduzido para um valor que considere o real valor do salvado (€ 1.560,00) e o valor da franquia (€ 250,00), ou seja, para a quantia de € 26.890,00.
Foi dispensada a audiência prévia e foi proferido despacho saneador tabelar, a que se seguiu a identificação do objeto do litígio e a formulação de temas de prova. O tribunal, no mesmo despacho, pronunciou-se sobre os meios de prova.
Teve lugar audiência final, a pós a qual foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:
«Face ao exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência condena-se a ré B... – Companhia de Seguros S.A a pagar à autora A..., UNIPESSOAL, LDA o valor de €26.890,00 acrescido de juros de mora, calculados desde a data de citação (9.07.2021), até efetivo e integral pagamento e à taxa de 4%.
Mais se absolve a ré do demais peticionado
Custas a cargo da ré»
*
Inconformada com a decisão sentenciada, a R. B... - Companhia de Seguros S.A., interpôs recurso de apelação no qual formulou as seguintes CONCLUSÕES:
«1. O presente recurso tem como objecto a decisão em matéria de direito da douta sentença exarada nos presentes autos que condenou a Ré, aqui recorrente, no pagamento à Autora, A..., Unipessoal Lda., a quantia de €26.890,00, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, calculados desde a data de citação (09-07-2021) até efectivo e integral pagamento.
2. A recorrente considera, com o devido respeito, que o Tribunal a quo errou:
− Ao aplicar, ao caso em apreço, legislação revogada − no caso, o art.19º, alínea c), do Dec. Lei nº522/85, de 31 de dezembro − invocando Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº6/2002;
− E considerar, contracorrente jurisprudencial maioritária, que no âmbito de seguro automóvel facultativo, a exclusão da responsabilidade, prevista para o caso de o condutor conduzir o veículo seguro com taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, não é de funcionamento automático. Antes exige a demonstração de que o excesso de álcool tenha sido causa do acidente
3. No que ao presente recurso interessa, o Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:
A. Em 15 de Junho de 2015 a A. adquiriu, no estado de novo, um veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Peugeot, modelo ..., com matrícula ..-PO-...
B. (…)
C. Para o veículo em causa, a A. celebrou com a Ré, um contrato de seguro, na modalidade de danos próprios, titulado pela Apólice de seguro automóvel nº..., e pelo qual a A. pagou o respectivo prémio.
D. Transferiu para a Ré, a responsabilidade, entre outros, pelo risco de choque, colisão e capotamento, da viatura identificada.
E. O valor do veículo em causa segurado pela Ré é de €28.700,00 (vinte e oito mil e setecentos euros), mas sujeita a uma franquia de €250,00 (duzentos e cinquenta euros).
F. Sucede que em 08 de julho de 2018, pelas 01h00m, no acesso à Rede Viária Exterior (Variante), em ..., Santo Tirso, o veículo com matrícula ..-PO-.., ao tentar desviar-se de um pneu que se encontrava na faixa de rodagem, passou por cima do mesmo, sofreu um despiste, embatendo nos rails, seguido de capotamento.
G. No momento do acidente o PO era conduzido por AA, empregado da A. e marido da sua sócia-gerente.
H. (…)
I. (…)
J. Conforme certidão do aditamento à participação do acidente de viação segundo o relatório nº... do Serviço de Química e Toxicologia, da Delegação do Norte do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, o condutor do PO continha 0.88 gramas de etanol por litro de sangue.
K. Em consequência do sinistro, o veículo sofreu vários danos em toda a frente, em ambos os lados, no capot, nos airbags, no motor, no chassis que ficou deformado e recuado.
L. A A. comunicou à Ré a descrita ocorrência, uma vez que havia transferido para esta a responsabilidade civil do dito veículo, da qual fazia parte a cobertura de choque, colisão e capotamento.
M. A Ré, após vistoriado o veículo, em 18 de julho de 2018, por carta, comunicou à Autora que face aos danos estimados em €50.000,00, e de acordo com as garantias contratualmente estabelecidas, que se impunha a respectiva regularização como perda total.
N. (…)
O. (…)
P. Por carta de 31 de Agosto de 2018, informou o seguinte:
Com utilidade para a presente peça, transcreve-se o teor da aludida missiva:
“Exmos. Senhores,
Com referência ao acidente acima mencionado, vimos por este meio informar V. Exas. que, terminada a instrução do nosso processo, concluímos que não poderemos prosseguir com a regularização.
Com efeito, de acordo com os elementos de que dispomos, e atendendo ao exposto na alínea d) do nº1 da Cláusula 5ª das Condições Gerais do Seguro Automóvel Facultativo, encontra-se excluída a regularização ao abrigo da Cobertura de Choque Colisão e Capotamento.
Face ao exposto, e apesar de lamentarmos as consequências do sinistro, não poderemos responder pelas indemnizações devidas no âmbito das respectivas coberturas facultativas existentes na apólice em referência.
Apresentando os nossos melhores cumprimentos, subscrevemo-nos, Pela Seguradora,”
Q. Não obstante, ter recebido toda a documentação solicitada referente ao veículo, a Ré recusou-se efectuar o pagamento da indemnização pedida.
R. (…)
S. (…)
T. (…)
U. (…)
V. (…)
W. (…)
X. (…)
Y. (…)
Z. (…)
AA. (…)
BB. (…)
4. A Recorrente não questiona os factos provados, tampouco a motivação constante da douta sentença.
5. A Ré, aqui recorrente, discorda e não se conforma com a solução de direito encontrada pelo Tribunal a quo, pois entende que, por força das condições gerais do seguro automóvel facultativo em questão nos autos, provado que está que o condutor da viatura segura seguia com uma taxa de alcoolemia de 0,88 gr/l, (vide J. dos Factos Provados, da sentença) os danos reclamados pela Autora encontram-se excluídos das coberturas do âmbito deste seguro.
6. A Autora, aqui recorrida, celebrou com a Recorrente um contrato de seguro, na modalidade de danos próprios, titulado pela apólice nº ..., pelo qual transferiu para esta a responsabilidade decorrente da utilização do veículo ligeiro de passageiros marca Peugeot, matrícula ..-PO-.. (vide A. e C. dos Factos Provados, da sentença).
7. Nos termos do disposto na alínea d) do nº1 das Cláusula 5ª das Condições Gerais desse contrato, ficam excluídos do âmbito deste Seguro Automóvel, entre outros, os “danos causados ao veículo seguro quando o Condutor conduza com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida…” (vide P. e T. dos Factos Provados, da sentença).
8. No dia 08 de julho de 2018, pelas 01:00, no acesso à Rede Viária Exterior, em ..., Santo Tirso, o veículo ..-PO-.., conduzido por AA, sofreu um despiste, embateu nos rails, seguido de capotamento (vide F. e G. dos Factos Provados, da sentença).
9. O seu condutor, em teste de quantificação da taxa de álcool no sangue, acusou uma alcoolemia de 0,88 gr/l (vide J. dos Factos Provados, da sentença).
10. Ao decidir como decidiu, condenando a Recorrente a indemnizar a Autora, com fundamento de que não alegou nem provou o nexo de causalidade entre o excesso de álcool e a ocorrência do sinistro, o Tribunal a quo fez errada aplicação da lei.
11. Desde logo porque invocou, em favor do seu critério, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº6/2002 – Proc.3470/2001 – 2ª Secção, segundo o qual,
A alínea c) do artigo 19º do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente”.
12. Acórdão este que fixou jurisprudência relativamente ao direito de regresso, das seguradoras contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e agido sob influência do álcool, no âmbito do seguro automóvel obrigatório, e no qual estão em causa interesses de terceiros lesados.
13. Para além disso, este Acórdão Uniformizador nº6/2002 nunca poderia ser tido em consideração pelo Tribunal a quo porque inaplicável ao caso dos presentes autos, em consequência de ter sido proferido no domínio de legislação, entretanto revogada.
14. Pelo Dec. Lei nº291/2007, de 21 de agosto, que entrou em vigor em 21 de outubro de 2007, em virtude da transposição da Directiva nº2005/14/CE, de 11 de maio, do Parlamento Europeu e do Conselho.
15. Para além disso, ignora o Tribunal a quo o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ, este sim, proferido no âmbito da legislação em vigor que, decidindo do seguinte modo:
o artigo 27º, nº1, alínea c), do Decreto-Lei nº291/2007, de 21 de Agosto, atribui à entidade seguradora o direito de regresso contra o condutor do veículo culpado pela eclosão do sinistro, sempre que a condução se tenha operado com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida e sem necessidade de comprovar o nexo de causalidade adequada entra a condução sob o efeito do álcool e o acidente” (vide Ac. do STJ, de 28-11-2013, in www.dgsi.pt).
16. Afastou o anterior entendimento que fazia impender sobre a seguradora o ónus da prova do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente.
17. Mas, para além desta alteração jurisprudencial, certo é que no seguro automóvel facultativo não se está a apreciar a culpa de um acidente, no qual a seguradora tenha invocado, perante terceiro lesado, a exclusão da sua responsabilidade pelo facto de o condutor do veículo segurado conduzir sob o efeito do álcool.
18. Também não está em causa a invocação do direito de regresso sobre o tomador do seguro derivada da condução em tais circunstâncias.
19. Pelo que não se coloca a questão do nexo de causalidade entre o efeito do álcool ingerido pelo condutor da viatura sinistrada e a ocorrência do acidente, uma vez que entre as partes foi definido o limite da exclusão da cobertura contratual por referência à influência do álcool.
20. Neste tipo de contrato de seguro, a cláusula de exclusão em causa, mais não é do que uma declaração negocial, sujeita à interpretação e às regras gerais dos contratos.
21. Um contrato formal, cuja declaração negocial só pode valer com o sentido que tenha o mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, mesmo se imperfeitamente expresso (cf. art.238º, nº1, do C. Civil)
22. No seguro facultativo sobrepõe-se o princípio da liberdade contratual e a faculdade das partes autorregularem os seus interesses nos termos e condições que entenderem, pelo que não faz sentido que tenham de seguir as mesmas regras e princípios norteadores do seguro automóvel obrigatório.
23. Deste modo, o sentido a extrair deve ser aquele que um declaratário normal, colocado na posição da segurada (a Recorrida), deduza do texto da cláusula em questão (alínea d) do nº1 da Cláusula 5ª das condições gerais), conquanto nele tenha um mínimo de correspondência.
24. Ficando assim sem sentido a exigência de nexo de causalidade entre a taxa de alcoolemia superior a 0,5 gr/l e o sinistro, já que tal não encontra o mínimo de correspondência na letra da cláusula
25. O que se estabelece, no do âmbito seguro automóvel facultativo (seguro de danos próprios), como o caso dos autos, isso sim, é um nexo entre a ocorrência do sinistro e o facto do condutor ser portador de um grau de alcoolemia no sangue superior ao legalmente permitido.
26. Caso em que, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, se tem por excluída a cobertura do seguro, bastando à Ré/Recorrente alegar e provar aquele nexo, não se exigindo que prove, ainda, o nexo causal entre o grau de alcoolemia e o resultado
verificado (o sinistro).
27. Ao lançar mão de legislação revogada (Dec. Lei nº522/85 de 31 de dezembro) e considerar aplicável ao caso presente a teoria da causalidade adequada, nos termos do disposto no art.563º, do C. Civil, Tribunal a quo errou quanto à solução de direito.
28. Violou o disposto no art.27º nº1, alínea c), do Dec. Lei nº291/2007, de 31 de agosto e os arts.236º e segs., do C. Civil.
29. Incorrendo, assim, em violação de lei e erro na interpretação e aplicação do direito.» (sic)
Visa, assim, obter a improcedência da ação e a sua absolvição do pedido.

A A. respondeu em contra-alegações, onde formulou as seguintes conclusões:
«I. As doutas alegações apresentadas pela Recorrente, carecem de razão na sua discordância com o decidido, dada a clareza de argumentação e fundamentação da douta sentença proferida pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo;
II. Na perspectiva da Recorrida, não assiste qualquer razão à Recorrente nas questões que suscitam nas respectivas alegações de recurso;
III. A douta sentença recorrida julgou com acerto e perfeita observância dos factos e da Lei aplicável, não podendo o pleito, conscientemente, ser resolvido doutra maneira, não sendo a decisão, ora impugnada, passível de qualquer censura;
IV. A Recorrente considera que a prova de que o condutor do veículo conduzia sob o efeito do álcool é a única e necessária para a aplicação da cláusula de exclusão do contrato de seguro em causa.
V. Salvo o devido respeito, não tem, porém, qualquer razão a Recorrente, não violando a douta sentença recorrida qualquer das disposições legais invocadas.
VI. Como entendeu o Tribunal "a quo", tal clausula deverá ser interpretada no sentido de que a exclusão do sinistro resultante de acto ou omissão praticado pela pessoa segura que se encontrasse com um grau de alcoolémia superior a 0,05 gramas de álcool por litro de sangue exige que o excesso de álcool tenha causado o acidente em causa.
VII. E que no caso concreto, a Ré não estava dispensada de alegar a verificação deste nexo causal e não o alegou, pelo que, decidiu que incorre no dever de indemnizar a Autora pelos danos causados e cobertos pela apólice de seguro.
VIII. A mencionada clausula excludente da cobertura do seguro foi elaborada pela Ré como bem quis, sem que o segurado pudesse influenciar o respetivo teor e se interpretada como pretende a recorrente, conduziria a situações absurdas: qualquer acção ou omissão, lícita ou ilícita, em que, concomitantemente, se comprove uma taxa de alcoolemia superior a 0,5 g/litro, exoneraria sempre a Seguradora das suas responsabilidades, mesmo inexistindo nexo causal entre o consumo e a produção do sinistro.
IX. À interpretação de uma cláusula de exclusão que figura nas condições gerais, sem haver prova de que tenha sido resultado de negociação individualizada, aplicam-se as normas definidas pelo Código Civil para a interpretação dos negócios jurídicos em geral (artigo 236.º e segs) e as normas sobre interpretação de cláusulas contratuais gerais, constantes do Decreto-Lei n.º 446/85, de 15 de Outubro.
X. O artigo 10.º da LCCG obriga a interpretar tais cláusulas no contexto do contrato concreto em que se incluam; sendo ambíguo o seu sentido, prevalece o que for favorável ao aderente (artigo 11.º).
XI. O referido diploma proíbe cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé (art. 15º) e, havendo dúvidas na interpretação das cláusulas, prevalecerá o sentido que o contraente normal, leigo em direito, lhe atribuiria e que conduza a um maior equilíbrio prestacional (arts. 10º, 11º, nº 1 D.L. 446/85 de 25/10 e 237º in fine do Código Civil) – e da cláusula excludente em apreço não se retira a desnecessidade de verificação do nexo de causalidade para que seja invocável.
XII. Como justificar, à luz do equilíbrio contratual, uma interpretação das cláusulas contratuais em que a exclusão de responsabilidade pudesse operar em tal circunstancialismo, quando se sabe que mesmo no âmbito do seguro obrigatório, para poder exercer o direito de regresso, a seguradora necessita de provar a responsabilidade na produção do acidente por parte de quem conduziu sob a influência do álcool?
XIII. Ora, perante a exiguidade da factualidade provada [relacionada com a dinâmica do acidente, maxime com o condicionalismo espacial e temporal que o rodeou, v.g. no tocante ao aparecimento do obstáculo e manobra para evitar o embate], facilmente se concluiu que não é possível afirmar que o despiste se ficou a dever ou emergiu da especifica etilização do condutor do veiculo.
XIV. E, foi exatamente esse entendimento - o único aceitável à luz das regras apontadas – que o Tribunal a quo fez, no sentido de exigir a alegação e prova (pela Ré seguradora – art. 342º, nº 2 do Código Civil) de que foi o consumo excessivo de álcool que levou à produção do evento danoso, o que não se verificou, daí que a Douta Setença não merece censura alguma, devendo ser confirmada.
XV. Subsidiariamente sempre se invoca – repristinando as questões de direito suscitadas em sede de apelação, cujo conhecimento ficou prejudicado – que, acaso se entenda que a dita cláusula prescinde do referido nexo causal, esta será nula, por abusiva e à boa-fé, devendo ser excluída do contrato singular em causa (arts. 15º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25/10 e 3º, nº 1 da Diretiva nº 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993).
XVI. Não padece a Douta Sentença de qualquer vício que o inquine, antes sim, tendo sido proferida com total acerto e observância harmoniosa dos preceitos legais e em estrito cumprimento da Lei.
XVII. Razão pela qual, o recurso deve improceder.
Sem prescindir - Da ampliação do objecto do recurso:
XVIII. Ao abrigo do disposto no artigo 636º, nº 1 do Código de Processo Civil, e por não se conformarem com a decisão relativa à nulidade das clausulas de exclusão e/ou limitação da responsabilidade da Ré em causa, e à invalidade da prova pericial de pesquisa de álcool no sangue, resta à Recorrida requerer a ampliação do objecto da apelação, quanto a estas matérias.
XIX. Conforme se alcança da Douta Sentença, ficou provado que a clausula em causa não foi comunicada à Autora, bem como desta clausula não foi informada.
XX. É consabido que, determinada cláusula que cai no âmbito da previsão do artigo10º do DL n° 446/85 não poderá ser invocada por quem a submeteu a outrem, se não alegar e provar que a mesma foi efectiva e adequadamente comunicada e explicada ao destinatário, sem o que se considerará excluída do respectivo contrato.
XXI. Pelo que, em resultado do que a este respeito ficou provado na douta sentença, concluiu-se que tal clausula é nula, por violação dos deveres de informação e comunicação, previstos nos art.ºs 5º e 6º do DL 446/85, de 25 de Outubro.
XXII. E, não sendo a cláusula constante dos factos provados no ponto “T” válida, não poderá figurar na matéria de facto provada, impondo se assim a sua eliminação.
XXIII. Quanto ao teste de pesquisa de álcool no sangue que consta dos autos, a Douta Sentença refere que: “No caso e pese embora, em audiência de julgamento ter resultado que o condutor do veiculo foi transportado para uma outra Unidade Hospitalar antes de ter sido transferido para o Hospital ... no Porto, local onde acabou por ser feita a colheita ao sangue, a verdade é que tal factualidade não foi alegada pela autora e nem sequer que tivesse existido recusa do condutor na colheita do sangue.”, razão pela qual, concluiu pela não verificação de prova obtida de forma ilegal.
XXIV. Ora, por requerimento apresentado em 03-09-2021, com a referência 29811342, a Autora alegou tal factualidade, bem como alegou e requereu que a alegada prova relativamente à condução do condutor do veículo sob a Influência do álcool, fosse declarada inválida por ilegal, por violação dos artigos 152º e 153º do Código da Estrada e artigo 1º da Lei nº 18/2007, que aprova o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas
XXV. Conforme flui com clareza dos normativos transcritos, o exame de sangue é a via excecional de recolha de prova admitida na lei para deteção de álcool, apenas admissível em casos expressamente tipificados, designadamente quando o estado de saúde não permite o exame por ar expirado ou esse exame não for possível.
XXVI. Dado o enquadramento legal, o auto de contraordenação tinha obrigatória e expressamente de referir os motivos pelos quais não foi possível realizar o exame de ar expirado, designadamente, que o mesmo não foi possível atento o estado de saúde incapacitante do arguido.
XXVII. Contudo, nada é dito a este respeito, nem o podia dizer, porquanto, previamente a ter sido conduzido ao Hospital ... o condutor do veículo foi submetido ao teste de pesquisa de álcool por ar expirado (qualitativo).
XXVIII. Razão pela qual, resulta clarividente que o condutor do veiculo estava em perfeitas condições físicas que lhe permitiam realizar o exame de pesquisa de álcool no ar expirado, , conforme aliás se alcança do relatório de urgência junto aos autos.
XXIX. Se foi possível efectuar o teste qualitativo por meio de ar expirado, resulta clarividente que também seria possível efectuar o teste quantitativo por meio de ar expirado, inexistindo uma qualquer justificação para a imposição da realização do exame de sangue.
XXX. Pelo que, resulta à evidência que a determinação da taxa de álcool foi realizada fora do circunstancialismo previsto no artigo 156º, nº 2 do Código da Estrada.
XXXI. E, em consequência, a recolha de sangue ao condutor do veículo constitui um meio de obtenção de prova ilegal, constituindo o respectivo resultado da pesquisa quantitativa de álcool efectuado na amostra recolhida um meio de prova não válido, não podendo ser valorado.
XXXII. O exame de pesquisa de álcool em crise constituiu-se em data anterior à instauração dos presentes autos, é uma prova pré-constituída, que a Autora impugnou a sua força probatória, uma vez que se trata de prova ilegal, porque não cumpriu com os tramites legais impostos, inquinando o resultado do exame e conduzindo à ausência de qualquer prova sobre a sua TAS à data do acidente.
XXXIII. E tal realidade não foi contrariada por uma qualquer prova ou meios de prova apresentado em julgamento, e por quem, em respeito ao princípio do ónus da prova, competia - à Ré.
XXXIV. As regras de normalização processual impedem validar no processo civil provas irregular ou invalidamente formadas noutros domínios processuais designadamente no processo contraordenacional; de facto, se a lei exige para a válida formação dum exame, no processo contraordenacional, um determinado procedimento e este não foi observado e a irregularidade não foi, ou já não pode ser como é o caso, sanada não se vê como lhe conferir força probatória no processo civil, ou até em qualquer outro processo em que venha a ingressar como meio de prova.
XXXV. Em suma, formada invalidamente a prova, no domínio contraordenacional, por inobservância de formalidades prescritas na lei e assim ingressando no processo, mostra-se destituída de qualquer força probatória por impossibilidade lógica de se expressar racionalmente um juízo de facto assente numa prova inválida
XXXVI. Ao ter considerado a taxa de álcool de que o condutor do veiculo em causa era portador, o Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento, por violação dos artigos 152, n.º 1, al. a), 153º, 156º, nº 2, do Código da Estrada , nº 1 da Lei nº 18/2007, artigos 388º, 389º, 417º, nº1, 421º, nº 1 do CPC, e artigo 32º da CRP.
XXXVII. Razão pela qual, requer-se a V. Exas se dignem julgar a prova pericial em crise inválida, por falta de cumprimento dos tramites legais impostos, e, em consequência, destituída de qualquer força probatória.
XXXVIII. O que por esta via se requer que seja declarado, com as demais consequências legais.
XXXIX. Consequentemente, salvo melhor entendimento, conhecendo, se necessário, das questões suscitadas, subsidiariamente e em fase de ampliação, sempre se deverá manter-se a douta sentença proferida pelo tribunal "a quo", porque justa e equitativa.» (sic)
Entende, assim, a recorrida que a sentença deve ser confirmada.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II.
Exceção feita para o que for do conhecimento oficioso, as questões a decidir estão delimitadas pelas conclusões da apelação da R. recorrente, acima transcritas (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º do Código de Processo Civil).

Está para apreciar e decidir a seguinte questão da apelação:
1. No contrato facultativo de seguro automóvel por danos próprios, a cláusula de exclusão da cobertura do seguro “quando o condutor conduza com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida” funciona sem a prova do nexo causal entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente?

Na procedência desta questão, há que apreciar e decidir as questões da ampliação do recurso apresentada pela A. nas contra-alegações:
2. Deve ser excluído o ponto T dos factos provados, por nulidade da cláusula prevista na al. …) do nº 1 da cláusula 5ª das Condições Gerais do Seguro Automóvel Facultativo?
3. O exame de sangue efetuado ao condutor para deteção de álcool no sangue constituiu, no caso, um meio de prova inválido, não podendo ser valorado no processo?
*
III.
São os seguintes os factos dados como provados na 1ª instância[1]:
A. Em 15 de Junho de 2015, a A. adquiriu, no estado de novo, um veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Peugeot, modelo ..., com a matrícula ..-PO-...
B. Para financiamento da aquisição de tal veículo, a A. celebrou com a instituição financeira Banco 1..., S.A.., com sede na Rua ..., ... Porto, um contrato de crédito.
C. Para o veículo em causa, a A. celebrou com a Ré, um contrato de seguro, na modalidade de danos próprios, titulado pela Apólice de seguro automóvel n.º ..., e pelo qual a A. pagou o respectivo prémio.
D. Transferiu para a Ré, a responsabilidade, entre outros, pelo risco de choque, colisão e capotamento, da viatura identificada.
E. O valor do veículo em causa foi segurado pela Ré, no valor de € 28.700,00 (vinte e oito mil e setecentos euros), mas sujeita a uma franquia de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros).
F. Sucedeu que em 08 de julho de 2018, pelas 01h00m, no acesso à Rede Diária Exterior (Variante), em ..., Santo Tirso, o veículo com a matrícula ..-PO-.., ao tentar desviar-se de um pneu que se encontrava na faixa de rodagem, passou por cima do mesmo, sofreu um despiste, embatendo nos rails, seguido de capotamento.
G. No momento do acidente o PO era conduzido por AA, empregado da A. e marido da sua sócia-gerente.
H. Ao local ocorreu a GNR ..., tendo lavrado auto de noticia, e tal como se informa no item “condutor”, da Participação de Acidente de Viação elaborada pela GNR e junta aos autos com a PI, no momento do acidente não foi possível realizar teste do álcool por lesão do condutor e consequente transporte para o Hospital ..., no Porto.
I. Neste estabelecimento hospitalar, no próprio dia 08 de julho de 2018 (dia do sinistro), pelas 06:00, foi efectuada colheita de amostra de sangue para quantificação da taxa de álcool.
J. Conforme certidão do aditamento à participação do acidente de viação segundo o relatório nº... do Serviço de Química e Toxicologia, da Delegação do Norte do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses o condutor do PO continha 0,88 gramas de etanol por litro de sangue.
K. Em consequência do sinistro, o veículo sofreu vários danos em toda a frente, em ambos os lados, no capot, nos airbags, no motor, no chassis que ficou deformado e recuado.
L. A A. comunicou à Ré a descrita ocorrência, uma vez que havia transferido para esta a responsabilidade civil do dito veículo, da qual fazia parte a cobertura de choque, colisão e capotamento.
M. A Ré após ter vistoriado o veículo, em 18 de Julho de 2018, a Ré, por carta, comunicou à Autora que face aos danos estimados em € 50.000,00, e de acordo com as garantias contratualmente estabelecidas, que se impunha a respectiva regularização como perda total.
N. Mais informava que, de acordo com as garantias contratualmente estabelecidas, o valor do seguro era de € 28,700,00, sendo a franquia contratual no valor de € 250,00, reservando para momento ulterior a assunção de responsabilidade.
O. Por carta datada de 03 de Agosto de 2018, a Ré, informava que “(…) a responsabilidade pela produção do sinistro é imputável ao condutor do veiculo seguro, pelo que não se encontra afastada a obrigação de indemnizar por parte deste Seguradora. Assim sendo, vamos dar seguimento às indemnizações exigíveis, em condições que procuraremos se ajustam o melhor possível ao nosso comum interesse.
P. Por carta datada de 31 de Agosto de 2018, informou o seguinte:
Com utilidade para a presente peça, transcreve-se a teor da aludida missiva:
Exmos Senhores,
Com referência ao acidente acima mencionado, vimos por este meio informar V. Exas que, terminada a instrução do nosso processo, concluímos que não poderemos prosseguir com a regularização.
Com efeito, de acordo com os elementos de que dispomos, e atendendo ao exposto na alínea d) do nº 1 da Clausula 5ª das Condições Gerais do Seguro Automóvel Facultativo, encontra-se excluída a regularização ao abrigo da Cobertura de Choque, Colisão e Capotamento.
Face ao exposto, e apesar de lamentarmos as consequências do sinistro, não poderemos responder pelas indemnizações devidas no âmbito das respectivas coberturas facultativas existentes na apólice em referencia.
Apresentando os nossos melhores cumprimentos, subscrevemo-nos, Pela Seguradora.
Q. Não obstante, ter recebido toda a documentação solicitada referente ao veículo, a Ré recusou-se efectuar o pagamento da indemnização pedida.
R. E no dia 03 de agosto de 2018, comunicou à A., tomadora do seguro, que iria dar seguimento às indemnizações exigíveis uma vez que a responsabilidade do sinistro recai sobre o condutor do veículo seguro.
S. No seguimento do teor da carta enviada à autora com data de 3.8.2021, a ré pagou à C... a quantia de €3.520,00 pelos danos provocados nos equipamentos da via.
T. O teor da alínea d) do nº 1 da Clausula 5ª das Condições Gerais do Seguro Automóvel Facultativo que dispõe a exclusão da cobertura dos danos ao veiculo seguro quando o condutor conduza com uma taxa de alcoolémia superior à legalmente admitida ou acuse consumo de estupefacientes ou de outras drogas e produtos tóxicos ou esteja em estado de demência não foi informada à autora, cujo teor era do seu desconhecimento.
U. A A. tem conhecimento da existência de um contrato de seguro, mas o único suporte documental que lhe foi entregue foi proposta de seguro, nunca lhe tendo sido entregue qualquer outro suporte documental, nem por qualquer forma explicado ou comunicado o que quer que seja, nomeadamente as clausulas contratuais e exclusões contratuais.
V. A representante legal da A. limitou-se a assinar o clausulado apresentado pela Ré, não tendo sido informado acerca do conteúdo das condições gerais e/ou particulares.
W. Nem lhe tendo sido fornecido, aquando da outorga do contrato, quaisquer documentos em que estivessem enumeradas tais condições gerais e/ou particulares.
X. Apenas foi comunicado à A. que a apólice contemplava as coberturas de furto ou roubo, choque, colisão ou capotamento, mas não as especificidades e/ou causas de exclusão inerentes às mesmas.
Y. Na proposta de seguro subscrita pela representante legal da autora pode ler-se: “… Ao presente contrato aplicam-se as Condições Gerais: LIBER 3G. As Condições Gerais acima referidas e que integram o presente contrato de seguro estão disponíveis em www.B....pt (através da consulta pelo código de pesquisa ...) e em todas as agências do Segurador”.
Z. Em 02 de fevereiro de 2016, quando da alteração (renegociação) do contrato de seguro constante da mesma apólice, a A., na pessoa da sua representante, BB, assinou a declaração com o seguinte teor: Declaro que me foram prestadas as informações pré-contratuais legalmente previstas, tendo-me sido entregue, para o efeito, o documento respectivo, para delas tomar integral conhecimento, e bem assim que me foram prestados todos os esclarecimentos de que necessitava para compreensão do contrato, nomeadamente sobre as garantias e exclusões, sobre cujo âmbito e conteúdo fiquei esclarecido
(…) assinatura: BB, sobre carimbo com os dizeres,
A... UNIPESSOAL, LDA. (…)
AA. A R. comunicou à A. que, àquela data, a melhor proposta para aquisição do salvado era de €1.560,00.
BB. Proposta esta apresentada por “D..., Lda.”, com sede no Edifício ..., Av. ..., ..., ... Lisboa.
*
O tribunal considerou não provada a seguinte matéria:
1. A R. informou a A. das condições gerais e particulares do contrato, como lhas explicou e lhe indicou o modo de a elas aceder.
*
IV.
Descritos os factos dados como provados, debrucemo-nos sobre o thema decidendum do recurso.
A. Do recurso de apelação
1. No contrato facultativo de seguro automóvel por danos próprios, a cláusula de exclusão da cobertura do seguro “quando o condutor conduza com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida” exige a prova do nexo causal entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente?
O tribunal a quo entendeu que a R. não estava dispensada de alegar e provar a verificação daquele nexo causal. Não o tendo feito, condenou-a no pagamento da indemnização à A. relativamente aos danos próprios no veículo, em virtude do despiste e capotamento, com base na cobertura do seguro facultativo contratado com a A. e em vigor à data do acidente.
Previamente, porém, para uma melhor compreensão do caso, há que registar aqui como progrediu o tribunal a quo na fundamentação da sentença.
- Qualificou o contrato em causa como um contrato de seguro facultativo e de adesão, a que se aplica o Regime Geral das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro[2];
- Considerou que a R. violou os deveres de comunicação das cláusulas do contrato e de informação, designadamente quanto às cláusulas de exclusão da cobertura;
- Porém, entendeu que, apesar de não comunicada nem explicada, a cláusula de exclusão da cobertura do seguro na situação de influência alcoólica superior à legalmente admitida por lei não é nula, porque tal condução é proibida e punida como contraordenação ou como crime, e tal exclusão violaria os princípios fundamentais da ordem pública do Estado de direito.
- Daí que o tribunal haja considerado que, em princípio, os danos sofridos no veículo devessem ser excluídos da cobertura da apólice, dada a relevante TAS detetada no seu condutor.
- No entanto, decidiu-se que a R. deve responder pelos danos uma vez que não provou a existência de nexo causal entre a influência alcoólica e o despiste do veículo; considerou-se que a cláusula de exclusão da cobertura do seguro deve ser interpretada no sentido de que não é dispensável a prova da existência daquele nexo causal.
- Negou que a prova da influência alcoólica do condutor tivesse sido obtida ilegalmente;
- Com efeito, a instância recorrida condenou a R. seguradora no pagamento de indemnização.
É a exigência de alegação e prova de nexo causal que a R. coloca em causa na apelação, defendendo que a exclusão da cobertura do seguro se basta com a prova da existência de uma TAS do condutor par além do limite admitido por lei.
Vejamos!
O Art.º 81º do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei nº 114/94, de 3 de maio, proíbe a condução sob a influência de álcool (nº1), considerando como tal aquele que apresente uma taxa de álcool no sangue (TAS) igual ou superior a 0,5 g/l ou que, após exame realizado nos termos previstos no Código da Estrada e legislação complementar, seja como tal considerado em relatório médico (nº 2).
A condução sob uma TAS igual ou superior a 1,2 g/l tipifica matéria criminal, punível com prisão ou multa (art.º 292º, nº 1, do Código Penal) e a condução sob uma TAS igual ou superior a 0,5 e inferior a 1,2 g/l integra matéria contraordenacional, punível com coima.
A TAS detetada no sangue do condutor do veículo seguro é proibida por lei (0,88 g/l); poderá, por isso, fundamentar a exclusão de cobertura do seguro.
A questão é, para já, saber se a R., para fazer funcionar a exclusão contratada teria, indispensavelmente, que ter alegado e provado o nexo causal entre aquela taxa alcoólica encontrada no sangue do condutor e o despiste e capotamento do veículo.
Debatem-se atualmente na jurisprudência duas posições divergentes:
a) Para uns, a exclusão daquela cobertura de seguro facultativo só procede se a seguradora alegar e provar a existência de nexo causal entre a taxa de álcool de que o condutor é portador e o acidente.
Esta tese foi sustentada, designadamente, nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11.12.2012, proc. 1135/10.7TVLSB.L1.S1, de 31.3.2022, proc. 898/19.9T8PTL.G1.S1, de 24.5.2022, proc. 52/20.7T8TND.C1.S1, acórdão da Relação de Lisboa de 14.4.2015, proc. 2003/13.6TVLSB.L1-1, acórdãos da Relação de Guimarães de 14.5.2009, proc. 288/06.3TBVLN.G1, de 12.5.2016, proc. 2131/11.2TBFAF, de 4.11.2021, proc. 898/19.9T8PTL.G1 e acórdão da Relação do Porto de 28.9.2015, proc. 6356/12.5TBVNG.P1.[3]
b) Para outros, a exclusão da cobertura do seguro procede nas situações em que o condutor é portador de uma TAS proibida por lei, sem necessidade de demonstração (pela seguradora) de que a mesma foi causa adequada do sinistro.
Esta tese foi sustentada, designadamente, nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27.1.2005, proc. 04B4639, de 16.9.2008, Revista n.º 1933/08-6.ª Secção, de 25.10.2018, proc. 82/15.0T8ALJ.G1.S2, acórdãos da Relação de Lisboa de 7.11.2013, proc. 82/11.0TBVLS.L1-6 (com voto de vencida), de 16.4.2015, proc. 1486/13.9YXLSB.L1-2, acórdão da Relação do Porto de 7.11.2011, proc. 1164/09.3TBAMT-A.P1, acórdão da Relação de Guimarães de 31.1.2008, proc. 2565/07-1, acórdãos da Relação de Coimbra de 15.7.2008, proc. 531/06.9TBPBL.C1, de 25.10.2011, proc. 770/07.5TBGRD.C1, de 5.5.2020, proc. 2450/13.3TJLSB.C1, de 14.11.2017, proc. 6162/11.4TBLRA.C1 e acórdão da Relação de Évora de 18.9.2008, proc. 893/08-2.[4]
É nesta posição que nos revemos. Porquê?
O sistema jurídico, na unidade que se deseja, tem vindo a reconhecer o significativo aumento de sinistralidade no nosso país, reagindo em conformidade, com a preocupação de combater os diversos fatores que para ela têm contribuído e de prevenir e punir os comportamentos que lhe estão associados. A condução sob o efeito do álcool, a par da condução com excesso de velocidade, têm sido os principais vetores de incidência daquelas preocupações, com reflexo nas leis e nas decisões judiciais.
No que ao álcool respeita, passou-se de uma penalização situada a partir de 0.8 g/l de sangue, prevista no art.º 1º, nº 2, da Lei nº 3/82, de 29 de março, que se manteve na vigência da Lei nº 124/90, de 14 de abril, para o limite mínimo de 0,5 g/l de sangue na legislação mais recente e atual.
As dúvidas interpretativas que surgiram na aplicação da al. c) do art.º 19º da Lei do Seguro Obrigatório, aprovada pelo Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de dezembro, relativamente ao exercício do direito de regresso da seguradora, foram resolvidas pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça uniformizador de jurisprudência nº 6/2002 no sentido da necessidade de a seguradora provar o nexo causal entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente, com seguinte texto:
A al. c) do artigo 19º do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de dezembro, exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob a influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente.”
Na altura, a dúvida hermenêutica residia sobretudo no facto de aquela norma prever a expressão “influência do álcool” para qualificar o exercício do direito de regresso contra o condutor.
Certamente influenciado pela referida uniformização de jurisprudência e pelo aumento da sinistralidade, o legislador da nova lei do seguro obrigatório, aprovada pelo Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de agosto, que, no seu art.º 94º revogou o regime anterior, alterou o a norma relativa ao direito de regresso na condução com álcool, passando a prever, no art.º 27º, nº 1, al. c), que, “satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso (…) c) contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida (…)”[5].
O novo legislador abandonou a expressão da lei anterior “influência do álcool” para passar a utilizar a expressão “taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida”.
Com esta nova lei, o referido acórdão uniformizador de jurisprudência nº 6/2002 perdeu então a sua força vinculativa.
As dúvidas que continuaram a surgir na interpretação da matéria do direito de regresso no âmbito de aplicação desta nova LSO, foram dissipadas por um novo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça uniformizador de jurisprudência, de 28.11.2013, com a uniformização que nos parece corresponder ao esforço do novo legislador, com a seguinte doutrina:
«O artigo 27º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, atribui à entidade seguradora o direito de regresso contra o condutor do veículo culpado pela eclosão do sinistro, sempre que a condução se tenha operado com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida e sem necessidade de comprovar o nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente.»
Em consonância com o considerando que acima consignámos, consta da fundamentação deste acórdão: “Desde há muito tempo que se vem registando no nosso País uma elevada taxa de sinistralidade, estatisticamente uma das maiores da Europa. Não podendo ficar indiferente a esta ocorrência logo o legislador, preocupando-se com esta circunstancial conjuntura, ensaiou um modo de lhe pôr cobro, designadamente penalizando a condução de veículos automóveis sob o efeito de álcool, a principal das razões, segundo se crê, da maior parte dos acidentes ocorridos nas nossas estradas, tendo em consideração que a excessiva ingerência[6] de bebidas alcoólicas faz perder os reflexos de movimentos, tão necessários na destreza que o condutor terá de fazer valer em muitas das situações que terá de enfrentar no exercício da condução.
E ainda, a propósito da nova regra legal sobre o direito de regresso e a taxa de álcool ilegal, discorre-se neste aresto uniformizador, que, “da "ratio" que superintendeu à redação desta mesma regra, se infere que ela aponta para o mesmo desígnio que atrás acabámos de consignar, qual seja o de que, mesmo pequenas concentrações de álcool no sangue provocam alterações no comportamento, percepção e reacção dos condutores e que, como informa a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, o risco de envolvimento em acidente mortal aumenta duas vezes a partir da taxa de 0,5 gramas por litro de sangue e, a partir da taxa de 1,2/g/l, o risco é amplificado para 16 vezes”.
Com a nova expressão legal --- “com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida” --- “o que se há-de completar é o de que o sentido da lei a ter em atenção é o de que, circulando o condutor com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida e tiver dado causa ao acidente, a seguradora tem o direito de regresso contra o seu segurado”, refere ainda o douto acórdão uniformizador.
O regime jurídico aplicável, com relevo para a data da celebração do contrato, é o que resulta do Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de abril, o Regime Jurídico do Contrato de Seguro[7], que acolhe também a aplicação do RGCCG[8], regulado pelo Decreto-Lei nº 446/85, de 15 de outubro.
Na base do seguro automóvel obrigatório, estão duas ordens de interesses: o interesse do segurado, que pretende proteger o seu património, de modo a não suportar indemnizações, e o interesse do lesado, cujos direitos ficam fortemente garantidos, pelo que os princípios e a razão de ser subjacentes ao seguro obrigatório não se aplicam, naturalmente e com os mesmos fundamentos, ao seguro facultativo.
Não estamos, no caso, perante um contrato de seguro automóvel obrigatório, mas face a um contrato de seguro de danos próprios no veículo, um seguro facultativo, em que vigora o princípio da liberdade contratual, onde as partes podem introduzir as cláusulas que entendem, desde que respeitem os limites legais de imperatividade.
Por conseguinte, no âmbito do seguro facultativo, designadamente no ramo dos danos próprios do veículo, “saber se a exclusão do sinistro, da cobertura do seguro depende apenas da circunstância de o segurado conduzir com uma T.A.S. superior à legalmente permitida ou se, pelo contrário, é também indispensável a prova da existência de nexo de causalidade adequada entre tal condução e a eclosão do acidente é algo que depende estreitamente da redacção que, em concreto, tiver a cláusula delimitadora do objecto do contrato de seguro”[9].
A al. d) do nº 1 da cláusula 5ª das Condições Gerais do contrato de seguro automóvel facultativo que as partes celebraram prevê a exclusão da cobertura dos “danos causados ao veículo seguro quando o Condutor conduza com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida (…)”.
Evidencia-se que a R. seguradora, ao elaborar esta cláusula, quis acompanhar não apenas o sentido da expressão que, no art.º 27º do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de agosto, se consagrou para ao exercício do direito de regresso pela seguradora, mas até reproduzir essa mesma expressão: a condução “com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida”. Expressão esta que foi também interpretada pelo mais recente dos citados acórdãos uniformizadores, que recaiu sobre aquela norma, como objeto dessa uniformização, no sentido já atrás referido, de que não é exigível a comprovação do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente.
Este é o sentido que se pretende unívoco no nosso sistema jurídico desde o início de vigência do novo regime do seguro automóvel obrigatório e que se foi seguido da cláusula 5ª, nº 1, al. d), das cláusulas gerais do contrato de seguro facultativo em causa. Regula-se ali a exclusão da cobertura do seguro numa situação muito clara, simples e precisa: a condução superior à taxa legal, assim, sem qualquer alusão à culpa do condutor ou a qualquer relação de causa-efeito entre a TAS de que o condutor seja portador e o acidente de viação.
A dúvida conceptual que persistiu até ao último dos referidos acórdãos uniformizadores e que o mesmo resolveu no âmbito do exercício do direito de regresso não deve agora ser alimentada em disrupção com a pretendida unidade e coerência do sistema jurídico quando estão igualmente em causa efeitos da condução de veículos em situações de acidente sob uma TAS proibida por lei no âmbito das relações de seguro. E se aquela dúvida era justificada e sustentável no âmbito da interpretação, indagação e aplicação do Direito pregresso, a referida expressão utilizada pela seguradora na cláusula 5ª, nº 1, al. d) não só reproduz a nova expressão legal, como não pode deixar dúvida razoável ao declaratário normal quando colocado na posição do representante da A. e perante o comportamento da seguradora --- assim, segundo as regras da interpretação dos contratos (art.ºs 236º a 238º do Código Civil) --- de que a cobertura do seguro é excluída pelos danos causados ao veículo seguro quando o condutor conduza com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, sem reservas ou restrições que, da cláusula, claramente, não constam e o declaratário normal ali não lê nem pode ler.
Tratando-se de um negócio jurídico formal, há o limite de a declaração não poder valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (art.º 238º, nº1, do Código Civil). Assim, o sentido hipotético da declaração que prevalece no quadro objetivo da respetiva interpretação, como corolário da solenidade do negócio, tem que ter um mínimo de literalidade no texto do documento que o envolve.
Estando-se perante um negócio jurídico oneroso e formal, o critério interpretativo segundo a impressão de um declaratário normal colocado na posição do real declaratário está limitado por um mínimo literal constante do texto das condições gerais e particulares do contrato de seguro consubstanciado na respetiva apólice. Mas na interpretação da vontade dos outorgantes podem relevar várias circunstâncias, designadamente os termos da apólice e da lei aplicável, as prévias negociações entre as partes, a qualidade profissional destas, a terminologia técnico-jurídica utilizada no sector e a conduta de execução do contrato.
Não olvidamos que se trata de um contrato de adesão, a que é aplicável também o regime das cláusulas contratuais gerais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de outubro, para o qual remete a própria LCS (art.º 3º), que, segundo o respetivo art.º 10º, a interpretação do contrato, além de dever observar as regras previstas no Código Civil, deve respeitar sempre o contexto de cada contrato singular em que se incluam as cláusulas objeto de interpretação, e que, de acordo com o art.º 11º, nº 1, se forem ambíguas têm o sentido que lhes daria “o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real”.
A cláusula em causa não é ambígua, duvidosa, obscura, aos olhos do “contraente indeterminado normal”. Sabe, aliás, este contraente que a condução sob o efeito do álcool é um problema sério na sociedade portuguesa, sendo perfeitamente compreensível, aos seus olhos, que as seguradoras excluam a cobertura do seguro em todas as situações de condução sob o efeito de uma TAS superior à legalmente permitida. Nestes casos, raras são as vezes em que aquela influência é estranha ao acidente, sendo, ainda assim, em algumas delas, difícil fazer a prova do respetivo nexo de causalidade. É um risco que a seguradora não quer cobrir. Não é indiferente para a seguradora assumir o risco consoante o condutor seja portador, ou não seja, de uma taxa de álcool no sangue superior à permitida por lei. Então não se pode considerar desproporcionado que uma seguradora não queira assumir o risco nestes casos, isto é, o risco resultante de o veículo seguro poder vir a ser conduzido por alguém portador de uma taxa de álcool no sangue proibida por lei.
Nestes casos, as probabilidades de a seguradora poder vir a ter de pagar uma quantia mais elevada em relação à que pagaria se o condutor estivesse isento de álcool no sangue, aumentam na proporção em que aumenta o perigo do mesmo agente, uma vez alcoolizado, poder vir a danificar o veículo durante a condução. Aumentando significativamente as hipóteses de existir um dano no veículo que a seguradora terá de indemnizar quando o condutor está alcoolizado, é perfeitamente compreensível que a seguradora não queira assumir este risco e a inerente responsabilidade nestas circunstâncias ou, então, assumir a responsabilidade, mas com aumento do prémio.
Esta posição da seguradora, que se insere no âmbito da liberdade contratual (art.º 405º, nº 1, do Código Civil), fora do interesse próprio da lei do seguro automóvel obrigatório --- de proteção de terceiros, de socialização do dano ou do risco e do dever de indemnizar[10] ---, radica no sentido da lei e serve, aliás, de boa forma, o propósito legal de redução da sinistralidade rodoviária. O que nos parece reprovável é que uma seguradora, em sede de seguro facultativo, assuma o risco emergente de uma conduta que não é infortunística, mas livre e deliberada do condutor em se colocar numa situação de condução proibida por lei, fortemente potenciadora de risco e de dano na circulação rodoviária, ainda que considere apenas o veículo seguro.
O homem médio e razoável não acolheria a consagração de cláusulas contratuais a que atribuísse alcance contrário a lei imperativa, e designadamente na área estradal e penal.
Por conseguinte, sempre com o respeito devido pela posição contrária, concluímos que, com vista à exclusão da responsabilidade civil facultativa, perante uma cláusula do teor da que foi contratada, basta à seguradora alegar e provar que o condutor, na ocasião do sinistro, fazia transitar o veículo sob o efeito de uma TAS superior à legalmente permitida, como facto impeditivo do pretenso direito ao ressarcimento pretendido pelo segurado.
Decorre do exposto a negação da posição e da solução sustentadas na sentença recorrida, sem que, no entanto, possamos proferir já decisão, uma vez que há que conhecer dos fundamentos da ampliação do recurso suscitados pela A. nas contra-alegações.
É o que vamos fazer.
*
B. Da ampliação do recurso
Dispõe o art.º 636º, nº 1, do Código de Processo Civil, no caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
Vamos seguir a ordem das questões suscitadas na ampliação.
2. Deve ser excluído o ponto T dos factos provados, por nulidade da cláusula excludente da cobertura do seguro, prevista na al. d) do nº 1 da cláusula 5ª das Condições Gerais do Seguro Automóvel Facultativo
Alega a recorrente que ficou provado que a cláusula em referência não foi comunicada à A., daí resultando a sua nulidade, por se tratar de uma cláusula contratual geral. Mais afirma que o tribunal recorrido entendeu que tal cláusula não deve ser considerada nula, nem objeto de exclusão, com o fundamento de que é matéria punível como crime e como contraordenação a condução com uma taxa de álcool superior ao limite legalmente permitido, pelo que a assunção de responsabilidade pela seguradora sempre seria nula por contrariar a lei (art.º 280º, nº 1, do Código Civil).
Defende a recorrida que, não lhe tendo sido comunicada aquela cláusula, a mesma é nula, por violação dos deveres de informação e comunicação, previstos nos art.ºs 5º e 6º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de outubro. E, não sendo válida, não poderá figurar no acervo dos factos provados (ponto T), impondo-se a sua eliminação.
Com efeito, a causa deveria ser julgada, na perspetiva da recorrida, desconsiderando aquela cláusula excludente da cobertura do seguro.

Uma das características mais marcantes do direito contratual contemporâneo e de um número significativo de contratos --- dos mais importantes da vida económica e empresarial moderna --- é a de serem celebrados em conformidade com as cláusulas previamente redigidas por uma das partes (o proponente, ou até por terceiro), sem que a outra parte possa alterá-las. Tais contratos são designados por contratos de adesão; fórmula que traduz a posição da contraparte e realça o significado da aceitação: mera adesão a cláusulas pré-formuladas por outrem.
Nesta noção, avultam três características essenciais na definição dos contratos de adesão em sentido estrito: a pré-disposição, a unilateralidade e a rigidez.
São contratos normalmente celebrados com base em cláusulas ou condições gerais previamente redigidas. Por isso, a aludida predisposição consiste, via de regra, na elaboração prévia de cláusulas que irão integrar o conteúdo de todos os contratos a celebrar no futuro ou, pelo menos, de certa categoria de contratos: trata-se, hoc sensu, de cláusulas contratuais gerais. A esta característica da generalidade anda associada uma outra, a indeterminação: as cláusulas são previamente redigidas para um número indeterminado de pessoas[11]. O aderente limita-se a aceitar o texto que a outra parte contratual lhe oferece, sem qualquer possibilidade de alteração.
Entre a A. e a R. foi celebrado um contrato de seguro automóvel facultativo, mais concretamente um seguro de danos próprios do veículo, neles incluída a cobertura de danos emergentes de despiste e de capotamento.
Aquele contrato é um contrato de adesão[12], como se verifica pela simples análise das condições gerais, constantes do documento contratual junto com a contestação e para as quais remete, como parte integrante, a apólice de seguro aqui em causa, sendo apenas os elementos desta constantes que distinguem os elementos contratuais efetivamente negociados com a A.
A A. pretende ser indemnizada relativamente a danos causados no seu veículo, em consequência de um despiste, quando conduzido por um seu trabalhador.
A discussão gira em torno de uma cláusula de exclusão de responsabilidade prevista naquelas condições gerais do seguro facultativo, que exclui a cobertura do seguro quando o veículo é conduzido pelo condutor cum uma TAS proibida por lei.
Entendeu-se na sentença que, com ou sem a devida comunicação desta cláusula ao aderente antes da celebração do contrato, a mesma não pode ser dele excluída por constituir uma salvaguarda de princípios fundamentais de ordem pública do Estado Português, sendo de afastar a responsabilidade da seguradora por factos constitutivos de ilícito penal ou contraordenacional, como é o caso da condução sob o efeito do álcool com taxa de alcoolemia proibida por lei.
Continuando a seguir a posição do aqui relator[13], é de acolher mais uma vez a doutrina do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.1.2008[14], de que “…a cláusula incluída nas Condições Gerais de um contrato de seguro, segundo a qual não são objecto de cobertura os riscos devidos a acção da pessoa segura influenciada pelo álcool (ou seja, com mais de 0,5 g/l de álcool no sangue) se encontra em consonância, no que toca à condução sob o efeito do álcool, com normas legais prescritivas e de ordem pública definida pelo direito positivo português.
A lei aplicável aos contratos de seguro que cubram riscos situados em território português não poderá envolver ofensa dos princípios fundamentais da ordem pública do Estado Português - art.º 192º, nº 1, do Dec-lei 94-B/98, de 17 de Abril.
E são tidos como contrários à ordem pública os contratos de seguro que garantam, designadamente, o risco de responsabilidade criminal – art.º 192º, nº 3, al. a), do mesmo dec-lei. Por isso, embora tratando-se de uma cláusula contratual geral, a falta de comunicação ao segurado do teor dessa cláusula, ou a falta de informação sobre o seu concreto alcance e significado, não envolve a exclusão dessa cláusula, ao abrigo do art.º 8º, al.s a) e b), do dec-lei 446/85”.[15]
Por ser criminalmente punível a condução de veículo em estado de embriaguez, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, como decorre do art.º 292º do Código Penal, ou por constituir contraordenação a condução sob a influência de álcool, sempre que o condutor apresente uma taxa de álcool superior a 0,5 g/l, nos termos do art.º 81º do Código da Estrada, a assunção de responsabilidade pela seguradora seria nula por contrariar a lei (art.º 280º, n.º 1, do Código Civil). Daí que se venha considerando que, não podendo segurar-se uma atividade ilícita e criminosa, tal cláusula de exclusão de responsabilidade não está sequer incluída nos deveres de comunicação e de informação nos termos dos art.ºs 5º e 6º, para efeitos do art.º 8º do decreto-lei nº 446/85, de 25 de outubro (RJCCG)[16].
Os danos sofridos no veículo estão excluídos do seguro obrigatório; no caso, foram os mesmos contratualmente abrangidos pelo denominado seguro automóvel facultativo. Ocorrendo a condução sob relevante influência do álcool, aqueles danos sofridos no veículo são excluídos da apólice, nos termos da exclusão consignada na referida cláusula 5ª, nº 1, al. d) das Condições contratuais gerais. No âmbito facultativo do contrato celebrado, a R. seguradora não está constituída na obrigação de indemnizar os danos sofridos pelo veículo seguro, uma vez que a condução com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida é causa de exclusão da responsabilidade contratual daquela.
E, como vimos, tal causa de exclusão de aplicação da apólice funciona independentemente de se verificar a existência de nexo de causalidade entre a condução sob a influência do álcool, o acidente e os danos causados.
Em reforço do que já referimos, tendo o seguro de danos próprios caráter facultativo, não estando em causa a proteção social e interesses de terceiro vítima de acidente, o tomador é livre de o celebrar e de escolher as coberturas a estar abrangidas pelo contrato. Uma vez celebrado o contrato de seguro, o autor ficou obrigado a cumprir todas as cláusulas que subscreveu, nomeadamente, a que prevê a exclusão dos danos causados ao veículo em caso de condução com TAS proibida por lei[17].
A propósito, escreve-se de modo lapidar no acórdão da Relação do Porto de 20.1.2005[18], citando Dario de Almeida: “foram considerações de justiça social, num Estado de Direito Social, que levaram à instituição do seguro obrigatório no ramo automóvel. Fala-se, a propósito, numa “socialização do dano» e numa «socialização ou colectivização do risco e do dever de indemnizar”.
Na área do seguro facultativo, só em sentido impróprio se poderá falar em socialização, levando esta palavra a dar a ideia de que o risco e a culpa, nas suas várias situações concretas, se reduzem a um fenómeno de carácter colectivo ou de responsabilidade colectiva, uma vez transferido por todos os respectivos responsáveis virtuais, através do prémio, para a esfera das sociedades seguradoras, onde a gestão e aplicação desses prémios funciona a favor de todos os segurados”.
(…)
O seguro facultativo com as cláusulas que as partes nele queiram inserir corresponde mais à concretização do princípio da liberdade contratual consagrada no artº 405º do CC, tendo uma função complementar em relação ao seguro obrigatório.
É no seguro facultativo que as partes podem completar a cobertura dos diferentes danos que ficam cobertos pelo seguro obrigatório.
(…)».
Decorre do exposto que a referida cláusula de exclusão de responsabilidade não pode deixar de ser oponível à A., seja porque a sua exclusão seria contrária à ordem pública do Estado português --- como se defendeu na sentença recorrida ---, seja porque a R. seguradora não tem que demonstrar o adequado nexo causal entre a TAS do condutor do veículo e o acidente[19].
Improcede a primeira questão da ampliação do recurso.
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3. O exame de sangue efetuado ao condutor para deteção de álcool constituiu, no caso, um meio de prova inválido, não podendo ser valorado no processo?
Argumenta a recorrida que o auto de contraordenação tinha obrigatória e expressamente de referir os motivos pelos quais não foi possível realizar o exame de ar expirado ao condutor, designadamente, que o mesmo não foi possível atento o seu estado de saúde incapacitante. O condutor do veículo estava em perfeitas condições físicas que lhe permitiam realizar o exame quantitativo de pesquisa de álcool no ar expirado, conforme se alcança do relatório de urgência junto aos autos. Não havia qualquer justificação para a imposição da realização do exame de sangue.
Acrescenta que a determinação da taxa de álcool foi realizada fora do circunstancialismo previsto no artigo 156º, nº 2, do Código da Estrada e que, por isso, a recolha de prova efetuada constituiu um meio de obtenção de prova ilegal, não podendo ser valorado.
A propósito, extrai-se da sentença:
«(…)
Quanto a esta matéria resultou provado que ao local do acidente ocorreu a GNR ..., tendo lavrado auto de notícia, e tal como se informa no item “condutor”, da Participação de Acidente de Viação elaborada pela GNR e junta aos autos com a PI, no momento do acidente não foi possível realizar teste do álcool por lesão do condutor e consequente transporte para o Hospital ..., no Porto.
Neste estabelecimento hospitalar, no próprio dia 08 de julho de 2018 (dia do sinistro), pelas 06:00, foi efectuada colheita de amostra de sangue para quantificação da taxa de álcool.
Conforme certidão do aditamento à participação do acidente de viação segundo o relatório nº ... do Serviço de Química e Toxicologia, da Delegação do Norte do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses o condutor do PO continha 0,88 gramas de etanol por litro de sangue.
A este propósito diz o art. 156º do CE, o seguinte:
1. Os condutores e os peões que intervenham em acidente de trânsito devem, sempre que o seu estado de saúde o permitir, ser submetidos a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, nos termos do artigo 153.º
2. Quando não tiver sido possível a realização do exame referido no número anterior, o médico do estabelecimento oficial de saúde a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos deve proceder à colheita de amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influência pelo álcool e ou por substâncias psicotrópicas.
3. Se o exame de pesquisa de álcool no sangue não puder ser feito ou o examinando se recusar a ser submetido a colheita de sangue para análise, deve proceder-se a exame médico para diagnosticar o estado de influência pelo álcool e ou por substâncias psicotrópicas.
4. Os condutores e peões mortos devem também ser submetidos ao exame previsto no n.º 2.
No caso e pese embora, em audiência de julgamento ter resultado que o condutor do veículo foi transportado para uma outra Unidade Hospitalar antes de ter sido transferido para o Hospital ... no Porto, local onde acabou por ser feita a colheita ao sangue, a verdade é que tal factualidade não foi alegada pela autora e nem sequer que tivesse existido recusa do condutor na colheita do sangue.
Assim, não estando o condutor no local do acidente no momento em que a autoridade chegou ao local por ter ido para o hospital onde lhe foi feita a colheita ao sangue sem oposição do mesmo e tendo acusado uma taxa de álcool no sangue de 0,88grs/l, nãos e vê de onde resulte a violação do disposto no art. 156º, nº 2 do CE, pelo que não existe qualquer prova obtida de forma ilegal.
Em consequência resulta confirmada que o condutor conduzia o veículo sinistrado com uma taxa de álcool no sangue de 0,8gras/litro.
(…)».
A recorrida não impugna a decisão proferida em matéria de facto, nem nos encontramos no âmbito de um processo contraordenacional e do seu julgamento, com eve\ntual condenação em qualquer sanção de natureza penal ou equiparada.
O que aqui está essencialmente em causa é saber se, nas circunstâncias do acidente, o condutor do veículo o conduzia com uma TAS proibida por lei; o que efetivamente se confirma com base na realização de um exame de sangue realizado com recolha de amostra no Hospital ..., para onde o condutor foi transportado para obter assistência médica. A GNR não logrou realizar o exame no ar expirado no local, por já não ter encontrado o condutor quando ali se deslocou após o acidente.
Consultado o auto de participação do acidente de viação, dele resulta efetivamente que o condutor não foi submetido ao teste de álcool no local do acidente por ter sido conduzido ao Hospital ..., por lesão (cf. também o ponto H dos factos provados).
De acordo com o nº 8 do art.º 153º do Código da Estrada, “se não for possível a realização de prova por pesquisa de álcool no ar expirado, o examinando deve ser submetido a colheita de sangue para análise ou, se esta não for possível por razões médicas, deve ser realizado exame médico, em estabelecimento oficial de saúde, para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool.
O regime do art.º 156º, nºs 1 e 2, do Código da Estrada, não afasta a possibilidade de aplicação do nº 8 do art.º 153º, mesmo em caso de acidente de viação. Não é por ter ocorrido um acidente de viação que deixa de poder ocorrer qualquer causa de impossibilidade da realização da prova por pesquisa de álcool no ar expirado que não seja o seu estado de saúde.
Também nos termos do nº 3 do art.º 1º do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei nº 18/2007, de 17 de maio, “a análise de sangue é efectuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo”.
Não tendo sido possível realizar o teste pelo ar expirado no local do acidente, por o condutor já ali não se encontrar quando chegou a GNR, bem se justificou a realização do exame no hospital por recolha de sangue, para onde o condutor havia sido conduzido para receber cuidados de saúde.
A utilização prioritária do teste pelo ar expirado não é imposição absoluta e a todo o custo, como se o teste por recolha de sangue fosse um seu sucedâneo sem o mesmo rigor ou qualidade. O exame de sangue é, aliás, mais rigoroso do que o exame no ar expirado, daí servir normalmente de contraprova e o seu resultado prevalecer sobre o resultado do exame inicial (nº 6 do art.º 153º do Código da Estrada).
O meio utilizado para a obtenção da TAS do condutor do veículo é legal e releva para a prova do facto.
Improcede a ampliação do recurso.
O recurso é procedente.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
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V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação procedente e a ampliação do recurso improcedente e, revogando-se a sentença, absolve-se a R. do pedido.
Custas da apelação pela A. recorrida, por ter decaído totalmente no recurso e na respetiva ampliação (art.º 527º, nº 1, do Código de Processo Civil), levando-se em conta a taxa de justiça que já pagou.
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Porto, 23 de março de 2023
Filipe Caroço
Aristides Rodrigues de Almeida
Francisca Mota Vieira
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[1] Por transcrição.
[2] Adiante RGCCG.
[3] Todos, in www.dgsi.pt,
[4] Todos, in www.dgsi.pt, com exceção do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.9.2008.
[5] O sublinhado é nosso.
[6] Por certo, quis escrever-se “ingestão”.
[7] Adiante RJCS.
[8] Regime Geral das Cláusulas Contratuais Gerais.
[9] Acórdão da Relação de Lisboa de 7.11.2013, proc. 82/11.0TBVLS.L1-6, proferido com um voto de vencido, citando outro aresto (então, ainda não tinha sido proferido o acórdão uniformizador de 28.11.2013) in www.dgsi.pt.
[10] Como refere Dário Martins de Almeida, in Manual de Acidentes de Viação, 3ª edição, pág. 442 e seg.s, é “na área do seguro obrigatório que estão claramente subjacentes os princípios de interesse geral e de justiça social correspondentes a uma consciência mais forte dos direitos e dos valores da pessoa humana”.
[11] Acórdão da Relação do Porto de 24.4.2008, proc. 0832041, in www.dgsi.pt.
[12] Nem a seguradora põe isso em causa.
[13] Já tomada no acórdão da Relação de Guimarães de 20.11.2012, proc. 1637/10.5TBGMR.G1, não publicado.
[14] Proc. 07A4318, in www.dgsi.pt, também citado pela recorrente nas suas alegações. Cf. ainda acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.7.2004, proc. 04B2331, publicado na mesma base de dados
[15] Cita-se ali um outro aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 14.12.2004, publicado na Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T. III, 146. Cf. ainda o acórdão daquele Alto Tribunal de 13.7.2004, proc. 04B2331, in www.dgsi.pt e ainda, das Relações, o acórdão da Relação de Coimbra de 29.5.2007, proc. 9/04.5TBTCS.C1, e da Relação do Porto de 19.12.20102, proc. 1376/10.7TBPFR.P1, in www.dgsi.pt.
[16] Entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.7.2004, proc. 04B2331 e o acórdão da Relação de Coimbra de 29.5.2007, proc. 9/04.5TBTCS.C1, in www.dgsi.pt.
[17] Acórdão da Relação do Porto de 7.11.2011, proc. 1164/09.3TBAMT-A.P1, in www.dgsi.pt.
[18] Proc. 0436988, in www.dgsi.pt.
[19] Ainda neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.5.2012, proc. 04B2331 e os acórdãos da Relação de Coimbra de 18.3.2003, proc. 3162/02 e de 15.7.2008, proc. 531/06.9TBPBL.C1, in www.dgsi.pt.